segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Fraction - Moon Blood (1971)

 

Segunda metade dos anos 1960. O mundo estava agitado, intenso e, diria, em alguns momentos, tenso. A Guerra do Vietnã era um engodo democrático da polícia do mundo! O mundo protestava contra a polícia do mundo! A contracultura florescia e protestava e, por intermédio de várias manifestações artísticas deixavam os seus registros, a sua revolta perante o status quo ultraconservador.

A música, claro, deixou a sua marca, sobretudo a cena psicodélica de Los Angeles, com uma profusão de grandes bandas que deixaram clássicos para todo o sempre com a sua atemporalidade e nessa toada podemos destacar The Doors, Janis Joplin e tantos outros que ajudaram a construir a cena rock, não apenas local, mas de todos os Estados Unidos e que, claro, foi exportado para o mundo inteiro, servindo de inspiração para o surgimento de tantas outras bandas.

Mas é claro que a cena também teve o seu lado obscuro e esquecido, de bandas que caíram no ostracismo ou aquelas que simplesmente nasceram fadadas à morte. Digo à morte comercial, até porque precisamos, de uma vez por todas, diferenciar ou dissecar as faces do sucesso e do fracasso, o que é oriundo de oportunidade ou da falta da mesma ou da falta de talento.

A cena obscura norte americana de hard rock e psicodélico é definitivamente grandiosa em termos quantitativos e qualitativos e que, sem sombra de dúvida, viveu ou sobreviveu em paralelo ao glamour e reconhecimento de público e crítica das grandes bandas que, com algum merecimento, sim, ostentou o status de pioneiras em diversos segmentos do rock n’ roll.

Eu poderia citar inúmeras bandas americanas de hard psych obscuras, afinal sou um apreciador do estilo e da cena obscura estadunidense e a cada dia parece renascer com cada descoberta por mim feita. Para a minha alegria o rock n’ roll é um universo vasto, inexplorado e logo selvagem. Um mundo intocável que de posse precisa ser lapidado, registrado por textos, vídeos por seres abnegados para que ela, de alguma forma, se perpetue.

Como diante disso torna-se inviável elencar cada banda, vou citar uma rara, mas especial e não é especial tão somente por ser rara, mas pela sua sonoridade arrojada para a época. Falo da banda FRACTION e do seu único trabalho, lançado em 1971, chamado “Moon Blood”.

E já que comecei esse texto a falar da cena psicodélica que reinou absoluta em Los Angeles, cidade onde o Fraction foi concebido, e em todos os Estados Unidos, o ano de 1971 foi o início do pós-hippie. Hendrix, Joplin, Morrison, representantes da cena já estavam mortos, Manson, com a sua carnificina, praticamente enterrou o movimento “flower power” e algumas bandas, oriundas da cena tiveram que rever sua sonoridade, trazendo algo mais pesado e o grande representante desse momento foi o Iron Butterfly, por exemplo. Podemos exaltar tantas outras como Blue Cheer, Blue Oyster Cult...

O Fraction trouxe esse momento da música, sendo um representante fiel, com uma sonoridade densa envoltas em uma atmosfera mística e nebulosa, quase que oculta e sombria, pautado em letras cristãs meio que apocalípticas que me remete a italiana Il Rovescio della Medaglia em seus primórdios. São letras abstratas, algo pouco palpável para um entendimento “padrão” e visível incitando o ouvinte a pensar, refletir e a construir inúmeras interpretações, dependendo da experiência de vida de cada um.

Mas o som do Fraction ainda carrega alguns “resquícios” de um passado não muito distante da lisergia sessentista, com guitarras ácidas, com sons mesmerizantes e que induz a ouvir, a ouvir e a ouvir compulsivamente. Um verdadeiro espécime da transição das décadas.

Uma sonoridade dramática, comovente, por vezes grave, urgente e reconfortante, agradável e contemplativa, mas que descamba, para o frenesi do peso, da loucura que dilacera a alma com peso e até agressividade.

A banda era formada por trabalhadores normais! Sim! Operários, representantes comuns da classe trabalhadora e músicos diurnos. Eram músicos pela manhã ou durante a madrugada, pois durante o dia, dedicavam-se nos seus trabalhos formais. A banda era formada por Jim Beach nos vocais, Don Swanson na guitarra principal, Curt Swanson na bateria, Victor Hemme no baixo e Robert Meinel na guitarra rítmica.

