A gente precisa ter muito
cuidado para pontuar pioneirismos a determinadas bandas! Embora pareça
contraproducente falar, abordar sobre esse tema, haja vista que, dependendo da
década ou do período que seja pauta de tal discussão, com a profusão de bandas que
surgem, é um assunto interessante de se discutir, pois nos faz entender,
compreender a música de que ouvimos.
E a década de 1970 surgiu
com uma cena prolífica, grandiosa com uma infinidade de bandas com uma
qualidade incomparável, se tornando, a meu ver, como o período mais rico da
história do rock n’ roll!
Foram bandas que flertaram,
experimentaram inúmeros estilos que, embrionários que eram, foram construídos,
passo a passo, forjados diante da escuridão do começo, o big bang da criação
sonora. E cada estilo que se formatavam se alimentavam uns dos outros, se
interdependiam, nos ensinando que o rótulo não poderia ser seguido a ferro e
fogo, apesar da nossa extrema necessidade de pertencimento a um grupo social,
neste caso por intermédio da música. As cenas eram, assim, criadas.
E com o pioneirismo vêm os
fatos cronológicos! Quem surgiu primeiro? Quem criou determinado estilo de
música? Quem foi o responsável por ouvirmos hoje, 20, 30, 40, 50 anos depois a
música que amamos tanto, que é o nosso oxigênio? Parece ser cada vez mais
difícil darmos um marco, pontuarmos uma pedra fundamental para a nossa música.
E com o hard rock, o heavy
rock, a música pesada, como um todo, se descortina uma missão que parece ser
impossível de identificar. E, convenhamos, que bom que é difícil pontuar o
primeiro, se é complicado é porque temos uma infinidade de bandas que, mesmo
antiga, nos traz grandes novidades.
Eu conheci, há certo tempo
atrás, uma banda, oriunda de Kansas/Missouri, nos Estados Unidos, que sintetiza
bem esse exemplo que cito, de bandas antigas, esquecidas, obscuras que, mesmo
em tempos atuais, suscita discussões com relação a pioneirismo de determinados
estilos dentro do rock n’ roll.
Eu não me recordo em que
circunstâncias a conheci, mas uma coisa eu tenho certeza: trata-se de uma banda
de hard psych norte americano! Ah como adoro essa cena obscura pesada do início
dos anos 1970 dos Estados Unidos! Embora creditemos o pioneirismo a bandas
britânicas como Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, da música pesada,
não podemos negligenciar a história e importância de bandas como Coven, Blue
Oyster Cult, por exemplo, nesse período tão importante do hard rock.
E como colocar no mesmo rol
de Sabbath, Purple e Zeppelin, as bandas obscuras, que tiveram uma curta discografia,
que não vingaram? Parece difícil falar sobre pioneirismo nesses casos. Mas
temos que levar em consideração que o fracasso comercial não invalida a
importância dessas bandas que caíram, por algum motivo, no ostracismo, por isso
que esse blog existe!
E o que dizer de bandas que
gravaram em um determinado ano, mas o material sequer foi lançado, sendo
esquecido, engavetado? Mais difícil ainda reivindicar a sua importância, diante
dessa “distorção cronológica”!
A banda que eu falo é o BULBOUS CREATION! Rara, obscura, pouco conhecida, poucas referências sobre a sua história... Como dar a devida importância a sua obra? Difícil, não é?
Mas quando você dá o “play”,
não importa a mídia em que você o ouvirá, logo atestará a sua importância e o
quão o som é importante, levando em consideração o ano em que fora concebido:
final de 1969, início de 1970. Um período transitório em que se respirava o
movimento hippie, o “flower power” e a banda nos traz uma sonoridade
vanguardista, nova, arrojada.
