Nada como fugir um pouco do
óbvio, sair um pouco dos grandes centros do rock n’ roll, tais como Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha etc. Há sim vida pulsante sonora em outros cantos
do mundo e não se enganem, estimados leitores, há grandes pérolas obscuras nos
mais improváveis recantos esquecidos do planeta.
Há países, no entanto, que
há uma cena pulsando, uma boa quantidade de bandas, com muita qualidade, mas
vilipendiada pelo grande público e pela indústria fonográfica que só visualiza
diante dos seus olhos o lucro que os países mais conhecidos e badalados podem
proporcionar.
E graças a esse blog que, a
cada dia, vem me estimulando a garimpar mais e mais o que há de melhor
espalhado por esse mundo e me mostrando o que, confesso, há alguns anos atrás
eu não percebia: que existem bandas fora do eixo Inglaterra-EUA e grandes
bandas!
A viagem tem sido intensa e
proveitosa. Os textos explodem em história, as sonoridades surpreendem pela
sonoridade arrojada, complexa, orgânica e que não fica em nada atrás dos
grandes clássicos, a única diferença é a falta de oportunidade para que essas
bandas catapultem a sua arte.
A banda de hoje vem da Bélgica! Sim, a Bélgica! As improbabilidades existem e excitam por ser tão plenas e vivas. A pungência dessa banda surpreende e nos faz chegar a óbvia confirmação de que as fronteiras não deveriam existir para a música, os muros da desconfiança e do preconceito, a cada audição, estão ruindo. E essa banda traz essa grata sensação!
O nome dela é DRAGON! Não se enganem, não se trata de uma HQ, um personagem de desenho animado ou coisa que o valha, mas a síntese do que há de mais genuíno do rock progressivo bem tocado, bem elaborado, complexo, mas orgânico, porque é vivo e sincero a sua música. E a descoberta se deu de uma forma totalmente ocasional, mas sempre planejada, pois quando nos permitimos a garimpar a intenção é sempre achar algo.
Originalmente chamado de
Burning Light, esta banda da região de Ath foi formada em 1970 pelos irmãos
Georges e Jea Vanaise, tendo dois vocalistas, além do multi-instrumentista
Jean-Pierre Houx.
Inicialmente o Dragon teve
muitas aparições em festivais, fazendo alguns shows locais e com isso foi
ganhando alguma repercussão. Eles costumavam, no seu início, a tocar usando
máscaras, maquiagens e máquinas de fumaça nos palcos, elevando a qualidade
visual e teatral nas suas apresentações.
Em 1976 o Dragon se juntou
ao tecladista e saxofonista Christian Duponcheel, que havia tocado no Lagger
Blues Machine e finalmente gravaram seu primeiro álbum, auto-intitulado nos
estúdios Acorn, alvo desta resenha de hoje. A banda também contou, na guitarra,
com Bernard Callaert.
São poucas as informações sobre a gravação de “Dragon”, em 1976. Reza a lenda que ele foi gravado no Reino Unido, mas, como muitos casos, fora engavetado, esquecido pela indústria, até que, em 1989, o selo Muséa Records o tirou dos escombros do esquecimento e o lançou em um formato CD.
Por outro lado, há informações
de que a banda teria lançado, de uma forma totalmente alternativa, pelo selo
Gamma Records, uma quantidade baixíssima de cópias, cerca de 1.500, uma prensa
privada distribuída principalmente pela banda e pelo referido selo. Mais
alternativa do que isso não há!
A arte gráfica denuncia esse
trabalho quase que artesanal e manufatureiro do Dragon com o seu primeiro
trabalho, embora bonito, parece ter sido desenhado a mão, tornando-o obscuro,
pouco conhecido. O Dragon era o tipo de banda para quem a palavra “obscura” foi
definitivamente inventada.
“Dragon” revela um som “descolado” do seu tempo, afinal eles entraram em estúdio em 1976, pois combina uma dinâmica arrojada, com mellotron em profusão em uma levada extremamente jazzística e em algum momento entrega estranhos e intrigante sonoridade solar e repletos de humor surreal, com alguma impetuosidade, algum peso e ambições que levam o álbum a uma complexidade que nos remetem aos primórdios do rock progressivo.
Por isso que fiz questão de enaltecer a situação de estar “descolado” no tempo, afinal
1976, apesar do prog rock ainda estivesse em alguma evidência, já não gozava de
tanta popularidade, como na realidade, convenhamos, nunca esteve.
Você percebe, neste debut do
Dragon, um som complexo e arrojado, mas por outro lado, é genuíno por ser
deveras orgânico, intenso e vivo. A sua sonoridade definitivamente é, diria,
ingênua! Como? Explico: é encantador, é envolvente, pois não se preocuparam com
tendências, não se entregando a elas, envolvendo-se com a sua verdade musical,
independente das urgências do tempo em que o álbum fora concebido.
Isso torna “Dragon” original,
charmoso corroborando a sua atemporalidade, atribuindo-lhes uma originalidade,
uma veracidade de sua arte. A ingenuidade a qual me refiro traz a sua verdade,
sem amarras, por isso que a banda sucumbiu sob o aspecto comercial, sendo
sequer apoiada pela oportunista indústria fonográfica.
