Auckland, Nova Zelândia,
1970. Alguns jovens, talvez os primeiros, decidem fazer rock n’ roll. Um rock
n’ roll inspirado no hard rock, na psicodelia ou até algo mais experimental ou
ainda um pouco de cada, como Jimi Hendrix, Cream, Black Sabbath. Os sons que
trovejavam na cena rock daquela época.
Não sabiam que, com essa
determinação, seriam os desbravadores do rock na Nova Zelândia. Mas rock na
Nova Zelândia? Sim, havia uma cena por lá, embora ainda pequena, com
pouquíssimas bandas, no máximo que se via ou ouvia eram bandas mais pop, com um
viés mais comercial, baseado nos Beatles, nos anos 1960.
É o que eu sempre costumo
dizer: o universo do rock é vasto e inexplorado. A música é universal, por isso
é forte e resiste com o tempo. E conhecer e ouvir uma banda neozelandesa é
digno de privilégio.
Mas voltando aos anos 1970 em Auckland, essa cidade seria testemunha do nascimento não só de uma banda, mas talvez do rock em todo o país. Falo do TICKET.
O Ticket teve o seu embrião
com o guitarrista Eddie Hansen que surgiu na cena musical em 1970 com uma banda
chamada “Revival” que também tinha o vocalista Craig Scott.
Quando Craig decidiu sair da banda, em abril de 1970, o Revival se separou.
Eddie deixou a cidade em que
o Revival estava baseado, Christchurch, e foi para Auckland. Lá ele esperava
que fosse encontrar maiores oportunidades de dar sequência a sua carreira no
rock. Ele aceitou tocar com uma banda local chamada “Challenge”, que também
estava no fim dos seus dias, apesar de ter emplacado alguns sucessos.
Logo ele percebeu que
compartilhava um interesse comum em algumas vertentes do rock que estava em
voga naquela época com o baterista da banda, um tal Ricky Ball. Curtiam e
conversavam muito sobre Jimi Hendrix, Cream, The Doors etc. Como o Challenge
não ia muito bem das pernas decidiram sair e formar uma nova banda com base nas
suas predileções.
Eddie e Ricky decidiram
procurar por alguns músicos que se adequassem ao estilo que curtiam, que
tivessem interesses semelhantes aos seus e encontrou Paul Woolright para tocar
baixo e Trevor Tombleson para os vocais e percussão.Com essa formação a Ticket
nasceu em maio de 1970.
Ricky Ball começou a sua
história na música tocando em uma banda chamada Beatboys, depois outra chamada
Courtiers, antes de se tornar integrante do Challenge, ou seja, já tinha alguma
experiência na música antes de formar o Ticket, embora nada se compare ao que
fizeram com a última.
Trevor Tombleson tocou baixo
no “Moses and The Munks”, em 1965, antes de ingressar no “Jamestown Union”.
Começou uma carreira solo em 1967. Tornou-se amigo de Ricky e essa amizade se
desenvolveu, com o próprio Ricky Ball pedindo a Trevor para se juntar ao Ticket.
Banda formada! Agora o
próximo passo é arranjar local para fazer shows, se apresentar. Missão difícil!
Precisava buscar alguém que conhecesse donos de casas de shows para conseguir
encaixar a Ticket ou buscar os donos diretamente, mas muitos dos integrantes da
banda não conheciam Auckland para tal.
Mas graças ao currículo dos
músicos, alguns deles já contavam com alguma “rodagem” conseguiram alguns shows
em Auckland, mas não conseguiam shows suficientes para pagar as contas, para
sequer sobreviver da música.
Eddie Ligou para um tal
Trevor Spitz, em Christchurch, para ver se conseguia mais locais para tocar.
Trevor, também músico, estava tocando com uma banda chamada “Four Fours” e
quando os deixou, em 1966, conseguiu um emprego como gerente da boate de um
cara chamado Phil Warren em Christchurch. Esta boate foi o local que a sua
antiga banda, Revival, tocou em algumas ocasiões.
Trevor Spitz pediu a Eddie
para passar uma fita demo com algumas músicas e finalmente conseguiu um dia
para a Ticket tocar, mas em outro local em Aubreys, também em Christchurch.
