Tem certos momentos na vida
que nos abraçamos a certas zonas de conforto e lá residimos de forma tão
passional que esquecemos que a vida pode nos oferecer tantas coisas boas,
consistentes para o nosso crescimento, para o nosso desenvolvimento pessoal. Não!
Não meus queridos amigos leitores não se assustem com essas filosofias baratas!
Há uma razão de dizer isso. E qual é?
Indo para a realidade do
rock n’ roll e contextualizando a questão da temível e sedutora zona de
conforto aliado a nossa tão amada música é ouvir, se dedicar àquelas bandas do
eixo Inglaterra e Estados Unidos ou, quando falamos especificamente do rock
progressivo, flertamos sempre com a Alemanha e a Itália ou ainda ouvir os
medalhões sempre!
Não faço críticas a essas
posturas e decisões! Claro que não há como resistir aos sons progressivos que
vem da Alemanha, da Itália, do rock n’ roll que estronda nos Estados Unidos e
Inglaterra, mas quando eu criei esse blog, esse humilde blog foi, basicamente,
para fomentar o meu ávido interesse pelas bandas obscuras, pouco conhecidas,
que não tiveram êxito comercial e, além das audições, aliar também a história
que são extremamente ricas.
E assim, três anos depois de
criado o blog, eu vejo que está surtindo efeito e percebo que o universo do
rock é vasto e ilimitado e tem muito, muito a se explorar, a se garimpar. O
rock, com suas bandas obscuras, sempre, diria isso, esteve rondando os meus
pensamentos e fones de ouvido, e agora com a materialização do blog, explode em
profusão de bandas.
E diante disso e fugindo um
pouco, pelo menos um pouquinho, da Itália e Alemanha progressiva, do hard rock
e psicodélico britânico e norte americano e vamos desembarcar na França. A
França que tem sim um belo arsenal de bandas de rock n’ roll, sobretudo de
bandas progressivas produzidas na década de 1970 e algumas até com certa
credibilidade e popularidade como Ange, por exemplo.
Mas me foi apresentado, há
algum tempo atrás, a primeira banda francesa de rock progressivo por alguns
amigos tão amantes do estilo quanto eu em uma dessas reuniões despretensiosas
regadas a música e muita cerveja: Essa banda se chama Pulsar. Quando ouvi,
lembro-me de ter dito, com ênfase: Nossa, que bom que existe prog rock de
qualidade em outros lugares do mundo! Foi arrebatador e digo que toda a sua
discografia, não muito extensa, é maravilhosa e recomendo o álbum “Halloween”
que escrevi uma resenha que pode ser lida aqui.
Porém não é do Pulsar que quero falar, mas sim de outra banda que descobri em meus garimpos pelas redes sociais, falo agora do CARPE DIEM. Pois é meus amigos leitores, o nome já induz a coisa boa! Carpe Diem, em latim, significa “Aproveite o dia”! E vos digo que há muito a se aproveitar com o Carpe Diem.
Não me recordo ao certo como
a descobri, ou melhor, em que situação a descobri. Talvez tenha sido nas minhas
garimpagens pela grande rede, ou recomendações, o fato, o mais importante é que
quando a ouvi o mundo, por um instante, parou em referência ao som do Carpe
Diem, a vida e o seu cotidiano para reverenciar esse som tão especial produzido
por essa banda.
Mas antes de ir para as apresentações do álbum que será destrinchado, vamos contar uma breve história dos primórdios do Carpe Diem na França. A banda foi formada na Riviera, mas precisamente na bela cidade de Nice, no ano de 1969, pelo tecladista e vocalista Christian Truchi com os seus amigos de infância Claude Méchard e Roger Farhi. A banda era conhecida como "Deis Corpus".
Após alguns shows na região de Nice, a formação da banda foi recomposta em 1970 com novos músicos como Gilbert Abbenanti, na guitarra, Alain Berge no baixo. A banda, nesse período, passa a se chamar “Carpe Diem”.
Como Carpe Diem em uma nova
concepção e formação a banda passa a tocar em vários clubes, como Golf Drouot e
gibus, por exemplo, muito conhecidos à época, entre vários outros, construindo uma
cena francesa de rock progressivo e, nesses shows, passou a apresentar suas
próprias composições, tendo em Truchi o seu principal letrista.
