O ano era 1968, Alemanha
Ocidental. A cena contracultural alemã conhecida como “Krautrock”, que antes da
música eram grupos de hippies insatisfeitos com a sociedade germânica
conservadora no pós guerra e seus comportamentos e que logo buscaram na cultura
musical minimalista a sua forma de comunicar-se e traduzir as suas mensagens
começava a se manifestar.
Bandas começaram a surgir
dessas comunidades, a cena era um embrião. Bandas como Kraftwerk, Can e Amon
Duul II eram os expoentes, os precursores, com as suas músicas experimentais,
psicodélicas, lisérgicas e de difícil digestão para uma sociedade que ouvia
basicamente os enlatados pop dos Estados Unidos.
Mas o miolo de outra grande
banda que representaria, com maestria, a cena krautrock na Alemanha viria com a
reunião de dois amigos, o baterista Mani Neumeier e o baixista Uli Trepte que
se conheceram em 1963 e se juntaram a uma banda de jazz que se chamava Irene
Schweizer Trio, da pianista suíça Irene Schweizer.
Em 1968 quando Irene seguiu
seu próprio caminho e o Trepte mudou para o baixo o “Guru Guru Groove” foi
formado calcado nas experimentações e improvisações jazzísticas que aprenderam
no passado com a banda da pianista suíça Irene Schweizer mais o vigor e o peso
do rock n’ roll e algumas pirotecnias oriundo da energia do baterista Mani e o
talento de Tepte.
Com o conceito formatado e
algumas mudanças na formação eles se juntaram ao ex-guitarrista do Agitation
Free, Ax Genrich e definiram que essa era a formação ideal para um tipo de
apresentação ao vivo pautado na energia no palco e que Genrich correspondia
plenamente e o nome da banda foi encurtado para GURU GURU.
Seu primeiro contrato com
uma gravadora já, claro, com o intuito de registrar o seu primeiro trabalho foi
com a gravadora Ohr que à época era conhecida por recrutar bandas e músicos com
uma sonoridade de vanguarda, entrando aí a cena krautrock.
E foi assim que surgiu o
debut do Guru Guru chamado “UFO”, de 1970. O nome do álbum é uma clara alusão a
sonoridade incomum da banda que trazia uma sonoridade selvagem, forte,
eloquente, calcada na guitarra com efeitos eletrônicos arrojados, como pedais
de wah wah, tendo a psicodelia como ponto forte e um hard rock intenso para a
época, além da inventividade de Neumeier e do baixista Trepte.
As apresentações eram
intensas e indulgentes, beirando a agressividade, a potência e a energia de
seus integrantes e tido como uma aberração entre até mesmo entre os colegas de
outras bandas, sem contar que tinha manifestações políticas e filosóficas,
típicos da cena kraut, pois os músicos faziam parte da União Socialista Alemã
de Estudantes e fizeram muitos shows nas universidades, divulgando bem “UFO”.
E diante desses vários shows
em universidades, em faculdades e também em eventos estudantis, o álbum do Guru
Guru, o “UFO”, alçou voos, com o perdão da analogia, ganhando alguma
credibilidade e visibilidade. Esse reconhecimento se deu com um convite que a
banda recebeu para tocar no 3º Pop & Blues Festival de Gruga-Halle,
realizado em Essen, na Alemanha, entre os dias 22 e 25 de outubro de 1970. O
Guru Guru tocaria no último dia do festival, 25 de outubro.
Certamente esse foi o primeiro e mais representativo show do jovem Guru Guru e que traria muita publicidade para os meninos da banda que tocaria nada menos com bandas do naipe de Taste, Fotheringay, East Of Eden e Tyrannosaurus Rex no palco principal, no mesmo dia, mas não no mesmo palco, mas tocaria, em um palco pequeno lateral, com as bandas alemãs como Frumpy, Embryo. Já era muito!
E essa apresentação
teve um registro e que foi lançada apenas em 2003 pela abnegada gravadora
Garden of Delights com o título de “Guru Guru – Live at Essen 1970” e é esse
álbum que será alvo de resenha hoje. Vale dizer também que a criação da Garden
of Delights foi feita com a reincidência de alguns executivos da Ohr que havia
gravado o primeiro álbum de estúdio do Guru Guru. Nem tudo é coincidência ou
destino!