E foi em Aubreys que a
Ticket desenvolveu seu som, sua música. Lá foi um divisor de águas para aqueles
jovens músicos, uma guinada radical, eles nunca tinham feito nada como aquilo
em suas carreiras em outras bandas anteriormente. E esse feito foi de suma
importância para cena rock da Nova Zelândia, afinal mal eles sabiam que estavam
escrevendo a história do rock n’ roll naquele país tão isolado no referido
estilo.
Em meados de 1971 Aubreys estava começando a ficar pequena para a Ticket. A banda estava ganhando, conquistando muitos fãs em outros centros de South Island. Então a banda decidiu seguir para o norte. Sua reputação os precedeu e os shows em universidades a longo do caminho foram bem recebidos. A banda estava ganhando corpo, estava ganhando projeção, cresciam seu som na mesma proporção em que ganhavam seguidores, fãs.
Em Auckland a Ticket chamou a atenção de alguns promotores de eventos como Barry Coburn e Robert Raymond, uns caras conhecidos nessa cena local. Com toda uma estrutura promocional a banda foi atração principal da Convenção Nacional de Blues Rock de Coburn-Raymond, realizada na Wellington Opera House. Isso atraiu muita gente e também foi transmitido ao vivo pelo rádio.
Em outubro de 1971 o primeiro show internacional ao ar livre da Nova Zelândia aconteceu e também foi o primeiro show de Elton John em Western Springs, em Auckland. A vaga para a banda de abertura foi concorrida e a Ticket fez sucesso, garantindo a mesma e fazendo muito sucesso tocando para 20.000 pessoas. Além desse show importante a Ticket conseguiu dividir palcos com Jerry Lee Lewis, Daddy Cool e o Black Sabbath no Great Ngaruawahia Music Festival.
Coburn também tinha sua própria gravadora, a “Down
Under”, então, mais uma vez com a sua influência, a Ticket gravou e lançou seu
primeiro single: "Country High"/"Highway of Love". Na
realidade o single foi lançado pelo selo “Ode”. Eles foram bem-sucedidos,
passando cinco semanas nas paradas nacionais em dezembro de 1971, chegando na
posição 12 das paradas, algo incrível para uma banda underground com uma
sonoridade totalmente arrojada na cena neozelandesa até então.
O single seguinte “Dream
Chant"/"Awake”, foi lançado pelo selo “Down Under”, porém sem muito
sucesso comercial, embora “Dream Chant” tenha sido uma das músicas mais
populares nos dias da Ticket em Aubreys. E finalmente em 1972 vem ao mundo o
seu primeiro álbum, “Awake”, em maio de 1972, álbum este alvo de minha resenha
de hoje. “Awake” foi produzido por Frank Douglas no HMV Studios e lançado pelo
selo “Ode”.
Um terceiro single, "Stoned
Condition"/"Then You'll Fly" foi lançado pela “Down Under”, mas
foi banido pelo NZBC. Em junho de 1972 a Ticket foi para a Austrália, pois
tinha conseguido uma residência de um mês no Whiskey-Go-Go de Sydney. A reação
nessa casa de show superou as expectativas e em vez de retornar à Auckland,
eles ficaram por mais tempo em terras australianas, graças a Robert Raymond, um
promoter de Sydney, que garantiu a banda outra residência em outra casa, no
“Chequers”, com shows lotados e bem-sucedidos.
E esse tempo que estiveram
na Austrália mais um single foi lançado por lá, "Awake"/"Country
Radio", pela “Atlantic”. A banda conquistou mais fãs por lá e outros shows
foram acontecendo. Curtiram tanto a Austrália, os fãs e os shows que decidiram
gravar seu segundo álbum, o “Let Sleeping Dogs Lie”, no final de 1972. Este foi
autoproduzido e gravado no estúdio do “Channel Nine”, mas isso é outra
história.
Vale como curiosidade outro
fato com a Ticket: eles foram a única banda a emplacar duas músicas na trilha
sonora do filme “Morning of the Earth”, uma das referências cinematográficas de
surf.
Mas voltando para o debut “Awake”,
este entrega um hard rock com viés comercial e radiofônico para algumas músicas
e pitadas generosas de rock psicodélico, mas o carro chefe é a música pesada, o
classic rock.
A formação da Ticket em seu primeiro álbum, “Awake”, de 1972, tinha, portanto, os músicos: Eddie Hansen na guitarra, Ricky Ball na bateria, Paul Woolright no baixo e Trevor Tombleson na percussão e vocais.