Eles se conheceram nos anos 1960, por intermédio de vários outros conhecidos que tinham em Los Angeles. Tiveram, como muitos músicos estado em outras bandas antes e formaram no final daquela década o Fraction. Eles precisavam de algo novo, de algo que não estivesse associado à “finada” psicodelia sessentista e por querer trazer algo novo tinham, apesar das dificuldades de conciliar o trabalho regular, praticar e praticar.

O Fraction tinha um pequeno estúdio em um complexo industrial em North Hollywood e começavam a praticar às vezes, às 4h30 da madrugada! As sessões de gravação do álbum foram gravadas de forma semelhante e em tempo real. Foram apenas três horas em um “take”, nem overdubbing ou quaisquer efeitos sonoros adicionais adicionados. Foi aquela famosa gravação “old school”. É incrível o resultado e o impacto à música, ao rock à época e para a posteridade, haja vista que o estilo é tido como o precursor do stoner rock tão em voga atualmente em uma cena já saturada, inclusive.

A gravação de “Moon Blood” aconteceu no Whitney's Studio em Glendale, na Califórnia, no início de 1971. Com um orçamento baixo, restrito foram lançadas apenas com 200 cópias! 200 pessoas privilegiadas que tiveram a primeira prensagem dessa pepita sonora! Foi lançado por um pequeno selo de música cristã chamado “Angelus”.

As letras, mencionadas como abstratas e complexas, são do vocalista Jim Beach que cita, como inspiração para a sua música bandas de proto punk como Love e o The Doors como sua favorita na cena vasta de Los Angeles. Inclusive tinha uma lenda que reinava naquelas bandas à época de que “Moon Blood” era o álbum que o The Doors gostaria de ter gravado. Bem se isso é verdade eu não sei mas nota-se influência da banda de Morrison & Cia no trabalho do Fraction. Diria mais: embora a questão cronológica dá conta de que o The Doors surgira antes do Fraction, não deixam de ser músicos contemporâneos, com o segundo, ouso dizer, mais arrojado flertando com um hard rock ainda embrionário. Além do Love Beach sempre se inspirou em Bob Dylan, sobretudo pela forma como escrevia as letras das músicas e em bandas de hard psych como The Yardbirds.

Letras de "Moon Blood"

Mas não podemos deixar de enaltecer o trabalho do guitarrista Don Swanson! O homem foi o responsável ou um dos responsáveis, apesar da obscuridade de sua banda, diante do glamour da cena de LA, de implementar uma modelo para o que é agora comumente conhecido como “Stoner Rock” ou “Acid Punk” com solos avassaladores com muito “wah-wah” com amplificadores elevados ao limite!

A guitarra de Swanson sempre foi a força motriz por traz da criatividade inquieta e pouco convencional de Beach na concepção das letras das músicas, definitivamente uma dupla dinâmica e poderosa que, de forma arrojada, criou um conceito, um som novo, mas sem padrões e com um leque incrível, cheio de versatilidade.

As contribuições dos outros caras não devem ser subestimadas. O baterista Curt Swanson mantém as coisas em constante ebulição, tudo ferve na sua bateria pesada e marcada, fazendo a engrenagem sonora do Fraction levitar, tendo também no baixista Victor Hemme o parceiro ideal. A “cozinha” fervilha!

Embora eu não seja um entusiasta de comparações e os riscos que se incorre quando, de forma patológica, se compara o tempo todo, bem como o seu único rebento, “Moon Blood”, traz à tona bandas como The Stooges e MC5, mas não tão agudos, diria, com um pouco da lisergia perdida nos anos 1960. As bandas marginais que, sem nenhum tipo de apoio e sem nenhuma perspectiva digna de vida que influencia diretamente na sonoridade da banda.

O Fraction tem como base sonora o rock cristão (Christian Rock), mas com um viés sombrio, perigoso e perturbador, fazendo da banda obscura e esquecida nos porões empoeirados e sujos do rock n’ roll! Naquela época parecia se ter certa demanda cristã narrada de uma forma, diria, pouco ortodoxa, seja no cinema, com os clássicos bíblicos, no teatro e na música não foi diferente, produzindo, de alguma forma, bandas como o Fraction.

E para não fugir do assunto “cristão” o nome do álbum, claro, é baseado em uma passagem bíblica de Joel (2:31) que diz:

“"O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor."

