Por isso que se costuma
dizer, com razão, de que é mais relevante se fazer homenagens para as pessoas
em vida. Morto não é interessante fazer, afinal seria muito mais legal fazer
com a ciência do homenageado.
Mas como muitas bandas cujas
histórias protagonizam este humilde e reles blog narram as agruras, as
dificuldades de músicos que, ao longo de suas carreiras nas bandas que
construíram, passaram sem o mínimo de reconhecimento, de apoio por parte da
indústria fonográfica.
Mesmo assim sobreviviam,
seguiam a duras penas, é verdade, sendo vilipendiada, esquecida. Porém outras
tombavam no meio do caminho. E algumas delas, mesmo sem sucesso comercial,
deixaram uma marca na história do rock n’ roll, servindo de referência,
inspiração, diante de tanta persistência, empenho, tudo em prol da música que
sempre acreditaram.
Hoje tomei conhecimento da
morte de um músico grandioso e muito importante, em seu instrumento, na sua
geração, para o rock progressivo dos Estados Unidos. Morreu o baterista Brad
Christoff, da seminal e obscura banda YEZDA URFA.
Brad foi relevante e
importante para a sua época lá em meados dos anos 1970, foi um excelente
percussionista, um grande baterista e marcou, com sua destreza e competência a
frente das baquetas do Yezda Urfa, a cena progressiva norte americana,
sobretudo, claro, a underground cena progressiva daquele país.
Diferente da cena
progressiva nos principais centros do rock progressivo na Europa, a cena
estadunidense não despertou tanto interesse por parte dos executivos das
grandes gravadoras deste país, embora gozasse de uma plena e ativa cena com
grandes bandas e o Yezda Urfa era um dos seus principais representantes,
embora, em seu nascimento, não teve tanta audiência por parte dos poderosos da
indústria.
E a banda, nascida em Chicago, lá pelo ano de 1973, no outono deste ano, tinha que competir com o punk, o glam rock que, apesar de bem alternativo nos Estados Unidos, tinha maiores olhares interessados do que a cena progressiva que, comercialmente falando, na metade da década de 1970, 1975, aproximadamente, estava perdendo fôlego.
Mas quando que o progressivo de fato ganhou popularidade, aquela bem
estrondosa? Teve alguns momentos de visibilidade, com os medalhões, mas que
logo perdeu interesse por parte dos poderosos da indústria fonográfica.
E foi em 1975 que o Yezda Urfa lançaria seu primeiro álbum, “Boris”. Na realidade “Boris” tinha mais um caráter de uma “demo”. Sim, não era propriamente um álbum lançado por uma gravadora de forma oficial. Afinal as músicas contidas neste trabalho foram bancadas com o dinheiro dos músicos, eles financiaram o lançamento, o debut do Yezda Urfa.
Reza a lenda que quando os músicos estavam com as músicas prontas e
gravadas em “Boris”, eles correram atrás de gravadoras para lançar oficialmente
o trabalho, mas nada, ninguém se interessou pelas músicas. E os caras
peregrinavam também, iam de porta em porta de gravadora oferecendo a sua arte,
não recebendo nenhum tipo de interesse por parte da indústria, preocupada com
músicas curtas e pasteurizada por modismos.
Lançada de forma
independente, “Boris” teve apenas 300 cópias prensadas. Reza a lenda que a
banda mandou seu material para mais de 300 gravadoras e pasmem, nenhumas delas
quiseram assinar contrato e financiar o Yezda Urfa. Quando viajaram para Nova
Iorque os caras da banda tentaram apresentar pessoalmente sua arte, mas sequer quiseram
conhecer a banda.
Mandaram também seu material
para algumas estações de rádio e poucas também se interessaram, mas, para sorte
da banda algumas rádios pequenas e com um viés underground decidiram tocar “Boris”
na íntegra, o que fez com que a banda conseguisse o mínimo de visibilidade para
pelo menos fazer alguns shows, conseguir alguns shows para divulgar seu debut.
E diante desse cenário
caótico pela qual o Yezda Urfa passou no início de sua história e na concepção
de seu trabalho e consequente e difícil tentativa de difundir sua arte,
buscando alguém que os ajudasse a catapultar seu trabalho a gente certamente se
pergunta: Mas o que teria acontecido? O que teria faltado para não gerar
interesse da indústria e dos donos de rádios espalhados pelos Estados Unidos? A
música? Seria uma textura sonora pouco compreendida? Complexa em tempos de
simplicidade do punk?
