sexta-feira, 30 de maio de 2025

Eugene Carnan - Eugene Carnan (1972 - 2011)

 

Setembro de 1971, Reino Unido. A famosa revista britânica “Melody Maker” decidiu realizar uma competição de bandas novas e que contemplava todo o Reino Unido. Uma chance em tanto para jovens músicos e suas bandas que queriam um lugar ao sol no mercado da música. O nome da competição: “Best New Band” que, em tradução literal para o português significa “Melhor Nova Banda”.

A busca foi corrida e concorrida para as diversas novas bandas de todo o Reino Unido. A competição aconteceu em locais regionais e a disputa no País de Gales foi realizado em um clube em Caerphilly, uma cidade famosa por seu antigo castelo medieval, seu queijo e mais tarde seria o lar dos Maniac Street Preachers.

Mas não é do Maniac Street Preachers que eu gostaria de falar, mas sim de uma banda obscura, rara, que participou da competição e que representaria o País de Gales. Falo do EUGENE CARNAN. Será que a Eugene Carnan iria ganhar o festival? Será que ele seria determinante para a história da banda que estava apenas começando? Veremos!

Cada banda convidada tocou três músicas na competição. O Eugene Carnan decidiu, de forma ousada, executar suas próprias composições! Que coragem dos jovens músicos, afinal, para festivais desse tipo, que eram comuns na Europa, muita banda, para não correr riscos e ganhar a aceitação do público e dos julgadores, decidiam tocas covers, de preferência de bandas famosas.

Tocaram “I Found Out”, “Blues Thing” e Mountain”. Eles já tinham algum material composto, embora não tenha lançado, de forma oficial, nenhum álbum antes da competição. Quem sabe com a vitória na competição eles conseguissem audiência o suficiente para fechar um contrato com alguma gravadora.

Quando optaram por essas músicas tinham a intenção de equilibrar o ritmo e a sensação para tentar capturar a essência de um show ao vivo da banda em um intervalo curto de 12 minutos que tinham para se apresentar. Um desafio e tanto mostrar todo o vigor e a verdade da banda em um curto tempo de apresentação. Eles inclusive escreveram “Blues Thing” especialmente para a competição, pois queriam apresentar uma música mais lenta e mostrar ao público e aos julgadores que a banda poderia mostrar um set diversificado, com músicas pesadas e mais lentas.

Quando os resultados foram anunciados o Eugene Carnan não conseguiu a vitória. Evidentemente os jovens músicos, cheios de entusiasmo e confiança, ficaram completamente desapontados, frustrados, o que é natural, mas estavam muito confiantes com um desfecho diferente e muito mais animador no futuro.

Quando a banda estava se preparando para ir embora do local do triste anúncio de sua derrota, já estava fazendo as malas repletas de desilusão, foram abordados por um cara que se apresentou como Wayne Williams que disse que tinha um pequeno estúdio de gravação e que estava interessado em gravar as músicas do Eugene Carnan.

A oferta de Wayne era gravar uma “demo” da banda de graça, sem custos para a banda, dizendo ainda que tentaria fazer com que algumas gravadoras se interessassem em gravar o tão desejado debut da banda. E se ele conseguisse poderiam discutir termos contratuais e talvez até empresariá-los.

A oferta gerou certo ceticismo e cautela por parte do Eugene Carnan, porque o cenário é sempre desfavorável quando há essas promessas de apoio a bandas novas. Os músicos temiam que pudessem ser roubados, ter a sua arte, a sua música ser roubada por algum empresário ou dono de estúdio desonesto. Mesmo jovens tinham a percepção dessa possibilidade e decidiram agir com o máximo de cautela.

O que fez a banda mudar de ideia foi que Wayne mencionou que era apoiado por um cara chamado Major Arthur Kenny. Para a maioria da banda esse nome não significava absolutamente nada, mas para o baterista do Eugene Carnan, Mike Evans, significava e muito. O Major Kenny era o diretor musical da “The Cory Band”, uma das principais bandas de metais do Reino Unido, com sede em Rhondda.

Seu pai havia tocado corneta na “Cory Band” por muitos anos e até mesmo Mike Evans tocou várias sessões com a banda que seu pai fazia parte, sendo, inclusive, membro da banda júnior de Cory. Por causa dessa conexão, o Eugene Carnan decidiu seguir com a proposta de Wayne. No entanto, meses depois Wayne entrou em contato coma banda e eles foram para seu estúdio em Risca, Monmouth, para iniciar os trabalhos de gravação de suas músicas.

O mês de março de 1972 foi um dos mais movimentados de todos os tempos da jovem banda, porque, além das poucas semanas, dos poucos dias, na realidade, que tinham para gravar teve de ser conciliada com alguns shows que estavam agendados. Tiveram apresentações em Teorchy e em Crumlin e o estúdio de Wayne ficava em uma garagem autônoma convertidas em um canto e o resto do espaço era a área de gravação. E o estúdio improvisado ficava distante de todos os lugares em que a banda estava fazendo shows. Imaginem a dificuldade de conciliar tudo isso!

As paredes do estúdio eram cobertas com caixas de ovos de papelão, uma forma popular e mais barata de isolamento acústico, do tipo “faça você mesmo”. Tudo era improvisado, tudo era difícil, tudo era barato, mas a expectativa de que veriam uma luz no fim do túnel com o sucesso era grande. Estavam entusiasmados, o resultado do esforço seria recompensado. O equipamento de gravação de Wayne consistia em um simples gravador Sony Stereo de duas pistas e um pequeno “mixer”.

A banda era formada por Mike Evans, na bateria, Adrian Llewellyn na guitarra e vocais e Michael Williams no baixo. Um “power trio”, como tantos outros, famosos, que já existiam no início dos anos 1970 e que esses jovens músicos queriam seguir como referência para os seus propósitos de sucesso, de um lugar ao sol no tão concorrido universo do rock naqueles longínquos anos 1970.

