Sabe aquelas bandas que você
cria um vínculo afetivo? Que vai além da música? Um carinho além da sonoridade,
mas que tem na sonoridade o fio condutor de tal sentimento?
Pode parecer estranho e um
pouco maluco, um tanto quanto contraditório, mas a banda de que falarei hoje
traz uma espécie de “pedra fundamental” do rock alemão em minha vida de
audiófilo, aquelas que compõe o lado obscuro e esquecido do rock germânico.
Evidente que, como tantos
outros apreciadores dessa vertente sonora, conhece a global banda Scorpions que
foi e ainda é o grande “produto” de exportação alemã, mas havia e há mais a
apresentar esse país que sempre respirou conta cultura e o rock sempre foi parte
dessa manifestação que se insurgiu!
O Krautrock é o exemplo fiel
dessa subversão toda! E não é apenas pelo aspecto político e econômico da
Alemanha pós-guerra, mas pela forma arrojada que as bandas entendiam como
música, que, em pleno ápice da psicodelia “paz e amor” veio com sons
eletrônicos, ruídos e um minimalismo que explodia aos ouvidos e alma.
Mas essa banda era diferente
da cena krautrock experimental dos idos dos anos 1960 e início dos 1970, ela
trazia uma sonoridade mais calcada no progressivo britânico, com algo de
sofisticado, divergindo totalmente do kraut. Foi graças a ela que as cortinas
da cena se abriram diante dos meus olhos fazendo com que a névoa do
desconhecimento se dissipasse.
O valor sentimental não se
construiu apenas pela sonoridade, algo de mero fã, não. Essa banda me trouxe um
mundo improvável e repleto de riquezas, de uma vastidão que parece não ter fim.
Falo da banda METROPOLIS.
O Metropolis me parece, até
os dias de hoje, como no passado, no período de sua concepção, uma banda rara e
obscura e confesso, embora tenha as minhas suposições, não saber o motivo pelo
qual está banda sempre esteve um ostracismo, afinal se verificar seu line-up
perceberá músicos já estabelecidos e com alguma experiência na cena rock alemã.
Talvez seja, por conta
disso, encarado como um projeto, aqueles “supergrupos” que hoje está na moda,
não tendo uma projeção de carreira, de formação de uma discografia maior ou
coisa que o valha.
E falando em formação a banda
o Metropolis nasceu em 1972 na cidade de Berlim e era formado pelo tecladista
Manfred Opitz, pelo baixista Michael Westphal, ambos da banda obscura
Zarathustra, Michael Sauber no saxofone, o ex-baterista do Mythos Thomas
Hildebrand e Michael Duwe, do Agitation Free, que tocava guitarra e era vocalista.
Um pouco mais tarde entraria
na banda a cantora Ute Kannenberg, também conhecida como Tanja Berg nas paradas
de sucesso da Alemanha com a banda Os Mundi, bem como o guitarrista Helmut
Binzer.
Com a banda formada, os
caras trabalham muito em sua sala de estúdio no “Wrangel Kaserne”, um antigo
quartel prussiano que foi transformado em inúmeras salas de ensaio no distrito
de Kreuzberg, na parte ocidental da cidade de Berlim, compondo e arranjando as
músicas que fariam parte do seu primeiro e infelizmente único álbum lançado em
1974, homônimo.
O álbum começou a ser
composto, concebido em dezembro de 1973 pelo selo Ariola alemã (BMG) e no
inverno de 1973/1974 começaram a gravá-lo no “Studio 70”, em Munique. Esse
estúdio foi indicado pelos caras do Agitation Free. Eles foram apoiados por um
pequeno, mas brilhante banda clássica, dirigido pelo maestro Harmut Westphal,
conhecido arranjador alemão e irmão do baixista, Michael.
E aqui vale uma curiosidade
de cunho histórico! O álbum foi gravado em um rigoroso inverno alemão, durante
a primeira crise do petróleo. Com o equipamento carregado no ônibus de modelo
Mercedes 319, o Metropolis foi de Berlim a Munique em uma rodovia quase vazia,
porque nos fins de semana era necessária uma permissão especial para dirigir
nessas “autobahn” germânica.
Outro entrave que sofreram
foi na prensagem das cópias do álbum, porque era necessário o vinil, feito de
óleo e com a crise do petróleo, era uma missão difícil conseguir esse insumo e
em vários momentos se questionou se a gravadora conseguiria suprimentos
suficientes para realmente dar vida ao álbum e felizmente, para a nossa
alegria, conseguiram. Coisas e agruras das bandas obscuras.
As letras de “Metropolis”,
escritas e cantadas em inglês, era uma forte crítica a civilização e aos
impactos socioambientais, com ocasionais influências românticas. A capa, a arte
gráfica do álbum, mostra uma paisagem aparentemente intacta, sem nenhum impacto
negativo, mas que é ameaçada por um monstro que se desenvolve a partir do ar
poluído.
O álbum “Metropolis” traz
predominantemente uma sonoridade sinfônica e ainda uma amálgama impressionante
de “sobras” psicodélicas com influências krautrock, mas com consistência e um
arrojo sonoro extremamente interessante e novo para a época. As orientações
sinfônicas, a aproximação das influências do progressivo britânico, com viés
experimental trazendo à tona algo perdido do kraut faz desse trabalho algo
único, interessante e particularmente forte.
