Sempre percebi, sempre
observei que o rock n’ roll tinha e ainda tem, oportunismos mercadológicos à
parte, um papel social e comportamental, de contestação, de abalar o status quo.
É claro que há vertentes de composições, de letras voltadas para vários assuntos:
festa, sexo, hedonismos em geral, mas sempre apreciei e me identifiquei com o
rock protesto, aquele que coloca o dedo na ferida mesmo.
E sempre se atribuiu a isso
ao punk rock, aos moleques que, como diz a letra de um exímio exemplar da cena,
Richard Hell, com o seu “Blank Generation” que, na década de 70 para a de 80 se
viram perdidos, sem perspectivas de uma vida digna ou coisa que o valha, mas
não somente. Temos exemplos vívidos e plenos no rock progressivo! Rock
progressivo? Que só fala de temas exotéricos, sobrenaturais? Não!
Encontramos bandas, poucas,
é bem verdade que abordaram temas palpáveis, inquietos e difíceis. Verdadeiros
tabus que nunca encontraram barreiras ou eras cronológicas para existirem, mas
apenas o medo, a ojeriza daqueles conservadores em tratar sobre determinados
assuntos ou aqueles que sempre tiveram medo de “comprar” a ideia de que tais
temas fossem personificados, materializados, manifestados, artisticamente
falando.
Que tal falar sobre sexo,
masturbação, estupro, prostituição, drogas, religião e alienação social?
Vilipêndio? Na certa! Tema nojento para se falar na mesa de uma “família
perfeita”? Claro! Não se pode falar de temas como esse para não expor os
puritanos que se escondem em um domo de ilibado estado de “acima do bem e do
mal” e que certamente esconde seus lados mais podres.
E surgiu uma banda na Itália
que teve a coragem de expor esses temas em 1973, sim, amigos leitores, há 49
anos, 1973, surgida na cidade de Milão, na Itália, tendo como o seu referencial
o vocalista Álvaro “Jumbo” Fella, que se chamava JUMBO com o seu álbum,
notoriamente, mais arrojado, de sua curta, mas significativa carreira
discográfica, o “Vietato Ai Minori Di 18 Anni?” ou em tradução livre: “Vetado
para menores de 18 anos?” Até o título do álbum, mesmo para quem não o conhece,
traz aquela curiosidade, mas que deixa, meio que explícito temas
desconcertantes para os conservadores de plantão.
Antes de falar sobre o terceiro e mais arrojado álbum, não só pelos temas abordados, mas também pelo fator sonoro, embarquemos na história do grande e obscuro Jumbo. A banda foi formada em 1969 e tinha no vocalista Álvaro Fella, a figura central, tanto que o nome da banda vem de seu apelido, Álvaro “Jumbo” Fella. Fella era baixista de uma banda de pouco nome quando foi notado por produtores de uma gravadora, assinando contrato em 1970.
Gravou uma música chamada
“Due Righe Da Te” e dois covers. No primeiro single tocou com gente do naipe de
Franz Di Cioccio e Flavio Premoli, ainda componentes do Quelli, depois passando
a se chamar Premiata Forneria Marconi, e Mario Lavezzi, mais tarde tocando no
Il Volo.
Já em outra gravadora, de mais renome, a Phillips, gravou em 1972 o primeiro álbum com a ajuda dos músicos que teriam constituído a primeira formação da banda, tais como: Daniele Bianchini na guitarra, Sergio Conte nos teclados e vocais, Dario Guidotti na flauta, violão, gaita e percussão, Vito Balzano na bateria e percussão e o baixista Alberto Agazzi, mas sendo substituído logo por Aldo Gargano.
Um belo
álbum, muito influenciado pelo blues, um pouco acústica na sua concepção, com
muito instrumento de sopro e percussão e o destaque fica com o vocal de Fella,
excepcional, potente, de grande alcance, um rosnado ameaçador, sem dúvida um
dos melhores vocalistas que eu vi e ouvi até o momento. Mas a grande mudança do
Jumbo e a mais significativa, pois levaria como identidade até o fim, seria no álbum
“DNA” também lançado em 1972. Mudança essa que se daria devido a um trabalho
simbiótico e de grande parceria entre os seus integrantes. A resenha deste
clássico obscuro pode ser lida aqui.