Mas voltando a realidade atual, a banda montou seus instrumentos no simplório estúdio de Wayne e tinham dois microfones para gravar as guitarras, um para cada amplificador e havia 3 microfones para a bateria, para o bumbo, caixa e um microfone suspenso. Simples desse jeito! E dessa simplicidade que o Eugene Carnan tocou as suas faixas ao vivo, exatamente como faziam nos shows.

E com esse aparato, essa estrutura não poderia haver edição de pós-produção ou efeitos adicionados posteriormente. Então o que você, estimado leitor, ouvirá no primeiro trabalho do Eugene Carnan, de 1972, é o que realmente tocaram e soaram naquele estúdio e nos shows que realizaram naquela época. É o que há de mais genuíno que a banda, mesmo com os entraves estruturais, poderia produzir. Então seria, digamos, o “charme” dessa produção.

Todos os erros, todos os defeitos, para os ouvidos mais exigentes e apaixonados pela música, podem ser percebidos na gravação das faixas: ecos nos vocais, ruídos, tudo está lá! Mas o que importa, quando se tem um álbum pesado, calcado no hard rock e blues, que o primeiro e único trabalho do Eugene Carnan pode proporcionar?

A banda gravou oito faixas durante dois dias, porém foram incluídas no álbum sete músicas. A faixa que faltava se chamava “Camburoo”, uma música com uma batida de bateria do tipo africano inspirada no Osibisa, uma banda que eles gostavam na época. O nome era uma piada inventada, soando para a banda, parte galês (Cambriano) e parte África (Uroo veio do tenente Uhura em Star Trek).

Depois que eles fizeram as gravações, muita coisa aconteceu ao mesmo tempo. Wayne teve uma briga séria com o Major Kenny e disse que estava fazendo as malas no estúdio, estavam indo embora. A banda ficou temerosa, afinal o que seriam deles depois dessa briga? Mas Wayne se ofereceu a dar para os músicos as fitas com as gravações das músicas. E ainda teve o problema com o baixista Mickey Williams que estava desiludido e desestimulados e decidiu sair da banda.

Em junho de 1972 o baterista Evans se encontrou com Wayne e este último deu o rolo de fita que ele disse que tinha todas as faixas, as oito faixas. Infelizmente a faixa “Camburoo” não estava entre as demais. Quando Stevens entrou em contato com Wayne ele disse que estava em outro rolo de fita, mas ele pensou que tinha gravado sobre ela, então a banda nunca chegou a ouvir “Camburoo”.

O álbum é inaugurado pela faixa “Confusion” que já começa suja e perigosas, com riffs sujos e potentes de guitarra e uma curiosa pegada jazzística levada na bateria, mas que logo irrompe em um volumoso e potente hard rock tipicamente dos anos 1970, mas sempre com aquele tempero improvável do jazz, que me remete ao Black Sabbath em seus primórdios. E assim se segue, depois entram solos de guitarra, baixo pulsante, bateria pesada, tudo envolto em uma massa densa e pesada.

"Confusion"

Segue com “I Found Out” que me remete, logo em seu início, com o psicodelismo dos anos sessenta, com aquele “beat” dançante, marcado por riffs de guitarra e vocais mais animados. E assim é conduzida, trazendo “surtos” de rock com solos bem dedilhados, ao estilo Robby Krieger, do The Doors. “People In the City” traz de volta o petardo sonoro do hard rock. Riffs pesados e grudentos de guitarra são ouvidos e um vocal potente e gritado também, para dar o tempero a sonoridade suja e pesada que se segue até o final. Bateria pesada e marcada é ouvida e o baixo pulsa como um batimento cardíaco em êxtase. Poderosa!

"I Found Out"

“Black As Night” começa com um riff de guitarra instigante e que me remete a um heavy rock, a um heavy metal de vanguarda, um proto punk, mas mesmo com todo o peso perceptível, segue arrastada, suja, ameaçadora aos ouvidos mais delicados. Solos de guitarra trazem sofisticação, mas são curtos e, ainda assim corroboram o seu peso, o peso da música.

"Black As Night"

“Blues Thing” é o contraponto, o que traz a antítese do que, até então se ouvia no álbum. Bem tocada, o momento em que os músicos se revelam extremamente competentes. Uma balada calcada no choro da guitarra, no blues rock, com intervalos mais rápidos de peso, para não perder o costume. Mas é aqui que uma das referências do Eugene Carnan aparece: Cream. Um blues rock mergulhado em lisergia.

"Blues Thing"

“On Your Mind” retoma o trilho do trem louco do Eugene Carnan, um peso ao estilo Sabbath de ser. Um proto doom que traz peso e momento sonoro arrastado e sujo, com vocal rouco, gritado e pouco límpido, muito pelo contrário. Solos de guitarra e bateria pesada e marcada vem com a parte mais “técnica” da música, fazendo dela bem diversificada e atemporal.

"On Your Mind"

E fecha com “Mountain” que traz de volta, pelo menos no seu início, aquele clima meio “beat” na música. Puro engano! Ela explode em um hard rock e proto metal em uma bateria arrogante e pesada, com riffs grudentos e sujos, além de um vocal gritado a plenos pulmões. Aquele riff de baixo “a galope” é nítido e faz com que a música remeta aos primórdios do heavy rock e heavy metal. É ousada e fascinante!

"Mountain"

Quando a banda se desmantelou, logo após a briga entre Wayne e Major Kenny e a saída do baixista Williams, Mike Evans decidiu que a banda deveria pelo menos fazer algumas gravações para as suas próprias coleções e ter as músicas disponíveis para caso algum novo baixista aparecesse e ele aprender a tocar as referidas músicas. Eles ainda nutriam uma esperança de retomar a vida da banda, mesmo com todos esses golpes pesados.