Se esse álbum tivesse sido
lançado em 1969 seria, sem sombra de dúvida, tão importante quanto o primeiro
do Black Sabbath que, apenas para constar, era oriundo do blues, do hard e do
psicodélico, por exemplo. Seria tão grande e disso, ao ouvir o seu único álbum
lançado, eu não tenho dúvida. Talvez esteja sendo, para muitos que está lendo
essas linhas, leviano em comparar o Bulbous Creation com o grande Black
Sabbath, mas o farei sem hesitar e logo provarei quando dissecar, faixa a
faixa, o seu único rebento, o “You Won’t Remember Dying”.
Um psicodélico que chuta a
porta e vai entrando, invadindo sem dó e piedade, com aquela típica guitarra
ácida, lisérgica, poderosa, distorcida, um proto metal revolucionário, que, sem
sombras de dúvidas faria escola para muitas bandas medalhonas que surgiriam
depois, mesmo que seu álbum tenha sido engavetado, jogado para escanteio pela
indústria fonográfica. Assim é “You Won’t Remembering Dying”!
E esse álbum psicodélico pesado e raro, extremamente obscuro traz também uma capa soberba, alojado em um pioneirismo até na arte gráfica, se tivesse sido lançado na época em que fora concebido. Por ter sido lançado décadas depois de sua gravação, não se sabe ao certo se essa era de fato a capa que tinha sido produzida para o seu lançamento nos longínquos anos 1960/1970, mas a caveira pensativa ao estilo Auguste Rodin, artista francês, com a sua obra proeminente, “O Pensador”, é definitivamente impagável e o título, com a tradução livre “Você não vai se lembrar de morrer”, sintetiza bem o nome do álbum e reproduz muito bem também o teor das suas letras, com tons ocultistas, satânicos e pesados para o seu tempo.
Mas olhando
com mais detalhes, nota-se uma agulha, talvez denunciando o uso da heroína, tão
comum naqueles tempos, o que pode explicar que o uso indiscriminado do
psicotrópico pode fazer com que a pessoa sequer lembre de que morrerá.
A banda é, em todas as suas
características, uma revolução ambulante ao proto metal, ao hard rock! O
Bulbous Creation, quando da concepção de “You Won’t Remembering Dying” era
formado por: Paul Parkinson nos vocais e guitarra, Jim "Bugs" Wine no
baixo, Alan Lewis na guitarra principal e Chuck Horstmann na bateria.
E esses caras de Kansas,
para variar, sem nenhum apoio, gastaram as suas escassas economias e alugou um
estúdio, o “Cavern Sound Studios”, em Missouri, e gravou oito faixas, ao vivo,
em um dia! Pasme o tempo curto de gravação, algo que atualmente é impossível de
ser feito.
O Bulbous Creation era tão
pesado e barulhento quanto o Black Sabbath, quanto o Coven, quanto O Deep
Purple, mas não teve a sorte de ter o seu trabalho lançado naquela época e
sabe-se lá o motivo pelo qual não ganhou a luz naquela época. Uma obra de heavy
psych que merece a atenção, merece a reverência de quem aprecia o estilo. E
hoje podemos ver um pouco do Bulbous Creation em várias bandas de stoner rock
que alia o hard rock com uma sonoridade mais voltada para o rock psicodélico.
Era o que o Bulbous Creation fez com “You Won’t Remembering Dying”.
Então sem mais delongas
vamos disseca-lo e reproduzir todas as percepções acerca deste excelente álbum.
O álbum é inaugurado com a faixa “End Of The Page” que, meio que contrariando
essas percepções, vem com uma balada, com uma guitarra dedilhada a estilo The
Doors e um vocal soturno, sombrio, mas limpo e viajante. Assim é a música em
toda a sua execução: contemplativa e viajante.
Mas com “Having a Good Time”
a situação muda de figura totalmente! Um cover de Ten Years After vem como um
furacão, varrendo tudo com riffs pesados e pegajosos e vocais altos, de grande
alcance e gritados e uma bateria marcada e pesada tendo o baixo dando o ritmo e
balanço necessário para torna-la dançante e solar.
