Os anos de ouro do rock n’
roll norte americano! Sim! A segunda metade dos anos 1960 produziram bandas que
compuseram a cena psicodélica americana. Janis Joplin, Grateful Dead, The Doors
entre tantos outros gritavam aos 4 cantos do país, do mundo o “flower power”, o
seu repúdio à Guerra do Vietnã e a música era o farol. Músicas experimentais e
psicodélicas reinavam absolutas.
Mas como o bom rock n’ roll
sugere ou deveria, ao menos, sugerir, costuma subverter a ordem e algumas
bandas, poucas bandas, diga-se de passagem, traziam algo de diferente à época.
Algo mais pesado, não apenas na relevância de sua história, como também no som.
Basicamente o som revelava a sua história e trazia a contundência de serem
desbravadores e que, muitos deles, não recebiam o devido crédito.
Não recebiam crédito
exatamente por trazer algo novo e de difícil digestão entre a indústria
fonográfica que, convenhamos, sempre foi conservadora e o público ou pelo menos
parte dele, apesar da juventude ser ávida por coisas novas e que confrontasse o
status quo.
Algumas bandas merecem uma parte, um adendo e aqui cito The Stooges, Alice Cooper, Sir. Lord Baltimore, Blue Cheer, Pentagram, MC 5 entre tantas outras. Umas ganharam a redenção comercial, outras caíram no ostracismo. Mas há uma, em especial, que merece um capítulo neste reles e humilde blog, merece a luz, pois caiu no esquecimento fundo do baú empoeirado do rock. Falo do SAINTE ANTHONY’S FYRE.
O Sainte Anthony’s Fyre foi
uma das bandas mais significativas de Trenton, New Jersey, nos Estados Unidos.
Bem pelo menos por lá ganhou alguma notoriedade, sobretudo pelas as suas
apresentações ao vivo. Mas deixemos as peripécias do Sainte Anthony’s Fyre para
depois.
A banda era um power trio o que, pelo menos para mim, já se torna um atrativo e não duvido que tenha sido um dos primeiros da terra do Tio Sam. Acredito que também tenha sido uma das primeiras a tocar hard rock neste país, juntamente com o próprio Blue Cheer, Blue Oyster Cult, Pentagram entre outras pérolas. O Sainte Athony’s Fyre era formado por Greg Ohm na guitarra, vocal, Tomm Nardi no baixo, vocal e Bob Sharples na bateria, percussão.
O guitarrista e vocalista
Greg Ohm foi a espinha dorsal da banda e como filho de Trenton, nascido por lá,
tocando em algumas bandas locais. Ohm tinha relação com a música desde a
infância tocando violino, música clássica no ensino fundamental, no Trenton
High’s Orchestra, e também esteve na faculdade, no curso de música e entrou na
banda Peter’s Precious Soul que era muito conhecida localmente.
Bob Sharples, o baterista, é de nacionalidade britânica. Ele sempre fazia viagens para os EUA e voltava também até que, em uma decisão radical, decidiu ficar nos Estados Unidos. Como Ohm, Sharples também era ligado à música desde criança. Aos dez anos estava na BBC tocando trombone.
Antes do Sainte Anthony’s Fyre rodou em várias bandas, já
nos Estados Unidos: The Statics, Orange Invasion, The Tins, DD e Dive Bombers
eram algumas que tocou. Quando completou 15 anos de idade fez um teste para um
cara que ele julgou ser muito estranho chamado Tom Nardi, que viria a ser o
baixista do Sainte Anthony’s Fyre. Gravariam um álbum, meio pop, de nome “The
Marshmallow Way”. Eles se juntariam a um radialista da Filadélfia que fazia
shows aos sábados. Era a banda The Third Degree que fez algum “barulho” na cena
psicodélica.
Tom queria implementar algo
de The Who na banda, aquela energia e peso no palco. A banda chegava a quebrar
os amplificadores e todo tipo de equipamento que existiam na sua frente,
capitaneado, claro, por Tom Nardi. A banda fez algumas apresentações em
escolas, auditórios e até igrejas. Mas não durou muito tempo e a banda
terminou. Tom e Bob ficaram sem se ver por algum tempo.
O nascedouro do Sainte
Anthony’s Fyre começou em algumas jam sessions em um prédio onde alguns amigos
e músicos se reuniam para ouvir música, tocar, no caso dos jovens músicos, e
também para, é claro, fumar uns baseados, tomar anfetamina entre outros
psicotrópicos, afinal, eram os anos 1960. Greg Ohm, que já tinha alguma
reputação na área, ganhou certa respeitabilidade na cidade e o Bob decidiu sair
com ele, para trocar uma ideia, mas eram raras as ocasiões.
Um belo dia Greg ligou para Bob. Disse que se juntou a um promotor de rock, Jean Francis, que estava agenciando uma banda que estava fazendo certo sucesso, o Betsy Jean and The Gems, era uma dessas bandas que faziam seções de metais.
