Já ouviu aquele ditado
popular que diz: Não julgue o livro pela capa! Pois é, no universo do rock não é
diferente e essa máxima vale para nomes de bandas, arte gráfica de álbuns,
principalmente. Afinal, quando você, amigo leitor, já se deparou com aquela
capa feia, malfeita, sem nexo algum com o contexto sonoro, aquele nome de banda
esquisito que, às vezes, sequer conseguimos falar, ler.
Lembro-me que, quando,
nesses meus garimpos pelas obscuridades do rock n’ roll, encontrei uma banda
austríaca pensei ser de um cantor, um trabalho solo, talvez. Confesso que até
achei engraçado o nome e, mergulhando fundo em um preconceito desmedido, deixei
de lado, por alguns anos, inclusive.
Mas depois de mais uma de
minhas incursões nos garimpos por novas bandas pela grande rede, a mesma banda
ou músico, com aquela capa sem muita originalidade se revelou, mais uma vez,
diante dos meus olhos.
Achei que pudesse ser algo
de um desses fajutos destinos, que não sou muito afeito, e decidi, sem muitas
esperanças de apreciar, ouvir o álbum. Ah como somos limitados, como somos
preconceituosos! Fui simplesmente arrebatado logo nos primeiros segundos
executados! Que banda! Que vocal! Uau! Yeahh!
O nome dela? Direi!
ZAKARRIAS! O que dizer do nome? Feio? Estranho? Engraçado? Cuidado, meu bom e
querido leitor, do que dirá sobre o nome. Sugiro que faça a audição do álbum
primeiro e quando ouvi-lo esquecerão de nomes, capas e afins. O conteúdo é que
vale e o desta banda simplesmente é demais.
O nome, a origem dele, eu
vou ficar devendo, não sei ao certo, a origem dele, porém se trata de um
pseudônimo para Robert Haumer, um músico muito talentoso da Áustria. O cara
compunha, o cara tocava guitarra, tocava baixo, realmente era um multifacetado,
um multi-instrumentista de mão cheia daquele frio país europeu. Ele lançou
muitos singles de sucesso em seu país.
Haumer, como disse, nasceu
na Áustria, na capital Viena e, no final dos anos 1960, tocou baixo na banda
local de rock psicodélico “Expiration”, que lançou um single chamado “It Wasn’t
Right”, pelo selo “VRC”.
Mudou-se então para a cidade de Munique, na Alemanha, onde conheceu o baterista inglês John Lingwood e, por intermédio de Lingwood, o guitarrista Huw Lloyd-Langton que havia deixado recentemente o Hawkwind. Juntos formaram a banda “Salt” e eram comandados pelo poeta e cantor israelense Samy Birnbach.
A banda ensaiou por vários meses em Munique, apresentando canções co-escritas por Haumer e Birnbach, antes de se mudar para Londres, onde gravaram um álbum de demos no “Olympic Studios”. No entanto, eles não conseguiram contrato com uma gravadora, porque Haumer e Birnbach não conseguiram permissão de trabalho na Inglaterra.
Depois desse insucesso Lloyd-Langton e Lingwood saíram da banda que formaram e Haumer conheceu o produtor Roger Watson e finalmente conseguiu um contrato de gravação solo com a Deram Records. Aquele material que não foi aproveitado foi regravado com o nome de “Zakarrias”.
A nova banda foi formada às pressas, mas contou com alguns nomes de peso do rock underground britânico, como Peter Robinson, tecladista e que passou pelo Quatermass e da Brand X, o saxofonista e flautista Geoff Leigh, que tocaria no Henry Cow, Martin Harrison na bateria, além de Don Gould, no piano e nos arranjos que tocou no Applejacks e o Robert Haumer, na guitarra, no vocal e na composição das músicas.
Haumer permanecendo
impossibilitado de obter uma autorização de trabalho e assim promover o álbum
lançado em outubro de 1971, homônimo, teve poucas vendas, mas teve
relativamente poucas cópias feitas, sendo o processo de turnês, de shows, tudo
cancelado, não sobrou nada para Zakarrias e companhia além de desfazer a banda
e as suas expectativas de um sucesso comercial. A capa foi concebida por Daniel
Volpeliere-Pièrrot.
Mas aqui neste humilde e
reles texto e blog, “Zakarrias” tem sim o seu valor e importância. Para alguns
o álbum traz uma abordagem enigmática para o rock, mas acredito que nada mais é
do que um álbum que não se prendeu aos temíveis estereótipos e que flertou com
vertentes que vai do folk ao jazz, blues, hard rock com um amparo do rock
progressivo. Sem contar com os vocais melódicos e melancólicos construídos em
uma convergência incrível com teclados e guitarra e uma excelente seção
rítmica.
Além disso “Zakarrias”
também usa trompas de forma bem sútil, sem aqueles solos estridentes e
energéticos que traz uma atmosfera contemplativa e soturna. O rock psych é
vívido, pleno e arde em uma lisergia sofisticada, com o rock progressiva que
nascia e ainda gozava apenas de uma projeção em uma cena que ainda crescia.
É um álbum complexo, lindo
com excelente arranjos e melodias e mostram músicos tarimbados, experientes e
com uma incrível capacidade, além da técnica, invejável para a época, de ser
orgânico. Mas apesar da complexidade, percebe-se neste trabalho algo inocente,
original mesmo, que faz do álbum singular e a frente do seu tempo.
