A cena progressiva da França
não goza de muita popularidade, não sendo muito respeitada, ficando, por conta
disso, aquém do que realmente representa, em termos de qualidade, para a cena
progressiva global.
E não se enganem, caros
amigos leitores, a França entrega um punhado de grandes bandas, não apenas do
prog rock, mas do rock n’ roll em todas as suas vertentes.
Infelizmente fatores
mercadológicos impactam nesse triste cenário, sem sombra de dúvida, haja vista
que a França não está no centro da música progressiva como a Inglaterra,
Alemanha e até mesmo a Itália. Talvez fatores culturais que se “aplicam” na
música, mas acredito, este último, se tratar de meras especulações sem nenhuma
sustentação.
E falando em grandes centros
da música progressiva, bem como em peculiaridades sonoras que variam de país
para país, a banda que escolhi para falar ou melhor escrever traz uma
sonoridade bem típica da Inglaterra, por exemplo, celeiro de bandas que
executavam, flertavam com o jazz rock, o prog rock entre outros sons pagãos bem
interessantes. Falo do TRIODE.
O Triode, como tantas bandas
de sua geração e flerte sonoro, teve um precoce fim, um desfecho anormal quando
se trata de qualidade de música, gravando apenas um álbum, no longínquo ano de
1971, chamado “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu”.
A banda foi formada na
“capital luz”, em Paris, no início de 1970 e teve seu álbum lançado pelo selo “Futura
Records” com uma tiragem mínima de cópias. Algo que intriga é que “On n'a Pas
Fini d'avoir Tout Vu” não possui um teclado, o que surpreende em se tratando de
um álbum que traz, na sua base sonora, o prog rock e o jazz rock.
Talvez a palavra certa a se
usar não seja “intriga”, mas “ousadia”, afinal uma banda de rock progressivo
não ter em sua formação um tecladista e ainda assim soar com uma imensa
qualidade, é digno de reverências.
E falando em formação, o
Triode, quando gravou “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu”, tinha o já exímio
Michel Edelin na flauta, Pierre Chereze na guitarra, Pierre Yves Sorin no baixo
e Didier Hauck na bateria. Edelin apesar de ser responsável apenas por tocar a
flauta, é dono de uma importância grande, afinal a alma da banda passa por seu
instrumento.
O Triode imprimiu em seu
único trabalho lançado, além da já mencionada veia progressiva com generosas
pitadas picantes de jazz rock, traz nuances bem evidentes de psicodelia,
lisergia graças ao trabalho extremamente versátil de Edelin e claro, dos demais
integrantes.
Ao buscar referências da
banda pela “web” observei que muitos analisavam ou melhor, comparavam o Triode
ao Jethro Tull, por conta do protagonismo da flauta em seu álbum. Mas ao ouvir “On
n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu é nítido que essa comparação, além de ser um tanto
quanto perniciosa, é equivocada, penso. Trata-se de uma comparação carregada de
estereótipos, somente pelo fato do Tull trazer também na flauta de Ian Anderson
o protagonismo que no Triode também possui. Evidente que, por conta do uso do
instrumento, algumas similaridades são percebidas, mas o Triode tem o que o
Jethro Tull quase não tem: o jazz rock.
“On n'a Pas Fini d'avoir
Tout Vu” é enérgico, solar, um álbum vivo, pleno e intenso. É totalmente
instrumental o que evidencia tal questão. E convém ressaltar que, além da forma
fascinante de tocar flauta de Michel Edelin, que harmoniza perfeitamente com o
seu psicodélico, lisérgico da guitarra de Pierre Cherez, além da seção rítmica
totalmente descolada e envolvente de Didier Hauck e Pierre-Yves Sorin.
O álbum é acelerado, em boa
parte de sua execução, nenhuma faixa é fraca ou, digamos, enfadonha, traz uma
musicalidade de extrema qualidade, mostrando músicos em excepcional sinergia e
ainda assim permaneceram tão esquecidos, desconhecidos, envoltos em uma obscura
bolha, inclusive nos circuitos do prog rock ficaram no mais puro ostracismo,
sem contar com a linda arte gráfica que já nos convida a ouvir o seu conteúdo.
E foi exatamente assim que
me aproximei do álbum do Triode: em minhas incursões, desbravando o mundo
encantado da obscuridade que, confesso não lembrar como, cheguei ao álbum desta
banda francesa. A arte gráfica foi mesmerizante e, claro, logo me pus a ouvir e
o resultado e de total frenesi que relato neste texto.
Trata-se um álbum versátil
ou que se convencionou de “eclectic rock” e confesso que, apesar de ser um
tanto quanto reticente com esses “rótulos musicais”, esse realmente se encaixa,
se adequa ao estilo de som do Triode: um jazzy prog com interlúdios quentes de
flauta, com a guitarra ácida, lisérgica e uma “cozinha” competente e audaciosa,
dando a textura ideal para a sua vertente sonora.
