Rock n’ roll é celebração, é
festa, é o estado de êxtase corpóreo e mental, mas também é capaz de nos
entregar a agonia da reflexão de tempos sombrios de ontem, hoje e sempre.
Bandas e álbuns sintetizam, contam e catapultam, por intermédio de sua arte,
para o mundo, as nossas fraquezas enquanto sociedade, enquanto civilização e,
por vezes, é combatido e ridicularizado por esta mesma sociedade, pois esta tem
medo de vislumbrar as suas vulnerabilidades.
Há rock para todos os tipos
e percepções, como costumo dizer, o universo é vasto e inexplorado, não apenas
no quantitativo das bandas espalhadas por este mundo, mas também pelos temas
por estas propostas em seus trabalhos.
E como o rock n’ roll é a
antítese, a contra mão de tudo que preconiza essa sociedade podre, doente e
extremamente conservadora, os cenários são melancólicos, pessimista, mas real,
duro, perigoso.
Expulsar a raiva, abraçar a
dor, seguir por caminhos tortuosos e documentar as tribulações da humanidade e
apresentar por contornos de uma arte marginal e dura parece ser uma
característica de bandas oriundas de uma estrutura e realidade periférica, de
músicos que padeceram para construir não apenas a sua carreira musical, mas
seguir a sua vida sob o aspecto social, econômico etc. Essa é a sua inspiração,
tão concreta, real e próxima.
E não se enganem que na cena
Krautrock, na Alemanha, no fim dos anos 1960, essa era a realidade que estava
impregnada, intrínseca na base de seus músicos e da realidade que os cercava.
Uma realidade de uma Alemanha destroçada em um pós-guerra, com um país
mergulhado em um caos econômico, social e político, sendo fatiado por blocos de
sistemas políticos que se duelavam.
Jovens sem perspectivas,
tendo que viver em uma sociedade com baixa autoestima, sem referências
culturais, ofuscadas e absorvidas por enlatados dos países que o fatiou. Esse
era o panorama naqueles sombrios tempos na Alemanha nos anos 1960/1970 e foi
com esse triste panorama que foi concebido o krautrock: um amontoado de
moleques hippies, que queriam mudar o mundo ou pelo menos a Alemanha e a música
não era o cerne da causa desses jovens, mas que foi surgindo aos poucos até se
constituir como uma cena sólida.
De alguns sons minimalistas
e pouco ortodoxos e sonoridades pesadas, densas, de atmosfera carregada. Todas
as expressões sonoras, diante de tanta diferença e num quadro pintado com
tantas tintas e contornos, convergiam independente de letra ou ausência desta,
para um fim: subverter o status quo. É isso que, pelo menos para mim, atrai no
rock alemão daquela época. Sonoridade diversificada com um único fim: se
colocar em uma posição marginalizada.
E uma banda merece uma
menção, pois se adequa a esse cenário dos anos 1970 e que, construiu a sua
obscura e precoce história discográfica com base nessas perspectivas sociais e
comportamentais. Falo da banda NECRONOMICON. Talvez o seu nome não figure entre
os grandes e conhecidos nomes do rock germânico, tem um status de banda cult,
mas sempre trafegou na obscuridade e o seu nome e teor das letras, bem como a
sua peculiar e estranha sonoridade parece corroborar a sua condição de outrora.
O Necronomicon se formou em
Aachen e foi uma das poucas bandas em sua época, lá para o ano de 1970, quando
foi concebida, que ousou tocar músicas em sua língua nativa, em alemão. Walter
Sturm (vocal, guitarra), Norbert Breuer (vocal, guitarra) e Gerd Libber (baixo)
se juntaram no verão de 1970. O baterista Harald Bernhard logo se juntou ao
grupo, assim como Fistus Dickmann um pouco mais tarde no teclado. Detlev
Hakenbeck assumiu o baixo em 1971 e passou para Bernhard Hocks em 1972.