“Zakarrias” é inaugurado com
a faixa “Country Out of Reach” que traz uma proposta mais lisérgica,
psicodélica, em alguns momentos pesado, lembrando os medalhões Sabbath e
Zeppelin, com uma ótima pegada de baixo, até algo meio “galopante”, pulsante
até, além do excelente trabalho vocal de Haumer, mostrando uma vibe mais
melódica e por vezes melancólica, mas muito bem executado, em um belo alcance
vocal.
“Who Gave You Love” vem na
sequência e vem pesada, uma faixa soberba, volumosa, intensa, um peso mesclado
com a qualidade, graças às mudanças rítmicas, tendo algumas passagens
acústicas, mais leves, bem executadas, contrapondo com os fragmentos pesados.
Ouso dizer que se trata de um belo exemplo de hard prog bem executado.
“Never Reachin’” é o ponto
alto do álbum, que mostra um Zakarrias bem complexo, multifacetado e sem
amarras com estereótipos sonoros. Passagens sublimes e de tirar o fôlego de
vocal, flauta e violões criam uma atmosfera extremamente interessante, com
texturas progressivas, de hard rock, acústicas, de folk e tudo o mais.
“The Unknown Years” aparece
com a base sonora da faixa anterior, mas privilegia o lado mais acústico, com
muita contemplação e introspecção. É longa, é dramática, é intensa, mesmo que
leve, suave, com um lado progressivo bem evidente também. Uma faixa versátil e
imponente.
”Sunny Side” já muda a
“chavinha” para um poderoso e intenso hammond tocado ao máximo, com muita
energia e vivacidade, com uma “cozinha” potente e bem ritmada, o baixo
contundente e pulsante e a bateria cheia de marcação e pesada e que entregam a
música uma melodia instigante e até, por vezes, sombria e perigosa.
“Spring of Fate” traz uma
mudança a sequência do álbum com uma lida balada, com direito a violinos que
trazem, juntamente com o vocal de Haumer, um momento mais melódico, dramático e
até emotivo.
“Let Us Change” traz o
acústico com umas “pitadas” de folk rock, privilegiando a parte instrumental,
trazendo uma pegada mais progressiva também. Uma música que, embora seja
simples, traz a marca registrada de “Zakarrias”: versatilidade.
“Don't Cry” começa com
instrumentos de sopro a todo vapor com um baixo pulsante pesado e um vocal meio
indulgente de Haumer, mas que, em momentos mais suaves da música, ganha leveza,
se torna melódico. E assim a faixa segue, entre muita energia, capitaneada
pelos instrumentos de sopro e a suavidade comandada pelo vocal de Zakarrias.
E o álbum encerra-se com
“Cosmic Bride” com uma pegada instrumental pesada, poderosa, que corrobora a
qualidade de seus músicos que ainda é capaz de soar atual, digamos que seja uma
faixa atemporal em sua estrutura sonora. Mas por mais que entregue peso, revela
sofisticação e qualidade.
O álbum do Zakarrias certamente
foi pouco ouvido, devido, claro, a incipiente divulgação, por conta do visto de
trabalho que Haumer não conseguiu na Inglaterra, mas as poucas cópias que foram
produzidas chegaram às mãos de poucos sortudos e privilegiados que conseguiram
ouvir essa pérola perdida do rock n’ roll.
E por isso Haumer e sua
esposa foram para a Suíça, sem a possibilidade de não levar para frente o
projeto do “Zakarrias”. Mais tarde, agora na sua cidade natal, Viena, Haumer
formou a Bobby Hammer Band (BHB) cuja vertente sonora flertava com a New Wave,
era os anos 1980 e como músico solo, lançou uma versão de “Papa Was a Rolling
Stone”, em 1987.
Para sorte de todos nós,
amantes da boa música obscura, “Zakarrias” foi relançado pelo selo “Tapestry
Records”, mas, como no passado, em pouquíssimas cópias, no formato CD, e ainda
assim continuou a ser uma pérola do rock obscuro.
A banda:
Zakarrias (Robert Haumer) na
guitarra, baixo e vocal
Peter Robinson nos teclados
Don Gould no piano
Geoff Leigh no sax e flauta
Martin Harrison na bateria
Faixas:
1 - Country Out Of Reach
2 - Who Gave You Love
3 - Never reachin'
4 - The Unknown Years
5 - Sunny Sude
6 - Spring Of fate
7 - Let Us Change
8 - Don't
Cry
9 - Cosmic
Bride
Parabéns! Ótima resenha. Informação difícil de encontrar. Abraço
ResponderExcluirAmigo JL Cerqueira muito obrigado por ter lido, pelas elogiosas palavras! Realmente a minha missão não foi das mais fáceis no que tange ao trabalho de pesquisa, mas quando se faz com alegria e prazer, todos os obstáculos são facilmente superados. Grande banda, excelente álbum! Muito obrigado pelo suporte e forte abraço!
ExcluirCurtindo muito suas postagens do blog ! Entrei numa viagem cósmica impossível de narrar, por isso paro por aqui...rss
ResponderExcluirQuerido amigo eu que fico muito satisfeito que esteja curtindo os textos e, claro, as bandas publicadas aqui neste humilde e reles blog. O Zakarrias também é uma banda à parte. Excepcional! O vocal é um destaque, o instrumental idem. Tudo é sensacional neste álbum! Muito obrigado por ler!!!
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