E com isso em mente, em 28 de julho de 1972, Evans foi para Londres, sozinho no trem, e levou para as fitas para o J. Eden Studio, em Kingston-Upon-Thames, que ofereceu um “serviço de fita” para o disco. Mike os descobriu por intermédio de um anúncio nas últimas páginas da revista “Melody Maker”.

No estúdio, eles cortaram quatro cópias das sete faixas direto para o LP. O processo foi, obviamente, analógico e ao vivo, onde tocaram a fita e uma caneta cortou as ranhuras do plástico. Eles fizeram isso quatro vezes para obter os quatro discos parando para virar o disco na metade da duplicação, então acabaram com quatro faixas de um lado e três do outro. Convém uma curiosidade sobre a capa do álbum: o castelo foi para homenagear o famoso castelo da cidade natal dos músicos.

Então Mike Evans voltou para Rhondda com exatamente quatro cópias, gravados com o selo “Emidisc”, isso mesmo, caros leitores, quatro cópias. Deu um para cada um da banda e o outro para um de seus roadies. Mais tarde Evans conseguiu fazer algumas cópias para amigos mais próximas e, vários anos depois, emprestou a fita original para Colin Benjamin, seu cunhado à época.

E assim foi divulgado o trabalho de Eugene Carnan! Esses muitos anos depois demoraram quarenta longos anos até o único álbum, gravado em 1972, do Eugene Carnan, ter uma discreta repercussão. Atualmente o som da banda ganhou alguma visibilidade graças aos abnegados espalhados pelas redes sociais e internet que difundem o som obscuro desses músicos promissores que não viram a luz no fim do túnel e não obtiveram o tão esperado sucesso, mas a ousadia e vanguardismo de sua sonoridade explodem aos nossos ouvidos. Em 2011, quase quarenta anos depois, como disse, o álbum foi relançado pelo selo Shadoks Music, no formato LP e CD.





A banda:

Adrian Llewellyn na guitarra e vocal

Michael Williams no baixo

Mike Evans na bateria

 

Faixas:

1 - Confusion

2 - I Found Out

3 - People In the City

4 - Black As Night

5 - Blues Thing

6 - On Your Mind

7 - Mountain 



"Eugene Carnan" (1972 - 2011)



 

















 








sexta-feira, 23 de maio de 2025

Hellmet - Judgement Day (1970 - 2021)

 

Os escombros entregam destruição, medo e temor, mas dele pode emergir algo surpreendente e não falo apenas no sentido literal da palavra, mas carregado de alguns simbolismos cheio de vida, latente como o rock n’ roll. Não entendam, caros e estimados leitores, que o que está, desolado, entre o caos seja algo descartável. Não!

O que é fracasso no passado, pode ser redenção ou revelação no futuro e o presente tem corroborado tudo isso, principalmente para aqueles que se predispõe a ver ou melhor, a ouvir.

O fenômeno das redes sociais e da internet trazem, com sua incomum velocidade, à tona certos petardos que, quando ouvimos, costumamos nos inquirir: Como que isso não fez sucesso? Como isso não atingiu o ápice comercial? Sonoridades rebuscadas, arrojadas, poderosas, despretensiosas...Independente dos adjetivos, nos suscita o arrebatamento.

O frenesi, o sentimento de que faltava isso em nossos arquivos mentais e sentimentais, nos coloca em um patamar de total extasse, a atingir orgasmos sonoros a ponto de criarmos, dentro de nossa alma, uma revolução!

E esse reles e simplório blog tem trazido isso ao meu coração, primeira e primordialmente. É um sentimento, embora aterrador, é arrebatador. Aterrador porque sabemos que não teremos vida para ouvir tantas obscuridades que precisam ser descobertas, mas arrebatador, pelo simples fato de que sempre terá algo que irá positivamente nos surpreender. Pode parecer dúbio, mas é isso que sinto.

E creio que, por menos que seja, o blog desperta isso em quem o lê, pelos menos aos interessados e abnegados pelo caminho revelador da descoberta das sombras que pairam cantos mais distantes e inexplorados do universo do rock. A sorte é que o universo está em expansão.

E o “big bang” de hoje veio como uma explosão. Falo da banda HELLMET. A banda, oriunda da Inglaterra, mais precisamente de uma cidade chamada Brighton, East Sussex, como tantas outras, não gozam de muita informação disponível para discorrer um longo e vasto texto, mas que tem o suficiente para contar essa história, difundindo seu som para o máximo de ouvidos e corações ávidos por ‘velhas novidades”.

O Hellmet nasceu em algum momento entre os anos de 1969 e 1970 e os seus membros vieram da fusão de bandas como Leviathan, The Motion, Samuel Prodi, Elegy etc. É composto pelos seguintes músicos: Terry Aitken, ex- Elegy, no vocal, Stephen Day, ex Samuel Prodi, na guitarra, Ray Mellors, no baixo e Gary Murphy na bateria.

A banda gravaria, em 1970, seu primeiro álbum, chamado “Judgement Day”, porém não foi oficialmente lançado naquele ano, outro caso notório entre tantas bandas daquela época que trafegaram na obscuridade, no underground londrino. Porém o Hellmet, ao gravar este álbum e até mesmo um pouco antes de gravara suas primeiras músicas teve, embora curta, uma lucrativa existência, onde chegou a tocar em um cenário louvável à época, graças ao jornalista John Tobler, em casas de shows conhecidas, como o “Marquee Club”.