Greg estava em contato
com ela e que Bob seria o baterista. Quando chegaram ao estúdio de Jean tinha
um cara, de nome Richy Helmke, tocando um baixo. Ela pediu que eles começassem
a tocar, embora não tivesse uma banda completa com o que ela desejava:
tecladista, vocalista e caras que tocassem os instrumentos de sopro.
Enquanto isso não rolava os
caras experimentavam algo como Hendrix, ou seja, peso, muito peso. A Jean
ficava irada, revoltada e descia do seu escritório, no terceiro andar, e
repreendia os meninos. Assim nasceria a “maquete’ do Sainte Anthony’s Fyre. E
assim, sempre quando a produtora estava longe, eles faziam o seu som pesado e
barulhento, até que um dia, cansada de ouvir o som que não gostava, decidiu
expulsar os jovens músicos do seu estúdio.
E foi assim subvertendo que
a banda nasceu! Em algumas apresentações raras com a Jean Francis comandando,
eles sempre “destoavam” daquela música ao estilo “motown” e irritava a
produtora. Mas foi dessa forma que a banda conquistou uma capacidade de
improvisação com solos longos.
Então Richy, Bob e Greg tentaram algo novo, uma banda nova, fazer algo novo e que eles estavam curtindo, apesar de Greg ser o mais “inovador” da banda, trazendo algo de improvisação por instrumentos de sopro etc.
Eles não conseguiam chegar a um
consenso com relação ao nome da banda. Até que um dia o Greg estava limpando o
sótão na casa da avó até que encontrou um velho jornal com a seguinte manchete:
"Fogo de Santo Antônio atinge a cidade francesa", lê-se “Fogo de
Santo Antônio” em inglês: “Sainte Anthony’s Fyre”. A história era de que uma
plantação de trigo desenvolveu “ergot”, que é uma doença fúngica que afeta o
centeio e outras planta, sendo contaminada. O trigo foi usado para fazer pão e
o tal alimento, contaminado, teve um efeito semelhante a uma “viagem” de LSD.
Pronto! Era o nome ideal para a banda!
Os demais integrantes odiaram
o nome, mas como estavam em um impasse na escolha do nome da banda havia tempo,
cederam a dica de Greg. Após a superação da escolha do nome da banda, o próximo
passo era os ensaios, o local para ensaiar e compor as músicas para tentar
gravar um álbum e sair em turnê! Quanta coisa, quanto caminho a percorrer! O
primeiro local era o porão da casa dos pais de Bob. E sempre era difícil
conseguir espaço e tranquilidade para tocar.
Greg trouxe as primeiras
composições e sempre tinha de fazer do jeito dele, rolando as primeiras brigas
entre os integrantes. Eles conseguiram um novo empresário chamado Dickie
Diamond que também mantinha músicos e bandas como Patti La Belle e as Blue
Belles, bem como Kool & The Gang. Richy foi convocado pelas forças armadas e
ficaram sem baixista. Então lembraram-de de Tom Nardi que, quando recebeu o
convite, logo se integrou à banda.
Antes do Sainte Anthony’s Fyre gravar seu álbum, o seu novo empresário, Dickie, fez a banda gravar com Patti LaBelle e o pagamento por isso foi deixá-los gravar algumas faixas para a banda. O estúdio era o L & H que ficava nos arredores da Filadélfia.
Mas
não deu certo com esse estúdio e logo com o empresário Dickie Diamond. Foram
contratados pelos estúdios “Electric Ladyland”. Os novos empresários da banda,
Bob Balerna e Frank Kelly eram donos de uma cadeia de lojas de roupas hippie, a
principal de Trenton, em New Jersey. Após o expediente na loja, as portas eram
trancadas e por lá ensaiavam. Eles ensaiavam no porão do “Hip Pocket”.
A medida que a base de fãs
do Sainte Anthony’s Fyre crescia surgia a possibilidade da Zonk Productions
financiar o lançamento do seu primeiro álbum, principalmente por conta de suas
apresentações ao vivo. A banda abria shows de nada menos que MC 5, Wishbone
Ash, Grass Roots, Rare Earth, Fleetwood Mac e Joe Cocker. Já tinha alguma
reputação nas redondezas.
“Saint Anthony’s Fyre” foi
gravado por volta do final de 1969 em um estúdio em Pennsauken, Nova Jersey, que
era dirigido pelo baixista do Lovin' Spoonful, sendo lançado oficialmente em
1970. Tocou em várias rádios undergrounds das regiões no entorno à Nova Jersey
e Filadélfia, sobretudo quando as bandas mais conhecidas, como Mountain e Blue
Cheer tocasse naquelas regiões. Foram em torno de 5.000 a 10.000 tiragens
lançadas. Não se sabe ao certo o quanto foi lançado, não há consenso entre
banda e gravadora sobre isso.
O álbum é definitivamente um
senhor petardo de hard rock, envolvidos em finas camadas psicodélicas, o que é
totalmente normal levando em consideração o período em que fora concebido, em
uma transição de décadas, mas excessivamente pesado, cru, sujo e intenso, muito
intenso!
