Mais uma banda de países pouco
celebrados no que tange ao rock n’ roll! Mas não se enganem, caros leitores, o
país desta banda que escrevo trata o rock n’ roll de uma forma muito visceral,
apaixonada e conta com uma cena ativa, plena, interessada, com inúmeras bandas
que flertam com estilos que vai desde o rock progressivo, blues rock, hard
rock, jazz fusion, até o punk rock e o heavy metal. Falo do México!
Talvez não tenha a visibilidade
que mereça por ser tratar de um país que está em uma margem, digamos,
periférica, sob o ponto de vista econômico, mas nada ofusca ou pelo menos
deveria ofuscar a cena que pulsa naquelas terras.
E confesso que, com base nessa
premissa de total vilipêndio a cena rock mexicana, não conhecer a fundo as
bandas que a compõe, mas, passo a passo, vagarosamente, venho descobrindo as
pérolas, principalmente, obscuras que ajudaram e ainda ajudam, pois cresce
vertiginosamente em novas bandas, na construção da cena por lá.
E com o pouco que tenho
desbravado no rock mexicano percebo, observo que o melhor das bandas que
florescem naquela cena, sobretudo surgidas nos anos 1970, é que têm abordagens
do heavy psych, no blues rock e também no hard rock. Traz algo de inocente,
genuíno, puro em suas sonoridades, algo também de garageiro, talvez pela
estrutura ínfima de produção, mas que entrega efetivamente, no fim das contas,
o que propõem. Não esquecer também das bandas progressivas, os mexicanos amam o
prog rock, mas parece não importar o quão progressiva as bandas se apresentem,
sempre estarão enraizados na “pureza” de seu som.
Claro que, em alguns momentos,
percebe-se que emulam as bandas americanas, não com a intenção do plágio, mas
porque a inspiração, admitamos, de muitas bandas vem dos Estados Unidos e
também da Inglaterra, afinal, além da inspiração, são referências.
E a banda de hoje sintetiza claramente essas
percepções sonoras que pairam e tingem a cena rock mexicana dos anos 1970, mas
também terei de confessar que me equivoquei em alguns pontos sobre essa banda.
Falo do EL RITUAL com o seu único álbum lançado, em 1971, simplesmente chamado
de “El Ritual”.
E quanto ao equívoco ele se
deu logo de cara com o nome da banda e a sua “rústica” arte gráfica. O contato
visual me surpreendeu, pois achava que fosse encontrar um suntuoso hard rock
típico, pesado com um quê de proto metal, mas não. Trazia uma “sopa sonora” que
ia de progressivo, jazz rock ao heavy psych com uma textura ácida, lisérgica e
extremamente indulgente.
E a isso adicione alguns
personagens típicos da cultura mexicana como “Machete” ou ainda "Perdita
Durango". Tente entrar na situação com a audição de seu álbum e terás essa
percepção dignamente louca. Alguns hippies mal-encarados, aqueles rockers mexicanos
sujos e perigosos do fim dos anos 1960 e acrescente a isso tudo fortes doses de
occult rock, com aquela atmosfera sombria. Pronto! Temos o álbum de El Ritual,
de 1971.
A banda é oriunda da região
periférica de Tijuana e seu único trabalho, o que é uma pena, é definitivamente
uma maravilha colossal. Sua presença e música são atos singulares,
espetaculares da cena psicodélica mexicana, encabeçando, com maestria, uma
horda de músicos obscuros, alternativos e que não se curvava às tendências
pasteurizadas do mainstream. E para
entender um pouco a concepção de “El Ritual” é preciso conhecer a sua história
e como aqui, neste humilde e relés blog, a história tem protagonismo, vamos a
ela.
O El Ritual inicialmente, em
seus primórdios, era formado por Frankie Barreño no vocal, guitarra e flauta, Martín
Mayo nos teclados, Gonzalo Chalo Hernández no baixo e Abelardo Barceló na
bateria. Uma conjunção mágica de músicos que estavam em perpétuo estado de
inspiração, deixando se levar pela sua criatividade nua e crua.
Todos eles já tinham alguma
experiência, já estavam no cenário do rock mexicano há algum tempo, como era o
caso de Martín Mayo e Abelardo Barcelo, que faziam parte de uma banda chamada
Graveyard, uma banda de Tijuana que executavam um poderoso rock psicodélico
underground sendo um dos expoentes do estilo na região.
Após a saída dos dois do
Graveyard, de uma forma um tanto quanto tempestuosa, Martín Mayo tocou em
várias bandas de Tijuana e Lalo Barcelo esteve com a banda Peace & Love por
um tempo, mas também saiu de uma forma traumática e, com o perdão da analogia,
não tinha tanta paz e amor na banda.