Inclusive tudo isso levou a banda a uma série crescente de gravações, com os próprios músicos do Hellmet financiando a produção de “Judgement Day” no “Orange Studios”. E assim nasceu “Judgement Day”!  O único trabalho da banda é calcado, primordialmente, no hard rock, em uma sonoridade pesada, crua, dura, despretensiosa, mas traz também texturas de blues rock e até mesmo temperos progressivos, em alguns momentos.

A guitarra é explosiva e tem um tom duro e pesado, com um efeito fuzz que entrega uma lisergia psicodélica, ácida, com baixo e bateria pesados, uma seção rítmica bem azeitada, entrosada, mostrando força e peso, corroborando a lisergia pesada dos riffs e solos de guitarra. Os vocais são nítidos e bons que vai da limpidez até o estilo gritado. No geral o som, como um todo, se mostra áspero, intenso, pesado, mas também traz reminiscências do rock psicodélico.

O álbum é inaugurado com a faixa “Hazy Shady Lady” que mostra, de imediato, o peso, o riff de guitarra sujo e pesado, arrastado, mas tudo envolto em uma camada de blues rock, com a dureza do hard rock. A seção rítmica precisa ser enaltecida: baixo pulsante e cheio de melodia, bateria marcada, pesada. Os solos de guitarra me remetem ao Cream e Blue Cheer, mas não podemos esquecer de que se trata de uma gravação de 1970, pouco depois do que tais bandas produziram. Seria uma inspiração ou seria uma referência como o Cream e Blue Cheer?

"Hazy Shady Lady"

Segue com “Trust” que começa com uma bateria meio jazzística, diria, mas com um “tempero” psicodélico, com solos e riffs de guitarra bem lisérgicos. Mas na sequência se percebe um hard rock de vanguarda e que se percebe um proto doom sujo e pesado que traz à lembrança o Black Sabbath em “Master of Reality”. Ouso dizer ainda que, apesar da aspereza do som, percebe-se mudanças de ritmo, algo progressivo encarna nessa faixa.

"Trust"

“Judgement Day (Honest Religion)” começa sombria, estranha. A bateria, com um eco entrega toda essa aura perigosa e beligerante. Os solos de guitarra me trazem à mente um occult rock e isso se corrobora no vocal melancólico, que chega a ser abafado. Para a metade, segunda metade, diria, da faixa, o som vai encorpando, ganhando uma textura mais calcada para o hard rock psicodélico.

"Judgement Day (Honest Religion)"

“Sweet Bitch” vem arrebentando a porta e passando por cima como um rolo compressor. É pesada, é intensa, é agressiva, mas muito bem executada. Um hard rock com riffs pesados e grudentos de guitarra, com uma cama de teclados que faz da música mais dançante. Mas não se enganem, é uma música para “bater cabeça” de tão pesada. Um heavy rock com temperos de proto metal.

"Sweet Bitch"

E fecha com “What Is The Point (Of It All?)” que mantém, mais ou menos, a mesma proposta da faixa anterior, porém, essa é ainda muito mais dançante, com uma cadência animada, solar. A bateria é espetacular nessa música e rege as atenções e a essência dessa faixa de forma magistral. Os riffs de guitarra são pesados, mas entrega um hard psych muito interessante.

"What is the Point (Of it All?)"

“Judgement Day” não foi lançado, oficialmente, no ano em que foi gravado, em 1970, mas foi descoberto, depois de cinquenta e um anos que foi concebido no Orange Studios. Em 2021 o único rebento do Hellmet finalmente ganhou luz e foi lançado pelo selo Seelie Court. Mas o caráter “artesanal” do lançamento foi percebido pelo número limitadíssimo de cópias disponíveis, com exatamente 300 cópias, no formato CD! E não precisa dizer que os valores praticados eram inacreditavelmente altos, em torno de £ 10.000! Acreditem se quiserem!

Hoje está esgotado, não há mais para a venda deste lançamento e acredito que os contemplados por essa cópia não iria se desfazer de relíquia sonora e se tiver algum vendedor o fará por cifras astronômicas! É o valor que se, literalmente, paga por ter álbuns como esse que, no passado foram vilipendiados, e que hoje assume o caráter de “cult”. Coisas do tempo!

E em meio a todo esse turbilhão de lançamentos descobertos, graças ao advento das redes sociais e da internet, somados aos abnegados trabalhos de garimpo dos selos underground, o Hellmet, com seu “Judgement Day” se torna um verdadeiro item de colecionador para os aficionados pelo rock obscuro e raro e pelo amante do bom e velho rock n’ rool.

O Hellmet é uma das várias bandas que nos estimula a entender e a exercitar as razões da dureza do protometal e dos primórdios do hard rock, além da percepção de uma gama de ramificações que vieram ao longo das décadas. Arrisco dizer que o Hellmet foi uma referência esquecida nos escombros do rock.




A banda:

Terry Aitken no vocal

Stephen Day na guitarra

Ray Mellors no baixo

Gary Murphy na bateria

 

 

Faixas:

1 - Hazy Shady Lady

2 - Trust

3 - Judgement Day (Honest Religion)

4 - Sweet Bitch

5 - What Is The Point (Of It All?)




"Judgement Day (1970 - 2021)









 























sexta-feira, 9 de maio de 2025

Medusa - Medusa (1978)

 

Eu não preciso dizer que este reles e humilde blog dedica-se a dar luz ao rock obscuro, o nome já denuncia isso. Trazer à tona as bandas obscuras e raras é o mote desse site. A banda que falarei hoje empunhará a temática de forma eloquente, porém parte dos músicos que a conceberam gozaram de notório sucesso em suas carreiras.

Para muitos os dois músicos que apresentarei criaram essa banda com o intuito de buscar novos mercados que não fosse do habitual Jazz-Rock Fusion que faziam parte e eram qualificados. Falo de John Lee e Gerry Brown, falo também da banda norte americana MEDUSA. Antes de falar um pouco da banda, torna-se relevante falar das mentes por detrás do projeto “Medusa”, principalmente dos seus currículos invejáveis.

