Definitivamente o boom da cena krautrock alemã, aquela com
veementes características experimentais e minimalistas, foi na transição dos
anos 1960 e início dos anos 1970, mais precisamente entre 1968 e 1971. Aos que
apreciam esse singular estilo recomendo vivamente buscar lançamentos nessa época.
Bandas surgiram em todos os
cantos da Alemanha, o estilo, apesar de ter recebido uma nomenclatura
pejorativa por parte da esnobe imprensa especializada britânica, realmente
deixou a sua marca indelével para a história psicodélica e progressiva do rock
n’ roll, apesar do curto período de tempo.
Não se enganem que toda a
década de 1970 deve ser considerada como “krautrock”. Embora todas as bandas
que surgiam ao longo dos anos 1970, o estereótipo, o “carimbo” do kraut é
infalível. Tudo é krautrock! É claro que não.
Os anos seguintes ao auge da
cena o rock progressivo, com a influência britânica, se tornou uma realidade na
Alemanha com muitas bandas que, inclusive, compuseram a ala dos pioneiros do
kraut, se renderam ao rock progressivo que, em meados de 1972, estava na moda.
Mas os alemães tinham uma diferença essencial, diria importante: o som mais
pesado.
Não sei dizer se é algo
atrelado a cultura daquele país, se é algo comportamental, mas a Alemanha
progressiva se notabilizou pelo peso de seus instrumentos e esse movimento dos
novos contornos da cena rock alemã também ganhou todos os cantos do país e
crescia de forma vertiginosa.
E uma banda, obscura, como
tantas outras que não ganharam o sucesso comercial, se adequa perfeitamente a
essa nova “cara” do progressivo, mas que também trazia, em suas frentes
sonoras, o passado não muito distante do genuíno krautrock. Falo da banda
SPERRMULL.
O Sperrmüll, termo em alemão
que significa “lixo”, foi formado na cidade de Aachen, no oeste da Alemanha, em
1971 e tinha o seguinte line-up quando foi criada: o baixista Harald Kaiser, o
baterista Reinhold Breuer e o guitarrista da cidade de Colônia Udo Hager, que
também tocava flauta e saxofone.
A banda, nesse período,
sofreu e muito com as mudanças de formação. Foi um entra e sai de músicos que
foi determinante para a demora do lançamento do seu primeiro álbum que
aconteceria apenas em 1973.
E no decorrer de várias
mudanças na formação, o guitarrista Helmut Krieg, que já havia tocado com
Breuer em uma banda chamada Oozy Brain, juntou-se ao Sperrmüll. Udo Hager e o
então tecladista também deixaram a banda e após a adição do jovem tecladista
Peter Schneider, a formação definitiva do Sperrmull se cristalizou.
Em vez de Hager, fora da
banda, Krieg assumiria o vocal da banda. Então com a nova formação e a
definição da função de cada um no Sperrmüll, o próximo passo era, enfim, gravar
um novo álbum e fazer com que a “máquina” da banda finalmente engrene.
O jornalista Charles
Zander-Durr tentou intermediar um contato, fazer aquela ponte, com a gravadora
EMI, que mostrou algum interesse na banda e até financiou o tempo de estúdio do
Sperrmüll para duas músicas para a demo: “To Be Satisfied” e “Have To Leave You”,
mas a EMI não assinou com a banda para gravar um álbum de forma oficial.
Após a investida sem sucesso
com a EMI o Sperrmüll conseguiu um contrato com a recém-fundada gravadora
“Brain”, a icônica, de Günter Körber. E assim finalmente ganhou vida o único
álbum lançado pela banda, em 1973, chamado simplesmente de “Sperrmüll”.
As vendas do álbum foram
geridas e promovidas pela “Metronome”. “Sperrmüll” foi gravado nos estúdios do
ícone do krautrock, Dieter Dierks, em Stommeln, perto de Colônia, que junto com
outra figura icônica, Conny Plank, foram um dos engenheiros de gravação mais
badalados da Alemanha naquela época. O produto final recebeu o número de
catálogo 1026 da Körber e foi vendido nas lojas em 1973.
O álbum continha seis
canções que foram aumentadas para oito em uma edição posterior, exatamente as
faixas que a banda gravou na época em que trabalharam em estúdio financiado
pela EMI. Zander-Dürr, o jornalista que tentou viabilizar a ponte da banda com
a EMI, foi o produtor do LP sob a sigla “Chazadü” na capa, embora não tenha
participado das gravações do álbum.
“Sperrmull”
oferece uma sólida e interessante miscelânea de estilos, não absolutamente
único ou experimental, mas extremamente cativante de qualquer maneira. Mostra
uma mistura de riffs sombrios e pesados de guitarra e solos lisérgicos e
dissonantes, trazendo à tona aquele lado psicodélico perdido do krautrock.