E foi assim que Lalo se juntou
com “El Diablo” Alejandro Villegas, Gonzalo Chalo Hernández e Frankie Barreño,
formando o que seria a primeira encarnação do El Ritual à qual Martín Mayo
seria, mais para frente, adicionado. Pronto! A banda estava formada. A banda
trabalhou, seguiu com boa aceitação por cerca de um ano, até que Lalo Bracelo e
Frankie Barreño se juntaram ao Dug Dug’s de Armando Nava. E o El Ritual
findaria.
Por volta de 1970, já na
capital, Cidade do México, os Dug Dug’s se separariam devido a problemas de
relacionamento entre Franky e Lalo e a tira colo foi o Armando Nava. Já o El
Ritual foi reformulado e dessa vez com a seguinte formação: Oscar Alegre no
baixo, Frankie Barreño na guitarra e Lalo na guitarra.
O trio começou a se apresentar
em pequenas casas de shows e tudo indicaria que iria vingar o novo projeto, mas
novos problemas surgiram e essa formação não durou muito tempo, já que Alegre
saiu rapidamente e os seus ex-colegas se juntariam ao El Ritual: Martín Mayo e
Gonzalo Chalo Hernández. E essa formação finalmente gravaria o primeiro é único
álbum da banda em 1971: “El Ritual” pelo selo “Raff”, no qual, após uma audição
por recomendação da banda Peace & Love, obtiveram a aprovação dos diretores
da gravadora.
“El Ritual” é um álbum que se
assemelha a tantas bandas e álbuns, mas ao mesmo tempo é algo tão único,
singular. Nele se percebe Deep Purple, Arthur Brown, Black Widow, Coven, o som
de Canterbury, as bandas psicodélicas pesadas estadunidenses e ainda assim traz
algo tão original e revolucionário em sua música.
Trata-se de um álbum corajoso,
arrojado em que se baseia em todos os substratos de rock possíveis e
imagináveis, onde qualquer apreciador da música, em todas as suas nuances e
flertes sonoros, pode se enamorar pela banda e seu único trabalho.
Aqui vale uma curiosidade
acerca da trajetória, curta, mas significativa do El Ritual: A banda, quando
foi para a Cidade do México, isso em 1971, participou de alguns festivais e o
primeiro fora o histórico Festival Avandaro, do qual nada deu certo, pois
enfrentaram sérios problemas de áudio e iluminação, típico de bandas obscuras,
que não gozavam de estrutura para apresentar a sua arte.
O “Rock and Wheels Festival”
realizado em 1971, em Avándaro, no México, foi uma espécie de Woodstock
mexicano, um histórico show realizado nos dias 11 e 12 de setembro, próximo ao
Avándaro Golf Club, no Estado do México. O festival tinha como emblema a
celebração à vida, paz, amor, a ecologia, as artes e as drogas experimentais e
foi comparado ao Woodstock exatamente por isso, além, claro, das apresentações
de bandas psicodélicas, a arte contracultural, o uso de drogas e o amor livre.
Estima-se que entre os dois dias que durou o festival, o público ficou entre
100.000 e 500.000 pessoas.
O álbum abre com a faixa
“Mujer Facil” ou como queiram “Prostituta”, inclusive o nome da música era
“Puta”, mas por razões óbvias, o nome foi proibido pela gravadora para evitar
“confusões”. Sua sonoridade varia do Guess Who ao Grand Funk Railroad, com foco
nos órgãos e na flauta trazendo uma abordagem mais rock, um pouco mais pesada e
enérgica, mas com o toque e complexidade do progressivo. Muito dessa música
traz à tona a fase do Dug Dugs na época em que Frankie Barreño e Lalo Barcelo
fizeram parte desta banda. Tem muito de Armando Nava, líder do Dug Dugs graças
aos arranjos e flauta, inclusive este foi um dos primeiros a introduzir a flauta
transversal no rock mexicano por volta de 1967-1968.
Segue com “La Tierra de que te
Hablé” que começa com um tema interessante de folk psicodélico, acompanhado de
um violino que traz uma sonoridade lúgubre, linda, melancólica, dramática,
sombria. Mas o melhor estar por vir com a guitarra acústica que abre alas para
uma espécie de jazz rock bem animado, bem solar.
A sequência traz uma das
faixas mais intensas, complexas do álbum: “Bajo el Sol y Frente a Dios”, com
uma balada de folk psicodélico meio jazzístico de uma insólita finesse que
entrega certa semelhança com o King Crimson em sua fase mais experimental, a
fase inaugural. Uma faixa com uma melodia rica, bem estrutura em textura
experimentais, lisérgicas e progressivas, mas orgânica, garageira e intensa, ao
mesmo tempo.