As perguntas são muitas, as conjecturas
igualmente excessivas por conta de respostas quase que inexistentes diante de
tanto desprezo pelo Yezda Urfa. O som de “Boris” é de fato pouco ortodoxo e não
gozava de estereótipos, de dependência por determinado estilo, embora a banda
tenha trafegado nos escombros de uma cena progressiva vilipendiada, mas
navegava em um conceito eclético, de extravagância. Nele se ouvia progressivo,
se ouvia hard rock, pitadas experimentais eram percebidas, pegadas jazzísticas.
Era uma sonoridade rica, que fugia a zona de conforto de estilos e extremamente
a frente de seu tempo.
A banda, em “Boris” amava os
contrastes e faziam isso de uma forma tão verdadeira, a sua música exalava
verdade, a verdade da banda e não permitia que a espontaneidade fosse superada por
uma espécie de inventividade artificial. Assim era o Yezda Urfa.
Seria a rejeição pelos
poderosos da indústria pelo nome da banda? A banda nasceu pouco ortodoxa e
começou pelo seu curioso nome. Diz a lenda que, lá pelos longínquos anos 1970, em
1973 quando a banda foi formada, os seus integrantes estavam procurando um nome
e folheando dicionários, livros e enciclopédias, para ter aquele lampejo de
ideia encontrou dois nomes de cidades: a primeira se chama Yezd, que fica no Irã
e a outra Urfa, na Turquia. Viram que criava um impacto e juntou as mesmas se
transformando em Yezda Urfa. Não se sabe se o nome foi um dos impedimentos pelo
desinteresse generalizado.
O fato é que “Boris”, mesmo
sendo concebido de uma forma, diria, quase que artesanal e bancada pelos seus
integrantes, deixou uma marca indelével na história do rock progressivo norte
americano. E aí vem a pergunta: Como dizer que deixou uma marca se não atingiu
êxito comercial? Mas a questão aqui não é êxito comercial, não é sucesso, é reconhecimento,
mesmo que tardiamente, pela sua importância para a cena progressiva dos Estados
Unidos, por desbravar a cena com tanta dificuldade e deixar um caminho livre
para tantas outras bandas das novas gerações.
Uma espécie de inspiração
para todos os jovens músicos com a mensagem de que se pode fazer o que
acredita, sem se vender e brigar arduamente por isso e não se permitir arquear
sem lutar. E além de hard rock, prog rock, jazz rock e tudo o mais que se pode
ouvir em “Boris”, não é difícil perceber nuances de folk e psicodelia em sua
textura sonora.
E por falar em grandes músicos e inspiradores, não podemos negligenciar os artistas. E a formação do Yezda Urfa, quando lançaram “Boris” contava com: Rick Rodenbaugh nos vocais, Mark Tippins na guitarra acústica e elétrica, banjo e backing vocals, Phil Kimbrough nos teclados, sintetizadores e backing vocals, Marc Miller no baixo e backing vocals e Brad Christoff na bateria e percussão.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Boris and His 3 Verses (including Flow Guides Aren't My Bag)” que traz
algo de psicodélico em mescla com um pouco de folk rock, mas que logo irrompe
em um enérgico teclado com a bateria marcada e pesada, que contrasta com lindos
dedilhados de violão em uma passagem mais acústica e introspectiva. Uma
sonoridade incrível, viajante, energética e emocionante.
Segue com a “Texas Armadillo”
traz a dobradinha incrível da bateria, marcada e possante com os teclados
fortes, nervosos, mas o baixo também não fica atrás, preenchendo essa narrativa
sonora ao estilo galopante, pulsante. Remete-me um pouco ao blues rock, em
alguns momentos, trazendo também algo de hard rock mais cadenciado.
“3, Almost 4, 6 Yea” traz
uma combinação de vibrações sonoras que lembra algo como Emerson, Lake &
Palmer naquele frenesi, algo mais passional e pulsante, um peso que harmoniza
muito bem com um rock mais sinfônico, ao estilo Yes que logo se vira para algo
mais clássico e austero. A impressão que tenho sobre essa linda faixa é de
muita complexidade, mas que, ao mesmo tempo, se revela orgânica, viva, intensa,
com a participação incrível dos instrumentos, dos músicos, mostrando que os
caras sabiam muito bem o que estavam fazendo, não era nada aleatório, por ser
eclético.
