Sabe aquela coisa
rodriguiana de “complexo de vira-latas”? Nada contra os cachorros e me desculpe
Nelson Rodrigues, mas aprecio os vira-latas, são animais adoráveis e ser
comparados aos mesmos não é nada pouco depreciativo, muito pelo contrário.
Mas não é exatamente sobre
essas questões que eu gostaria de falar, é nada mais, nada menos do que uma
simples metáfora, pois temos uma triste mania de se auto depreciar, de nos
reduzir!
Essa triste cultura de
“aculturar” todas as manifestações artísticas desse país! E sempre optar pelo
“produto importado” com o famigerado e raso discurso de que o que há de melhor
está nos países “desenvolvidos” dando a entender que somos selvagens que são
incapazes de se manifestar criativamente.
Esse blog vem desenvolvendo
em mim, a cada dia, uma confirmação exemplar no sentido de que há sim grandes
bandas de rock n’ roll brasileiras obscuras que caíram e caem em um profundo
ostracismo, além do conservadorismo premente da nossa indústria fonográfica,
como também pelo nosso puro e triste genuíno preconceito, descaso com a nossa
cena rock.
E não se engane, caro
leitor, de que a rica cena obscura do rock brasileiro está datada, se limita
aos prolíficos anos 1980. Não se enganem! Temos cenas nos anos 1980, 1990 e até
das décadas de 2000! Bandas que, na sua gênese, é obscura.
E os meus intensos garimpos
está surtindo efeito, não sob o aspecto quantitativo, mas qualitativo. Ah
quantas bandas brasileiras que vivem no submundo do descaso e da intolerância
que mereciam a luz! A banda de hoje é especial e é tida como uma das pioneiras
do blues rock no Brasil e era baseada em São Paulo, onde a cena rock, em sua
diversidade, era mais pulsante, mais forte e ainda assim há aquelas que caíram
nos porões empoeirados do esquecimento. Falo do AVE DE VELUDO.
O Ave de Veludo foi formado
no final dos anos 1970 e, como muitos casos, sofreu para gravar o seu primeiro
rebento, afinal, bandas undergrounds nesse país, como em muitos outros também,
não tem como negar, com uma sonoridade pouco ortodoxa e original
verdadeiramente padece.
Antes de existir o Ave de
Veludo, o guitarrista Ney Prado e o baixista Paulinho Prado tinham outra banda,
chamada “Abaixo Assinado”. Roberto Boscolo era o vocalista e o baterista era o
Olavo.
Quando a banda acabou todos
continuaram amigos e quando o Ave de Veludo foi concebido, Roberto, o
vocalista, embora não tenha feito parte do Ave de Veludo, participou da
produção de todos os shows da banda, fazendo a iluminação e efeito, inclusive
do disco que lançaria em 1984, o único da banda, chamado “Elétrico Blues”.
E falando em shows foi no
início dos anos 1980 que o Ave de Veludo deu os seus primeiros voos, realizando
alguns shows que lhe conferiu o título de uma das primeiras bandas brasileiras
de blues rock, se destacando fortemente em terras paulistas.
Em abril de 1980, no extinto
Teatro Idema, em São Paulo, o Ave de Veludo fazia as suas primeiras
apresentações de um “blues eletrificado” com o peso de hard rock. Na época a
banda era uma formada por: Paulinho Padro, no baixo, Ney Prado na guitarra e
Sérgio Tenório, na bateria.
Com essa formação o Ave de
Veludo agradou muitas noites nos teatros do Bixiga, Cenarte, Oficina e o Teatro
Procópio Ferreira, em São Bernardo do Campo.
Com essa formação o Ave de
Veludo agradou muitas noites nos teatros do Bixiga, Cenarte, Oficina e o Teatro
Procópio Ferreira, em São Bernardo do Campo.
Em julho de 1981, em uma
apresentação no Teatro Cenarte, sentiram a necessidade de mais um elemento na
banda, então o Ave de Veludo decidiu recrutar um vocalista que era apaixonado
por blues. A entrada de Índio, nos vocais, foi impactante, preponderante para
uma mudança na vertente, navegando, além do hard rock, como também no blues
rock.
Mexeram nos arranjos das
músicas, dedicaram-se intensamente nos ensaios e fizeram, em curta temporada,
no Teatro das Nações Unidas, com grandes e poderosos shows, seguindo para
festivais e algumas apresentações na extinta “Praça do Rock”, no Jardim da
Aclimação, em São Paulo, onde sempre foram muito aplaudidos.
O Ave de Veludo, com essa nova formação, bem como concepção sonora, evoluiu muito como banda, graças também aos shows que lhe conferiam experiência e força para um aguardado lançamento de álbum, pois já possuía algumas faixas, prontas para ganhar o mundo, para se tornarem oficiais.
Até que finalmente, em 1984,
conseguiu, por intermédio do selo “Baratos e Afins” gravar seu primeiro
trabalho chamado “Elétrico Blues”. Um título mais do que sugestivo e pertinente
para a sua vertente sonora.