O ano era 1974! A banda
dedica-se a criação de suas próprias músicas e, com isso, novas mudanças
acontecem com a entrada de dois novos músicos à banda: Alain Faraut, na bateria
e Marius David, no saxofone e flauta.
Ao lado de bandas como Ange,
Pulsar, Mona Lisa, Shylok entre outras foram notáveis na construção da cena
progressiva francesa, sendo, entre elas, a menos conhecida, mas não menos
importante no que tange a referência no estilo praticado naquele país. O Carpe
Diem absorveu um pouco do prog rock que era praticado na Itália e Inglaterra,
por exemplo, praticando um belíssimo e arrojado progressivo sinfônico com
atmosferas jazzísticas e de space rock.
Apesar de não trazer grandes
inovações na história desse segmento musical o Carpe Diem trouxe algo muito
interessante que é a junção desses estilos que ajudaram a construir o rock
progressivo, fazendo com maestria, com extrema competência, conectando todas
essas peças musicais sem soar algo perdido, algo solto. Uma conexão incrível,
com consistência, com substância e melhor: com robustez, com força,
intensidade, mas, ao mesmo tempo contemplativo, viajante e por vezes soturno.
Definitivamente a música do
Carpe Diem é diversificada, versátil e que, sim, pode atingir a todos os
ouvidos e corações que aprecia todos os estilos, dentro do universo do rock,
que vai do prog ao jazz fusion, ao space rock.
E são essas percepções que são sentidas, pelo menos para mim, no seu debut, o excelente “En Regardant Passer le Temps”, de 1976. Depois de muito tempo na ativa a banda lançaria seu primeiro trabalho oficialmente pelo pequeno selo “Arcane (WEA)”.
Essa é a realidade
de muitas bandas que não tem o apoio da indústria fonográfica e que, infelizmente
não é “favorecida” pela geografia, porque simplesmente não está no eixo
Inglaterra/Estados Unidos e ainda toca rock progressivo sem amarras com a
música pasteurizada.
Embora se perceba em “En Regardant Passer le Temps” a presença de sons de bandas clássicas antigas como Camel, como Pink Floyd, Hawkwind e os progressivos sinfônicos das bandas italianas, percebe-se também, como disse, a junção dessas vertentes em uma massa densa, poderosa e de muita personalidade. É muito intricado, é muito complexo e construída de uma forma muito emocional, algo orgânico, vivo, pleno. É complexo, mas não é mecanizado e indulgente, isso nunca!
As partes mais
suaves desse trabalho do Carpe Diem seguem a veia mais sinfônica, tendo os
teclados, o melloton, as guitarras acústicas e as flautas como protagonistas,
mas também o teclado, os sintetizadores entregam a atmosfera mais voltada para
a música espacial, o space rock, com a bateria e a guitarra dando o tom mais
intenso, energético caracterizado pelo jazz fusion, pelo jazz rock.
A banda abusa dos
instrumentos de sopro: saxofone, flauta, são os principais e isso faz com que a
veia jazzística e sinfônica da banda sobressaia. Chego a conclusão de que o
Carpe Diem não pode ser categorizada a um estilo, difícil ser rotulada, o que
talvez em uma primeira audição venha a agradar aos que gostam dos diversos
estilos que flertam, direta ou indiretamente, com o rock progressivo.
O Carpe Diem, na época do lançamento do excelente “En Regardant Passer le Temps”, era formada por Christian Truchi (teclado e vocal), Gilbert Abbenanti (guitarra), Alain Berge (baixo), Alain Faraut (bateria) e Marius David (flauta, sax soprano e percussão).
O álbum é inaugurado com a
“Voyage du Non-Retour” que começa com um tiro curto, com quase e apenas quatro
minutos de duração, mas que revela a beleza e diversidade sonora do Carpe Diem,
com uma levada jazz rock de excelente qualidade, que vai ganhando expansão
revelando um progressivo sinfônico.
Mas é na faixa “Réincarnation” que a banda mostra, em profusão, a essência de sua proposta sonora. Flautas viajantes, progressivo sinfônico e um rock espacial faz dessa música uma epopeia progressiva e jazzística.
