50 anos! O que é o tempo
quando se tem a eternidade? Mensurar tempo parece ser irrelevante para definir
a história de um álbum para a música, para o rock n’ roll. E o que dizer de
trabalhos icônicos para bandas obscuras? A arte vence! O tempo não enferruja,
não torna datado, mas atemporal na concepção sonora e de suas mensagens, o que
pode ser bom ou ruim, depende do tema abordado.
O fato é que o rock
progressivo italiano sempre promoveu momentos improváveis, sobretudo nos anos
1970. Como determinados álbuns foram destinados a entrar para a história e não
ter tido um impacto comercial, grandes vendas e resultados de sucesso e
glamour?
Parece uma combinação
inviável, diria inusitada, mas a banda de hoje conseguiu tal feito, mesmo com
uma trajetória calcada na precocidade de sua história que, logo ao lançar seu debut, saiu de cena da mesma forma que
entrou: timidamente, sem alardes. Falo do ALPHATAURUS.
E falar do seu primeiro
trabalho, homônimo, de 1973, é como falar da minha história com o rock progressivo.
Não é apenas a história e a relevância desse álbum para a cena progressiva
italiana e mundial, mas uma relação afetiva, pois foi com ele que a Itália
progressiva descortinou-se diante dos meus olhos. E começar com essa obra prima é
ter, ouvir e sentir o que o prog rock pode de melhor proporcionar a pobres
mortais como eu.
O Alphataurus, nome
astronômico da primeira estrela da constelação de Touro também conhecida como
"Aldebaran", foi formado na cidade de Milão em 1970 a partir da
reunião do tecladista Pietro Pellegrini com o vocalista Michele Bavaro, o
violinista Guido Wasserman, o baixista Alfonso Oliva e o baterista Giorgio
Santandrea.
Apesar da intensa atividade ao vivo, com várias apresentações em festivais importantes da Itália, como o “Davoli Pop” e o “Palermo Pop 72”, o Alphataurus nos dois anos anteriores ao lançamento de seu primeiro álbum, de 1973, permaneceu sem contrato, sem nenhuma gravadora interessada em tê-los em seu “cast”.
Mas foi exatamente no
Festival Pop de Palermo que Vittorio De Scalzi, que tinha saído da icônica
banda New Trolls e impressionado com nível sonoro e técnico dos músicos, os
convida para praticamente inaugurar o recém-fundado selo “Magma”, fundado em
conjunto com o seu irmão, Aldo.
E assim o Alphataurus começaria a fazer história, mesmo que a base de muitas adversidades, típicas de bandas undergrounds, com o seu primeiro álbum, lançado em 1973, sendo também o primeiro trabalho concebido com a ajuda da nova gravadora. Era novidade para os jovens produtores, os irmãos De Scalzi.
Como muitas das bandas
italianas, “Alphataurus” tem influências do rock progressivo britânico, com
destaque para o Emerson, Lake & Palmer, King Crimson, Yes e Van der Graaf
Generator, porém como algumas grandes bandas do “país da bota” desenvolveram, a
partir de suas influências, seu próprio estilo, sua própria proposta sonora,
usando primordialmente a sua língua pátria, abrangendo também uma textura
instrumental invejável, ampla, tendo a base do órgão e moog, entregando pegadas jazzísticas até ao hard rock e
contemplações sinfônicas dando o caráter ao prog rock.
Não só as teclas ganham
destaque no primeiro trabalho do Alphataurus, mas a começar pelo vocal com uma
voz extremamente poderosa e original, certamente uma das mais competentes
surgidas naquele longínquo ano de 1973, com uma guitarra bem cuidada e tocada
com destreza e a seção rítmica criando um fundo poderoso. Não há indulgência, é
um trabalho orgânico, fiel ao conceito do rock progressivo em voga naqueles
anos. O álbum do Alphataurus é sofisticado? Sim, mas não caem na armadilha do
pedantismo.
Mas esse resultado tem um
motivo primordial: quando a banda entrou em estúdio, logo no início de 1973
para a gestação do álbum o Alphataurus ensaiava as músicas por muito e muito
tempo. Reza a lenda que ficavam no estúdio por até seis horas consecutivas,
podendo assim gravar as músicas e aproveitar o tempo restante para aperfeiçoar
os sons, adicionar overdubs e mixar
tudo também.