Aachen tinha uma forte
efervescência musical, com uma grande cena jovem, em clubes que, pode parecer
louco, eram dirigidos pelas igrejas locais, mas muito abertos para as
manifestações culturais da juventude. Alguns músicos, que viriam a formar o
Necronomicon, tinham algum sucesso com as suas primeiras bandas e o exemplo era
Walter Sturm que tinha uma banda chamada “The Crickets” (adaptado da banda
Buddy Holly), enquanto Norbert e Gerd com a banda “Love of Tune”. Em 1971, por
exemplo, Aachen abrigou um festival ao ar livre com Deep Purple, Pink Floyd
etc.
A origem do nome, claro, vem
das obras do escritor seminal HP Lovecraft e em seus primeiros dias a banda se
fixou em tocar covers de bandas conhecidas e estabelecidas como John Mayall, Pink
Floyd, Ten Years After, Black Sabbath, Uriah Heep e Deep Purple. A banda,
embora tenha gravado seus poucos álbuns em alemão e tenha sido
consequentemente, uma das poucas bandas a gravar em alemão, começou a cantar em
inglês, gravando material, inclusive, para a “History of a Planet”, mas depois
decidiu mudar para textos em alemão, escritos por Norbert Breuer, que escreveu
sobre destruição ambiental impensada, superpopulação, exploração, injustiça e
violência.
A decisão pelo nome da
banda, Necronomicon, veio com Walter Sturm, logo no nascimento da banda, em
fevereiro de 1970, mais precisamente nos primeiros ensaios que começaram no
verão daquele ano. Sturm, até então estudante de psicologia, se deparou com as
histórias sombrias de HP Lovecraft e a sua invenção do livro proibido dos
mortos, “Necronomicon”, propondo ao resto da banda tal nome. Os demais não
estavam muito interessados em histórias de terror e depois de algum tempo
tocando covers, Norbert Breuer veio com algumas composições que havia feito com
a ideia de criar uma obra sobre a “História de um Planeta (“History of a
Planet”).
Isso foi altamente influenciado pelas ideias então vindouras (e agora ainda mais importantes) da humanidade destruindo seu próprio planeta pela poluição, guerras, exploração e superpopulação. Deve de ter apresentado este novo material aos amigos mais próximos, decidiu-se fazer as letras em alemão (antes estava em inglês) para levar a mensagem ao público.
Em 1971 o Necronomicon foi convidado como banda de
apoio para um grande show da banda holandesa Livin' Blues. Para este show
alugaram uma torre de guitarra de 100
Watts London City que fez uma mudança de 100% no som da banda. Este
concerto foi muito bem sucedido e de alguma forma serviu como um avanço para o
desenvolvimento musical da banda. Nesse show a banda pela primeira vez tocou
algumas dessas músicas para um público maior e o público correspondeu bem.
Depois disso, decidiu-se publicar algumas das novas músicas em vinil. E assim
nascia “'Tips zum Selbstmord”, ou melhor, seis faixas desse projeto, o “The
History of a Planet”, foram escolhidas para compor este álbum.
Na primavera de 1972, o
Necronomicon gravou essas seis músicas para “Tips zum Selbstmord” em um pequeno
estúdio em Kerkrade, na Holanda, mas gerido por dois alemães, das quais tiveram
500 cópias produzidas por Carl Lindström, em Colônia. A decisão por este
estúdio se deu devido ao custo baixo, onde a banda poderia pagar.
Demorou cerca de cinco dias
para gravar o álbum e foi mais ou menos ao vivo por causa do equipamento
técnico um tanto quanto limitado. Se a banda não tivesse um “patrocinador” (Hubert
Herwartz, um amigo de Norbert com um pai “rico”… e um fã do Necronomicon desde
o início) não seria possível a produção do álbum, afinal todos os integrantes
da banda eram estudantes.
O título não tem nada a ver
com suicídio, que, traduzindo significa (“Instruções para o suicídio”), mas se
refere à devastação ambiental, do planeta Terra, da devastação da sociedade, da
humanidade, com relação aos seus destrutivos costumes. Não te soa algo atual?
Uma pena!
