A história da indústria da
música está repleta de pitorescos e incomuns momentos que definitivamente vale
a pena ser contada. Por isso a existência deste humilde e reles blog, porque
aqui bons amigos leitores a história também tem o seu lugar de protagonismo,
bem como, claro, a música, afinal, convenhamos que ambos se complementam.
E muitas dessas histórias,
desses momentos são daquelas bandas, inúmeras, diga-se de passagem, que não
chegaram ao estrelato, que não atingiram o status de banda conhecida, não pelo
fato de serem ruins, uma porcaria, mas o sucesso é sob o aspecto comercial da
coisa e esse sim é no mínimo “digno” de questionamentos no que tange a
qualidade sonora.
Mas este reles e humilde
blog que o nobre leitor lê é uma ode ao fracasso! Nós amamos o fracasso, porque
nele reinam absolutas as bandas obscuras, esquecidas, vilipendiadas pela
história da indústria fonográfica. O fracasso é extremamente rico e rende
histórias e momentos únicos.
Talvez esse tal fracasso
possa ser dissecado, entendido de várias formas: a banda estar na hora e lugar
errado, a tal da sorte, como se qualidade dependesse de sorte e afins, mas como
falamos em mercado, em uma indústria orquestrada, geralmente, por um sistema
destrutivo e paternalista, muitos sucumbem para poucas “oligarquias”
prosperarem e sucesso se torna algo totalmente raso.
E essa banda que vos
apresento neste texto sintetiza com fidelidade esse panorama que, por se tratar
de um sistema, perdura desde os seus primórdios, com algumas mudanças de “aperfeiçoamento”
nos dias atuais com alguns adventos tecnológicos, por exemplo. Falo da banda
britânica RITUAL.
Já começa pelo nome, digamos
pouco ortodoxo. Não chega a ser algo agressivo, indulgente, mas que suscita
algumas interpretações ameaçadoras que foge do maldito status quo de uma
sociedade podre e pseudo conservadora. Mas para os pagãos da música, atrai, no
mínimo, atenção e foi o que aconteceu basicamente comigo. Quando se lê um nome
desses, é como se fosse mesmerizado.
E quanto a banda, foi
formada em 1973 e por anos e anos trafegou por circuitos de clubes sombrios é
fétido, na incessante e, às vezes, inglória busca por um mísero contrato para
gravar a sua arte, mas absolutamente nada vinha, nenhum convite.
E assim o foi por quase 10
anos! A persistência é um dos pontos positivos dessas bandas obscuras, a defesa
de suas verdades sonoras é o maior e mais relevante patrimônio de tais bandas! Seu
single saiu em 1981 e o seu primeiro álbum lançado em 1983 pelo selo “Legend
Records”.
Era o auge da famosa “New
Wave of British Heavy Metal”, a nova cena do heavy metal britânico e ainda
assim o Ritual não conseguiu se “encaixar” na cena assumindo certo protagonismo
comercial como bandas do naipe de Iron Maiden, Def Leppard entre outras.
O seu álbum “Widow” trazia uma miscelânea do hard rock e do heavy metal, este último no auge, haja vista que a banda trafegara nessas duas cenas, é oriunda do hard setentista e teve seu álbum lançado nos anos de ouro do heavy metal que era, de fato, a “onda” do momento.
“Widow” corrobora
definitivamente de que o hard construiu as arestas para o heavy metal reinar
nos anos 1980, mas ainda assim o álbum, como disse, não se “encaixou” aos
anseios do “mercado”, ou melhor, da cena da época, composta basicamente por
jovens que foram moldados a gostarem do heavy metal.
O Ritual, com seu recém-lançado
trabalho, foi, diante disso, incompreendido, mal divulgado pela gravadora, não
foi tocado nas rádios mais populares e ficou à margem do gradativo sucesso da
NWOBHM e das suas principais bandas. A banda caiu no mais puro e triste
ostracismo, aquém do sucesso estrondoso e do bem-sucedido heavy metal que
também logo cairia em segundo plano, dando lugar ao “metal farofa” surgida na
“animada” Los Angeles.
“Widow”, quando lançado à época, no formato LP teve, foi concebido quase que, diria “artesanalmente”, com apenas 2.000 cópias, então aos que adquiriram essa pepita é digna de edição de colecionador.
O resultado de “Widow” foi tão desastroso para o Ritual que, em virtude dessa mínima visibilidade e também da arte gráfica do álbum, o nome da banda foi confundida com “Widow” e não “Ritual”. Inclusive o nome “Widow” está listado em alguns sites importantes de rock e heavy metal, causando confusão e dúvida até entre os fãs do estilo.
E ainda sobre a arte gráfica
reza a lenda de que a imagem da mulher ajoelhada e nua se trate de uma bruxa
sendo crucificada ou em uma espécie de ritual dando uma razão de ser ao nome da
banda, mas isso nada mais é do que uma licença poética de quem vos fala.
Assim se desenha o debut do
Ritual: Resquícios evidentes do hard rock oculto com contornos do novo heavy
metal que figurava nos primeiros anos da década de 1980. E ouvindo esse belo
trabalho “old school” percebe-se, pelo menos para este que vos fala, uma
evidência dos primeiros do occult rock, sobretudo pelo teor das suas letras,
mas, em algumas entrevistas, o guitarrista e vocalista Re Bethe, sempre tentou
minimizar tal afirmativa, mas é até razoável pensar se tratar de um álbum de
occult rock, pois traz ecos da assombrosa abordagem do início dos anos 1970 e
sua pequena vertente do rock oculto.