A “Baratos e Afins”, aos
desavisados, é uma produtora e gravadora, que foi fundada em 1978, situada na
Galeria do Rock, em São Paulo e foi criada pelo lendário produtor Luiz Calanca.
Inicialmente era um sebo de discos que logo se tornou loja e ponto de encontro
e referência para a comunidade independente da música brasileira.
“Elétrico Blues” misturou
uma levada hard rock ao estilo, com riffs de guitarra personalizados em uma
sonoridade rústica, o que conferiu muita originalidade ao trabalho. Além da
originalidade, o Ave de Veludo talvez tenha sido a primeira banda de blues do
Brasil a gravar um álbum com todas as canções cantadas em português, o que a
torna a matriarca do estilo aqui nas terras tupiniquins.“Elétrico Blues” mostra,
basicamente, o blues com muito peso de rock. As letras falam da vida, fugas,
sonhos e paz.
A formação da banda em
“Elétrico Blues” trazia: Ney Prado, na guitarra, que se aperfeiçoou em violão
no conservatório Tupinambá, com formação no blues ao clássico e foi um dos
principais compositores da banda. Paulinho Prado, no baixo, estudou violão na
Faculdade de Artes e Academia Paulista de Violão onde se aperfeiçoou em
contrabaixo, com formação jazzística, sendo arranjador da banda. Sérgio
Tenório, na bateria, que estudou, por muito tempo, no grupo AMA, cursando
teoria e percussão na Fundação São Caetano do Sul, sempre tocando em bandas pop
e jazz rock. José Carlos Gianotti (Índio), nos vocais. Cantou em várias outras
bandas e sempre foi autodidata, ouvindo cantores de blues americanos e
ingleses, compondo também as músicas do “Elétrico Blues”.
O álbum é inaugurado com “Blues
Meu Amigo” e traz, para variar, o peso do hard rock com o blues, com solos mais
simples de guitarra, mas bem grudentos, solares, com baixo pulsante e bateria
marcada. A sequência tem “Olhos Acesos” já traz alguma psicodelia, uma
sonoridade mais chapante, lisérgica, mas com peso, em uma junção poderosa de
hard psych típico dos anos 1960/1970.
“Lamento Blues” entrega
exatamente o que sinaliza o seu título! Um blues melódico, melancólico, com um
vocal dramático e sombrio, personificando a mensagem da excelente letra que
parece em teimar em ser atemporal. Solos poderosos de guitarra, nos remete ao
Led Zepellin em sua veia mais blueseira. “Que choque que eu levei” talvez seja
uma das faixas mais pesadas do álbum, com riffs pesados de guitarra, bateria
ritmando em tons agressivos, baixo seguindo o compasso, a faixa mais “hard” do
álbum!
“Campos de Aço” segue
basicamente a mesma proposta da faixa anterior, com muito peso e irreverência,
com riffs e solos diretos de guitarra sinalizando, inclusive, para uma pegada
mais heavy metal, imprimindo alguma velocidade, ritmicamente falando.
O blues volta à cena em “Desabafo
Blues” e traz um arranjo similar ao de “Lamento Blues”, com uma sequência
sombria, apocalíptica, mas poderosa e cheia de intensidade emocional. Vale
destacar também o vocal límpido e competente. “Seus sonhos, meus pesadelos” é
mais voltado para o hard rock, mas com um viés um pouco voltado para algo mais
comercial, algo acessível contorna essa música. E fecha com “Lendas das Aves”
que abre com uma bateria mais jazzy, mais jazzística, que implementa o ritmo,
que dita as “regras” da música que, vagarosamente descamba para um hard rock
mais cadenciado.
Em 1996 “Elétrico Blues” foi
remasterizado para CD, pelo produtor da “Baratos e Afins”, Luiz Calanca, sendo
incluído 4 músicas com a formação de trio do Ave de Veludo nos primórdios, com
Paulinho assumindo os vocais e dois “extras tracks”, “Andarilho” e “Onde
Erramos”, gravados ao vivo no “Projeto S.P”, na festa de 10º Aniversário da
Baratos Afins.
Definitivamente uma grande
banda. A despeito das condições de produção, o som é coeso, a banda é coesa, a
sinergia entre os músicos é impressionante, com a uma fantástica interação
entre os instrumentos em todos os sentidos. Grandes músicos, com histórico de
estudos e aperfeiçoamentos, mesclados à boas ideias melódicas e rítmicas, esse
era o Ave de Veludo. Que possamos nos permitir abrir a mente, acalentar o
coração contra a intolerância sonora, e ouvir o que há de melhor do rock
brasileiro.
A banda:
Índio no vocal
Ney Prado na guitarra
Paulinho Prado no baixo
Sérgio Tenório na bateria
Faixas:
1 - Blues Meu Amigo
2 - Olhos Acesos
3 - Lamentos Blues
4 - Que choque que eu levei
5 - Campos de Aço
6 - Desabafo Blues
7 - Seus Sonhos, Meus
Pesadelos
8 - Lendas das Aves
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