E aqui vale uma curiosidade
com o lançamento do álbum, no que tange a sua estética gráfica: ela pode ser
dobrada de cinco maneiras, ou seja, é composta por seis superfícies quadradas
que ao serem abertas formam uma cruz. O conceito holístico do nome da banda, a
sua música, letras alemãs e o título do LP, realizado pela primeira vez em
1972, encontrou sua conclusão artística no design da capa de Harald Bernhard. Bernhard
estudou gráficos no politécnico de design em Aachen e trabalhou muitos anos
como professor de artes em uma escola secundária em Colônia. A contribuição de
Harald Bernhard para a arte gráfica de “Tips zum Selbstmord”' foi grande.
A música do Necronomicon, em
“Tips zum Selbstmord”, atraiu aqueles que dificilmente ou nunca lidaram com os
fatos da guerra, queixas sociais e ameaças socioambientais, por isso que
combinaram sua música com textos em alemão, para criar nitidamente um estilo
sonoro e que este se adequasse ao tema, muito denso e complicado de se tratar,
ou seja, o estilo musical do Necronomicon é característico do Necronomicon.
Assim é o primeiro álbum da banda: música clássica, jazz, folclore e rock, com
hard rock, har psych e prog rock. O canto polifônico é usado como um importante
elemento sonoro. Tem sido mostrado em muitos shows que a música da banda atraiu
um grande público.
A concepção de “Tips zum
Selbstmord”, ou seja, das letras, claro, veio, em sua maioria de Norbert Breuer,
que vinha com a ideia e as letras e o resto da banda começava a trabalhar nela,
adicionando partes de guitarras, teclados, baixo etc. No álbum quatro das seis
faixas foram ideias de Breuer, já as outras duas músicas iniciadas por Sturm e
Hocks. Portanto a formação do Necronomicon que gravou “Tips Zum Selbstmord”
trazia: Walter Sturm na guitarra e vocal, Norbert Breuer na guitarra e vocal, Fistus
Dickmann no órgão, sintetizadores e vocais, Bernhard Hocks no baixo e vocal e Harald
Bernhard na bateria.
“Prolog” começa com um vocal
a cantarolar e rindo, ao mesmo tempo, mas de repente entra a guitarra,
poderosa, imitando uma linha que o vocalista acabou de cantar e assim segue com
as guitarras sujas, arrogantes, logo depois entra na “briga” o órgão no mesmo
compasso com altivez, com uma bateria marcada e forte, com solos empolgantes de
guitarra e um baixo pulsante e intenso. A mensagem da música aborda um aviso
para não ser descuidado com o planeta.
"Requiem Der
Natur" tem uma introdução meio space rock, meio assustadora, a guitarra se
junta, suavemente a essa proposta meio contemplativa, pastoral, bem como o
vocal, o órgão e o baixo. Mas depois de algum tempo a bateria e guitarra se
unem em um frenesi fantástico, em uma massa agressiva e poderosa. Agora a
guitarra, bateria e baixo assumem o controle e logo depois os teclados. Uma
levada meio jazzy também se faz evidente e traz um coro de igreja na parte
final. A letra trata de memórias de um mundo intacto com pássaros voando por
florestas ainda verdes, ar não poluído, lindas flores crescendo por toda parte.
"Tips Zum
Selbstmord" abre com poderosos solos de guitarra enquanto a bateria entra.
Os vocais chegam quase que gritando, estridente. A bateria soa poderosamente,
enquanto a guitarra rasga na mesma toada! A faixa acusa a humanidade de ser
descuidada, sem consideração e responsabilidade para salvar o ambiente de sua
própria vida.
"Die Stadt" abre
suavemente com vocais frágeis e uma guitarra tranquila, mas, para variar, o
peso retorna, enquanto o vocal cuspia as palavras com uma guitarra mais pesada
também. A letra fala de cidades impessoais com pessoas que não se conhecem,
morando em apartamentos pequenos, mas caros, interessados apenas no lucro, no
lucro pessoal.
“In Memoriam” abre mais
pesada, direta ao ponto! Mas logo fica mais suave com vocais mais discretos. Um
contraste interessante característico do álbum, da banda. A música traz reflexões
sobre um mundo com distribuição injusta dos mais ricos, comida, espaço para
viver, superpopulação.