A formação do Ritual na
construção de “Widow” trazia além de Re Bethe, na guitarra e vocal, tinha Phil
Mason no baixo e Rex Duvall na bateria. E voltando às apresentações de “Widow”
a sua atmosfera segue com faixas pouco convencionais trazendo uma aura sombria,
soturna, entregando, em alguns momentos, algo arrastado, lamacento, lembrando
um doom metal, na sua gênese.
A faixa inaugural do álbum,
a música título, “Widow” carrega consigo a firme vertente hard obscura do
início dos anos 1970 que lembra, em alguns momentos, os primeiros trabalhos do
Black Sabbath, com riffs cativantes de guitarra, bateria marcada, cadenciada e
baixo pulsante ditando o ritmo. O vocal, soturno, limpo, melódico, melancólico
abrange a toda essa textura sonora entregando uma sonoridade extremamente
emocional e sombria.
“Come to the Ritual” muda a
“chavinha” literalmente! Traz o heavy metal em voga naquela época, com mais
velocidade, elétrico, frenético, riffs de guitarras mais pesado e poderoso. O
vocal mantém a chama melancólica, porém um pouco mais indulgente e sedutor,
algo ameaçador que sintetiza a letra e mensagem da música. Outro ponto
interessante da faixa é a mudança rítmica seguindo uma proposta mais
progressiva, como na faixa anterior, diria, dando arestas para o que
convencionaria mais no futuro como metal progressivo.
“Rebecca” é mais “urgente”
no que diz respeito ao heavy metal. O protótipo perfeito da vertente repaginada
dos primórdios setentistas do hard rock. Mas o peso contrasta com uma cadência
que me remete ao doom metal em sua gênese. Mas não desperdiçam nos solos de
guitarra, embora diretos e simples. O vocal, mais imponente, não deixa de
valorizar a sua limpidez e dramaticidade.
“Never for Devil” traz, em
sua introdução, a chuva, os trovões eternizados pelo Black Sabbath em seu
clássico de mesmo nome, mas que irrompe em um galopante solo de bateria e um
pulsante e intenso baixo, a “cozinha” da banda não faz feio e dá abertura para
um poderoso e frenético heavy rock que flerta, cronologicamente e
instrumentalmente falando, com os anos 1970 e 1980, trazendo o peso de um e a
velocidade do outro, respectivamente. Não há como deixar de bater cabeça e
dançar nesta faixa.
Morning Star” segue a mesma
proposta da faixa anterior, mas um tanto quanto introspectiva e até, por vezes,
contemplativa. O peso, personificado pelos riffs pegajosos de guitarra, se
contrastam com o vocal melódico que “obriga” os instrumentos a recuarem no
peso, em um momento mais suave, tendo apenas o baixo marcado ditando o ritmo.
“Journey” te transporta
inteiramente aos anos 1970! O peso “bate de frente” com a cadência, trazendo um
pouco mais de qualidade ao som, mostrando que a banda pode sim, trabalhar um
pouco mais a sua perspicácia instrumental, com guitarras com solos mais limpos
e me trabalhados, apesar de diretos e bateria bem trabalhada, sem contar com o
vocal repetidamente sendo executado de forma limpa e competente.
E fecha com a faixa
“Burning” que me remete aos anos 1970, porém com uma pitada generosa de occult
rock e suas bandas de gueto, esquecidas, ao estilo Coven e primeiros álbuns do
Blue Oyster Cult. O Ritual nessa faixa tira um pouco o pé do freio, com uma
pegada mais “sedutora”, pop, por vezes, atraente como todo bom e velho occult
rock.
Mesmo com a nítida produção
de baixo orçamento a banda conseguiu sintetizar, sonoramente, a sua proposta e
revelando as suas raízes que o tempo não se encarregou de esvair. Embora o
álbum tenha trazido as novidades do período em que fora concebido corrobora as
suas verdades calcadas na gênese dos anos 1970. O flerte com as vertentes nada
mais é do que essa confirmação, de que a gestação do heavy metal se deu com o
pai hard rock no início dos anos 1970, ganhando corpo nos anos 1980, ganhando a
sua independência nos dourados anos 1980.
Tudo em “Widow” é úmido,
endurecido, pesado, sombrio e que mostra, personifica uma dura jornada de uma
banda que, por muitos e muitos anos, em uma invejável persistência conseguiu
superar os reveses impostos pela paternalista e conservadora indústria
fonográfica e gravou seu álbum que, embora não tenha tido a audiência
necessária revela a importância de vertentes de duas décadas importantes para o
heavy rock.
Depois de algum tempo, não muito, do lançamento de “Widow” o Ritual mergulhou em um hiato tirando-o de cena, certamente motivado pelo insucesso de seu álbum, sob o aspecto comercial e o baixo apoio da sua gravadora e das rádios, mas retornando, dez anos depois, com o seu segundo álbum, chamado “Valley of The Kings”, de 1993.
Diante do tamanho da
importância e da influência que o Ritual e o seu debut, “Widow”, representou
para a música e os músicos, era inevitável que ele fosse revisitado, revisado e
relançado, ganhando uma nova e convincente arte gráfica em 2008 pelo selo Shadow
Kingdom Records com faixas bônus.
O Ritual, mesmo que nos
escombros escuros do rock n’ roll ditou regras, serviu de referência para as
principais vertentes da música pesada, trafegou por elas, se tornando necessário,
urgente e poderoso! E assim o é com seu álbum, “Widow”, que parece resistir ao
tempo.
A banda:
Phil Mason no baixo
Re Bethe nos vocais e
guitarra
Rex Duvall na bateria
Faixas:
1 - Widow
2 - Come to the Ritual
3 - Rebecca
4 - Never for Evil
5 - Morning Star
6 - Journey
7 - Burning
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