terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Parchment Farm - Parchment Farm (1971 - 2024)

 

Desde que esse blog foi concebido, nos idos de 2020, eu venho desenvolvendo uma predileção que, creio, para alguns ser um tanto estranha. A audição e o desbravar de bandas mais “garageiras”, ou seja, aquelas bandas com uma sonoridade mais despretensiosa, mais suja, sem grandes traquejos instrumentais por parte dos músicos.

Aos que apreciam sons ligados ao rock progressivo e até mesmo um hard rock mais sofisticado, como bandas do naipe do Led Zeppelin e Deep Purple, por exemplo, pode ter os ouvidos “feridos”, mas o fato é que são bandas que vem me cativando a cada dia, a cada descoberta.

Algumas lendas cercam essas bandas. São “garageiras” porque seguem essa proposta bem definida ou é a produção desses trabalhos que deixam a desejar? Ou seria os dois? Tenho a nítida sensação de que são bandas que gozam de uma linha muito peculiar e inusitada de sonoridade, um som puro, cru, genuíno, sem amarras com tanta sofisticação.

Parece ser um “discurso” punk de meados dos anos 1970, o famoso “faça você mesmo”, mas não, caros e estimados leitores. Parece que o punk surgiu antes do punk e não ganhou notoriedade como o punk que conhecemos no final daquela década. Seria prudente chamar de “proto punk”?

Nomenclaturas à parte até mesmo a “romantização” do estilo, vilipendiado, com relação ao pouquíssimo apoio, cai perfeitamente com a sua sonoridade, ou seja, a péssima produção parece “validar” e trazer todo o charme ao som duro e áspero dessas bandas. É lindo!

E mais uma vez, com todo o prazer, e com um sentimento quase que cívico, trago mais uma banda, da cena obscura norte americana que merece, com todas as nossas forças, ser difundida aos quatro ventos desse mundo injusto que privilegia a música “bem-feita”. A banda se chama PARCHMENT FARM.

Creio que você, estimado leitor, deve estar se perguntando: mas isso é nome de música. Confesso que, em minhas incursões no empoeirado e esquecido universo do rock obscuro, quando a descobri pensei que se tratava da música conhecida do cantor de blues Bukka White, mas não era. Quando me coloquei para ouvir, pois havia desconfiado da sua capa, senti como se fosse um trovão nos ouvidos e que ressoou no coração, me cativando de imediato.

O Parchment Farm foi formado no leste do Missouri no final do ano de 1968, ápice da psicodelia, do “flower power” e do rock paz e amor. A banda, claro, subvertendo essa máxima que imperava na indústria no fim dos anos 1960, destilava um som cru, pesado, intenso e tenso e agitou muitos clubes e festivais da área com as suas músicas autorais e outras covers.

A banda foi ganhando alguns seguidores, utilizando a palavra da moda, arrastando um público fiel e que gostaria de fugir do básico da época, da música psicodélica. Os jovens músicos do Parchment Farm, bem como a cena que crescia no Missouri, carregava, em sua maioria, o nome “Mike”, mas uma sonoridade extremamente original que muitos repudiavam na época. O nome da banda, Parchment Farm, não teve, como inspiração, a música de Bukka White, embora tenha vindo dela, um erro ortográfico de “Parchman Farm”, local da infame Penintenciária Estadual do Mississipi, veio do álbum de estreia do grande Blue Cheer, “Vincebus Eruptum”. Nada melhor que uma inspiração como essa!


Nos seus primórdios, lá pelos idos de 1968, o Parchment Farm, como disse, ganhou alguns fás fiéis e com isso começou a receber ofertas de casas de shows e estava construindo uma boa repercussão, abrindo shows para bandas do naipe de Sons of Champlin, em agosto e/ou novembro de 1969, no The Rainy Daze Clb, Brian Auger & Trinity, em 7 de julho de 1970, também no Rainy Daze Club e tocou com outra banda local, Burlington Route, no mesmo lugar, em janeiro de 1970.

A formação original do Parchment Farm contava com Robert “Ace” Williams, no baixo e vocal, Paul Cockrum, na guitarra e vocal e o baterista Mike Watermann, além de outros músicos que nada se sabia, inclusive do nome. Mas Watermann sairia da banda, dando lugar a Mike Dulany, no final de 1971. Eles se tornariam um trio, um senhor “power trio”! E foi com Dunaly, Paul e Robert que o Parchment Farm desenvolveu, de forma frenética, as suas músicas autorais, gravando-as, de forma “artesanal” e tocando-as em suas apresentações.

A banda apresentou as suas novas composições em agosto de 1971, abrindo para o Velvet Underground e Brownsville Station, no Fun Valley Lake, em Pacific, depois para o Ted Nugent e The Amboy Dukes, em 14 de outubro de 1971, na Mesquita Shrine, em Springfield, repetindo a dose, agora em janeiro de 1972, na Guarda de Columbia e o grande ZZ Top, em julho de 1972, no Airway Drive-In Theatre.


Se a banda não estava no ápice comercial, poderia dizer que estava com boas ofertas de shows de grandes estruturas e apresentando, para vários públicos distintos do rock n’ roll, a sua pesada e arrojada música. Estava tudo indo muito bem e a tendência era de que o Parchment Farm atingiria o sucesso.

As suas músicas, majoritariamente, trafegam no hard rock, com músicas pesadas, intensas, animadas, cheias de energia e solares, com algumas “pitadas” de psicodelia caracterizada nas guitarras lisérgicas e ácidas, mas que tinha fundamento sonoro no peso. Definitivamente era uma banda que, como o Blue Cheer, por exemplo, que lhe influenciou com o nome, estava à frente do seu tempo, fazendo músicas que fugiam do mais do mesmo que imperava na indústria musical da época.