Os vocais em inglês não são exagerados e instrumentalmente falando a banda tem muito a oferecer. Um rock n’ roll predominantemente pesado com muitas adições de rock progressivo. É um álbum muito versátil que flertava com o genuíno krautrock e o progressivo mais moderno que esteve em voga nos idos de 1972/1973.
Apesar
de a banda ser obscura foi, à época do lançamento de seu único álbum, muito bem
recebido pela imprensa, pela crítica especializada. A versão LP, lançado em
1973, tem seis faixas e duas reedições digitais são conhecidas, a versão de
“Second Battle” com duas faixas bônus e a “Universal Records” com as faixas
originais.
O álbum é inaugurado com a faixa “Me and My Girlfriend” que traz uma sonoridade totalmente distinta do que viria a ser o resto do álbum, algo mais comercial, radiofônico, mas que oferece um ritmo um tanto quanto agitado, guarnecido com sons de bandolim e tons de moog tocado, inclusive, por Dierks. Não é das melhores faixas do álbum, mas é um tanto quanto cativante, principalmente quando temos um solo de guitarra.
A segunda música, “Freak
Out” é uma ode ao psicodélico e que vive de uma intensa e linda, diria,
interação entre as duas guitarras e em uma parte intermediária brota um solo
intenso de órgão que logo é substituído pelas guitarras que transbordam de
energia. Essa faixa é a mais próxima que se tem do krautrock, entregando uma
atmosfera alucinante e lisérgica.
“Rising Up” abre com a
bateria e sons de teclados bem pesados, este último rasgando, revelando-se
solar e enérgico. A guitarra entra logo se acumulando ao som já pesado e
intenso, com um vocal competente. Essa é a música mais longa do álbum e com
algumas mudanças rítmicas.
“Right Now”, que traz nove
minutos, começa com um hard rock suingante, com a bateria se mostrando
habilidoso com solos de tirar o fôlego que acontecem por cerca de pouco mais de
um minuto e meio. Nesse momento a faixa fica curta e tranquila, mas que logo
aumenta novamente para a vibe mais pesada, rolando até o seu final e assim é o
clímax da música. Um exemplo viável de hard progressivo untuoso e poderoso.
“Land of the Rocking Sun”
traz uma levada meio blues com estruturas mais simples de “boogie”, além de uma pegada meio hard rock também. Uma boa
“paisagem” sonora temperada com órgãos bem executados, bom trabalho de guitarra
e também dos vocais.
E fechando o álbum “Pat
Casey” mostra também uma semelhança com a faixa anterior, porém com mais peso,
mais agressividade, corroborada pelo vocal mais indulgente e rasgado,
inclusive.
O Sperrmüll foi muito
elogiado pela crítica especializada e logo foi contratada para abrir os shows
do Birth Control para uma turnê pela Alemanha. Logo após as gravações do álbum,
o tecladista Peter Schneider saiu da banda para se dedicar a carreira escolar.
A turnê foi cancelada por
conta desses problemas de última hora, o que gerou alguns atritos entre os
integrantes da banda, pois ficavam com dúvidas no que diz respeito aos
procedimentos a serem tomados diante dos problemas.
Devido a esses problemas Helmut Kaiser também deixou a banda, no verão de 1973 e retomou seus estudos de direito. Alguns meses depois o Sperrmüll decretou oficialmente seu fim.
Posteriormente Helmut Breuer
usou o apelido de Man Breuerem em vários álbuns de Franz-Josef Degenhardt, Wim
de Craene, Maria Farantouri e Eckes, entre outros, e como membro permanente das
bandas Headband e Sotto in Su.
Depois de estudar direito,
Harald Kaiser trabalhou como jornalista para reportagens de viagens e como
fotógrafo. Helmut Krieg fundou a banda de hard rock Winterkrieg e depois
trabalhou como vendedor de música.
Infelizmente, o único
lançamento do Sperrmüll hoje é um original, um item de colecionador muito caro e
procurado. Originalmente lançado apenas na Alemanha pelo selo Brain, em uma
capa dobrável totalmente laminada com o número de catálogo 1026. Várias
reimpressões estão agora em circulação, algumas das quais também alcançam
preços ligeiramente mais altos de colecionadores.
Um clássico obscuro que
tinha tudo para obter sucesso comercial, mas que teve um caminho tortuoso e que
caiu em pleno ostracismo, empoeirado e escondido dentro do fundo do baú do
obscure rock. Aos apreciadores de hard rock, rock progressivo e krautrock o
único trabalho do Sperrmüll é uma ode a um som sem o mínimo de estereótipo.
A banda:
Helmut Krieg na guitarra,
bandolim, vocal
Harald Kaiser no baixo,
vocal
Reinhold Breuer na bateria,
percussão
Peter Schneider no órgão,
piano elétrico, sintetizador
Faixas:
1 - Me and My Girlfriend
2 - No Freak Out
3 - Rising Up
4 - Right Now
5 - Land of the Rocking Sun
6 - Pat Casey
Sperrmüll - Sperrmüll (1973)
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