“Satanas” já traz o acid rock,
a lisergia ao nível máximo com uma pegada bem experimental e garageira, com
toques mais voltados também para o hard rock e que remete aos momentos
psicodélicos de Iron Butterfly em “In a Gadda da Vida”. É indulgente, é
sombrio, com texturas densas, em uma atmosfera nebulosa e perigosa.
“Peregrinación Satánica” é
provavelmente a faixa que mais se adequa, que mais se envolve com os terrenos
do rock progressivo britânico, mais precisamente com o som da cena de
Canterbury, com elementos excessivos, complexos, cênicos e teatrais típicos do
rock progressivo da Inglaterra. Excelente faixa!
“Conspiración” é uma balada
psicodélica um tanto quanto dramática e emocional com solos de teclados e
órgãos extremamente intensos e enérgicos, poderosos e solares, que traz um peso
que lembra o Vanilla Fudge e os primeiros trabalhos do Deep Purple.
“Groupie” é mais acid rock com
uma pegada mais dançante, mais latinas, com instrumentos percussivos e que traz
à tona um pouco da identidade cultural do seu país, da América como um todo. Um
ritmo pegajoso, com uma bela interpretação vocal, bom órgão e lindos riffs de guitarra.
Traz à lembrança Carlos Santana. Ótima música!
“Muerte e Ido” traz seções de
metais, mesclada a instrumentações mais próximas da psicodelia padrão, um
híbrido interessante com guitarras fuzzeada muito boa e um órgão poderoso e
pesado.
E para fechar o álbum temos
“Tabu”, que foi uma das músicas que se gravou nas últimas seções, mas que saiu
solo em um EP em agosto de 1972 e de novo traz pegadas psicodélicas com lindos
riffs de órgão que traz algum peso a música.
Desde o início da confecção do
álbum, no trabalho de encarte e preparação de “El Ritual” houve alguns
descuidos, já que no referido encarte indica dez músicas quando na realidade
tem apenas oito faixas. As duas músicas que faltam são “Tabu” e “Nuestra
Gente”. O primeiro, conforme dito, apareceu anteriormente em um EP com quatro
músicas. Já a segunda é uma gravação perdida porque embora tenha sido
totalmente finalizada (mixagem, transferência e edição), no final não foi
incluída e hoje é praticamente impossível determinar onde estava o máster.
A primeira edição de “El
Ritual” foi apresentada numa capa de livro, que ao abrir incluía uma ilustração
que pretendia refletir e mostrar o espírito e filosofia da banda. O estranho é
que em nenhum lugar indica quem está tocando, embora nos créditos de cada
música diga quem são os compositores. Obscuro, não?
Nas edições seguintes mudaram
a capa do álbum e a ordem das músicas. Quando começou a ser concebido no
formato CD, era da gravadora “Denver”, que também não traz nenhuma informação
sobra a banda e até se aventuraram a mudar o nome de uma música; no CD “Peregrinación
Satírica” agora se chama “Peregrinación Satánica”, o que é diametralmente
diferente.
Eles foram pioneiros no México
no uso de luzes e fumaça, dando um clima teatral às músicas, bem como o uso de
maquiagem e reza a lenda que faziam isso antes mesmo de bandas medalhonas como
o Kiss que até hoje carrega o pioneirismo debaixo do braço. Não quero entrar no
mérito da discussão, mas se olharmos pelo lado cronológico da coisa o El Ritual
teria surgido primeiro com essa estética.
Teria um segundo álbum e já
haviam tomado a decisão de fazê-lo em espanhol, aliás iniciaram as gravações em
meados de 1972 com Luís Hernandez nos teclados que substituiu Martín.
Lamentavelmente esse álbum, bem como outros projetos que estavam engatilhados
não foram realizados e essas gravações também se perderam.
Em novembro de 1972 grande
parte dos integrantes do El Ritual voltaram para a sua cidade natal, Tijuana,
deixando para traz a Cidade do México. As mortes de Martín Mayo e Chalo
Hernández em 2013 fechou definitivamente o ciclo e a possibilidade de uma
reunião do El Ritual. Mas deixando uma marca indelével na história do rock
mexicano, marcando um pioneirismo no occult rock daquele país.
A banda:
Gonçalo Chalo Hernandez no
baixo
Alberto Lalo Barceló na
bateria
Frankie Barreño nos vocais,
guitarra e flauta
Martín Mayo nos teclados
Faixas:
1 - Mujer Fácil
2 - La Tierra De Que Te Hablé
3 - Bajo El Sol Y Frente a
Dios
4 – Satanás
5 - Peregrinación Satánica
6 - Conspiración
7 - Groupie
8 - Muerto e Ido
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