Na sequência “Satan” já
inicia com um solo de guitarra que virou a referência para muitas bandas de
hard rock e heavy metal nos anos que se seguiram, com peso e indulgência e
assim a música segue, com peso e agressividade, mas com cadência dando ênfase a
letra sombria e com tonalidades ocultistas. E o que dizer do solo de guitarra?
Fantástico! Simples, mas fantástico!
“Fever Machine Man” segue com o mesmo conceito sonoro da faixa anterior: guitarras pesadas, riffs pesados e vocal despretensioso, gritado, com um baixão pulsante que parece seguir fielmente as características vocais que descamba para solos sujos e arrogantes, fugindo do básico virtuosístico de alguns figurões do instrumento daquela época.
“Let's Go To The Sea” é a
mais longa e complexa do álbum! A entrada da bateria já denuncia o seu destaque
nessa faixa e traz uma versão mais arrastada, graças aos riffs sujos de
guitarra, mas que, ao mesmo tempo, entregam solos bem elaborados que se mostra
em uma incrível sinergia com a “cozinha” da banda, com bateria marcada e baixo
pulsante. O vocal, mais uma vez, tem destaque, com qualidade e limpidez.
“Hooked” inicia ao estilo
hardão com riffs pegajosos e pesados, lembrando um doom metal, cadenciado,
arrastado, mais agressivo, que é envolto em solos simples de guitarra bem
interessantes.
“Under The Black Sun” é a
mais pesada, sem sombra de dúvidas, do álbum. Ela começa voraz, agressiva,
veloz, entregando um heavy metal de vanguarda, com a bateria dando o tom e
materializando esse peso de uma forma veemente.
E fecha com “Stormy Monday”
que começa introspectiva, com aquela guitarra dedilhada, com um vocal mais
grave, austero, envolto em uma capa de blues rock repleto de lisergia, aquela
guitarra ácida, mas que, ao mesmo tempo, é executada com qualidade e decência.
Como disse “You Won’t Remembering Dying” não foi lançado oficialmente na época de sua gravação, em 1969/1970 e só foi ganhar a luz quase vinte e cinco depois, em 1994, pelo selo “Rockadelic.
Reza a lenda que os executivos da gravadora, quando descobriram o
material, decidiram procurar a banda, quem sabe para, além de lançar o álbum,
que foi o que aconteceu promover a banda, quem sabe financiar uma turnê, shows,
mas não encontrou o paradeiro de nenhum integrante do Bulbous Creation, o que
faz deste álbum, desta banda, extremamente raro, extremamente obscuro.
Em 2011 foi relançado pelo
sub-selo “O-Music”, sob o antigo selo alemão “Green Tree Records”, mas traz uma
capa totalmente diferente da versão anterior e quem sabe a que poderia ter sido
lançada em 1969/1970 e, convenhamos, está longe de ser a melhor capa.
O híbrido underground de
Bulbous Creation, com o seu “You Won’t Remembering Dying” faz da banda, embora
a cronologia do tempo não o favoreça no que tange ao pioneirismo da sonoridade,
uma banda arrojada, revolucionária e a frente do seu tempo e que bom que tal
máxima é corroborada pelo seu tardio lançamento oficial que corrobora a
materialização da sua importância para o heavy rock, o hard psych etc. Não
importa a nomenclatura, mas a sua referência para as bandas de hoje e sempre.
A banda:
Paul Parkinson nos vocais e
guitarra
Jim "Bugs" Wine no
baixo
Alan Lewis na guitarra
principal
Chuck Horstmann na bateria
Com:
Linny Wener nos teclados (Em algumas faixas)
Faixas:
1 - End Of The Page
2 - Having A Good Time
3 - Satan
4 - Fever Machine Man
5 - Let's Go To The Sea
6 - Hooked
7 - Under The Black Sun
8 - Stormy Monday
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