Quando você pensa e fala do
rock canadense o que te lembra de imediato? Claro! RUSH! Com o devido
merecimento, afinal, a banda não colecionou ou coleciona, até hoje, uma legião
de fãs aleatoriamente, há um fundamento simples e capital para isso: a sua vanguardista
sonoridade.
Mas como este simples, humilde
e reles blog fala sobre bandas raras, esquecidas, vilipendiadas e obscuras,
trarei o “lado oculto” do rock daquele país, corroborando que sim, o Canadá tem
uma profusão de bandas sejam elas comerciais ou undergrounds.
E eu falarei de uma que me
cativou e me arrebatou por seu som potente, pesado e extremamente arrojado e
sofisticado. Falo da banda STARCHILD. A banda foi formada em 1975 em Cambridge,
Ontário, quando Bob Sprenger, Rick Whittier e Neil Light, que tocavam em uma
banda chamada “Gaslight”, decidiram reformular a sua sonoridade, algo mais
pesado.
Mas não apenas as mudanças na
música que aconteceram, o nome também foi modificado, passando a se chamar
“Starchild”. A inspiração para este nome veio da Trilogia “Starchild”, escrita
por Frederik Pohl e Jack Williamson. A maioria dos membros da banda eram fãs de
ficção científica, e quando o seu produtor, Greg Hambleton, que também assinou
com o SteelRiver para a sua gravadora, a Tuesday Records, queria algo mais
futurista do que o nome anterior, “Thorne”. Sim, entre “Gaslight” e “Starchild”
teve outro nome que durou pouco tempo, porque quando optaram por “Starchild” o
desejo foi unânime.
Ainda faltava algo: um
baterista! Porque depois de passar por alguns bateristas, eles decidiram
contratar Greg “Fritz” Hinz que, quando assumiu de fato o posto, o Starchild
caiu na estrada para uma longa turnê. Apenas para perfilar os demais
integrantes e suas funções no Starchild, Rick era vocalista, um belo vocalista,
diga-se de passagem, Neil era baixista e Bob era um belíssimo guitarrista.
O primeiro registro, a
primeira gravação da Starchild foi uma demo de duas músicas, a “Party of the
Toads” e “Tough Situation” e que foi produzida e projetada por um jovem chamado
Daniel Lanois, no porão da casa de sua mãe, em Ancaster, no ano de 1976! Para
título de curiosidade Lanos viria, no futuro, a produzir gigantes do rock como
U2, Peter Gabriel, Brian Eno, entre tantos outros figurões do mercado da
música.
O primeiro trabalho do
Starchild, “Children of the Stars”, foi gravado em Toronto, no outono de 1977 e
lançado oficialmente na primavera de 1978. Levou certo tempo para lançar um tão
sonhado álbum, depois da quase artesanal gravação de suas fitas demo lá no ano
de 1976. Após o lançamento o Starchild tornou a volta para a sua turnê, abrindo
shows de grandes bandas da época, como Triumph, Goddo, Moxy entre outras.
O álbum teve um recebimento
positivo e moderado em todo o Canadá, graças as aparições ao vivo da banda,
afinal foram muitos shows e aberturas de shows de bandas grandes e famosas que,
de certa forma, acaba gerando certa visibilidade, mas suas músicas não ganharam
as paradas musicais. Claro, uma sonoridade calcada no hard rock e rock
progressivo, pode não ser muito palatável para os empresários da música sempre
ávidos por músicas mais radiofônicas e acessíveis. E precisamos pensar também
que era virada dos anos 1970 para os anos 1980, com o punk rock um pouco mais
em evidência e a new wave.
“Children of the Stars” mostra
uma banda com muito potencial, embora seja um álbum sendo concebido por músicos
jovens que, até então, nunca tiveram contato com um estúdio, apenas com
apresentações ao vivo. Ainda assim são faixas agitadas e os esforços de
complexidade sonora são relevantes e extremamente apreciáveis, mesmo com uma
produção simples. E tal esforço se personificou em uma música calcada no hard
rock com investidas progressivas.
