O rock n’ roll alemão não
vive apenas do experimentalismo, do minimalismo e progressivo do krautrock no
fim dos anos 1960 e 1970. Evidente que não podemos negligenciar o pioneirismo
dessas bandas que, navegando em estilos ainda embrionários naquela época,
estavam construindo um processo revolucionário na música alemã, na cultura
alemã um tanto quanto despedaçada com o pós-guerra, com a autoestima um tanto
quanto abalada no cerne cultural daquele país. Afinal o krautrock surgiu com o
sentimento dessa urgência.
Mas veio o heavy metal dos
anos 1980 que, penso, trouxe um novo momento para o rock alemão! Foi a redenção
do rock germânico que produziu bandas seminais, independente de sucesso
comercial ou não, que colocou este país no mapa do heavy rock planetário.
O que dizer do Accept, o que dizer das grandes bandas de thrash metal, as de hard rock que trafegaram na década de 1970 e 1980 como a unânime Scorpions? Tenho até receio de elencar as bandas alemãs de heavy metal, em todas as suas vertentes, e parecer injusto por esquecer algum nome peso pesado.
Mas não podemos esquecer
também da atualidade, de bandas de stoner rock, como Kadavar, por exemplo, que
vem trazendo um frescor para o rock alemão que, ao mesmo tempo, homenageia as
grandes bandas do passado em todas as suas gerações.
Enfim, a cena germânica
continua forte, intensa e vívida, o que é mais importante, afinal, não é apenas
quantidade, mas qualidade com que estamos testemunhando diante de nossos olhos.
Mas voltando ao passado,
mais precisamente a onda heavy metal que estava agitando os anos 1980,
precisamos dar luz às bandas obscuras, pouco conhecidas, aquelas que, por algum
motivo, não alçou voos maiores, tendo caído no ostracismo, mas que contribui e
muito por construir a cena, a edificação da música.
E na Alemanha oitentista não foge à regra e em minhas incursões aos porões escuros e empoeirados do rock, em meus garimpos, descobri, quase que de uma forma totalmente despretensiosa (talvez não seria garimpo se fosse dessa forma) uma banda que definitivamente personificou a agressiva e imponente música pesada alemã.
Falo da banda SUDDEN DEATH com o seu único trabalho chamado “All or Nothing”, de 1987. 1987 é um período meio nebuloso do heavy metal no mundo. O estilo estava mais evidente, ganharam os dials das grandes rádios pelo mundo, canais de TV mostravam clipes das bandas mais badaladas da segunda metade dos anos 1980: era o glam metal.
Conhecido pejorativamente
por aqui no Brasil de “metal farofa” a cena tinha o apelo visual como o carro
chefe da música, os personagens andrógenos, cabeludos superava a música, mas é
inegável que, comercialmente, foi o grande momento do heavy metal. E o Sudden
Death corria por fora, andando pelas sombras da cena, mas que hasteava a
bandeira da pureza do estilo, priorizando o peso, a agressividade, que flertava
com o peso mais cadenciado do hard rock setentista.
Digamos que o Sudden Death estava um pouco “atrasado” quando produziu um heavy metal em uma época em que o thrash metal ou o speed metal e ainda o hair metal estava em evidência nos anos 1980 e até mesmo aquele hard rock comercial norte americano capitaneado pelo Van Halen.
Mas ao mesmo tempo podemos
considerar que a banda trouxe à tona ou pelo menos tentou trazer de volta os
anos dourados do heavy metal no início dos anos 1980 e acredito que seu
trabalho não tenha vingado não pelo questionamento da qualidade de sua
sonoridade pelos executivos da música, da indústria fonográfica, mas um mero
deslocamento do tempo. E diante desse quadro lamentavelmente não se têm, na
grande rede, informações sobre o Sudden Death, tamanha é a sua obscuridade.
O Sudden Death foi formado
em Berlin em meados dos anos 1980 e andou pelos caminhos undergrounds e se há
poucos materiais da banda, inclusive o seu álbum, deve-se a colecionadores e
abnegados que representam alguns selos alternativos que conseguiram lançar, em algumas
edições mais do que especiais, o álbum, fazendo com esse magnífico trabalho ao
maior número de apreciadores do heavy metal espalhados pelo mundo.
“All or Nothing” foi lançado
em 1987 e produzido por Harris Johns entre 1986 e 1987 e teria sido lançado
pela “Noise Records”. Digo teria sido lançado, pois reza a lenda de que o álbum
teria sido lançado de forma “artesanal”, quase caseira, sem nenhum tipo de
apoio por uma gravadora.
“All or Nothing” traz, em sua essência, o mais puro e genuíno heavy metal, com nuances de hard rock setentista em alguns momentos do álbum. Nele se explica verdadeiramente o motivo pelo qual trafegou pelo ostracismo do underground, sobretudo pelo momento mais piegas do glam metal na segunda metade dos anos 1980 no mundo. É um álbum pesado, agressivo, indulgente, perigoso e totalmente despretensioso.