Gerald D. Brown, conhecido como “Gerry Brown”, nascido na Filadélfia, Pensilvânia, é um baterista renomado de jazz e já tocou com os baixistas Stanley Clarke e, claro, John Lee. Foi membro da banda do exímio pianista, também de jazz, Chick Corea e esteve na banda Return to Forever, banda esta que Corea também esteve.

Brown trabalhou também com Phil Collins, Julee Cruise, Roberta Flack e Marvin Gaye, além de ter sido baterista de turnê de Steve Wonde por muitos anos. Ele também trabalhou na Alemanha.

John Gregory Lee, conhecido como “John Lee”, nascido em Roxbury, Massachusetts, é um baixista, engenheiro e produtor de jazz. Fundou a “Jazz Legacy Productions” e a “Alleycat Studios”, com sede em West Orange, Nova Jersey.

Lee se apresentou em Nova Iorque no início dos anos 1970, com Joe Henderson Pharoah Sanders e o Max Roach Quartet, antes de se mudar para a Europa em 1972, onde conheceria Gerry Brown.

Gerry Brown e John Lee

Foi a partir desse momento que o elo artístico de Lee e Brown aconteceria. Os dois começaram a trabalhar juntos na banda de fusion do flautista holandês Chris Hinze, “The Chris Hinze Combination”. E, em 1974 lançariam o seu álbum de estreia, chamado “Infinite Jones".

"Infinite Jones" (1974)

Em 1975, John Lee juntou-se ao Eleventh House de Larry Coryell, permanecendo até 1977, e foi ouvido em "Motherland" de Earl & Carl Grubbs, "Hip Elegy" de Joachim Kuhn, "Esoteric Funk" de Hubert Eaves, "New Love" de Carlos Garnett, "However" de Jasper Van't Hof, "Poussez! Leave That Boy Alone" e "Symphony Sessions" de Dizzy Gillespie.

Lee foi baixista de Dizzy Gillespie de 1984 a 1993. Ele se apresentou e gravou no Dizzy Gillespie Quintet, Dizzy Gillespie Big Band, Dizzy's United Nation Orchestra, Dizzy Gillespie All-Stars, Dizzy Gillespie All-Star Big Band e Dizzy Gillespie Afro-Cuban Experience.

Lee também trabalhou nas bandas de Gary Bartz, Jon Faddis, Aretha Franklin, Roberta Gambarini, Roy Hargrove, Jimmy Heath, Gregory Hines, Claudio Roditi, Sonny Rollins e McCoy Tyner.

Depois do debut, de 1974, “Infinite Jones”, a parceria de Gerry Brown e John Lee, continuou forte e frutífera com mais lançamentos como “Sunrise”, de 1975, “Still Can’t Say”, de 1976, “Chaser”, de 1979, “Fancy Glance”, de 1979, com a participação de Stu Goldberg, um pianista americano de jazz, entre outros trabalhos.

Entre esses álbuns que Lee e Brown lançaram nos anos 1970, surgiu aquele que falarei, “Medusa”, de 1978. Esse trabalho foi introduzido ao mercado com a nítida tentativa de buscar um público mais diversificado, tendendo para o AOR. Neste álbum vislumbra-se uma pegada mais para o rock, diria o hard rock, soul music e até mesmo para o funk. Uma miscelânea sonora pouco improvável, mas que surtiu um efeito bem interessante e até mesmo arrojado. Eles se reuniram em Nova Iorque após assinar contrato com a Columbia Records (Zembu Records) e começaram a gravar.

Arrojado e talvez, para muitos conservadores, como algo delirante, pois nota-se que John Lee e Gerry Brown queria criar um nicho dentro de uma concepção, de um conceito comercial, de uma música diversificada, plural, que pudesse contemplar vários públicos. É notável a musicalidade em “Medusa” e o risco também. O álbum foi produzido por John e Gerry com a ajuda de Skip Drinkwater para a Zembu Records, subsidiária da Columbia.

A formação da banda, quando gravou e lançou “Medusa” trazia, além de Gerry Brown na bateria e percussão e John Lee no baixo, Eric Tagg nos vocais, Charyl Alexander também nos vocais, Jim Mahoney na guitarra, James Batton nos vocais e teclados, Darryl Thompson, na guitarra elétrica e acústica. Contou com algumas participações como David Sancious no órgão e sintetizador, Bobby Malach, no saxofone e Peter Robinson no ARP Odyssey on.

O álbum é inaugurado com a faixa “Soul Free” que proporciona logo ao ouvinte o peso da bateria, o hard rock mais refinado, mas com uma pegada AOR, soando radiofônico, pop. Traz o “classic rock”, o sinfônico personificado nos teclados tocados freneticamente, repleto de energia. Um misto de musicalidade fina, mas acessível. Solos de guitarra animados, solares corroboram a sua condição, dando-lhe o peso identificado. Já começa intenso e animado.

"Soul Free"

Segue com “Heartburn” que chuta a porta com um riff pegajoso, típico do hard rock dos anos 1970! A diversidade da faixa anterior não se encontra em “Heartburn”, que, de forma avassaladora, abre as cortinas do velho e bom hard rock. Os riffs são elegantes e atraentes e nos faz bater a cabeça, mas dançar também. Os vocais, para seguir a proposta, vem rasgado, quase gritado. Solos de guitarra são bem elaborados e põe a música em seu lugar: pesada!

"Heartburn"

"Second-Hand Brain" traz de volta o arrojo de seus músicos tentando diversificar e mesclar os sons. E consegue com êxito! Aqui se percebe, com nitidez, o heavy rock com uma dosagem bem temperada de R&B. Nota-se a produção excelente, a qualidade das melodias. É dançante, é pesado, os teclados são arrebatadores, enérgicos, os solos de guitarra, embora simples e diretos, são solares e conduz o formato animado e diversificado dessa faixa.