E falando na banda, nada mais
merecedor apresenta-los, agora mostrando também a importância de cada um na
construção do seu som: tinha Bob Sprenger na guitarra, Richard Whittier, nos
vocais, Gregory Hinz, na bateria, o último a entrar na banda e fechando trazia,
no baixo, Neil Light. Essa foi a formação responsável por trazer à tona
“Children of the Stars”.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Long Shot” e o típico riff poderoso e grudento de guitarra introduz a
música, a pegada genuína do hard rock dos anos 1970, que nos remete ao
Scorpions em transição da década de 1970 para os anos 1980. O vocal é elegante,
limpo, de ótimo alcance já se mostrando como tendência para a cena do heavy
metal que florescia no fim dos anos 1970. A “cozinha” rítmica dá o tom, o
groove, tornando a música mais dançante.
“Groove Man” entra animada,
com os riffs de guitarra e baixo bem ritmados, juntamente com a bateria marcada
e pesada. O hard rock mais solar, o rock de “festa” se revela na faixa,
certamente traz uma roupagem mais comercial. Solos de guitarra e baixos mais
pulsantes na metade da faixa a deixa mais pesada e veloz, trazendo uma versão
mais heavy rock. É versátil!
Em “Wizard Woman” o vocal
ganha destaque, mas o instrumental não fica atrás. Aqui as mudanças de
andamento são a tônica, com um viés mais voltado para o hard progressivo, com
pegadas mais pesadas, graças aos riffs de guitarra elétrica e momentos mais
acústicos, mas intimistas, com alguns solos mais viajantes e espaciais.
Momentos de space rock também são percebidos e nos traz percepções mais
contemplativas.
“No Time for Fools” já inicia
com solos mais solares de guitarra que emendam em riffs mais pesados, baixo
pulsante e bateria pesada, quase surrada! Aqui o heavy rock assume a dianteira,
novidades do heavy metal são percebidas, com velocidade e muito peso. O momento
mais sujo e despretensioso do álbum.
“Worlds in Which We Live” vem
também pesada e agressiva! Baixo galopante, pesado, cheio de groove, “rivaliza”
com riffs de guitarra mais pesado, vocais de grande alcance, gritados e
rasgados, já tendendo, com sucesso, para o heavy metal. Não podemos
negligenciar o solo de guitarra que é simplesmente de tirar o fôlego! A
sequência mais pesada se revela neste momento do álbum.
“Wooden Steaks and Mash
Potatoes” começa com groove, com balanço, mas sem deixar de lado o peso que
ostenta todo o álbum, representado pelos riffs indefectíveis de guitarra que
logo entregam a destreza de um solo extremamente pesado e solar. O hard rock se
mostra vivo e latente nessa faixa, com alguns momentos mais suaves, em que o
vocal, limpo e transparente, se revela competente e orgânico.
E fecha com a faixa título, “Children
of the Stars”, que segue predominantemente com o hard rock, capitaneado pelo
riff de guitarra, e por uma típica velocidade que a torna pesada. Em dado
momento percebe-se uma cadência no verso na música, que faz da faixa mais
dançante e animada. Embora não traga traços de rock progressivo na faixa, se
mostra versátil e repleta de mudanças de andamento.
Embora o álbum tenha recebido
certa visibilidade, suas músicas não figuraram nas paradas musicais e sequer
foram tocadas nas rádios, afinal, como que um álbum calcado no hard rock e
progressivo, em uma época em que o punk rock, a disco music e a new wave tinham
a prioridade do mercado e da indústria fonográfica? Definitivamente o Starchild
estava “descolada” do seu tempo, com as suas músicas.
E para variar o contrato com a
Axe Records foi encerrado porque a gravadora queria que o Starchild mudasse seu
visual e sonoridade para o new wave. A banda não aceitou essa condição e
decidiu seguir uma direção mais voltado para o heavy metal, sendo influenciado
por bandas como Judas Priest e Iron Maiden. Definitivamente o Starchild não
estava inserido no seu tempo, sonoramente falando.