"Requiem Vom Ende"
abre com uma ótima sonoridade de guitarra que é substituída por melodias vocais
rápidas e órgão. De volta à guitarra enquanto a bateria segue forte,
consistente. Os vocais trocam com alguns solos de guitarra repetidas vezes, sem
contar com excelentes linhas de baixo bem pulsantes. A letra traz a visão de um
mundo após a autodestruição. É Fim da “História de um Planeta”.
O estilo complexo do
Necronomicon sempre foi motivo de debate e críticas dentro e fora do
Necronomicon e isso, claro, suscitou algumas saídas. Fistus Dickmann saiu em
1973, um ano após o lançamento do debut da banda, entrando Dieter Ose, um belo
tecladista que, graças ao seu estilo pouco ortodoxo de tocar se adequou à
proposta da banda, bem como comungava das ideias sociais do Necronomicon. No
início daquele ano Ose e Norbert começaram a fazer novas composições ainda mais
complexas do que “Tips zum Selbstmord”.
Sturm também fora assediado
para sair da banda recebendo uma proposta para tocar em outra grande banda
obscura oriunda de Aachen, o Rufus Zuphall. O Rufus sempre foi o principal
concorrente do Necronomicon na cena rock de Aachen. Em 1973, Günther Krause, o
frontman e guitarrista de Rufus Zuphall deixou a banda e Udo Dahmen e Manfred
Spangenberg (baterista e baixista de Rufus Zuphall) contatou Walter Sturm para
entrar na banda e a ideia do Rufus Zuphall era levar mais peso a banda com a
entrada de Sturm. E diante da crise instaurada no Necronomicon Sturm saiu da
banda para respirar novos ares, isso ainda em 1973.
Mas depois de uma passagem
até que bem-sucedida no Rufus Zuphall Walter Sturm retorna ao Necronomicon
encontrando um panorama sonora completamente novo, com músicas mais complexas
que duravam cerca de 30 minutos, inclusive.
O Necronomicon não chegou a
realizar shows e turnês com “Tips zum Selbstmord”, tinham pequenos grupos de
amigos bem leais a sua música, não sendo, claro, muito fácil divulgar seu
trabalho, até porque também sua música estava muito a frente do seu tempo e
demorou cerca de 15 anos após o seu lançamento para que a banda ganhasse alguma
visibilidade, custando a dissolução de sua formação original. Em 1974 a banda
chegou a fazer alguns shows, mas o público foi ficando cada vez menor.
“Tips zum Selbstmord” teve
alguns relançamentos, seja em CD e LP, em 1996, 2004 e 2008. Reza as boas informações
de que a banda estaria disposta em relançar oficialmente de 'Tips zum
Selbstmord' em qualidade de som original retirada das fitas originais e um
“Live LP” de gravações feitas em um show em 2019.
Diante desses reveses a banda findou as suas atividades em 1976, retornando apenas em 2012, mas com ensaios em 2010, gravando um álbum de estúdio chamado “Haifische” e mais tarde o álbum “Verwundete Stadt”, em 2017. A expectativa é de que em um futuro próximo possamos ter novos trabalhos dessa obscura e gigante banda germânica setentista.
A banda:
Walter Sturm na guitarra
solo, vocais
Norbert Breuer na guitarra,
vocais
Fistus Dickmann no órgão,
sintetizador, vocais
Bernhard Hocks no baixo,
vocais
Harald Bernhard na bateria
Com:
Annegret Finken, Irmgard Lambertz, Maria Wirtz, Sophie
Finken no alto vocal
Michael Breuer, Wilhelm
Busacker no baixo vocal
Elisabeth Schlingmann, Maria
Gartmann no soprano vocal
Karl Lenz, Manfred Wirtz, Rudolf Schlingmann, Willi Mertens no tenor vocal
Faixas:
1 - Prolog
2 - Requiem Der Natur
3 - Dicas Zum Selbstmord
4 - Die Stadt
5 - In Memoriam
6 - Requiem Vom Ende
Nenhum comentário:
Postar um comentário