"Second-Hand Brain"

"Our Love Is Surely Gospel" começa com uma pegada mais voltada para o progressivo sinfônico, mesclado com um balanço, extremamente dançante e um vocal límpido e bem executado. Há um toque de exaltação nessa música que talvez se confirme o “Gospel” no nome da faixa. É cheia de luz e vida. Os instrumentos de sopro entram discretamente, como o saxofone, e deixa tudo mais rico e diversificado sonoramente falando.

"Our Love Is Surely Gospel"

A faixa título chega, “Medusa”, com riffs poderosos de guitarra, que a torna pesada e que me remete a um Southern Rock com uma pitada bem generosa de R&B e soul music. Se tornou inevitável lembrar de Trapeze no auge, com Glenn Hughes. Aqui não se enquadraria em uma faixa que tende para o AOR, uma música comercial. Ela é ousada e pouco compreendida para um público menos exigente.

"Medusa"

"Hit And Run Lover" começa animada e linda com doses cavalares de piano e riffs de guitarra. O hard rock, com uma pegada mais radiofônica, se mostra aqui novamente. O vocal, com um viés mais R&B se faz presente também. Esse é um risco adorável que a banda assumiu fazer. Um cantor de R&B cantando hard rock. E falando no hard rock, o solo de guitarra chega e vem poderoso, trazendo, ainda mais, textura de um hard rock mais comercial.

"You Leave Me Hangin'" tira um pouco o pé do freio e entrega um pouco de jazz rock calcado no piano e na “cozinha” rítmica simples, mas trazendo uma camada bem forrada de balanço no formato balada rock. O vocal retorna aqui com uma limpidez incrível, límpido, delicado, sem exageros, mas eloquente pela sua beleza, juntamente com um backing vocal que nos remete a música negra. Fecha lindamente com solos de guitarra e saxofones viajantes.

"You Leavin Me Hangin"

E termina o álbum com "Mr. C.T." que traz de volta o hard rock que logo se inicia com solos de guitarra e bateria marcada e pesada. Um hard rock instrumental com belíssimos solos de guitarra, com passagens sinfônicas do teclado que dá o tom de prog rock em discretos momentos.

"Mr. C.T."

Infelizmente a Columbia Records assinou com a banda com base no valoroso histórico de jazz fusion de Gerry Brown e John Lee, as mentes por detrás do Medusa. Mas, como podemos ouvir em “Medusa” o material é extremamente diversificado e arrojado em sua sonoridade, mais orientada para o rock clássico, para o hard rock e nuances de soul music, R&B e até mesmo para o funk com pegadas bem dançantes e pesadas. Essa era a atenção evidente de Brown e Lee, que decidiram sair um pouco de seus trabalhos voltados para o jazz fusion.

Só não se sabe exatamente se esse projeto foi delineado, de forma detalhada, com os executivos da Columbia. Se não o fez, certamente não agradou muito a gravadora que não fez um trabalho de difusão do projeto, muito ajudado também pela banda que não decidiu promovê-lo por intermédio de apresentações.

Então não era de se esperar de que o álbum tenha passado despercebido entre o mercado da música, entre os fãs, caindo na mais total obscuridade, ficando esquecido, nas poeiras do rock, até ser redescoberto, muito graças a reputação de Lee e Brown, na cena jazz fusion, e por conta das redes sociais, da internet.

A dupla Gerry Brown e John Lee retornaria, no ano seguinte, mais precisamente em 1979 para gravar o álbum “Chaser” que, de alguma forma continuou com a pegada jazz fusion, crossover, funk e soul e hard rock, tanto que contou, inclusive, com alguns músicos do Medusa.

"Chaser" (1979)

“Medusa” foi lançado inicialmente pela Columbia Records, no Canadá, onde se criou uma confusão da banda ser daquele país, sendo, claro, concebida nos Estados Unidos, onde o álbum foi lançado no mesmo ano de 1978. A CBS lançaria o álbum também pela Europa, por alguns países de lá, em 1979 e o relançando, também em 1979, pelos Estados Unidos, pela Columbia Records.

O único álbum do Medusa pode não ter tido o reconhecimento do público, pode ter sido considerado esquisito, estranho, com a sua diversidade sonora pouco ortodoxa, mas é exatamente por conta desse arrojo, trouxe um projeto audacioso e solar. Um clássico obscuro e improvável!




A banda:

Eric Tagg - vocal

Charyl Alexander - vocal

Jim Mahoney - guitarra

James Batton – teclados e vocal

Darryl Thompson – guitarra acústica e elétrica

John Lee – baixo

Gerry Brown – bateria

 

Com:

David Sancious - sintetizadores (1,3,4,5,7,8), órgão (1,6)

Bobby Malach – Tenor Saxofone (4)

Peter Robinson - ARP Odyssey on (8)

Eef Albers – Guitarra acústica e elétrica

 

Faixas:

1 - Soul Free

2 - Heartburn

3 - Second-Hand Brain

4 - Our Love Is Surely Gospel

5 - Medusa

6 - Hit And Run Lover

7 - You Leave Me Hangin'

8 - Mr. C.T.



"Medusa" (1978)

 


























sábado, 3 de maio de 2025

Stonewall - Stonewall (1972 - 1976)

 

As histórias no rock n’ roll são fascinantes! Principalmente aquelas tomadas por revezes e cheias de percalços. Evidente que a música é o cerne, mas temos de admitir que os conceitos sonoros partem das histórias que estão por detrás delas. E este blog, que muito preza pelas histórias, trazem aquelas que fogem do glamour do sucesso, dos cases de sucesso, de palcos faraônicos e gigantescos, aquelas cuja tônica é o fracasso, os finais precoces, entre outros obstáculos.