A qualidade sonora de “Live
Essen” é muito boa, pois, como reza a lenda que as músicas, a apresentação foi
gravada diretamente da mesa de som do show, sendo o álbum gravado e registrado
por intermédio dessa gravação.
A Garden of Delights tem um
histórico de gravar shows e/ou pequenas apresentações das bandas alemãs e esse
show do Guru Guru em especial traz um caráter de bootleg, mas que, de alguma
forma, entrega toda uma estrutura técnica de gravação e de lançamento oficial,
sobretudo nos dias de hoje que muitas bandas estão lançando seus materiais
antigos para fugir das piratarias.
“Live Essen” é histórico por
ter sido um dos primeiros shows do Guru Guru com a formação original, que
gravou o seu primeiro álbum, “UFO”, o que torna esse registro memorável e
importante, uma das primeiras aparições ao vivo de uma das mais emblemáticas
bandas da cena kraut, do rock alemão, o Guru Guru.
O registro ao vivo conta com
apenas três músicas, mas músicas com aquele estilo que fez do Guru Guru
importante na cena, com muita improvisação instrumental, com faixas longas e
uma energia incomum para as bandas da época que pautavam na introspecção do experimentalismo.
O Guru Guru era intenso, era forte e trouxe ao kraut o prog com viés hard e “Live
Essen” entregava definitivamente.
O álbum é inaugurado com a
faixa do álbum “UFO”, “Stone In” que já começa lisérgica aliado a um peso
calcado na bateria firme de Mani Neumeier e a guitarra dilacerante de Genrich com
uma textura distorcida e perturbadora. É o momento em que a banda está solta
para liberar seu processo produtivo e criativo, estavam no auge e essa faixa
diz tudo. Repleta de viradas sensacionais e momentos rítmicos pesados e leves.
Incrível!
Na sequência tem a clássica,
também do álbum “UFO”, “Der LSD-Marsch”. Ela começa obscura, intimista,
ameaçadora. Um exemplar típico de psicodelia totalmente experimental e
minimalista que remete, com fidelidade sonora, ao conceito do krautrock.
Pode-se notar também “pitadas” generosas de space rock dado as grandes doses
dos efeitos da guitarra, mas que, gradativamente vai ficando pesada, intensa e
agressiva graças a, mais uma vez, a bateria de Mani e os solos e riffs de
guitarra de Genrich.
E fecha com a até então
faixa nova, que seria lançada um ano depois desse show, em 1971, com o clássico
segundo álbum do Guru Guru, a fantástica e animada “Bo Diddley”, do excelente “Hinten”,
cuja resenha pode ser lida aqui. Essa começa com a porradaria na bateria de
Neumeier e também aquela dose de humor sarcástico que notabilizou na Alemanha o
Guru Guru. E entra o baixo pulsante fazendo da “cozinha” uma sinergia sonora
perfeita, dando o tempero com a guitarra rosnando em riffs poderosos e
agressivos. Definitivamente um exemplar de proto metal, dada a intensidade em
que a música foi executada ao vivo, ganhando vida maior.
“Live Essen” corrobora, em minha humilde opinião a melhor fase do Guru Guru, o power trio que era caracterizado por Tepte, Genrich e Neumeier, a formação que construiu a “era” gloriosa da banda, mais calcada no peso lisérgico, no hard progressivo, aliado a despretensão, a energia, a atmosfera agressiva e por vezes experimental, com o space rock protagonizando. Foi nessa fase que o Guru Guru construiu a sua discografia mais representativa, com “UFO”, “Hinten” e, mais tarde, o excepcional “Kanguru”, lançado em 1972.
“Live Essen” é a personificação dos anos
dourados do Guru Guru, o ápice da representatividade do krautrock menos
ortodoxo e extremamente versátil e diverso. Há quem diga que a última faixa, “Bo
Diddley” foi cortada, talvez por algum problema técnico ou de ordem
organizacional do festival, mas o fato que isso não influencia negativamente em
nada o registro mágico de uma banda espetacular ao vivo em pouco menos de 40 minutos.
Altamente recomendado!
A banda:
Ax Genrich na guitarra
Mani Neumeier na bateria e
vocal
Uli Trepte nos vocais e
baixo
Faixas:
1 - Stone In
2 - Der LSD-Marsch
3 - Bo Diddley
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