O rock n’ roll sempre teve
personagens envoltos em mistérios, envoltos em camadas densas de mistério e
enigmas. Antes de bandas mascaradas que atingiram o sucesso comercial como o
Kiss e Alice Cooper e mais recentemente os teatrais do Ghost, muitas bandas,
principalmente obscuras e undergrounds, flertaram com ocultar de suas personas,
bem antes das bandas mencionadas.
Muitas delas gravaram e
lançaram álbuns ocultando suas identidades cultivando entre os aficionados do
estilo, uma curiosidade acerca de seus músicos. Outro fato comum nos anos 1960
e 1970 eram bandas concebidas com músicos de estúdio que se envolviam em
projetos de curto tiro, sem intenções de dar seguimento as suas histórias.
Mas independentemente da
situação o fato é que essas bandas que não creditam seus artistas em álbuns ou
os divulgam em shows, por exemplo, sempre alimentou uma cultura de interesse
principalmente entre aqueles apreciadores do rock obscuro, do underground onde
elas, as bandas, proliferam.
E uma banda que descobri,
praticamente por acaso ou nem tanto assim, haja vista que estou sempre a
garimpar por raridades empoeiradas pela grande rede, se adequa perfeitamente a
essas bandas esquecidas nos escombros da cena underground.
Mas o que mais me chamou
atenção, o que de fato se tornou natural, foi o aspecto visual, a arte gráfica
do álbum que, ao primeiro olhar, sugeria uma ser uma banda de heavy metal ou
até hard rock, por se tratar de ter estampado um estonteante e colorido
Baphomet, mas quando liguei o “play” foi uma tremenda surpresa, pois ouvi uma
miscelânea de sons que em tese não “harmonizou” com a capa, a começar com jazz,
prog rock, black music e soul music. Sim!
A banda em questão é o
WARLOCK que surgiu nos subúrbios de Detroit, cidade que tinha uma ótima cena
rock nos anos 1970. Pois é amigos e queridos leitores são essas loucuras e
bizarrices estranhas que surgem nos Estados Unidos que trafegam na obscuridade
que faz do rock n’ roll algo singular na sua diversidade.
E para variar pouco se sabe
sobre essa banda, sequer se sabe de seu line up, dos músicos que participaram
da concepção de seu único álbum, lançado em 1972, chamado simplesmente de
“Warlock”. E não se confundam com o Warlock mais famoso do início dos anos 1980
que tinha na sua formação a linda headbanger
Doro Pesch. Esse, como disse, trafega na escuridão.
“Warlock” foi lançado por um
selo chamado “Music Merchant” que também teve curta duração que também foi
criado no mesmo ano do lançamento do álbum do Warlock e, segundo reza a lenda,
concebido pela equipe de composição e produção da Motown de
Holland-Dozier-Holland. Talvez responda essa vertente da banda meio soul, meio
funk.
“Warlock”, produzido por Ronald Dunbar, um cantor de funk e soul e também produtor, apresenta uma sonoridade calcada em experimentalismos, onde nitidamente a banda deixa fluir a sua criatividade, o seu talento, sem amarras com estereótipos sonoros, flertando com o hard rock, flertando com o jazz rock, o rock progressivo, além da música negra, algo de black e soul music, além do funk e momentos de groove bem interessantes.
Para muitos a
banda apresenta, em seu som, muita estranheza, pelo simples fato de não se
agarrar aos estereótipos, o que é bom para aqueles que apreciam o rock nas suas
mais diversas facetas, mas que pode gerar rejeição para aqueles que curtem um
ou outro estilo.
Já que não temos os músicos
para apresentar, apresentemos o que eles produziram em estúdio o que
verdadeiramente é primoroso, dissequemos a sua música, o que, convenhamos, é o
mais importante.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Music Box: Struggling Man” que já escancara com um vocal potente,
rasgado, gritado, com o saxofone em pleno destaque com solos frenéticos e
enérgicos e um baixo pulsante com uma pegada bem funky, cheio de groove.
Tem um peso nessa faixa também, algo de hard com passagens mais lentas e um
vocal mais suave e melódico que surge. Excelente!
“So Can Woman” é dançante, o
vocal, mais bem elaborado e limpo, traz todo o balanço e a textura central da
faixa, com o sax ganhando espaço também, emoldurando a proposta da música.
Teclados trazem uma proposta mais progressiva a faixa, que se aventura em
caminhos mais experimentais.
“Putting Life Together” começa
com um envolvente solo de piano, com uma textura discreta e sombrio de baixo,
com uma pegada meio jazzy, com lindos
e contemplativos solos de saxofone e riffs de guitarra meio dançantes. O vocal
volta a se destacar, melancólico e dramático.
“You've Been My Rock” é um
“ponto fora da curva” do álbum. Escrita por Holland-Dozier-Holland, traz uma vibe meio “disco”, cheia de groove e
extremamente dançante trazendo a black e soul music. Confesso ter sido um tanto
quanto chocante ouvir essa música depois de uma sequência mais sombria e
experimental.
“Thrills of Love” entrega
peso, um hard rock ao estilo Cream, com riffs forte, potentes e pegajosos, mas
com a adição dos instrumentos de sopro, como o saxofone, entregou um pouco de
experimentalismo, com destaque também para o vocal gritado e de grande alcance
que é definitivamente a cereja do bolo desta belíssima música.
“Love Girl” volta a destoar
do conjunto, mas para melhor. Uma linda e memorável balada ao estilo jazzy que traz o destaque de um vocal
lindo, melódico e extremamente dramático, com uma flauta viajante e
contemplativa que faz da música extremamente linda!
E fecha, de forma
fantástica, com “As You Die: Music Box” que definitivamente é a faixa mais
progressiva do álbum, não apenas pela sua longa duração, com cerca de 14
minutos, mas primordialmente pelos vários andamentos e mudanças rítmicas e
pegadas bem enérgicas de saxofone, solos potentes de guitarra. A música, apesar
de longa, não se arrasta em nenhum momento, é o ponto mais alto do álbum, sem
sombra de dúvida.
O único rebento do Warlock
foi relançado em vinil em 2021 pelo selo Demon Records, prensado em vinil preto
de 140g com arte original e capa interna impressa muito bem-acabada.
Se você aprecia Blood, Sweet
& Tears, The Doors e Deep Purple e quer aguçar seu apetite musical com um
som repleto de alma, com mudanças cheias de humor e tem um gosto
suficientemente aventureiro, mergulhe com o único trabalho do Warlock. É raro,
obscuro, é uma pérola perdida, mas extremamente rica e recomendado.
A banda: Não creditada
Faixas:
1 - Music Box: Struggling Man
2 - So Can Woman
3 - Putting Life Together
4 - You've Been My Rock
5 - Thrills of Love
6 - Love Girl
7 - As You Die: Music Box
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