A essência deste blog é trazer o avesso dos holofotes, as obscuridades das bandas marginalizadas, vilipendiadas pela indústria fonográfica, pela cena conservadora e seletiva ou destruídas pelos infortúnios e pelas inexperiências de seus jovens músicos que, ávidos ou escravos pela sua criatividade personificam em suas músicas as suas verdades.

E a banda de hoje trará um pouco de tudo o que disse, que passou por vários obstáculos, mas ainda assim, conduziu com galhardia a beleza e arrojo de sua obra totalmente a frente de seu tempo. Falo da banda norte americana STONEWALL.

As raízes do Stonewall vieram da cidade de Flushing, em Nova Iorque. A cena, lá pelos anos 1960, naquela cidade era tímida, poucas bandas de rock n’ roll se exibiam, mas os jovens aspirantes à rockers sempre foram impactados pelas grandes bandas britânicas dos anos 1960, bem como as psicodélicas dos Estados Unidos. As igrejas locais realizavam bailes e os jovens protagonizavam timidamente uma cena que nascia, uma cena rock composta também por bandas que, embrionárias, tingiam uma nova história.

O guitarrista Bob Dimonte e o baterista Anthony Assalti moravam no mesmo bairro. Dimonte tocava em uma banda local chamada “VIP’s”. Eles se conheceram e se tornaram logo grandes amigos. À medida que a cena musical começou a mudar e o ácido se tornou mais popular, os jovens começaram a deixar o cabelo crescer e não foi diferente com Dimonte e Assalti.

Stonewall

Se tornaram diferentes da banda, até então mais conhecida da região, os Greasers, com seus cabelos penteados para trás. Então a separação se fez: Os Greasers contra os hippies. Bob e Anthony se juntaria a Ray Dieneman, que tocava baixo. Se tornaram um “power trio”! Mas precisavam de um vocalista, afinal os caras não eram bons no vocal. E foi diante dessa necessidade que Bruce Rapp apareceu e se tornou o vocalista da banda que nascia.

Começaram a tocar blues pesado e hard rock e a influência desses jovens músicos era o Led Zeppelin. E por intermédio dessa forma sólida e pesada que tocavam, queriam um nome para a banda que personificasse a sua sonoridade e veio “Stonewall”!

Os primeiros ensaios da banda foram insanos e até perigosos! Um gerente alugou para os garotos do Stonewall um porão, em Nova Iorque, chamado “Little Italy”. Bruce, o vocalista, estava usando downers na época e subiu à rua até o bar local para tomar uma bebida. Bob, Ray e Anthony ficaram no porão ensaiando. Depois de uma hora, houve uma batida forte na porta. Os jovens músicos abriram a porta e dois bandidos disseram que Bruce estava no beco ao lado do bar e pediram para que não saíssem do porão por uma hora. Claro que ficaram com medo!

Esperaram por uma hora e foram encontrar Bruce. Encontraram ele no fundo do beco ao lado do bar sob algumas latas de lixo. Estava em péssimo estado, espancado! Levaram o vocalista para o hospital e nunca mais voltaram a ensaiar por lá.

Depois dessa experiência difícil e perigosa a vida seguiu e eles precisavam gravar as músicas que tinham criado em seus ensaios. Já tinham músicas ou esboços suficientes para gravar o tão esperado primeiro álbum. Então surgiu a conexão com Jimmy Goldstein, dono de um estúdio de gravação em Manhattan. Ele gostou do material que o Stonewall mostrou e ofereceu a eles um tempo de gravação gratuitamente após o expediente do estúdio.

A banda ia de carro para a cidade onde estava localizado o estúdio todas as noites. Revezavam a direção do carro para ninguém ficar cansado. No caminho se drogavam, cortesia do haxixe que o vocalista Bruce levava. Chegavam no estúdio totalmente chapados e por lá ainda fumavam com o próprio Jimmy e depois disso tomavam seus instrumentos e começavam a tocar. Jimmy também participou da construção do álbum tocando todas as partes de teclado.

O álbum foi finalmente gravado no estúdio de Jimmy Goldstein, em Manhattan, Nova Iorque, em torno da 57th Street e 3rd Avenue. Essa conexão do Stonewall com Jimmy foi pelo gerente desonesto da banda. Os caras da banda ficaram por quase seis meses no estúdio experimentando diferentes riffs e sons. Isso foi em 1972, porém nunca fora lançado naquele ano.

Jimmy Goldstein falou com banda, logo após a gravação do álbum, que ninguém estava interessado na música da banda e nunca foi oferecida à banda qualquer tipo de contrato de gravação ou dinheiro. E o pior dos golpes não seria esse. O selo Tiger Lily lançaria o álbum em 1976 sem o consentimento e permissão da banda!

Capa alternativa

Quando o álbum foi gravado Jimmy e o gerente desonesto da banda prometeram ao Stonewall que pegariam as gravações e que dariam a eles um contrato. Isso não aconteceu e disseram aos músicos que ninguém estaria interessado em conceder um contrato. A banda tentou por conta própria por um tempo, mas sem sucesso.

E após o lançamento do álbum pelo selo Tiger Lily, o Stonewall acabaria, decepcionada, sem ganhar um centavo por este lançamento e sem ter nenhum contrato, se separando. Todas as seções de gravação, os seis longos meses, que começavam às nove horas da noite e invadia a madrugada, parece ter sido em vão. As longas das várias jams que fizeram foram a base para as músicas que foram gravadas.

