O que eu verdadeiramente
aprecio no krautrock é a beleza de suas múltiplas sonoridades. Nem tudo é
minimalista somente, mas complexo, poderoso, agressivo, contemplativo. Aos que
se prendem em estereótipos achando que o kraut germânico traz apenas uma
vertente, enganam-se.
A cada audição, a cada
descoberta, a cada garimpagem, tenho a nítida impressão de que ela não tem fim,
transborda desrespeitando qualquer questão ligada a cronologia, porque as
descobertas ultrapassam barreiras do tempo, porque até hoje, conhecemos novas
coisas velhas.
E eu, em mais uma dessas
buscas incessantes por algo novo, nessas garimpagens pela poeira do esquecido,
tenha feito descobertas no status de pérolas, pepitas cada vez mais valiosas
que pereceram, que fracassaram e foram esquecidas no canto do tempo.
E em um acaso premeditado
descobri uma banda espetacular, de sonoridade extremamente diversa, múltipla,
que traz sim vertentes kraut, mas com uma complexidade incrível, que envolve
lisergia, peso, mudanças de “humor”, com pitadas progressivas, devido, claro, a
essas mudanças rítmicas, com solos de guitarra e baixo enérgicos, mas com
vocais assombrosos, de atmosfera densa.
A impressão que tenho dessa
banda é que tudo soa polido, no seu lugar, mas que traz uma verdade, a verdade
de uma banda que não se prendia a rótulos, não se encaixava em nenhum “estilo”
pré-determinado e que estava “descolado” do seu tempo.
É definitivamente uma sonoridade difícil de definir, que não se prende a rótulos, denotando que o rock alemão é diverso, cheio, repleto de belezas sonoras, que vai da complexidade ao minimalismo, do simples e orgânico a intensidade contemplativa de seus instrumentos. Falo da banda LIGHTSHINE.
A banda foi formada por quatro jovens estudantes no ano de 1974, na cidade de Emmerich, no baixo Reno, na Alemanha. Jovens aspirantes a músicos que só tinha o interesse de se tornarem músicos grandiosos e de viver da sua arte, de sua música.
E por ser
uma banda descolada do seu tempo, o Lightshine sofreu para encontrar alguma
gravadora que “comprasse” a sua ideia. Algumas negociações com a Sky e a
Vertigo não deram em nada, eles não se encaixavam com os “novos” sons
progressivos mais “suaves” e diretos da segunda metade dos anos 1970.
Então, diante das adversidades sofridas, decidiram gravar seu primeiro álbum praticamente por conta própria, com o apoio de um pequeno selo chamado “Trefiton”. E assim nasceu seu primeiro e único trabalho chamado “Feeling”, em 1976.
O Lightshine era formado por
Joe na guitarra e vocal, Ulli também na guitarra, flauta e vocal, Olli no
sintetizador e teclados, Wolfgang no baixo e Egon na bateria. Sim, não há
sobrenomes, os caras se apresentaram à época apenas pelos seus primeiros nomes.
O lançamento, em long play, de
“Feeling”, trazia uma pequena quantidade de cópias, cerca de 500, outras fontes
informam que foram 1.000 cópias. Independentemente do número, trata-se de uma
tiragem bem limitada.
O álbum é inaugurado com "Sword
In The Sky" apresentando uma mescla, como já era de se esperar em se
tratar de uma banda que não se ligava à estereótipos, de hard rock, progressivo
e emocionantes levadas de flauta. Começa com alguns solos de guitarra e assim
fica por três minutos. Os vocais entram seguidos da flauta e piano, conforme o
clima muda. Tem um clímax excelente e vibrante!
“Lory” tem uma guitarra
poderosa e agressiva, apresenta um riff que lembra “In The Hall of Mountain
King”, do compositor norueguês Edvard Grieg, que mistura algo de clássico e um
volumoso hard rock, além de um baixo proeminente, com bateria marcada e vocal
extremamente teatral.
Já em “Nightmare” o clima
muda para o psicodélico com sintetizadores oscilantes, um arpejo de guitarra de
construção lenta e um vocal denso e de atmosfera soturna. O space rock, mais
lento, aumenta aos poucos em intensidade conforme a segunda faixa mais longa do
álbum, com dez minutos e meio, desliza para frente e para trás entre vocais
falados e licks de guitarra ao estilo Pink Floyd. A faixa alterna com uma
edificação ardente de rock com teclados matadores!
A faixa mais longa,
"King and Queen", com quase quatorze minutos, começa com um teclado
doido, meio incomum que, uma vez “resolvida”, se transforma em uma vibe de rock
espacial com um groove de baixo melódico pronunciado e mais passagens de guitarra
floydianas que lembram algumas das
varreduras de guitarra mais modernas em neoprog, algo bem de vanguarda. Muito
emotivo e instantaneamente viciante, é por isso que algumas das faixas deste
álbum foram tocadas em estações de rádio locais. Esta é provavelmente também a
faixa mais folclórica do álbum, mas termina em um blues rock e um frenesi
flamenco com vocais de estilo folk selvagem.
E o álbum fecha com a faixa
título, “Felling”, que se aventura em um território onírico, com guitarras
dissonantes, fora da ordem, com estranhos elementos que me remete ao krautrock
nos seus primórdios. E por conta disso traz uma faixa extremamente psicodélica,
bem lisérgica mesmo, ao estilo “Yeti” do Amon Duul II, com bateria tribal e
viagem flutuante cheio de improvisações, sem aquelas guitarras mais vibrantes
percebia em faixas anteriores. Os tons de guitarra são limpos enquanto os sons
de teclado fervilham. Os vocais entregam algo de folk rock britânico.
Após o lançamento de
“Feeling” o Lightshine fez cerca de 200 shows, excursionando por toda a
Alemanha em turnês com Jane, Scorpions e Colosseum II. A grande chance de
seguir com a sua carreira e a produzir novos trabalhos caiu por terra devido a
desentendimentos internos se separando um ano após o lançamento de seu grande
álbum, em 1977.
“Feeling” é interessante e
complexo, principalmente em meados dos anos 1970 em que o progressivo, sob o
aspecto comercial, estava em declínio. É um álbum psicodélico, lírico e
intenso, tendo muitas vezes uma aura cósmica. O álbum teve várias reedições e
relançamentos, quase todos sempre feitos pelo emblemático selo “Garden of
Delights”.
A banda:
Joe na guitarra, vocal
Ulli na guitarra, flauta,
vocal
Olli no sintetizador e
teclados
Wolfgang no baixo
Egon na bateria
Faixas:
1 - Sword in the Sky
2 - Lory
3 - Nightmare
4 - King and Queen
5 - Feeling
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