“Alphataurus” foi gravado
nos estúdios SAAR Records e Sax Records em Milão. A linda e instigante arte
gráfica, no formato LP, pode ser aberta em três partes e foi criada por Adriano
Marangoni e que representa fielmente os conceitos da obra: simplesmente a perda
da identidade do homem e os perigos da nascente sociedade tecnológica. Um tanto
quanto atual, não acham amigos leitores? A guerra tecnológica envolta em um
discurso demagógico da paz.
A faixa "Peccato
d'orgoglio" sintetiza muito bem o conceito do álbum e esse tema em sua
letra:
"Você
já está indo em direção ao vazio sem objetivo / Não tenha medo, volte entre nós
/ Você experimentou tudo, uma vida inteira / Sob uma luz falsa você usou para
construir sua realidade... Foi um pecado de orgulho / Lembre-se que você é um
homem / Você ainda pode viver... ".
Na letra é perceptível o
clima entre sonho e pesadelo, o medo da guerra nuclear e a esperança de um
mundo melhor. Apesar de um tema manjado, é fato que a tratativa é perfeita
entre a letra e a música.
“Alphataurus” é sombrio,
pesado, intenso, poderoso, que flerta entre o rock progressivo com as suas
passagens sinfônicas e o hard rock típico dos anos 1970. Guitarras pesadas e de
solos contemplativos, seção rítmica contundente e teclados frenéticos e
viajantes. Temos um potente heavy prog e passagens melódicas cativantes, tudo
isso envolto em uma textura de arranjos garantidos pelas ótimas seções
instrumentais.
São cinco músicas todas
assinadas pelo tecladista Pietro Pellegrini em um total de quarenta minutos. As
letras, no entanto, foram desenvolvidas por toda a banda em conjunto com
Vittorio de Scalzi que usou, para os créditos no álbum, com o pseudônimo de
“Funky”.
A faixa inaugural é a grande
“Le Chamadere (Peccato d'Orgoglio)” no auge de seus pouco mais de doze minutos
é a encarnação, creio, mais representativa do estilo que o Alphataurus imprimiu
neste álbum, sendo extremamente cativante, repleta de mudanças rítmicas, com um
toque orquestral que predomina, mas tocados em uma atitude hard rock e até
raivosa, em alguns momentos. A guitarra e o teclado são pesados, bem como os
vocais que trafega para a sensibilidade em alguns momentos. Os teclados trazem
a textura sinfônica e progressiva, com o trabalho fenomenal da bateria muito
arrojada com o baixo seguindo o ritmo. Mas não podemos deixar de destacar o
momento acústico e contemplativo garantido pelos dedilhados do violão.
Segue com a “Dopo L'Uragano”
que traz a predominância destacada da guitarra em uma versão blues, um blues
rock muito bem executado. As cadências entregues nos acordes básicos da
guitarra acústicas e os riffs de guitarra elétrica fazem com que o protagonismo
do instrumento se faça. Não se pode negligenciar os intervalos de boogie
intercalados por preenchimentos fortemente efetuados pela bateria. Vale lembrar
também que essa faixa retrata fielmente o humor sombrio e apocalíptico do
álbum:
"À
luz do sol, as sombras, o furacão é apenas passado. Volto para minha cidade,
sozinho e com dor. Eu não vejo o meu povo, as estradas estão desertas, eu olho
ao meu redor e vejo que a vida se esvai ..."
A faixa instrumental “Croma” é excelente e traz alguns toques jazzísticos com a alternância de passagens de órgão encontrando um fundo perfeito nas enormes camadas de moog e riffs e solos de guitarra, que eclodem em uma explosão majestosa em seu clímax final. Não se pode negar a simbiose entre o sintetizador e a guitarra.
“La Mente Vola” surpreende
pelo arranjo muito moderno, bem executado, parece ser descolado daqueles tempos
de outrora dos anos 1970. Tem uma batida sobreposta com sintetizadores,
parecendo ser consensual para uma faixa forte e poderosa. Teclados exemplares,
com solos de vibrafone e passagens misteriosas de moog, vocais emocionais e
dramáticos, assim se resume essa música. E já que falei em vocal, não podemos
deixar de destacar a poesia da letra, falando do homem que entende a
importância de se falar com o divino para cessar as suas dores e sofrimentos.