Mas em 1973 veio ao mundo o
álbum “Vietato ai minori di 18 anni?” com os seus temas fortes, expondo,
trazendo à tona a podridão de uma sociedade hipócrita e pseudo moralista e que
são traduzidas em oito monumentais faixas, umas de texturas sonoras mais
complexas, outras mais raivosas, diretas. Assim é basicamente o álbum: intenso,
agudo, visceral, mas com os seus temas meticulosamente conectados em uma
estrutura conceitual bem definida e tratados de forma veemente, sem metáfora e
alegorias. Temas abertos e sem filtros.
O Jumbo sofreu com a censura e foi excluído das rádios, dos programas de televisão da época. A banda teve sérias dificuldades de divulgar o seu trabalho e não é para menos: a natureza humana sendo escancarada a plenos pulmões de Álvaro Fella.
E falando nos vocais
de Fella, não há como negligenciá-lo neste trabalho do Jumbo. Sua voz, apesar
de peculiar, esteve mais dramática neste álbum, mais cênica para expor a verdade
dos temas nele proposto, mais poderosa, rasgada, somando a uma camada mais
intensa dos instrumentos, com riffs de guitarra mais dilacerantes, teclados
nervosos, um rock progressivo sinfônico complexo, mais denso, mais urgente.
Em “Vietato ai minori di 18
anni?” a banda soa mais forte, um pouco mais pesada. O grau de sofisticação se
faz presente também, como nos seus trabalhos anteriores, a pitada blues rock
progressivo também, mas se faz mais sofisticado pela energia aumentada com um
trabalho instrumental mais diversificado: mellotron e sintetizadores são
adicionados, com a participação especial de Franco Battiato, junto com o
sixtro, um instrumento de cordas renascentista e algumas percussões traz um
caldeirão de temperos sonoros.
E por falar em participações
especiais, vamos elencar o time que entregou ao mundo esse petardo sonoro
necessário: Alvaro "Jumbo" Fella nos vocais, piano, órgão e saxofone,
Daniele "Pupo" Bianchini na guitarra, Sergio "Samuel" Conte
nos teclados, Dario Guidotti na flauta, harpa, guitarra acústica, sixtro e
vocais, Aldo Gargano no baixo, Mellotron e sixtro e Tullio Granatello na
bateria, entrando no lugar de Vito "Juarak" Balzano. Além das
ilustres participações de: Lino "Fats" Gallo na guitarra slide, Franco
Battiato no sintetizador VCS3, Angelo Vaggi no sintetizador Minimoog e Lino
"Capra" Vaccina na percussão.
O álbum é inaugurado com a
excelente faixa “Specchio” já com o vocal rasgado de Álvaro Fella, já botando o
pé na porta, cantado de forma áspera e urgente, sombria. Tem várias mudanças de
compasso, entre pianos nervosos e riffs de guitarra, cobrindo e corroborando o
“ódio” vocal de Fella, mas que, em dados momentos traz a suavidade da flauta, e
vai mudando para solos de guitarra e delicados toques de violinos. Complexo!
"Come Vorrei Essere
Uguale A Te" começa meio acústica, baixa, despretensiosa, até o vocal de
Fella aparecer. Solos de guitarras meio lisérgicas dão o ar da graça, algo meio
Jethro Tull em seu início meio blues, o blues tão evidente nos primeiros álbuns
do Jumbo também. O vocal de Fella vai ficando mais alto, os instrumentos seguem
a proposta, vão aparecendo. Irrompe em uma explosão instrumental com bateria
marcada, meio jazzy, solos desconcertantes de guitarra, a música atinge uma
velocidade considerável, vai ficando mais dramática e intensa. Instrumentos de
sopro aparecem, uma orquestra se faz presente, mas a mudança de compasso sonoro
muda novamente, piano e um vocal mais melódico de Álvaro é ouvido. Lindo!