“Jeux du Siecle” lembra mais
um som clássico de que propriamente de jazz fusion e sinfônico, muita rica em
harmonia e com predominância do saxofone.
E fecha o álbum a música “Publiphobie” é outra bela faixa que tem aquele híbrido, marca registrada da banda, entre sinfônico e jazz rock e cujo sax lembra e muito Van Der Graaf Generator, uma música bem animada e enérgica.
Carpe Diem, com seu primeiro álbum, nos revela uma banda muito competente, diversificada sonoramente falando, de melodia e instrumental rico, com uma execução sólida e composições interessantes que se encaixam perfeitamente ao som produzido.
Se você aprecia
um rock progressivo sinfônico com uma riqueza instrumental intricada e
complexa, mas com uma versatilidade conduzida por jazz rock, space rock e
afins, encontrará em “En Regardant Passer le Temps” o destino certo para
grandes audições.
E falando em grandes trabalhos e audições o Carpe Diem, no mesmo ano, em 1976, lançaria o seu segundo trabalho de estúdio chamado “Cueille Le Jour”, pelo selo "Crypto/RCA", que, para muitos, é um álbum mais bem acabado da banda em relação ao seu debut.
Talvez seja verdade,
mas o fato é que o primeiro traz a novidade de uma banda que ousou em unir os
estilos mais proeminentes que construíra a estrutura, responsáveis pelo
pavimento do rock progressivo, o fazendo com energia, contemplação, intimismo e
um pleno desenvolvimento musical.
Em 1977 a banda tem, mais
uma vez, novas mudanças na sua formação, com a entrada de Georges Ferrero, no
baixo e Gérald Macia, na guitarra e violino e em 1978 se reúnem para a gravação
do seu terceiro álbum de estúdio, mas a ausência de apoio e de distribuição, de
um trabalho mais intensivo de divulgação da banda, o Carpe Diem se separou em
1979, mesmo com cerca de 400 shows realizados!
“En Regardant Passer le Temps” teve alguns relançamentos em 1977, por outro selo francês, “Crypto”, outro canadense, “Sterling”, também em 1977 e em 1994, foi relançado pelo selo “Musea”, pela primeira vez no formato CD e pelo selo “Belle Antique” em 2007. Com esses relançamentos felizmente há uma luz ao rock obscuro, sobretudo para o grande Carpe Diem que merecia um pouco mais de visibilidade, sobretudo pela banda e pela obra que tem.
Porém a persistência e o amor pela música desses caras fizeram com que, quase quarenta anos depois, a banda retornasse aos palcos, graças a iniciativa do tecladista e vocalista Christian Truchi em 2015, lançando, no mesmo ano, o seu terceiro álbum chamado “Circonvolutions”.
E a torcida fica para que o
Carpe Diem venha a lançar mais e mais álbuns para que se perpetue na história
do rock progressivo mundial como uma grande banda que é. Altamente recomendado!
Agradeço pelo grande tecladista, vocalista e compositor Christian Truchi que, quando mandei o texto sobre o "En Regardant Passer Le Temps" para a página do Carpe Diem no Facebook, me respondeu carinhosamente desejando um lindo futuro a página "Luz ao Rock Obscuro", fazendo também algumas correções históricas e me mandando detalhes fantásticos dos primórdios da banda que, claro, inseri em meu humilde texto, para incrementá-lo.
Ouso dizer que nenhum texto ou resenha sobre a banda produzida no Brasil e quiçá no mundo tenha tamanhas e relevantes informações sobre o Carpe Diem!
Obrigado Mousieur Truchi pelo carinho, por ter lido e enviado detalhes da biografia do grande Carpe Diem. E obrigado, sobretudo, por criar essa grande banda progressiva para nosso deleite sonoro, para deleite da nossa alma. Merci!
A banda:
Gilbert Abbenanti na
guitarra
Christian Trucchi nos
teclados e vocais
Claude-Marius David na
flauta, saxophone e percussão
Alain Bergé no baixo
Alain Faraut na bateria e
percussão
Faixas:
1 - Voyage du non-retour
2 - Reincarnation
3 - Jeux du siècle
4 - Publiophobie
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