O álbum é inaugurado com a
faixa título, “Awake”, que começa austero, solene, com algum toque lisérgico,
mas segue um viés mais hard, um pouco cadenciado, mas ainda assim pesado, com
intervalos bem dançantes com guitarras bem swingadas que estimula o ouvinte a
dançar.
“Highway of Love” começa
meio jazzística, bateria cheia de viradas envolventes, um baixo pulsante e
cheio de groove, com riffs de guitarra meio pegajosos. Uma faixa bem solar e
animada e com algumas “tendências’ mais radiofônicas.
“Dream Chant” me remete,
sobretudo com os riffs de guitarra, a algo meio country, uma inspiração da
música de raiz estadunidense, mas que irrompe em algo mais psicodélico tendo no
vocal, melódico e dramático, a sua principal textura. Em dado momento a música
ganha mais peso, mais velocidade e aquela pegada dançante também ganha
destaque.
Segue com “Broken Wings”
talvez seja a mais comercial, mais pop do álbum, a guitarra meio funkeada dá o
tom, a cozinha concede o ritmo que impõe a ordem dançante, muito comum em
“Awake”, mas traz solos mais elaborados trazendo à tona o rock, com levadas
mais para o surf music também, mas logo se instaura uma viagem psicodélica.
“Country High” segue a
proposta da guitarra swingada, a bateria, marcada, traz um ambiente solar, com
muita vivacidade ao som, com solos de guitarra diretos, mas bem executados.
“Reign Away” traz o álbum de
volta ao hard rock, um hard puro, que varia entre o cadenciado e a velocidade
marcada por muito peso e intensidade. Vale ressaltar a “cozinha” que dita, com
maestria, o ritmo.
E fecha com “Angel on my
Mind”, talvez uma das grandes faixas de “Awake” que traz o psicodélico ao
destaque, com uma guitarra lisérgica, que entrega uma sonoridade viajante e,
por vezes, contemplativa.
Em 1973 a Ticket havia se
dissolvido, mesmo com a sua visibilidade e shows lotados e em boas casas de
shows. Tombleson mudou seu nome para Trevor Keith e teve uma breve passagem
pela Keef Hartley Band, da Inglaterra, em meados dos anos 1970 e mais tarde
tocou em uma banda de Melbourne chamada Monsoon.
Eddie Hansen havia se
convertido a Hare Krishna nessa fase, resultado de sua estreita amizade com
Harvey Mann. Tocou, em 1974, com a “Band of Light”, mas em 1975, lá estava com
seu amigo, Harvey, com a sua banda Living Force, fazendo uma longa turnê pela
Nova Zelândia, antes de se mudar permanentemente para a Austrália.
Woolright e Ball reapareceram
em bandas populares da Nova Zelândia como Pink Flamings e Hello Sailor. Em 1980
Paul, Ricky e Eddie acabaram todos, ao mesmo tempo, em Beaver.Vale como
curiosidade que a Ticket serviu de banda de apoio para Lindsay Marks em 1973.
No final de 2010 “Awake” foi
relançado em CD pela primeira vez pela gravadora australiana “Aztec”, em um
pacote de luxo que incluía o disco original remasterizado, singles e faixas
bônus e um livreto com fotos e uma história detalhada do grupo.
Para marcar a reedição a
Ticket se reformulou pela primeira vez em mais de 30 anos de hiato e fez uma
série de shows no ano passado em Christchurch e Auckland, regiões onde a banda
fez seus primeiros shows no início dos anos 1970. “Awake” foi remasterizado por
Gil Matthews com o encarte do notável escritor neozelandês Nick Bollinger.
Ticket traz uma sonoridade
forte, sedutora, envolvente e pesada! Fantástico álbum, fantástica banda que,
mesmo não tenha tido uma longevidade, construiu a história do rock n’ roll na
Nova Zelândia levando o hard psych para aquele país. Banda altamente
recomendada!
A banda:
Eddie Hansen na guitarra
Ricky Ball na bateria
Paul Woolright no baixo
Trevor Tombleson na
percussão e vocais
Faixas:
1 - Awake
2 - Highway of Love
3 - Dream Chant
4 - Broken Wings
5 - Country High
6 - Reign Away
7 - Angel on my Mind
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