O término do contrato com a
gravadora não foi o único entrave que o Starchild teve. O baixista Neil Light
deixaria a banda, em 1979, por motivos familiares, sendo substituído por Bill
Mair e mais tarde Wayne Brown, nativo de Toronto. E ainda teve mais! Hinz, o
baterista, também sairia da banda. Ele saiu para se juntar à banda Helix alguns
meses depois e foi substituído por Dixie Lee.
Depois dessas mudanças tão radicais, o Starchild continuou a fazer turnês pelo Canadá e, embora a banda nunca tenha chegado à Europa, seus álbuns venderam melhor lá do que no Canadá, inclusive o single “No Control for Rock n’ Roll”, que não entrou originalmente no álbum, foi regravada por uma banda holandesa na década de 1980.
No início de 1982 o Starchild
entrou no Metalworks Studios, de propriedade de Gil Moore, da banda Triumph, e
gravou uma demo tape de duas músicas
(“Steamroller Rock” e “I Need a Woman Tonight”), mas não teve progressos para
gravar um novo trabalho, um segundo álbum. Mas havia surgido uma luz no fim do
túnel...
A Attic Records, com sede em
Toronto, estava interessada em assinar com o Starchild, mas o cansaço da
estrada, devido aos inúmeros shows que a banda estava fazendo e principalmente
as divergências, cobrou seu preço e a banda se separou no verão de 1982, pouco
antes de sua audição, em Toronto, para a Attic. Nos sete anos, entre a formação
da banda e a sua fatídica separação, em 1982, o Starchild excursionou pelo
Canadá incessantemente, constantemente.
Bob Sprenger e Neil Light
formariam uma banda, de nome “Thief in the Night”, em 1985, fazendo vários
shows e participando de vários festivais, mas se separaram em 1990. Sprenger
gravou dois álbuns com a banda “Distant Thunder” no início dos anos 1990 e se
reuniu, novamente, com o baixista Neil Light para formar a banda cover de rock
“Wake the Giants”, em 2001. Com o comediante canadense Ron Pardo, na bateria e
seu irmão Jason, nos vocais, bem como o novo baixista Sam Barber, que
substituiria Light, em 2011, a banda fez principalmente covers, além de tocar
material do álbum “Children of the Stars”, mas se separaram em 2014.
Sprenger também é guitarrista
de uma vocalista e tecladista de London, Ontário, chamada Kathryn Marquis. Eles
gravaram um álbum ao vivo chamado “Your Kingdo Come”, em 2011, além de um
trabalho de estúdio chamado “Fire”, que inclui música por ele composta chamada
“Purest Love”, sendo a sua primeira música gravada e lançada desde os dias de
Starchild. O vocalista e membro fundador do Starchild, Rick Whittier, morreria
em 18 de setembro de 2015, após uma longa batalha pulmonar obstrutiva crônica.
Já o baterista original da banda, Greg Fritz Hinz, tmbém faleceria de câncer,
em 16 de fevereiro de 2024.
Sprenger, depois de ser contatado no verão de 2023, pela gravadora grega Sonic Age/Cult Metal Classics, enviou algumas demos que o Starchild gravou no início dos anos 1980 que nunca foram lançadas para o selo. Eles as lançaram, no formato LP e CD, chamado “Steamroller”, em 2024! O álbum pode ser ouvido aqui!
O LP contém oito faixas,
incluindo a demo de três músicas gravadas na Metalworks Studios”, além de cinco
músicas gravadas em uma sala de ensaios alguns meses depois. O CD também contém
algumas faixas bônus, incluindo um solo de bateria e baixo. De uma forma o
Starchild continua, por intermédio desse álbum mais recente, vivo!
A banda:
Rick Whittier nos vocais
Bob Sprenger na guitarra
Neil Light no baixo
Greg Hinz na bateria
Faixas:
1 - Long Shot
2 - Groove Man
3 - Wizard Woman
4 - No Time For Fools
5 - Worlds in Which We Live
6 - Wooden Steaks and Mash
Potatoes
7 - Children of the Stars
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