Lamentavelmente costumamos
lembrar de nossos músicos com as suas mortes! A frase pode parecer, de fato é,
forte, pesada, mas essa é a nossa triste realidade. E essa realidade nua e crua
se adequa aos nossos músicos à margem do mainstream.
Embora o termo soe um tanto quanto cult, no Brasil o cenário beira o perverso.
Bandas sem apoio da
indústria fonográfica, sem estrutura para produzir a sua arte, para divulga-la,
jogadas ao relento, ao ostracismo pelo simples fato de não ser “vendável” era a
tônica nos anos 1970. E para completar costuma-se atribuir às bandas
oitentistas o título de desbravadores do “rock Brasil”. E quanto as bandas dos
anos 1970? Nada a dizer?
Sem “vitimismos” a realidade
é essa! Mas graças ao advento da tecnologia ao universo da comunicação, com as
redes sociais, canais no YouTube, blogs, sites, entre outros, algumas bandas
esquecidas do passado estão ganhando vida de novo, ganhando a luz, nascendo
novamente. E não podemos esquecer, claro, dos abnegados que fazem isso
acontecer.
E falando em vilipêndio e
afins tivemos a triste notícia de que um grande vocalista, um grande músico nos
deixou precocemente: Falo de Fughetti Luz, da banda gaúcha BIXO DA SEDA. E o
texto de hoje é em homenagem a esse músico e a sua banda que deixou uma
indelével marca na história do rock, embora muitos se recusam a conceber isso.
O Bixo da Seda foi uma banda
formada na cidade de Porto Alegre, na segunda metade dos anos 1960, mas se
chamava “Liverpool”. Não se sabe a inspiração para o nome, mas, me permitem a
“licença poética” para devanear, nós tínhamos uma banda de Liverpool, na
Inglaterra que era a mais famosa da época, The Beatles. Será essa a influência?
O Liverpool lançou, em 1969, o seu primeiro álbum chamado “Por Favor Sucesso”. Este trabalho viria ser o embrião, ou pelo menos um dos que viriam a desbravar o clássico rock nacional, embora a sua sonoridade tenha uma pegada mais para a Jovem Guarda, famosa naquela época, com pitadas de Tropicalismo que ganhava corpo no final dos anos 1960. Neste álbum traz composições de Carlinhos Harlieb e da Hermes Aquino e Laís Marques, além de faixas próprias, compostas pelos músicos.
Algumas poucas faixas
ousavam com um pouco de psicodelia e até, arriscaria dizer, de um proto
progressivo bem experimental. A faixa “Voando” desse álbum é um exemplo, um
“protótipo” do que viria para frente no futuro dos seus jovens músicos.
Este álbum seria alvo de
relançamentos fora do Brasil recebendo alguma atenção e tornando-se um álbum
“cult”, recebendo também comparações com “Os Mutantes”.
Em 1970, ainda como
Liverpool, a banda lançou o álbum “Marcelo Zona Sul”. Nesse trabalho já se
desenhava, mesmo que timidamente o “pré-rock” do Bixo da Seda e neste álbum
pode-se destacar a faixa título que tem uma pegada meio folk, meio surf rock.
Este trabalho também foi trilha sonora do filme nacional de mesmo nome e
dirigido por Xavier de Oliveira. O filme fala sobre a juventude carioca dos
anos 1960 se tornando um sucesso de público e crítica revelando os atores
Stepan Nercessian e Françoise Forton, que faziam os papéis principais.
Em 1971 o contrato da banda
findou e, a partir daí, decidem lançar um compacto, utilizando o nome
“Liverpool Sound”, pelo selo “Polydor”, da gravadora “Phonogram” com as faixas
“Hei Menina” e “Fale”, sendo que seu lado “A” faz algum sucesso nas rádios do
Brasil.
Em 1972 o Liverpool se
desfaz com Fughetti Luz, o vocalista e principal compositor acabou se casando e
indo passar uma temporada na Europa, de forma forçada, pois se exilou em
virtude da repressão da ditadura militar, e Wilmar Ignácio Seade Santana,
conhecido como Peco (Pepeco), que era o baixista, viajando pelo Brasil e o
resto da banda se estabelecendo por Porto Alegre.
