1969 foi o auge da
psicodelia com o Woodstock, um festival de música que afirmou não só beat e a
lisergia do rock n’ roll, mas um comportamento de uma população, sobretudo
jovem, que vislumbrava a paz e o amor e a busca do desprendimento do
conservadorismo que permeava na sociedade da época. Mas a horrenda guerra do
Vietnã era a pauta de algumas bandas famosas da época. Todos ou grande parte
eram contra, achavam uma aberração e de fato o era.
Era a liberdade, era o
hipismo. E a música, bem como as drogas orgânicas e industrializadas, ajudava
ou personificavam tal fenômeno sociológico, eram as portas da percepção abertas
para sensações transcendentais. Na música, nas bandas de rock n’ roll,
predominavam o experimentalismo, as improvisações, as músicas lisérgicas
dançantes que hipnotizavam os expectadores ávidos por experiências
psicodélicas.
Algumas gozavam de certo peso na sonoridade como o Experience de Hendrix, o Cream, o Vanilla Fudge, Yardbirds etc, mas tinham muito do psicodelismo pujante na época ainda em suas músicas. Contudo, ainda nessa época, tínhamos bandas que ousavam e causavam certo furor pelo fato de tocar mais pesado, de forma mais visceral, mais direta, tais como exemplos tinham Led Zeppelin, Grand Funk Railroad, Blue Cheer, Black Sabbath, The Stooges, entre outras bandas.
Essas bandas foram as primeiras desbravadoras do embrionário hard rock que no final da década de 1960 e início dos anos 1970, onde eclodiu uma grande quantidade de bandas que passaram a se tornar referência para o estilo, dando fim definitivo ao “flower power”.
Mas tivemos outras bandas que facilmente podem ser inseridas neste rol de baluartes do hard rock, que executava um rock com temática mais pesada e que infelizmente não teve os holofotes para difundir a sua música e colher os louros do pioneirismo, mas que, graças a abnegados como nós, amantes incondicionais do estilo e ferramentas como a internet, trazem à luz as bandas que caíram na implacável malha do esquecimento, nos porões esquecidos e obscuros do rock n’ roll.
E diante de uma quantidade razoável de bandas, conheci uma que, a primeira audição, me gerou uma completa surpresa positiva mesclada a um espanto por uma sonoridade arrojada e revolucionária no longínquo ano de 1969. Falo de uma banda chamada VALHALLA e seu único álbum lançado, de nome “Valhalla”.
O Valhalla foi uma banda norte americana que fazia uma mescla de hard rock ácido e visceral com o uso de hammond. Em alguns momentos fica muito orquestral e até sinfônico e até passagens jazzísticas, com pitadas progressivas. Era uma época de transição, ou seja, do psicodelismo para o rock pesado, mas o Valhalla já mostrava uma considerável queda pelo peso, pelo heavy rock e lembra um pouco o começo do Deep Purple e também o Uriah Heep.
E falando em começo o Valhalla, como tantas outras bandas, das famosas e obscuras, comercialmente falando, tinham os porões, as garagens, com o mínimo de estrutura para tocar os seus primeiros acordes. Não tiveram sessões em estúdios ou estruturas adequadas, eram espaços ínfimos, pequenos e muitas vezes nas casas dos pais, onde era o terror da vizinhança pouco simpática a uma sonoridade, digamos, pouco ortodoxa.
Eram muito jovens quando formaram o Valhalla, nunca tinham tocado em outras bandas anteriormente, em Long Island, apesar de ter alguma cena rock nessa região. E tudo girava em uma mentalidade antiautoritária, as agitações civis estimulavam o surgimento de bandas, de jovens que queriam expressar as suas insatisfações com o status quo pela arte, pela música e claro não foi diferente com os meninos do Valhalla.
Mas eram tempos difíceis para as bandas que pouco tinha no que se refere a oportunidades para gravar e difundir a sua música. Mas o selo “United Artists” contatou o tecladista, vocalista e pianista da banda, Mark Mangold, oferecendo um contrato ao Valhalla, após ter visto a banda tocar em um clube. A banda era forte, era visceral ao vivo e certamente colaborou para a gravadora convoca-los para a gravação de seu único álbum, “homônimo”, em 1969.
Mesmo com um contrato debaixo
do braço a banda, formada por Mangold nos teclados, vocal e piano, Rick Ambrose
no baixo e vocal, Dom Krantz na guitarra, Eddie Livingston na bateria e Bob
Huling no vocal e percussão, teve dificuldades para conceber seu álbum, afinal
pouca verba foi liberada para os caras trabalharem e entregarem um álbum com
uma qualidade na sua produção.
A banda, muito jovem e pouco
rodada no show bussiness, teve que
contar inteiramente com o seu produtor, acontecendo tudo muito rápido, ou seja,
uma ou talvez duas tomadas no máximo, basicamente sem overdubs. O álbum foi feito na “raça”! Tanto que se nota, na
mixagem, a bateria um pouco baixa, mas que não comprometeu no resultado final,
muito pelo contrário.
Nunca se soube exatamente quantas cópias foram feitas para este álbum, possivelmente poucas cópias o que infelizmente “ajudou” para a banda não conseguir êxito comercial. A capa do disco, um navio viking, que queima e naufraga, revela com força o nome da banda. Valhala, na mitologia escandinava, era o palácio onde as almas dos guerreiros mortos em combate eram recebidas para servir ao deus Odin. Era uma espécie de santuário onde só entravam os mortos com honras. Era o paganismo nórdico a favor do rock n’ roll, daí se explica a sua essência. O nome do artista que concebeu a arte gráfica era Remo Bramanti.