Então sem mais delongas vamos ao que interessa: ao álbum, faixa por faixa! Este é inaugurado por “Sanc-Divided” que traz guitarras bem despojadas, potentes, cheia de recursos definindo um clima intenso, forte, mas sombrio e intimista, ao mesmo tempo. A música cresce, ganha corpo e depois vem um turbilhão de fuzz impiedoso, mas reduz o ritmo. Uma música cheia de alternâncias rítmicas.

"Sanc-Divided"

“Come Out of Her” traz o destaque vocal de Beach bem rosnante, perigoso e indulgente com um extrema competência e alcance. E que logo é incrementado com um solo linfo de wah-wah que leva o ouvinte a uma onda psicodélica até o fim da música!

"Come Out of Her"

Na sequência tem "Eye Of The Hurricane” que é, sem sombras de dúvidas, o ápice do álbum, mágica do seu início ao fim, com os seus nove minutos de duração. Traz uma jam pós-apocalíptica com um excelente trabalho de guitarra com complexidade, mas orgânica e de muita, mas muita intensidade.

"Eye Of The Hurricane"

“Sons Come to Birth” é a balada do álbum que tem toda a dinâmica perfeitamente definida. Os tons psicodélicos aparecem em cada riff de guitarra, mesclado a uma pegada mais ácida, lisérgica. O baixo conduz a um groove que prepara a música para algumas boas e inspiradas improvisações.

"Sons Come to Birth"

E fecha com “This Bird (Sky High) traz uma seção de poesia meio que falada ao estilo, adivinhem, Jim Morrison, do The Doors, mas que culmina com uma explosão de rock n’ roll de altos decibéis, envoltos em riffs de guitarra e solos de guitarra com força total, com vocais lamentosos e roucos.

"This Bird (Sky High)"

Com o lançamento do álbum “Moon Blood”, em 1971, o sucesso e o reconhecimento pelo excelente trabalho não foram devidos, decretando o fim do Fraction. A banda se separou logo em seguida, voltando os músicos as suas rotinas de trabalhadores comuns e formais.

Mas depois de vários bootlegs ao longo dos anos, em 1999, “Moon Blood” ganhou uma reedição no formato CD pela primeira vez e apresentou três faixas bônus inéditas: “Prisms”, “Dawning Light” e “Intercessor’s Blues” ganhando uma reverberação da força já atestada nos primórdios da história do lançamento do álbum há quase quarenta anos atrás.

Em 2010 ganha mais uma reedição, pelo selo “Mexican Summer”, mas dessa vez no formato LP e também em CD, sendo que o primeiro teve, em sua linha de montagem, na sua produção, feito à mão, um a um, dando, ainda mais, importância para esse momento de resgate de uma banda vilipendiada e esquecida pela indústria fonográfica.


Essa reedição traz de volta à luz o Fraction que, certamente, no seu surgimento no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 sequer vingou quando da concepção de “Monn Blood”. Não tenha dúvida que, com essas reedições e com o advento da tecnologia da informação, com sites e redes sociais, encurtando a comunicação, sem dúvida colocou a música da banda de Los Angeles um pouco mais em evidência, o que não acontecera em sua época e ao longo de mais de quarenta anos, fazendo desses álbuns um centro de verdadeira disputa entre colecionadores que estariam dispostos a pagar a bagatela de até US$ 2.000,00 por um exemplar.

Um exemplo de uma banda que, apesar de ostracismo, do esquecimento, e do tempo implacável, mostrou-se resistente e relevante pelo seu pioneirismo diante do tamanho de uma sonoridade que insiste em não envelhecer, mostrando-se cristalina, poderosa e vital aos que amam, de forma incondicional, o rock n’ roll. Infelizmente, o guitarrista Don Swanson faleceu em maio de 2013.


A banda:

Vic Hemme no baixo

Bob Meinel na guitarra base

Don Swanson na guitarra principal

Curt Swanson na bateria

Jim Beach nos vocais          

 

Faixas:

1 - Sanc-Divided

2 - Come Out Of Her

3 - Eye Of The Hurricane

4 - Sons Come To Birth

5 - This Bird (Sky High)


Fraction - "Moon Blood" (1971)



















 

















2 comentários:

  1. Respostas
    1. Amigo João Luiz eu agradeço pelo comentário elogioso, agradeço por ter lido também. Fico alegre por ter curtido a banda! Har rock e lisergia,combinação perfeita.

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