terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Ave de Veludo - Elétrico Blues (1984)

 

Sabe aquela coisa rodriguiana de “complexo de vira-latas”? Nada contra os cachorros e me desculpe Nelson Rodrigues, mas aprecio os vira-latas, são animais adoráveis e ser comparados aos mesmos não é nada pouco depreciativo, muito pelo contrário.

Mas não é exatamente sobre essas questões que eu gostaria de falar, é nada mais, nada menos do que uma simples metáfora, pois temos uma triste mania de se auto depreciar, de nos reduzir!

Essa triste cultura de “aculturar” todas as manifestações artísticas desse país! E sempre optar pelo “produto importado” com o famigerado e raso discurso de que o que há de melhor está nos países “desenvolvidos” dando a entender que somos selvagens que são incapazes de se manifestar criativamente.

Esse blog vem desenvolvendo em mim, a cada dia, uma confirmação exemplar no sentido de que há sim grandes bandas de rock n’ roll brasileiras obscuras que caíram e caem em um profundo ostracismo, além do conservadorismo premente da nossa indústria fonográfica, como também pelo nosso puro e triste genuíno preconceito, descaso com a nossa cena rock.

E não se engane, caro leitor, de que a rica cena obscura do rock brasileiro está datada, se limita aos prolíficos anos 1980. Não se enganem! Temos cenas nos anos 1980, 1990 e até das décadas de 2000! Bandas que, na sua gênese, é obscura.

E os meus intensos garimpos está surtindo efeito, não sob o aspecto quantitativo, mas qualitativo. Ah quantas bandas brasileiras que vivem no submundo do descaso e da intolerância que mereciam a luz! A banda de hoje é especial e é tida como uma das pioneiras do blues rock no Brasil e era baseada em São Paulo, onde a cena rock, em sua diversidade, era mais pulsante, mais forte e ainda assim há aquelas que caíram nos porões empoeirados do esquecimento. Falo do AVE DE VELUDO.

O Ave de Veludo foi formado no final dos anos 1970 e, como muitos casos, sofreu para gravar o seu primeiro rebento, afinal, bandas undergrounds nesse país, como em muitos outros também, não tem como negar, com uma sonoridade pouco ortodoxa e original verdadeiramente padece.

Antes de existir o Ave de Veludo, o guitarrista Ney Prado e o baixista Paulinho Prado tinham outra banda, chamada “Abaixo Assinado”. Roberto Boscolo era o vocalista e o baterista era o Olavo.

Quando a banda acabou todos continuaram amigos e quando o Ave de Veludo foi concebido, Roberto, o vocalista, embora não tenha feito parte do Ave de Veludo, participou da produção de todos os shows da banda, fazendo a iluminação e efeito, inclusive do disco que lançaria em 1984, o único da banda, chamado “Elétrico Blues”.

E falando em shows foi no início dos anos 1980 que o Ave de Veludo deu os seus primeiros voos, realizando alguns shows que lhe conferiu o título de uma das primeiras bandas brasileiras de blues rock, se destacando fortemente em terras paulistas.

Em abril de 1980, no extinto Teatro Idema, em São Paulo, o Ave de Veludo fazia as suas primeiras apresentações de um “blues eletrificado” com o peso de hard rock. Na época a banda era uma formada por: Paulinho Padro, no baixo, Ney Prado na guitarra e Sérgio Tenório, na bateria.

Com essa formação o Ave de Veludo agradou muitas noites nos teatros do Bixiga, Cenarte, Oficina e o Teatro Procópio Ferreira, em São Bernardo do Campo.

Com essa formação o Ave de Veludo agradou muitas noites nos teatros do Bixiga, Cenarte, Oficina e o Teatro Procópio Ferreira, em São Bernardo do Campo.

Em julho de 1981, em uma apresentação no Teatro Cenarte, sentiram a necessidade de mais um elemento na banda, então o Ave de Veludo decidiu recrutar um vocalista que era apaixonado por blues. A entrada de Índio, nos vocais, foi impactante, preponderante para uma mudança na vertente, navegando, além do hard rock, como também no blues rock.

Mexeram nos arranjos das músicas, dedicaram-se intensamente nos ensaios e fizeram, em curta temporada, no Teatro das Nações Unidas, com grandes e poderosos shows, seguindo para festivais e algumas apresentações na extinta “Praça do Rock”, no Jardim da Aclimação, em São Paulo, onde sempre foram muito aplaudidos.

O Ave de Veludo, com essa nova formação, bem como concepção sonora, evoluiu muito como banda, graças também aos shows que lhe conferiam experiência e força para um aguardado lançamento de álbum, pois já possuía algumas faixas, prontas para ganhar o mundo, para se tornarem oficiais.

Até que finalmente, em 1984, conseguiu, por intermédio do selo “Baratos e Afins” gravar seu primeiro trabalho chamado “Elétrico Blues”. Um título mais do que sugestivo e pertinente para a sua vertente sonora.