“Il Ritorno Del Signor K”
traz algo meio de jam section, de improvisações, meio acústica, meio folk, me
fez lembrar um pouco de Gentle Giant. “Via Larga” me fez lembrar os álbuns
anteriores do Jumbo, trazendo a voz peculiar de Fella e um discreto
instrumental trazendo um violão acústico de fundo e uma camada de teclado
entregando uma atmosfera sombria, tendo eventuais solos curtos de guitarra,
imprimindo relativo peso à música que logo se revela com o vocal rasgado de
Fella e fechando como começou. Agrupa belos elementos sinfônicos italianos
misturados com porções bonitas e transgressoras, mas o início experimental é
bastante desafiador.
“Gil” tem uma levada mais
psicodélica e progressiva, um experimentalismo chapante que destoa um pouco do
álbum, mas não se torna nem um pouco ruim, pelo contrário. Tem o destaque de Franco
Battiato com o seu sintetizador VC-3, que traz toda a aura lisérgica dessa
faixa. A música gira em torno de sintetizador, violão, voz de Fella, percussão
e Mellotron.
"Vangelo?" tem uma
atmosfera misteriosa, mas linda liricamente, uma melodia espetacular com
guitarras viajantes e vocais limpos. A flauta enreda todo o clima contemplativo
da música, mas as variâncias rítmicas traz também o atrativo da faixa, dando um
caráter mais jazzístico graças a sua bateria.
“40 Gradi” na sua introdução
soa um pouco folk, um pouco acústica, mas logo revela a face destruidora
capitaneada pelo vocal de Fella, com uma veia mais hard, mais pesada. Mostra um
Jumbo mais rico instrumentalmente falando, mais cheio de recursos.
E fecha com “No!” seguindo
basicamente a proposta da faixa anterior: peso e suavidade sendo tratada na
medida. Uma música curta conduzida por flauta, com Mellotron, e há algumas
risadas de Fella bem tenebrosas.
O Jumbo em “Vietato ai minori di 18 anni?” trabalhou como uma unidade bem oleada: as partes de teclado bem definidas de Conte, a multifuncionalidade de Guidotti (flauta, violão, gaita) e o sólido trabalho de baixo de Gargano estabelecem um forte esquema para a música de Jumbo, dando espaço para a guitarra elétrica de Guidotti.
Solos e a
bateria guiada pelo jazz de Granatello. A fundação de uma unidade estilística
em todo o repertório mostra-se eficaz e adequada, já que este é na verdade um
álbum conceitual que gira em torno de alguns dos tabus mais urgentes e por isso
atemporais, que são escancarados sem máscaras que não deveria ser impedido de
vir à tona, sendo discutido com vista a efetivamente do tombamento das aflições
e frustrações humanas, pois fazem parte do seu arquétipo físico e
comportamental e o Jumbo fez a sua parte com o viés e a manifestação artísticas
de tais assuntos.
A banda se desfez em 1976 e
não se sabe ao certo se esse álbum acarretou o seu fim, sobretudo pelos aspectos
comerciais, mas o fato é que com “Vietato ai minori di 18 anni?” o Jumbo deixou
uma marca indelével para a história do rock progressivo italiano e mundial,
mesmo que poucos o reconheçam como tal.
A banda:
Alvaro "Jumbo"
Fella nos vocais, piano elétrico, órgão e saxofone
Daniele "Pupo"
Bianchini na guitarra
Sergio "Samuel"
Conte nos teclados
Dario Guidotti na flauta, harpa,
violão, sixtro e vocal
Aldo Gargano no baixo,
Mellotron, sinos e sixtro
Tullio Granatello na bateria
Com:
Lino "Fats" Gallo na
guitarra slide
Franco Battiato no
sintetizador VCS3
Angelo Vaggi no sintetizador
Minimoog
Lino "Capra"
Vaccina na percussão
Faixas:
1 - Specchio
2 - Come Vorrei Essere
Uguale A Te
3 - Il Ritorno Del Signor K
4 - Via Larga
5 - Gil
6 - Vangelo?
7 - 40 Gradi
8 - No!
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