O rock progressivo italiano é singular. Embora essa afirmação seja óbvia
para muitos, ela se faz presente e renova a cada dia quando se descobre bandas
obscuras daquele país. Bandas antigas que ganham a luz do dia graças a
velocidade das informações protagonizadas pelas redes sociais e a internet que
encurta o caminho entre o ouvinte, ávido por explorar novas possibilidades
sonoras, e algumas abnegadas gravadoras que redescobrem algumas bandas e
promovem o renascimento de suas sonoridades sempre ricas e com peculiaridades
avassaladoras, transgressoras e repleto de vanguardismo.
E o pilar do vanguardismo transgressor das bandas obscuras está no teor
dos temas que abordam. Temas estes que pouco palatáveis para a sociedade conservadora,
para o status quo. As mazelas humanas são expostas, as feridas precisam
continuar abertas, mostrando as entranhas de uma sociedade, cuja gênese guarda
o que há de mais violento e odioso personificado nos seus instintos mais
primitivos.
As bandas obscuras são obscuras porque são marginais, não venderam seus
princípios, não corromperam sua arte que, por mais marginal que seja, culmina
com a identidade de muitos ouvintes que tem no seu DNA a inquietude da sua
indignação com o mundo que vivemos. A obscuridade progressiva italiana traz uma
homérica riqueza qualitativa e quantitativa e mostra o quão ainda é
inexplorado.
E não podemos deixar de falar da história do SPETTRI. Apesar de ser uma
banda pouco conhecida da Itália progressiva, o Spettri sintetiza com veemência
a história do rock progressivo desde o início dos tempos, porém com pontos
incomuns em sua sonoridade que faz com que seja diferente, maravilhosamente
diferente.
A banda foi formada na cidade de Florença no longínquo ano de 1964, pelos
irmãos Ugo e Raffaele Ponticiello, vocal e guitarra, respectivamente, Stefano
Melani nos teclados e hammond, Giorgio Di Ruvo na bateria e o outro mais jovem
do clã dos Ponticiello, Vincenzo, no baixo.
Era praticamente um trabalho em família. A banda, quando fora formada,
em meados da década de 1960 praticava o beat, muito comum naquela época na
Itália, baseada na música psicodélica norte americana e britânica, mas com um
viés pop, comercial e acessível e lançou alguns EP´s e, a título de
curiosidade, passou pelo Spettri o baterista Mauro Sarti que, em 1968, sairia
dando lugar a Di Ruvo. Sarti tocaria em outra obscura banda chamada Campo di
Marte.
Outra mudança fora no baixo, onde Guiseppe Nenci ficou em curto período
de tempo, dando lugar ao irmão mais novo de Ugo e Raffaele, Vincenzo, isso em
1971. As muitas mudanças na sua formação foi a tônica da banda, bem como na sua
sonoridade também.
No início da década de 1970 a banda sai do beat e direciona o seu som
para uma proposta mais pesada, com uma atmosfera densa lembrando Black Sabbath,
com um destaque para os riffs poderosos de guitarra e hammond da pesada
remetendo a bandas como Deep Purple e Uriah Heep.
É nesse período que a banda muito produz, tendo material suficiente para
gravar um álbum. Em 1972 a banda produz o seu álbum, o “Spettri”, porém, como
em muitos casos em que as bandas como uma sonoridade pouco ortodoxa ou ainda
sem nenhum patrocínio, esse trabalho não foi lançado oficialmente naquele ano,
tendo a luz, saindo da poeira do baú do esquecimento do rock apenas em 2011
graças ao abnegado trabalho do selo Black Widow Records.
O álbum traz o peso e a agressividade primitiva e toscamente mal
produzido que traz todo o charme da banda. Neste álbum torna-se perceptível aos
ouvidos influências experimentais de bandas como King Crimson e Collosseum,
dando-lhe um caráter mais progressivo.
O álbum, conceitual, fala da busca de um homem pelo auto entendimento por
intermédio de introspecções metafísicas e também fala sobre o egoísmo e a
hipocrisia da sociedade e a destruição existencial da humanidade e a faixa
inaugural, “Introduzione”, revela isso, com a fala deste homem.
Na sequência vem a faixa “Prima Parte: Stare Solo” o rock explode com
riffs poderosos e hammonds em profusão, uma verdadeira paulada hard prog.
"Prima Parte: Stare Solo" - Live in Firenze (2013)
“Seconda Parte: Medium” arromba a porta com um senhor hard rock com
passagens rítmicas de tirar o fôlego, mostrando as raízes do hard prog na
Itália.
“Terza Parte: Essere” começa atipicamente lenta, com dedilhados em
violão, introspectiva, trazendo referências de um longínquo King Crimson
psicodélico, mas é por pouco tempo, pois a música vai ganhando corpo, com riffs
esmagadores e hammond frenético, a música ganha peso, com destaque para o
vocal, tenso e altivo.
O álbum fecha com “Quarta Parte: Incubo”, segue o peso com a cozinha
poderosa, com linhas de hammond excelentes e passagens entre o peso e calmarias
que se conectam perfeitamente a atmosfera deste clássico álbum esquecido.
O Spettri fez grandes shows
com bandas influentes do estilo até se desfazer em 1975 que, segundo seus
integrantes o motivo fora a indiferença pública em relação a sua proposta
sonora. Um álbum cru, tosco, marginal, poderoso, avassalador, transgressor, um
diamante bruto que foi lapidado nos dias atuais.
A banda:
Ugo Ponticiello no vocal
Raffaele Ponticiello na
guitarra acústica e elétrica
Stefano Melani no Hammond L100
Vincenzo Ponticiello no
baixo
Giorgio
Di Ruvo na bacteria
Faixas:
1 - Introduzione
2 - Prima
Parte: Stare Solo
3 - Seconda
Parte: Medium
4 - Terza
Parte: Essere
5 - Quarta Parte: Incubo
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