Começa com “Love Over You” e
já com aquele já anunciado petardo que personifica o álbum em sua totalidade.
Riffs e solos de guitarra ensurdecedores, pesados, totalmente despretensiosos,
mas com alma, com intensidade, com força. A “cozinha” se faz presente e tempera
a música com mais peso, mas que, ao mesmo tempo cadencia, dando versatilidade e
complexidade a música.
“Summer Fun” tem a presença
intensa dos riffs de guitarra que é o “tempero” do peso da música, com a
“cozinha” demasiadamente entrosada, a bateria repleta de viradas emocionantes e
o baixo marcado e pulsante. Uma faixa simples, mas cheia de personalidade, com
a banda mandando ver!
“Star Light” é uma beleza à
parte e traz um Sainte Anthony’s Fyre mais funk, com mais groove, mais
dançante. Seria herança de suas experiências com Patti LaBelle, produtores com
viés da Motown? Não saberemos, mas a música com a tal versatilidade mencionada
na descrição da primeira faixa, aparece novamente em “Star Light”. O funk, o
groove com a pegada intensa do hard rock é evidente.
“Lone Soul Road” traz as
exuberâncias dos riffs de guitarra, do baixo pulsante, da bateria. É um
verdadeiro desfile dos dotes dos músicos e seus instrumentos, claro. Solos de
bateria, guitarra e baixo, mostram todo o arrojo da banda e sua sinergia
sonora.
“With Your Beau” vem com
alguns solos de guitarra em overdubs
bem estranhos, o que apimenta, claro, a música. Mas por mais que seja estranho
e até, em alguns momentos, sombrio, a música traz referências de bandas como
Cream, pois flerta com, além do hard rock, com uma ácida psicodelia,
transformando-a em algo, diria, beligerante. O vocal é o destaque nessa faixa.
“Chance of Fate” começa avassaladora com a peso da bateria conduzindo tudo de forma intensa e indulgente, mas com qualidade e destreza, além de um vocal rasgado, por vezes, gritado, com solos curtos e diretos de guitarra e o baixo sempre acompanhando, de forma incrível, todo o conceito de peso da música.
“Wet Back” fecha com um
Sainte Anthony’s Fyre mais dançante, candenciado seria mais apropriado. O fato
é que nessa música não há como ficar parado, mas o peso está lá, afinal é a
marca registrada, a célula mater do álbum. Mais uma vez também, que fique
registrada a qualidade instrumental deste trabalho e da música em questão e o
solo de guitarra é de tirar o fôlego.
O Sainte Anthony’s Fyre seguiria a sua saga de shows e apresentações ao vivo e abrindo para bandas do naipe de Grand Funk Railroad, Fleetwood Mac, James Gang, Edgar Winter Group e vários outros e era essa a intenção da banda e era em cima do palco que se realizavam. Era quando cresciam como músicos.
Mas a banda não vingou. Após o fim do Sainte Anthony’s Fyre, em 1973, Bob Sharples foi morar com a primeira esposa em Arkansas e fez alguns trabalhos como baterista não muito conhecidos. Greg Ohm também não teve tempo de seguir com outros projetos, pois morreu, pouco tempo depois do fim da banda, de cirrose em decorrência da ingestão excessiva de bebida alcoólica.
Tom Nardi permaneceu em Nova Jersey tocando baixo em outras bandas, mas sem êxito comercial. Tocou inclusive com Greg em um desses trabalhos em outras bandas, mas que teve fim precoce também.
Apesar do fim precoce do
Sainte Anthony’s Fyre, a banda, sem sombra de dúvida, deixou uma marca
indelével para o hard rock norte americano e, mesmo que tenha sido “regional”
ajudou a desbravar e moldar, consequentemente, o estilo pelos Estados Unidos e
hoje, graças às redes sociais e alguns bravos abnegados a música do Sainte
Anthony’s Fyre vem ganhando novos admiradores e adeptos como esse que vos fala.
E isso se confirma com
alguns comentários, diria, emblemáticos de revistas e críticos como a da
popular britânica “Shindig!” que proclama: “Uma obra-prima do hard rock,
encharcado de fuzz!”
40 anos depois do seu
lançamento o álbum ganhou um relançamento pelo selo “Rockadrome”, corroborando
o interesse e a necessidade quase que urgente de que esse álbum merecia ganhar
a luz! Esta edição limitada em vinil vem com um pôster e uma inserção com
encarte, fotos e letras. E em 2013 veio a versão remasterizada em CD.
A banda:
Tom Nardi no vocal e baixo
Gregory "Greg Ohm"
Onushko no vocal e guitarra
Bob Sharples na bateria e
percussão
Faixas:
1 - Love Over You
2 - Get Off
3 - Summer Fun
4 - Starlight
5 - Lone Soul Road
6 - With Your Beau
7 - Chance of Fate
8 - Wet Back
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