Quando o álbum foi lançado o
Valhalla não fez grandiosas turnês, foram apenas apresentações locais,
basicamente em faculdades, clubes e alguns poucos festivais pelos Estados
Unidos. Era desejo de a banda divulgar o seu trabalho novo, até então, pela
Europa, o que nunca aconteceu. Mas a banda conquistou alguma fama na região
onde foi formada e arredores, graças as suas explosivas apresentações.
Na concepção da criação,
todas as faixas foram compostas, foram criadas no piano com alguma improvisação
ou em ensaios e grande parte dessas músicas tiveram inspiração em posturas
anti-guerra ou questões comportamentais. Era uma época de descoberta, sombria,
então formas de pensar velhas e antiquadas estavam na “pauta” dos jovens do
Valhalla. Tudo isso era inspiração para compor e não tinha como fugir daquelas
“tendências”.
“Valhalla” trazia a potência
e o vigor do hard rock, mesclado a um proto prog, algo como um progressivo
sinfônico graças a uma orquestra que ajudou no processo de composição e
concepção do álbum, com músicas repleta de mudanças de ritmo e melodias
complexas, mas muito orgânicas, cheias de vivacidade e visceralidade.
E ele é inaugurado com a
faixa “Hard Times” que traz uma fusão avassaladora de riffs de guitarra e
teclados frenéticos, as misturas de proto metal e rock psicodélico são
evidentes, com guitarras pesados e vocais ásperos e poderosos complementados
pelo hammond.
“Conceit” começa mais
devagar e suave, mas gradualmente se desenvolve, tornando-se uma faixa
psicodélica mais pesada e fantástica no final. A melodia dos versos é
cativante!
"Ela
levou uma vida protegida desde o amor de cachorro para ser minha esposa"!
O solo de guitarra no fim da
faixa assume contornos de distorção e com efeitos de “wah-wah” incríveis.
O peso das duas faixas
anteriores desaparece com a linda balada “Ladies in Waiting”, a faixa mais
lenta do álbum e trabalhada lindamente no piano. A melodia é delicada e o vocal
é excelente nesta faixa. A letra provavelmente não seria tão popular nos dias
de hoje:
"Mãe
de nada, os frutos do seu ventre foram em vão."
“I’m Not Askin” traz o
estilo psicodélico ácido e pesado e fica um pouco mais progressivo em alguns
momentos, com uma seção estendida de solo de guitarra avassaladora e um pouco
também com a bateria, tendo a textura do hammond que traz a “cereja” do bolo.
Não podemos deixar de destacar a força pulsante do baixo que trouxe mais peso a
faixa. Percebi também uma levada bluesy nesta música, além do vocal gritado e
rasgado. Lindo!
“Deacon” é uma música
tipicamente “flower power”, com a orquestra como pano de fundo trazendo a noção
de algo voltado para o proto prog, talvez um progressivo sinfônico.
“Heads are Free” traz aquela
sonoridade meio psicodélica, resquício de rock lisérgico, um pouco comercial e
acessível, traz também um limpo e belo solo de guitarra. Lembra um pouco The
Doors.
“Roof Top Man” é um
espetáculo à parte. Introdução jazzística na bateria, um vocal blueseiro e uma
pegada hard faz dessa música uma das melhores do álbum, sem dúvida. Traz também
uma guitarra “fuzz” lembrando os
primórdios do Iron Butterfly.
Em seguida tem a faixa
"JBT" que significa algo como "July Building Thunderstorm"
ou “formação de tempestades de julho”. É uma música mais suave que descreve
poeticamente uma construção e uma tempestade que se aproxima. Começa com uma
guitarra limpa e um som de órgão mais suave, mas perto do final muda um pouco.
“Conversation” também pega leve, como a faixa “Deacon”, se revelando uma linda balada com a predominância do piano dando-lhe a camada necessária para a música.
O álbum fecha com “Overseas
Symphony” que é um tanto quanto épico trazendo a combinação de heavy psych com
a orquestra. A música com pouco menos de seis minutos e meio se revela complexa
e rica, cheia de mudanças rítmicas com solos de guitarras lindas, vocais
emotivos e de grande alcance e transições com uma leve e doce flauta, aquela
faixa extravagante entre peso e prog rock.
O único membro do Valhalla
que teve uma carreira musical mais longeva foi o tecladista Mark Mangold que
foi, após o fim do Valhalla, foi para o American Tears e lá ajudou a banda a
gravar três álbuns de estúdio, além de ter gravado alguns trabalhos solo.
O Valhalla lamentavelmente
não durou muito tempo, mas deixou uma marca indelével em um período de grandes
transições para o rock n’ roll onde esta música conheceria, na virada dos anos
1960 para os anos 1970, grandes vertentes como hard rock, rock progressivo e
que estavam impressos na música da banda.
Um hard potente, verdadeiros petardos de guitarra e teclados caóticos, vocais ao estilo heavy rock... Um álbum que, embora esteja nos porões do rock, certamente, ao ouvi-lo, você logo chegará a uma óbvia conclusão: É uma referência para uma toda uma cena que surgiria forte na década de 1970 e 1980.
A banda:
Rick Ambrose no baixo,
vocais
Bob Huling na percussão,
vocais
Don Krantz na guitarra
Eddie Livingston na bateria
Mark Mangold nos teclados,
vocais
Faixas:
1 - Hard Times
2 - Conceit
3. Ladies in Waiting
4 - I'm Not Askin'
5 - Deacon
6 - Heads Are Free
7 - Rooftop Man
8 - JBT
9 - Conversation
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