Resumidamente “Dragon” evoca o progressivo sinfônico britânico com algum tempero psicodélico e muita vivacidade, atingindo tal plenitude com um pouco de peso, sintetizado em belos riffs de guitarra e bateria marcada.
A formação da banda, quando gravou
“Dragon”, tinha: Bernard Callaert na guitarra e backing vocals, Christian
Duponcheel nos teclados, sintetizadores e mellotron, Jean-Pierre Houx no baixo,
sintetizadores, trombone, paino e backing vocals, Georges Venaise na bateria e
flauta e Jean Venaise nos vocais e guitarra.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Introduction” (Insects) com um órgão meio espacial, menos circense, mais
introspectivo, algo místico, diria, que me remete a linhas de Pink Floyd e
Novalis com um hammond provendo um ritmo de textura simples, mas eficiente com
uma melodia sinuosa de guitarra que tece seu caminho dando fomento a esse
redemoinho cósmico, de space rock. E um adorável piano ao fim.
“Lucifer” é um verdadeiro
passeio selvagem, frenético e poderoso, uma verdadeira força da natureza. Com
uma introdução descontraída e contemplativa de pássaros e oceanos, uma guitarra
limpa ao estilo blueseiro se faz aparecer com baixo pulsante e pesado com
vocais estridentes, despretensiosos quase humorísticos, com solos de guitarra
trazendo o contexto, em uma camada hard. Mas as variâncias rítmicas, claro, se
fazem presente e, diante dessa parte mais pesada e animada, surge um trecho
instrumental calcado no space rock com espessa nuvem de sintetizadores e flautas.
“Leave Me With Tears” tem
letras sombrias, mas emocionantes, com um adorável Mellotron choroso e um
expressivo solo de guitarra apoiado por um piano de cauda no final. É uma
música emocional, com um nível alto de dramaticidade.
“Gone In The Wind” traz uma
faixa bem rock com trabalho matador de guitarra e uma melodia extremamente
cativante, mas com uma levada pop, diria comercial e radiofônica com rajadas
absurdas de mellotron no refrão da música. Trata-se de uma música cheia de vida
e cheia de vida!
“In The Blue” começa com
alguns efeitos eletrônicos que remetem, em algum momento, com a cena
minimalista germânica krautrock, com uma atmosfera sombria com algumas
experimentações, trazendo interessantes e intrigantes solos de guitarras
viajantes e teclados cintilantes e agradáveis que te faz voar ao ouvir, com
inclusive as trompas, o bom trompete azeitando todas as instrumentações. Uma
faixa muito bem construída com prolongados solos de guitarras e teclados que
evoca o psicodelismo dos anos 1960.
E fecha com “Crystal Ball” basicamente
traz a mesma proposta da faixa anterior, quase, diria, uma continuação dela com
um vocal mais lento, discreto, introspectivo, algo caótico, atormentado, com
golpes pesados e intensos do órgão e guitarra e os sintetizadores se revelando
espaciais, uma levada space rock. As paredes sonoras do mellotron e riffs de
guitarra termina a música de forma sombria.
O Dragon viria gravar, em
1977, o seu segundo trabalho chamado “Kalahen” nas mesmas condições que seu
debut, "Dragon”, sem apoio e sem gravadora. Em 1992 o selo Mellow Records
o trouxe a luz em um formato CD. “Dragon” também ganhou um novo lançamento, em
2012, em formato LP com belo e arrojado encarte, pelo selo Golden Pavillion.
Por mais que o Dragon tenha
se descolado do tempo em que concebeu os seus álbuns, suas composições,
dando-lhe o caráter de banda ingênua e até mesmo amadora, traz ideias sonoras
inventivas e interessantes, algo extremamente instigante que realmente
impressionam. E o que chama a atenção é o contraste de momentos sombrios e
soturnos com momentos alegres, edificantes e solares. O que fascina e enaltece
a cena progressiva, são essas nuances rítmicas que faz do som complexo e
fascinante, ao mesmo tempo.
O Dragon mostrou potencial, mostrando ter sido uma grande banda de rock progressivo, digna e excitante, em alguns momentos. Uma pena não terem produzido mais, ter tido uma longevidade discográfica e terem saído de cena.
Bem pelo menos é o que parece ser, pois
pouco se tem de informação sobre o paradeiro de seus integrantes e que destino
teriam rumado dentro da música. O fato é que, como um cometa, deixou alguma
marca pela sua verdade sonora registrado em seus álbuns simples, mas
significativos. Recomendado!
A banda:
Bernard Callaert na guitarra
e backing vocals
Christian Duponcheel nos
teclados, sintetizadores, mellotron
Jean-Pierre Houx no baixo,
piano, sintetizadores, trombone e backing vocals
Georges Venaise na bateria e
flauta
Jean Venaise nos vocais e
guitarra
Faixas:
1 - Introduction (Insects)
2 - Lucifer
3 - Leave Me with Tears
4 - Gone In the Wind
5 - In the Blue
6 - Crystal Ball
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