“Stonewall”, o álbum, traz, na sua essência, o hard rock, com uma veia potente no blues eletrificado e psicodélico, com riffs de guitarra avassaladores e potentes, com vocais altos e gritados, com uma “cozinha” rítmica pesada e arrojada. Se pode ouvir neste único trabalho do Stonewall uma pegada de proto punk, proto metal, uma música de vanguarda. Um som cru, original, ardente e pouco convencional e que não apresentou nem um pouco a intenção de ser polido.

O álbum é inaugurado com a faixa “Right On” tipicamente apresentando, em sua introdução, uma pegada dos anos 1970, com aquele hard rock impecável, com bateria pesada, baixo pulsante, não podemos negligenciar a seção rítmica, riffs pegajosos e pesados de guitarra são ouvidos, que dão peso e a torna dançante. Os vocais são altos e rasgados, em alguns momentos, rasgados. Pesado, arrogante, sujo, intenso, dançante. Assim começa o álbum.

"Right On"

Segue com “Solitude” e aqui a banda traz algo mais soturno, uma sonoridade também pesada, mas arrastada, com uma dose cavalar de dramaticidade, que vai do peso a momentos mais intimistas e lentos, com dedilhados de guitarra que tornam a música até mais viajante. E nessa variância rítmica a música segue até o fim, tendo ainda uma gaita bem interessante.

"Solitude"

“Bloody Mary” começa diferente do que estava se ouvindo até então no álbum. A gaita introduz a faixa e me remete ao country music, mas logo irrompeu em um potente hard rock capitaneado pelos riffs poderosos de guitarra, uma guitarra mais psicodélica e lisérgica. Peso, gaitas e hammonds em uma harmonização improvável, porém perfeitas.

"Bloody Mary"

“Outer Spaced” começa meio glam rock, meio T-Rex, os riffs de guitarra continuam pegajosos e pesados. A bateria assume a direção e vem pesada e agressiva, depois solos de guitarra são ouvidos e os vocais de Bruce lembram Iggy Pop e a música nos traz nuances de punk e heavy metal. Sem dúvida é uma das melhores músicas do álbum!

"Outed Spaced"

“Try & See It Through” tem uma pegada mais psicodélica, os teclados e o piano, juntamente com a gaita, assumem a dianteira e traz uma faixa totalmente “descolada” da proposta do álbum. O vocal trafega entre gritos e algo mais límpido. Não há a mínima chance de ficar parado ouvindo essa faixa, é dançante e fica mais pesada, em alguns momentos, com solos e riffs de guitarra. São muitas mudanças rítmicas nessa faixa, onde ouso dizer que tem uma inspiração progressiva nela. Diria ser um heavy psych prog de muito respeito!

"Try & See It Through"

E a faixa que fecha o álbum traz algo mais voltado para o Led Zeppelin. “Suite” lembra Zeppelin, porém mais pesado e sujo. Os riffs sujos e pegajosos de guitarra torna a faixa muito pesada e o vocal é mais gritado e despretensioso. Até o momento mais calmo da música lembra a banda de Jimmy Page, mas com a assinatura do Stonewall: suja, pesada e de longe pouco polida como o Zeppelin.

"Suite"

Nunca se soube exatamente quem teria levado ao selo Tiger Lily as gravações das músicas do Stonewall. Talvez o famigerado gerente desonesto ou até mesmo Jimmy Goldstein. Reza a lenda que a Tiger Lily tinha conexões com a máfia e teria lançado o álbum também na Europa! O álbum foi lançado na Europa e usado como imposto para proteger uma gravadora maior com a qual a Tiger Lily estava conectada.

Muitos anos depois, quando Anthony Assalti se casou e se mudou para a Flórida, começou a receber telefonemas da Alemanha e da Suíça e um cara que ligou para ele se apresentou como um colecionador de álbuns raros e que tinha uma cópia do disco do Stonewall. Outro cara se apresentou como um dono de um estúdio de gravação e queria saber se Asslati teria mais gravações que não estavam no álbum e queria lançar “outro” álbum da banda.

Depois desse choque Assalti se fixou na Flórida, começou um próprio negócio naquela cidade e passou a viver por ele e sua família. Tocava bateria, por diversão, nos finais de semana, mas nunca mais voltou a trabalhar na música. Uma carreira musical estava longe dos seus planos. Ele não lembra se teria mais materiais inéditos, mas acabou comprando o álbum no E-Bay que não era original.

Vários foram os relançamentos não oficiais e sem o consentimento do Stonewall e esses telefonemas que Assalti recebeu de pessoas da Europa se confirmam nos lançamentos não oficiais registrados. Um lançamento não oficial, de um selo não identificado, aconteceu em 1992. Nos anos 2000 tiveram cerca de dois ou três lançamentos, claro, também não oficiais, por um selo de nome Kismet, entre 2010 e 2012, no Reino Unido, tudo no formato LP. O mais recente, de 2019, finalmente foi oficial, também no formato LP, pelo selo dos Estados Unidos, de nome Permanent Records, foi lançado.

A história, envolvente e de tirar o fôlego, teve um final triste para quatro jovens músicos que foram roubados e nunca receberam o reconhecimento que mereciam, pois o seu único álbum é arrojado, pouco ortodoxo, intenso, pesado e vanguardista. Esse talvez, diria certamente, é o alento que nós, amantes da boa música, tem, diante de uma indústria destrutiva.




A banda:

John T. Milani (Anthony Assalti) na bateria

Francis Crabb (Bruce Rapp) no vocal

Lewis Whittaker (Robert Dimonte) no baixo e back vocals

Robert Ronda (Ray Dieneman) na guitarra, harmônica e back vocals

 

Faixas:

1 - Right on

2 - Solitude

3 - Bloody Mary

4 - Outer Spaced

5 - Try & See It Through

6 - Atlantis

7 - Suite

a/ I'd Rather Be Blind

b/ Roll Over Rover



"Stonewall" (1972 - 1976)