Os interlúdios clássicos,
com saxofones e pegadas orquestrais, com uma vibe roqueira e psicodélica, além
das guitarras duplas e teclados memoráveis, faz do álbum, faz da banda
incrivelmente versáteis e pouco esteriotipado com estilos carimbados. Sem falar
das paisagens sonoras contemplativas, hipnóticas, graças as inclinações
jazzísticas e das flautas com vocais femininos faz da banda, além de versátil,
intrigante e imprevisível. Uma sopa sonora que faz da banda um misto de eras em
um compilado artístico lançado em 1974.
O álbum é inaugurado com a faixa “Birth” que, já de cara, explode com notas fantásticas de órgão, com instrumentos percussivos, como o gongo e tambores potentes, algo meio tribal, arriscaria. A flauta aparece em menos de um minuto de faixa, com a bateria, baixo e os teclados se destacando em uma miscelânea instrumental bem concatenada! Logo depois chegam os vocais masculinos e femininos, dando uma textura rítmica toda especial.Trata-se de uma ótima música, uma música de banda mesmo, pois há a participação veemente de todos os seus integrantes.
“Metropolis” soa incrível no
início marcado por um lindo som psicodélico, seguida por um som flutuante e
espacial, um space rock “volumoso” e premente aos ouvidos, seguidos de sons
estranhos que vêm e vão e quando surgem os vocais, uma pegada rock assume o comando,
tornando o som mais pleno, vivaz e solar. Uma faixa marcada por mudanças de
ritmos, mostrando a versatilidade que define o álbum em sua totalidade.
"Superplastikclub"
é uma faixa que entrega vocais masculinos e femininos teatrais em uma paisagem
sonora vanguardista, outra marca que me parece veemente neste álbum. O ritmo
aumenta antes de um minuto, mas o andamento muda com frequência.
"Dreamweaver" abre
com o órgão, a bateria e os vocais femininos se destacando enquanto os vocais
masculinos se juntam a esse início acelerado. Mais uma vez, o ritmo muda muito.
O violão também é destaque nesta faixa, acrescentando e muito ao som, com
discretas notas de teclado.
"Glass Roofed Courts" começa com oboé e guitarra íntegra e intensa enquanto vocais masculinos se juntam. Vocais femininos também é adicionado, isso soa como Jeffersron Airplane, embora não goste muito dessas comparações.
O álbum encerra com estilo
com uma das melhores faixas do trabalho, “Ecliptic”. Sons ventosos para
começar, com vocais quase falados, mas intensos, juntam-se a sonoridade
brevemente. Órgão e bateria assumem o controle enquanto as cordas também se
juntam. Os vocais voltam e assumem um som completo e pleno. Entra um baixo mais
pulsante com um rico “duelo” entre guitarra e teclados. Uma faixa linda!
Logo após o lançamento de
“Metropolis”, em 1974, Ute Kannenberg e Helmut Binzer sairiam da banda. Mas o
Metropolis continuou a fazer alguns shows em Berlim e na antiga Alemanha
Ocidental (A Alemanha ainda estava dividida) e estavam, os integrantes
remanescentes, trabalhando em um novo projeto.
Esse projeto, com base na
história “Kaleidoscope”, de “Illustrated Man”, de Ray Bradbury, eles criaram um
arrojado programa multimídia que estreou na véspera do natal de 1975, no Kant
Kino de Berlim.
O show de luzes foi criado
pelo roadie e técnico do Metropolis, Alf Heuer, com slides, projeções de gel
líquido, filme, estroboscópio, holofotes e máquinas de neblina. Foi adicionado
um chamado "show de aromas" com a ajuda de placas de cozimento
elétricas. Junto com novas composições eles também tocaram sua versão de “Mr.
Spaceman”, a música já está sendo gravada e destinada a ser seu novo single.
Mas depois de um último show ao ar livre no verão de 1976, o festival ''Sommergarten
unter dem Funkturm”, o Metropolis finalmente se separou. Todos os membros
começaram novos projetos diferentes.
Após o relançamento de seu
primeiro álbum em 2020 pela Sony Music, o Metropolis finalmente lançou a sua
versão de “Mr. Spaceman”, 48 anos depois a música ter sido gravada no verão de
1975, pelo produtor Udo Arndt.
Pérola desconhecida da cena
rock alemã, que flertou, como poucas e com qualidade na cena kraut, na cena
progressiva e não se rendeu ao estereótipo de estilos e vertentes do rock n’
roll mostrando vanguardista e seminal, mesmo que tenha tido uma curta passagem
pela história do rock obscuro. Um trabalho altamente recomendável.
A banda:
Ute Kannenberg no vocal,
percussão
Thomas Hildebrand na bateria,
percussão, coro
Helmut Binzer nas guitarras,
coro
Manfred Opitz nos teclados,
vocal, violão
Michael Westphal no baixo,
coro
Michael Duwe no vocal,
guitarra
Músicos convidados:
Heinz Loch na flauta
Guiseppe Solera no oboé
Hartmut Westphal nos arranjos
de cordas e metais
Faixas:
1 - Birth
2 - Metropolis
3 - Superplastikclub
4 - Dreamweaver
5 - Glass Roofed Courts
6 - Ecliptic
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