“All or Nothing” foi concebido com a seguinte formação: Frank Barz na guitarra, Arno Schamberg nos vocais e baixo, Michael Köster na bateria e Detlef Gottmannshausen na guitarra e vocais e essa formação foi a original e a que deu o ponto final nesta banda em uma carreira curta, mas nada como destrinchar o álbum para corroborar o quão significativo foi para o heavy rock alemão.
O álbum é inaugurado com “Bloody Conclusion” que tem uma introdução mais ao estilo thrash, bem agressivo, com riffs pesados e pegajosos e um vocal rouco e despretensioso, bateria marcada e baixo presente e muito pulsante, mas alterna com algo mais clássico do heavy metal, principalmente no solo de guitarra que, embora curto e direto, traz o que há de mais piegas no heavy rock. Que bom!
A sequência tem a mortal,
com o perdão da analogia, “Killer” que já vem com o pé na porta com riff rápido
e rasteiro de guitarra e que segue assim em todo o contexto instrumental
entregando algo parecido com o speed metal mais muito pesado e agressivo com o
vocal sobrepondo, regendo a tudo isso. Há algo de sombrio e perigoso nessa
faixa também, que me remete ao occult rock, por incrível que possa parecer. E
mais uma vez o solo de guitarra é matador e um pouco mais elaborado que a faixa
anterior que me traz à memória o hard rock setentista. Grande faixa!
E eis que chega “Dust in the
Wind” que não imprime a agressividade das músicas anteriores, mas o peso, sim,
permanece. Essa faixa traz um pouco algumas inspirações das bandas dos anos
1970 como o Motorhead dos primórdios. O Sudden Death aqui mostra mais
competência, uma sonoridade mais arrojada, com melodias mais bem trabalhadas e
não menos orgânica e poderosa.
“Loaded Brain” retoma o
caminho poderoso e agressivo do álbum, guitarras distorcidas, bateria marcada e
pesada, vocal arrastado e por vezes gutural e pesado. “Loaded Brain” poderia
figurar como um dos primórdios da cena black metal.
“Backstage Queen” vem ao
estilo pé na porta também. A bateria rege o peso e a velocidade da música e com
o baixo pulsante e riffs rápidos e intensos de guitarra expõe à máxima potência
a capacidade incrível do instrumental da banda e me remete também ao power
metal, algo que o rainbow, na fase Dio, fazia nos primórdios da banda. Intensa
e poderosa faixa!
E chega a faixa título “All
or Nothing” com mais cadência trazendo as inspirações do hard rock dos anos
1970, com um baixo “cavalgado” e pesado com a bateria seguindo o ritmo, a
“cozinha” nesta faixa é avassaladora. Riffs de guitarra dão o tempero, o vocal,
mais altivo e limpo, traz a textura que personifica o andamento da música.
“Nightrider” traz aquela
mistura do hard mais comercial com o heavy metal, algo como o Accept em seus
momentos mais radiofônicos, mas que não traz nenhum tipo de demérito. Vocais
bem cantados, guitarras mais “limpas”, faz dessa faixa a mais “acessível” do
álbum.
E fecha com “I Want It” que
retorna ao peso habitual do álbum, mais com uma textura mais complexa, bem
trabalhada, diria até um tanto quanto dançante, ao estilo Motorhead com faixas
como “Louie, Louie”, por exemplo. Guitarras pesadas, bateria marcada e
frenética são os destaques dessa música.
Em 2020 “All or Nothing”
ganhou “vida” novamente com o relançamento da “Golden Core Records”, com um
trabalho de acabamento melhor, com uma bela remasterização em LP e CD, com um
livreto de cerca de 20 páginas falando sobre a banda e com raras fotos da banda
em ação.
Inclusive há uma faixa muito
rara de uma apresentação em 1986 Bunderrockfestival, entre outras faixas bônus
bem raras e significativas da curta, mas significativa para o heavy metal
alemão.
Assim foi o Sudden Death com
o seu “All or Nothing’: poderoso, intenso, agressivo, moderno para a época,
pois mesmo com audições feitas atualmente nota-se um frescor, um caráter de
novidade e de uma sonoridade incrivelmente pesada que faz com que o ouvinte
apreciador do estilo se mostre atônito. É uma sonoridade reveladora a cada
audição, é a confirmação, a perpetuação de um estilo que, com o passar dos
tempos e das gerações, mostra-se vivo e eterno.
A banda:
Frank Barz na guitarra
Arno Schamberg nos vocais e
baixo
Michael Köster na bateria
Detlef Gottmannshausen na guitarra e vocais
Faixas:
1 - Bloody Conclusion
2 - Killer
3 - Dust in the Wind
4 - Loaded Brain
5 - Backstage Queen
6 - All or Nothing
7 - Nightrider
8 - I Want It
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