A “Baratos e Afins”, aos desavisados, é uma produtora e gravadora, que foi fundada em 1978, situada na Galeria do Rock, em São Paulo e foi criada pelo lendário produtor Luiz Calanca. Inicialmente era um sebo de discos que logo se tornou loja e ponto de encontro e referência para a comunidade independente da música brasileira.

Luiz Calanca

“Elétrico Blues” misturou uma levada hard rock ao estilo, com riffs de guitarra personalizados em uma sonoridade rústica, o que conferiu muita originalidade ao trabalho. Além da originalidade, o Ave de Veludo talvez tenha sido a primeira banda de blues do Brasil a gravar um álbum com todas as canções cantadas em português, o que a torna a matriarca do estilo aqui nas terras tupiniquins.“Elétrico Blues” mostra, basicamente, o blues com muito peso de rock. As letras falam da vida, fugas, sonhos e paz.

A formação da banda em “Elétrico Blues” trazia: Ney Prado, na guitarra, que se aperfeiçoou em violão no conservatório Tupinambá, com formação no blues ao clássico e foi um dos principais compositores da banda. Paulinho Prado, no baixo, estudou violão na Faculdade de Artes e Academia Paulista de Violão onde se aperfeiçoou em contrabaixo, com formação jazzística, sendo arranjador da banda. Sérgio Tenório, na bateria, que estudou, por muito tempo, no grupo AMA, cursando teoria e percussão na Fundação São Caetano do Sul, sempre tocando em bandas pop e jazz rock. José Carlos Gianotti (Índio), nos vocais. Cantou em várias outras bandas e sempre foi autodidata, ouvindo cantores de blues americanos e ingleses, compondo também as músicas do “Elétrico Blues”.

O álbum é inaugurado com “Blues Meu Amigo” e traz, para variar, o peso do hard rock com o blues, com solos mais simples de guitarra, mas bem grudentos, solares, com baixo pulsante e bateria marcada. A sequência tem “Olhos Acesos” já traz alguma psicodelia, uma sonoridade mais chapante, lisérgica, mas com peso, em uma junção poderosa de hard psych típico dos anos 1960/1970.

"Blues Meu Amigo"

“Lamento Blues” entrega exatamente o que sinaliza o seu título! Um blues melódico, melancólico, com um vocal dramático e sombrio, personificando a mensagem da excelente letra que parece em teimar em ser atemporal. Solos poderosos de guitarra, nos remete ao Led Zepellin em sua veia mais blueseira. “Que choque que eu levei” talvez seja uma das faixas mais pesadas do álbum, com riffs pesados de guitarra, bateria ritmando em tons agressivos, baixo seguindo o compasso, a faixa mais “hard” do álbum!

"Lamento Blues"

“Campos de Aço” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior, com muito peso e irreverência, com riffs e solos diretos de guitarra sinalizando, inclusive, para uma pegada mais heavy metal, imprimindo alguma velocidade, ritmicamente falando.

"Campos de Aço"

O blues volta à cena em “Desabafo Blues” e traz um arranjo similar ao de “Lamento Blues”, com uma sequência sombria, apocalíptica, mas poderosa e cheia de intensidade emocional. Vale destacar também o vocal límpido e competente. “Seus sonhos, meus pesadelos” é mais voltado para o hard rock, mas com um viés um pouco voltado para algo mais comercial, algo acessível contorna essa música. E fecha com “Lendas das Aves” que abre com uma bateria mais jazzy, mais jazzística, que implementa o ritmo, que dita as “regras” da música que, vagarosamente descamba para um hard rock mais cadenciado.

"Desabafo Blues"

"Seus Sonhos, Meus Pesadelos"

"Lendas das Aves"

Em 1996 “Elétrico Blues” foi remasterizado para CD, pelo produtor da “Baratos e Afins”, Luiz Calanca, sendo incluído 4 músicas com a formação de trio do Ave de Veludo nos primórdios, com Paulinho assumindo os vocais e dois “extras tracks”, “Andarilho” e “Onde Erramos”, gravados ao vivo no “Projeto S.P”, na festa de 10º Aniversário da Baratos Afins.

Definitivamente uma grande banda. A despeito das condições de produção, o som é coeso, a banda é coesa, a sinergia entre os músicos é impressionante, com a uma fantástica interação entre os instrumentos em todos os sentidos. Grandes músicos, com histórico de estudos e aperfeiçoamentos, mesclados à boas ideias melódicas e rítmicas, esse era o Ave de Veludo. Que possamos nos permitir abrir a mente, acalentar o coração contra a intolerância sonora, e ouvir o que há de melhor do rock brasileiro.



A banda:

Índio no vocal

Ney Prado na guitarra

Paulinho Prado no baixo

Sérgio Tenório na bateria

 

Faixas:

1 - Blues Meu Amigo

2 - Olhos Acesos

3 - Lamentos Blues

4 - Que choque que eu levei

5 - Campos de Aço

6 - Desabafo Blues

7 - Seus Sonhos, Meus Pesadelos

8 - Lendas das Aves


Ave de Veludo - "Elétrico Blues" (1984)






























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