No final do ano de 1973 os
antigos integrantes do Liverpool, exceto Fughetti Luz, decidem se reunir. A ideia
era retomar a banda, mas resolvem mudar o nome para “Bixo da Seda”. A ideia do
nome da banda partiu do guitarrista Zé Vicente Brizola, filho do político
Leonel Brizola, que fazia parte da banda juntamente com o tecladista Cláudio
Vera Cruz. A inspiração surgiu da forma mais óbvia para aquela época: enquanto
a banda enrolava um baseado, pensaram na utilidade do papelzinho quase
transparente que envolvia a “erva”. A utilidade veio para dar nome a uma das
bandas mais emblemáticas do nosso rock.
Fughetti havia voltado para
Porto Alegre e formou muitas bandas que tiveram vida curta, como Laranja
Mecânica, Bobo da Corte e Trilha do Sol, por exemplo. Foi então que Mimi Lessa,
guitarrista, fez o convite a Fughetti para fazer parte do novo projeto, do Bixo
da Seda. “Bixo” se escreve com “x” mesmo. Fughetti então aceitou a proposta e
se uniu a banda.
Em 1975 se transferiram para
o Rio de Janeiro e começam a fazer muitos shows, afinal, o Liverpool lhes
possibilitaram a ter alguma fama. Mas não ficaram apenas no Rio de Janeiro,
tocando em casas de shows em São Paulo e Belo Horizonte. Mais uma vez mudaram
de cidade e com isso também tiveram mudanças na sua formação. Saem da banda
Peco, Zé Vicente Brizola e Cláudio Vera Cruz, entrando na banda Renato Ladeira,
um dos fundadores de outra emblemática banda, A Bolha.
Com a formação que trazia
Fughetti Luz, nos vocais, Mimi Lessa, na guitarra e vocal, Renato Ladeira, nos
teclados e vocais, Marcos Lessa, no baixo e vocais e Edson Espíndola, na
bateria e vocais gravam o seu primeiro álbum, homônimo, mas também conhecido
por “Estação Elétrica”, em 1976, lançado pela gravadora GEL, por intermédio do
selo “Continental”.
Eram meados dos anos 1970! O
“sonho tinha acabado” com os Beatles e o movimento hippie, com o seu “flower
power” havia morrido com seus principais e mais famosos representantes, como
Hendrix, Joplin e Morrison. O rock n’ roll também mudou, sobretudo em 1976, ano
de lançamento de “Bixo da Seda” ou “Estação Elétrica”, onde o progressivo não
era mais viável, comercialmente falando, dando espaço a um raivoso punk rock. O
estilo, que sempre foi subversivo, passou a se consolidar como um movimento
social, uma arma nas lutas da juventude que ansiava por mudanças no status quo.
E sob esse aspecto
comportamental o álbum do Bixo da Seda foi influenciado. Nele se ouve
influência do rock progressivo, sim, o rock progressivo ainda estava em
evidência graças, claro, a qualidade de alguns lançamentos e do rock n’ roll
mais básico, mais calcado na música dos Rolling Stones.
O álbum é inaugurado pela
faixa “Vênus” e na sua introdução a sua viagem blueseira se faz, com uma pegada
mais cadenciada, com alguma “latinidade” e que logo desagua para um hard rock.
Um excelente instrumental já mostrando as credenciais do Bixo da Seda.
A sequência traz a faixa “Já
brilhou” e com um vocal mais contemplativo, traz uma tendência psicodélica, com
uma abordagem mais progressiva e regional, com riffs ocasionais de guitarra e
uma “cozinha” bem apurada e conectada.
“É Como Teria Que Ser” traz
de volta a “textura” mais hard rock, com algumas pitadas mais “Classic Rock”,
ao estilo Rolling Stones, com aquela música de festa.
“Carrocel” é mais “raivosa”
sobretudo no contexto da letra, mas o instrumental acompanha essa pegada, com
riffs, embora pegajosos, de guitarra, traduz esse sentimento, sendo um tanto
quanto agressivo, envoltos em alguns eventuais solos, mais diretos.