Na sequência temos “Tuta In
The Moya & Tyreczimmage” que logo de cara apresenta um lindo bandolim com
guitarras fortes e potentes, com riffs interessantes, linhas de baixo
fenomenais, a bateria, mais uma vez, empolgante, de tirar o fôlego, com
teclados e sintetizadores que criam uma atmosfera, por vezes sombria, por vezes
contemplativas, com passagens lindas de flautas e um vocal limpo, transparente,
altivo. A apresentação nessa faixa é orgânica, mas virtuosa também, com
melodias agradáveis. Uma faixa brilhante!
E fecha com a música “Three
Tons Of Fresh Thyroid Glands” onde se nota uma representação firme e fiel do
rock progressivo, genuíno e bem executado, com virtuosismos, tempos de músicas
incomuns, viradas de ritmo de tirar o fôlego, com mudanças de andamento
exigindo ao máximo o talento dos instrumentistas. Uma faixa enérgica, mas que trazem
momentos acústicos. Uma música rica, gigante, edificante.
O Yezda Urfa, após o difícil
lançamento do seu primeiro trabalho, de forma independente, “Boris”, em 1976
decidiu gravar, também de forma autofinanciada o seu segundo álbum chamado “Sacred
Baboon”. Mais uma vez ninguém queria gravar o segundo trabalho da banda e assim
se repetiria o total desprezo pela arte sonora, viva e latente, do grande Yezda
Urfa.
“Sacred Baboon” trazia algumas versões modificadas e aperfeiçoada de “Boris” com material inédito também, mas ninguém queria gravá-lo. Até que um dia finalmente uma gravadora, a Dhama Records, se interessou em gravar “Sacred Baboon”.
Os caras do Yezda Urfa estavam finalizando o álbum quando a proposta da Dhama Records chegou de forma positiva e quando ele foi concluído, o selo, que passava por problemas financeiros, queria que bancasse os custos de produção do disco. Mais uma vez o Yezda Urfa voltou a estaca zero. Não aceitaram a condição e decidiu seguir seu caminho.
Continuou, bravamente,
fazendo shows, se apresentando até o ano de 1981. Os shows eram escassos,
tentavam persistentemente buscar um sucesso comercial, inclusive continuaram
compondo, mas desistiram de continuar e assim decretou-se, naquele ano, o fim
do Yezda Urfa.
Em 1989 a banda foi redescoberta pelo selo Syn-Phonic que finalmente, depois de quase duas décadas desde a sua formação, reconheceu o talento e a importância do Yezda Urfa para o rock progressivo norte americano e decidiu relançar seus dois álbuns de estúdio, graças também aos abnegados fãs e apreciadores da música da banda que, de alguma forma ou de outra, disseminaram seus trabalhos, gerando um futuro interesse da Syn-Phonic.
Esses relançamentos, que também aconteceram em 2004 e
2012, no formato CD, estimulou o retorno do Yezda Urfa aos palcos, acarretando,
inclusive em um lançamento ao vivo, em 2004, chamado “Live NEARfast” em um show
fantástico mostrando que a banda ainda gozava de vitalidade e força. Cabe uma
curiosidade: Em um dos relançamentos, nos encartes do álbum, foram colocadas
todas as respostas negativas, por escrito, das gravadoras que a banda enviou o
seu trabalho, “Boris”.
Precisou uma árdua, longa e
tortuosa caminhada para que o Yezda Urfa fosse reconhecido como uma das mais
inventivas e poderosas bandas de rock n’ roll dos anos 1970 dos Estados Unidos.
Mas creio que faltou ainda mais, faltou mais credibilidade, faltou respeito a
sua história e mesmo que o grande baterista Brad Christoff tenho nos deixado
antes dessa redenção que se esperava por parte da indústria fonográfica,
faremos nós, apreciadores de sua música, o nosso trabalho abnegado de continuar
projetando a história fantástica do Yezda Urfa para todo o sempre.
A banda:
Rick Rodenbaugh nos vocais
Mark Tippins na guitarra
elétrica, acústica, banjo e backing vocals
Phil Kimbrough nos teclados,
sintetizaores, bandolim e backing vocals
Marc Miller no baixo e
backing vocals
Brad Christoff na bateria e
percussão
Faixas:
1 - Boris and His 3
Verses (including Flow Guides Aren't My Bag)
2 - Texas Armadillo
3 - 3, Almost 4, 6
Yea
4 - Tuta in the Moya
& Tyreczimmage
5 - Three Tons of
Fresh Thyroid Glands
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