A cena krautrock germânica,
em sua gênese, sempre nos reservou grandes surpresas, principalmente pelo fato
de sua diversidade sonora. Sim, amigos leitores, pela sua diversidade sonora!
Sempre tive a impressão de que a cena kraut era vista, interpretada com
rejeição pelos fãs de música por ser simplesmente, unicamente experimental, com
ruídos estranhos, aquele som minimalista e introspectivo.
Não! A cena é rica,
multifacetada, grandiosa! Temos de tudo: bandas que flertavam com o psicodélico
típico da segunda metade da década de 1960, no auge, sobretudo nos Estados
Unidos e Inglaterra, algumas navegaram pelo jazz fusion, algumas até por
músicas mais cativantes e com viés mais comercial e aquelas fundiram,
majestosamente, o psych sessentista com o hard rock setentista.
A banda alvo da resenha de
hoje entregou, com maestria, a última opção e criou uma proposta muito
interessante do que viria a ser chamada de heavy metal dez anos mais tarde, já
nos anos 1980. Era um som agressivo, pesado, intenso, com volume alto, pouco
corriqueiro para época, não pela escassez das bandas, mas pelo pouco ortodoxo
que essa banda praticava à época.
A banda se chamava GIFT. Era
um som totalmente despretensioso, sujo, pesado e fugia um pouco ao conceito experimental
e progressivo, mais comum na cena krautrock, mas que hoje atingiu o status
“cult”. Mas em virtude de estar inserido em uma época que predominava o
progressivo, era perceptível, em algumas nuances da música do Gift algumas
viagens progressivas, mais complexas, porém sempre com o peso, o hard
protagonizando a sua estrutura sonora.
O Gift nasceu na escola em
1969, em Augsburg, e o seu primeiro nome era “Phallus Dei”, certamente uma
livre inspiração ao legendário debut do Amon Duul II de nome “Phallus Dei”,
lançado em 1969, mudando para Gift nos anos seguintes. O nome Gift não tem
muito a ver com a palavra “presente”, tradução literal para o português, mas
uma palavra alemã que significa “veneno”, muito apropriado para a sua
sonoridade.
Após alguns anos ensaiando,
gravando algumas composições e esporádicos shows em lugares pequenos e de
péssima estrutura, além de algumas saídas de músicos, a formação apresentada no
lançamento da banda, em 1972, o homônimo, que será a estrela dessa resenha,
foi: Uwe Patzke (baixo, vocal), Helmut Treichel (vocal), Rainer Baur (guitarra)
e Hermann Lanze (bateria, percussão). Nick Woodland foi listado nos créditos,
mas na verdade saiu da banda antes do início da gravação.
Eles foram descobertos por
um produtor de Munique chamado Otto Hartmann, que assinou com a banda para o
selo “Telefunken”. O Gift não gozou de muita popularidade na cena krautrock,
talvez pelos motivos expostos a sua sonoridade, mas ganhou alguns fiéis
adoradores, como este que vos fala ou melhor escreve, pois adotou, sobretudo,
claro, neste álbum, o “Gift”, um fluxo agressivo, pesado, com viés progressivo
e uma lisergia típica daquele período, na transição das décadas de 1960 e 1970.
“Gift” traz versões de hard,
heavy, prog e psicodélico com extremo talento, mas mantendo uma veste
despretensiosa, ao mesmo tempo. É complexo porque é orgânico, é despretensioso
porque é uma música de vanguarda, revolucionária para a época. Traz seções
rítmicas que apresentam mudanças de tempo, variações são vistas, o que reforça
a sua “queda” pelo progressivo, com reviravoltas sonoras incríveis sem
sacrificar a base, a célula personificada no seu debut: o peso, a
agressividade.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Drugs” já botando o pé da porta com riffs poderosos de guitarra, baixo
pulsante, bateria marcada! Excelente faixa tipicamente hard.
Na sequência tem “You’ll
Never Be Accepted” tem uma introdução vocal suave, melódica e logo com um riff
meio meloso de guitarra com um viés bem comercial, bem radiofônico. Cadenciado,
traz algumas mudanças rítmicas que me remete aos hard prog da década de 1970.
“Groupie” foge um pouco do
“padrão” do álbum iniciando com a flauta dando um tom mais soturno,
introspectivo e contemplativo à faixa com uma pegada um tanto quanto
sessentista, das bandas britânicas dessa época.
“Time Machine” abre com o já
habitual riff de guitarra dando o tom e o movimento à música que logo irrompe
em um hardão pesado, solar e intenso. Destaque para o vocal lisérgico e também
para as mudanças de andamento trazendo uma vibe progressiva.
“Game Of Skill” começa
distorcido, despretensioso, mas logo traz a retomada ao hard rock com uma
proposta mais agressiva, trazendo uma versão heavy rock bem poderosa, diria um
proto metal, com muita lisergia, muita psicodelia.
“Don’t Hurry” continua com o
hard rock como destaque e excelente trabalho vocal com a “cozinha” a todo vapor
em extrema sinergia. “Your Life” segue com a mesma proposta anterior, pesada,
intensa, agressiva, com um trabalho excepcional de guitarra e um vocal
lisérgico, gritado, em alguns momentos.
O álbum fecha, com chave de ouro, com a faixa “Bad Vibrations” onde a banda, como um todo, tem destaque, mostrando uma sinergia instrumental incrível, os solos de guitarra são mais elaborados, a bateria, marcada, segue fielmente a composição vocal.
A estreia do Gift é uma excelente
exibição de um hard rock totalmente desleixados, intencionalmente, com melodias
habilmente trabalhadas, com uma excelente seção rítmica com mudanças de tempo
com ênfase na guitarra, na bateria, mas também por que não dizer no baixo?
Enfim é um trabalho excelente
de uma banda extremamente coesa e plena no que fazia. Esteve longe das bandas
psicodélicas e experimentais dos primórdios do Krautrock e também da
complexidade de algumas bandas de hard rock inglesas, americanas e até mesmo da
Alemanha, mas deixou um legado importante na história de seu país, como uma das
bandas emblemáticas do heavy psych. Altamente recomendado!
A banda:
Helmut Treichel nos vocais
Rainer Baur na guitarra
Nick Woodland na guitarra e
vocais (creditado, mas saiu da banda no período de gravação do álbum)
Uwe Patzke no baixo e vocal
Hermann "Mandy"
Lange na bateria e percussão
Faixas:
1. Drugs
2. You'll Never Be Accepted
3. Groupie
4. Time Machine
5. Game Of Skill
6. Don't Hurry
7. Your Life
8. Bad Vibrations
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