“Bixo da Seda”, a faixa
título, traz de volta aquela música de festa, meio solar e animada ao estilo
Rolling Stones, mas com uma roupagem mais brasileira, extremamente dançante e
envolvente.
“Sete de Ouro” retoma com a
levada instrumental na sua introdução, com pitadas generosas de psicodelia
tipicamente brasileira do início dos anos 1970, mas que, em alguns momentos
investe em mudanças rítmicas bem interessante, com destaque para as viradas da
bateria.
Segue com “Gigante” que
ainda mantém aquela pegada lisérgica, com um viés mais rock n’ roll, em sua
versão mais clássica, com algumas viradas rítmicas bem interessantes e, diria,
ousada, algo tribal, com tambores, bongô e bateria, mostrando arrojo.
“Um Abraço em Brian Jones”
já diz tudo, já entrega a influência latente do Bixo da Seda e do seu álbum, do
Rolling Stones, homenageando seu eterno guitarrista, Brian Jones. E a música,
claro, denuncia isso, música de festa, pegada blueseira, com hardão mais
cadenciado.
O álbum fecha com a faixa
“Trem”, e segue na mesma levada dos Rolling Stones: música solar, animada,
guitarra ácida, psicodelia, com uma abordagem mais pesada, bongôs a todo o
vapor.
Após o lançamento do álbum o Bixo da Seda realizou vários shows pelo país com casas cheias, uma boa receptividade por parte do público, entretanto, ainda assim, a banda decreta o seu fim por questões financeiras. Não tinha grana para se manter na capital fluminense.
E depois do término da banda os integrantes se reuniram para shows em diversas oportunidades, mas sempre sem a presença do vocalista Fughetti Luz, por questões de saúde. Em 2005 o álbum é relançado, fazendo com que a banda continuasse a fazer shows ocasionalmente para divulgar esse momento importante do rock nacional, o renascimento deste clássico que determinou um ponto de importância para a cena rock do Brasil.
Em 2011 a banda volta aos
palcos para mais e mais shows, mais ainda, infelizmente sem a presença de seu
grande vocalista, frontman, Fughetti Luz, efetivando, em seu lugar, Marcelo
Guimarães nos vocais e Marcelo Truda na guitarra.
Hoje os irmãos Mimi e Marcos vivem no Centro
do país, participando de vários projetos voltados, claro, para a música. Edinho
se tornou um dos bateristas mais requisitados e importantes do Brasil, tocando,
inclusive, no Fu Wang Foo. Fughetti “apadrinhou” na década de 1980 várias
bandas, entre elas a Bandaliera, para qual compunha várias músicas, e o
Taranatiriça. Lançou ainda dois discos solos e morou, por muito tempo, no
interior de São Paulo.
Mas, em abril de 2023, Fughetti
Luz morreria. Luz era considerado como o “último hippie vivo”. Sem sombra de
dúvida uma figura mítica, influente e extremamente relevante para a história do
rock n’ roll e que deveria ter um pouco mais de crédito para a nossa cena em
todos os tempos.
O Bixo da Seda merecia
crédito por seu álbum, que, como Fughetti, que a construiu a sua imagem e
semelhança, deixou uma marca indelével para a nossa cena rock. Um álbum
genuíno, simples, direto e poderoso.
A banda, como muitas outras,
que encenaram a prolífica década de 1970 deveria servir de compêndio para
músicos e apreciadores do rock n’ roll para sempre! Altamente recomendado!
A banda:
Fughetti Luz no vocal,
letras e composições.
Pecos (Wilmar Ignácio Seade
Santana) Pássaro na guitarra
Mimi Lessa na guitarra
Renato Ladeira nos teclados
Marcos Lessa no baixo
Edson Espíndola na bateria
Faixas:
1 – Vênus
2 – Já Brilhou
3 – É Como Teria que Ser
4 – Carrocel
5 – Bixo da Seda
6 – Sete de Ouro
7 – Gigante
8 – Um Abraço em Brian Jones
9 – Trem
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