“Misomaque” de imediato se
percebe que é mais acelerada que a música anterior e quem dita esse ritmo é a bateria,
mostrando-se mais dinâmica e enérgica, logo depois vem o baixo pulsante e solos
rápidos e diretos de guitarra dando mais peso ao conjunto. Uma sopa sonora
intensa e dançante!
“Moulos Grimpos” já começa
contemplativo, com uma pegada mais psicodélica, graças também ao instrumento
percussivo. A flauta entra nos momentos mais leves da música, com guitarras
dedilhadas e baixo e bateria, mais uma vez, em extrema e competente
harmonização. Solos de guitarra limpas e lindas se ouvem e me remete algo meio
bluesy.
Segue com “Blahsha” que é a
síntese do jazz rock! Bateria swingada e frenética, em alguns momentos, a
flauta “duela” com os riffs de guitarra. O todo logo se mostra único com peso e
irreverência. Nota-se ao fundo gritos de êxtase, a música é envolvente e plena,
texturas pesadas com solos lisérgicos de guitarra. Sem dúvida uma das melhores
músicas deste belo álbum. Baixo pulsante de forma louca, bateria pesada, flauta
rasgando. Tudo nessa música é intensa!
“Lilie” é uma faixa em que
se corrobora a qualidade da flauta, tendo o apoio da seção rítmica, baixo e
bateria apoiam firmemente, deixando a música mais dançante. A flauta cede lugar
ao solo jazzy de guitarra que, embora simples, é extremamente emocional e
igualmente dançante. Mas a flauta logo retoma a sua condição de protagonista.
“Ibiza Flight” anuncia a
excelente introdução de baixo enquanto a bateria segue apoiando e a flauta, excelente,
“rivaliza” salutarmente com o pulsante baixo. A sintonia é perfeita! O solo de
guitarra entra na festa e ganha as atenções, com peso, solo que me remete a um
poderoso hard rock.
“Adeubis” é uma faixa mais curta com o
predomínio da flauta, mas logo vem os riffs meio dançantes de guitarra, algo
entre jazz rock com groove que, mesmo
com simplicidade, traz todo o zelo pela riqueza instrumental.
“Come Together”, clássico
dos Beatles, ficou bem interessante na versão instrumental, nada muito
especial, é bem verdade, mas, para variar, é extremamente interessante ouvir a
flauta substituir o vocal e a guitarra distorcida, ao estilo acid rock, conferindo
a faixa um pouco mais de peso.
E fecha com “Chimney Suite”
é de longe a faixa mais longa, no auge de seus mais de nove minutos de duração
e é basicamente conduzida pela flauta, percussão e baixo, tendo a guitarra, em
uma versão mais pesada, se junta rapidamente, vindo rasgada, com solos pesados,
fazendo o contraponto com a suavidade da flauta que sempre se mostra viva e
presente.
O Triode se separou um ano
após o lançamento de “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” se separou. O flautista
Edelin lançou alguns trabalhos solos, ganhando notoriedade e um deles é o
“Michel Edelin Trio/Quartet. Mais tarde Edelin iria se consagrar como uma das
lendas da flauta citado, inclusive no “Dicionário do Jazz” (Laffond), como um
dos “"The Great Creators of Jazz", autêntico especialista do jazz-flute e um dos quatro na lista do
Jazz Hot Prize (ao lado de Dave Valentin, James Moody e Sonny Fortune).
“On n'a Pas Fini d'avoir
Tout Vu” teve, ao longo do tempo, vários relançamentos com o primeiro pelo
famoso selo italiano, a Mellow Records, entre 2000 e 2001, pelo Futura Records,
na versão LP, em 2012, sendo que este selo foi o responsável pelo lançamento do
álbum em 1971, no mesmo ano outro selo italiano, o Luna Nera Records lançaria o
álbum em LP e por fim, até o momento, o selo francês “Souffle Continu Records”,
o lançaria em LP.
Um álbum instrumental
uniforme, com músicas de excelente qualidade, com a flauta e guitarra fuzzed que se revezam na “liderança”
sonora deste obscuro trabalho, com uma seção rítmica que dão o apoio e uma
textura pesada e percussiva que faz desse trabalho do Triode, mesmo não sendo
uma obra-prima, mas uma pérola do jazz rock. Recomendado!
A banda:
Pierre Chereze na guitarra
Pierre Yves Sorin no baixo
Didier Hauck na bateria
Michel Edelin na flauta
Faixas:
1 - Flower
2 - Misomaque
3 - Moulos Grimpos
4 - Blahsha
5 – Lilie
6 - Ibiza Flight
7 - Adeubis
8 - Come Together
9 - Chimney Suite
Download de “On n’a Pas Fini
d’Avoir Tout Vu pode ser feito aqui!
Esse álbum me enfeitiçou, entrei numa doce letargia e não dispenso mais em minhas audições obscuras !
ResponderExcluirMeu amigo que bom que apreciou, que bom que se deixou contaminar por esse som viciante! Eu adoro este álbum que, como bem disse, é bem obscuro! Obrigado por ler!
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