O álbum é inaugurado com a faixa “Songs of the Dead” que irrompe em poderosos riffs de guitarra e uma “cozinha” de arrepiar e fazer renascer com qualquer corpo morto: bateria marcada e pesada e baixo pulsante. Solos animados de guitarra te faz bater a cabeça compulsivamente, enquanto a “cozinha” continua a dar a salvaguarda necessária para o peso. “Midnight Ride” segue mais cadenciada, menos pesada. Guitarras são dedilhadas ao estilo The Doors, só que mais “eletrificado”. Vocais mais limpos e melódicos são ouvidos, as vezes mais gritados, regendo momentos mais pesados.

"Songs for the Dead"

“Devil’s Film Festival” é aquela música que eu chamo de “música de banda”, onde todos os instrumentistas se destacam. Ela é pesada, o baixo parece ser tocado como uma guitarra, com agressividade, com algum “groove”, riffs sujos de guitarra são ouvidos, como alternâncias para solos mais ácidos e baterias com batidas pesadas e cheias de viradas interessantes, de tirar o fôlego. 

"Devil's Film Festival"

Na sequência tem a faixa “Medici”, mais longa, começa com uma pegada mais leve, ao estilo balada rock, com guitarras dedilhadas, que alternadamente descamba para o peso caracterizado pela bateria, como sempre mandando muito bem e baixo seguindo o ritmo. É uma música repleta de mudanças rítmicas, trazendo um atrativo em tanto para uma sonoridade dita “garageira”. Pois é, os caras sabiam tocar!

"Medici"

“Summer’s Comin’ Soon” começa com o “choro” da guitarra que te induz a perceber uma pegada mais blueseira e de fato o é, mas o peso ganha logo o ritmo da faixa, mas de uma forma mais cadenciada, com uma vibe mais comercial, diria. “Blind Man” começa pesada, com a “cozinha” potente, bateria pesada e marcada, baixo pulsante, cheio de groove ao estilo Grand Funk Railroad. Hard rock típico, forte!

"Summer's Comin' Soon"

Segue com “Blues Skies Comin’” que também é pesada, baixo pulsante, um groove que faz da música um pouco mais cadenciada também. A parte rítmica da banda surpreende positivamente pela qualidade. “My Lady” começa com a bateria mais jazzística mostrando versatilidade, mas logo irrompe em um trovão de hard rock pesado, com riffs e solos avassaladores de guitarra.

"My Lady"

“Friends or Lovers” segue na proposta pesada, com passagens mais suaves, uma pegada mais psicodélica, vocais limpos e melódicos, além de guitarras mais ácidas, lisérgicas que entrega o “tempero” mais heavy à música. “Mind Trip” tem o destaque do baixo, com solos mais pesados e cheios de groove. Dedilhados de guitarra dá um caráter mais psych à faixa e até sombrio, em alguns momentos.

"Mind Trip"

Segue com “Concrete Jungle” que foge totalmente a proposta do álbum, que é calcado na música pesada. Nessa faixa percebe-se, inclusive, uma pegada mais folk e psicodélica, trazendo um passado não muito distante ao lançamento deste álbum, que é são os anos 1960. E fecha com “I’m Elected, I Will Not Serve” é uma balada rock embalada por dedilhados de guitarras lisérgicas, com vocais dramáticos. O solo de guitarra nos faz viajar, algo até mesmo contemplativo e soturno.

"If I'm Elected, I Will Not Serve"

No final de 1972 um cara chamado Mike Lusher se tornou baterista do Parchment Farm, adicionando ainda um tecladista de nome Cliff King. A banda estava sofrendo algumas mudanças em sua sonoridade, haja vista que estava adicionando um tecladista. O que se confirmou quando adicionou em seu repertório músicas de bandas como Yes, The Moody Blues, Procol Harum etc.

Parchment Farm em sua nova formação

Em fevereiro de 1973 Cliff foi substituído por Mike “Scotty” Scott que era um músico que foi inspirado por Keith Emerson, possuía um moog e tocava flauta. Pronto! Essa era a confirmação da “nova” vertente sonora do Parchment Farm. A banda abriu shows para Canned Heat, The Hollies e Rare Earth, em 27 de maio de 1973, em Evansville, Indiana, além do REO Speedwagon em 18 de agosto de 1973, no Rollins Music Festival, próximo a Villa Ridge.

O Parchment Farm foi dissolvido em 1973 e claro que seu fim, com a sua mudança de rumo sonoro, foi o sepultamento da banda, bem como a falta de apoio de gravadoras. A banda nunca conseguiu, com isso lançar suas músicas autorais e com o seu fim, fatalmente essas faixas cairiam no esquecimento, no baú escuro e empoeirado do rock obscuro.

Mas eis que surge o abnegado selo Riding Easy Records que redescobre essas gravações, essas fitas e a lança, no formato LP, trazendo à tona, depois de mais de cinco décadas, o único álbum do Parchment Farm, em 2024, homônimo. Um som garageiro, áspero, poderoso, despretensioso, mas especial, diria, sem medo, singular. O álbum pode ser ouvido por intermédio do download que pode ser feito aqui. Pérola mais do que recomendada! 




A banda:

Paul Cockrum na guitarra e vocal

Robert “Ace” Williams no baixo e vocal

Mike Dulany na bateria e vocal

 

Faixas:

1 - Songs of the Dead

2 - Midnight Ride

3 - Devil's Film Festival

4 - Medici

5 - Summer's Comin' Soon

6 - Blind Man

7 - Blue Skies Comin'

8 - My Lady

9 - Friends Or Lovers

10 - Mind Trip

11 - Concrete Jungle

12 - If I'm Elected I Will Not Serve



"Parchment Farm" (1971 - 2024)





































 





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