E fecha brilhantemente com a
faixa “Ombra Muta” que traz a estrutura fina e melódica com toques de guitarra
elétrica e teclados mais fortes e cativantes, com aquele “tempero” sombrio que
permeou todo o álbum. O baixo é pesado, contundente, os vocais altivos e de
grande alcance, além de bateria marcada e moogs frenéticos e animados.
Logo após o lançamento de
“Alphataurus”, a banda se dissolve e inclusive estavam envolvidos nas gravações
de um segundo álbum. Não há informações precisas sobre o que teria ocasionado o
fim da banda, talvez questões ligadas a divergências sobre a concepção do álbum
ou ainda as baixas vendas do primeiro trabalho, pois lamentavelmente o trabalho
não teve a divulgação necessária, haja vista que a gravadora, por ser nova, não
tinha recursos necessários para um trabalho adequado de disseminação e promoção
do álbum.
O projeto do segundo álbum
ficou inacabado, não foi concluído, inclusive os vocais não foram inseridos nas
composições. Ainda assim o material foi lançado, pela Mellow Records,
intitulado “Dietro L’Uragano” (Leia texto desse álbum aqui), no ano de 1992 e digo, meus caros leitores, que
mesmo sendo um projeto inacabado traz a essência e a força de uma banda seminal
que é o Alphataurus.
Após um longo período com a
banda hibernando, no ano de 2009, Guido Wassermann e Pietro Pellegrini
decidiram que era o momento de trazer o Alphataurus de volta à cena. O
baterista Giorgio Santandrea também voltou à banda e em novembro de 2010 eles
anunciaram oficialmente a reunião, após mais de trinta anos de ausência.
O Alphataurus se apresentou
no “Progvention”, no mesmo ano de 2010, na sua cidade natal, Milão. A formação,
que incluiu ainda o vocalista Cláudio Falcone, o tecladista Andrea Guizzetti e
o baixista Fabio Rigamonti permaneceu também para outras apresentações no ano
seguinte, em 2011.
Um álbum ao vivo, “Live in
Bloom”, foi lançado em março de 2012, mas antes do final de 2011 o baterista
Giorgio Santandrea deixaria a banda, sendo substituído por Alessandro “Pacho”
Rossi. Em setembro de 2012 seu segundo álbum de estúdio, “AttosecondO”, incluindo
temas revistos a partir do segundo álbum incompleto, bem como novas músicas.
Com o retorno aos palcos o
álbum “Alphataurus” ganharia maior evidência recebendo ótimas críticas e
consequentemente novas reedições, com uma, no formato CD, pelo selo “Vinyl
Magic”, em 1995, remasterizado pelo tecladista Pietro Pellegrini e outra, uma
em 2009 pelo selor AMS/BTF e outra em 2011, também pela Vinyl Magic” no formato
CD. Teve também, inclusive, uma reedição coreana feita com 1.000 cópias e uma
japonesa.
Muito se questiona sobre a concepção de “Alphataurus” e a sua relação com os irmãos De Scalzi, donos de selo Magma. Atribuiria a estes os “donos” do projeto do álbum do Alphataurus, não tendo um investimento pesado em divulgação exatamente por esta questão.
Mas não percebo como tal, mas sim como um trabalho genuinamente autoral de músicos tarimbados que definitivamente sabiam do caminho que estavam seguindo, da sua capacidade, de seu repertório.
Por mais que os envolvidos nesse álbum não possam ter tido a
dimensão do tamanho desta obra para a cena progressiva, mas o fato é que,
independente da ausência do sucesso comercial, o primeiro álbum do Alphataurus
está nos anais da história do rock progressivo italiano e mundial. Um trabalho
altamente recomendado!
A banda:
Guido Wasserman na guitarra
Pietro Pellegrini no órgão,
piano, moog, spinetta, vibrafone
Michele Bavaro no vocal
Alfonso Oliva no baixo
Giorgio Santandrea na bateria
Faixas:
1 - Peccato D'Orgoglio
2 - Dopo L'Uragano
3 - Croma
4 - La Mente Vola
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