sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Grave - Grave 1 (1975)

 

Como conceituar valor? É mensurável? Quais os critérios que podemos utilizar para definir valor a um item, a um objeto? Parece ser difícil mensurar isso sem incluir fatores sentimentais a esse processo. O que pode não ter nenhuma relevância para você sobre um objeto antigo e simples, ao primeiro olhar, pode ser muito importante, porque tem um aspecto sentimental que está envolvido.

Mas também há outros fatores envolvidos e, para dar um exemplo a você, bom amigo leitor, vamos falar de música. Um blog como este que você lê, um álbum gravado em porão, um álbum gravado de forma totalmente “artesanal” pode, para muitos que apreciam as bandas que trafegam no mainstream, ser algo descartável, mas para este que vos escreve, traz uma relevância inigualável.

Evidente que apenas o aspecto histórico, a forma como o álbum foi concebido não é preponderante para se avaliar esses trabalhos, mas também a qualidade do som que foi produzido nele. Mas pode parecer para você que a produção ruim e deficitária acaba influenciando negativamente na qualidade musical, mas, em muitos casos, parece se tornar o “charme” dessas bandas de garagem.

A guitarra distorcida, as vezes tocada de uma forma tão ingênua, incipiente aos ouvidos mais apurados e exigentes, o som abafado, ruídos na gravação, pode ser um fator de incômodo para aqueles que apreciam uma sonoridade calcada na sofisticação na produção elevada, de qualidade.

Porém amigos leitores esses anos de blog que vem aguçando o meu interesse pelas bandas obscuras, vilipendiadas, esquecidas e que tem motivado o meu desbravar, está despertando, dentro de mim, uma predileção que eu jamais esperaria desenvolver: pelas bandas de garagem, pelas bandas que gravaram seus álbuns de uma forma muito “artesanal”, quase que caseira. Ou teria eu iniciado o meu interesse no meu caminho pelo blog? Confesso que não sei dizer se desenvolvi o amor por essas bandas e foi nascendo junto com a minha caminhada com o blog.

O fato é que essas bandas e suas circunstâncias de gravação de seus trabalhos estão no meu radar mais do que nunca e a cada descoberta o meu interesse vem se aguçando de uma forma muito, muito avassaladora. As histórias também contam como um fator predominante para essa predileção, afinal essa é a razão, a essência deste famigerado blog.

Essa introdução toda é para anunciar mais uma banda nesses “moldes” e que surgiu na Alemanha nos prolíficos anos 1970, década que foi um verdadeiro celeiro de bandas obscuras e raras que, se não lançaram um álbum nessas condições adversas, outras sequer conseguiram lançar seus trabalhos oficialmente. Falo da banda GRAVE.

Grave

O Grave foi formado na cidade de Bremen em 1970 e, como tantas outras bandas, não dispõe de tantas referências para pesquisa, sua história foi esquecida como a sua música. O pouco que se pode apurar é que a banda lançou apenas um álbum, em 1975, intitulado “Grave 1”. Reza a lenda que o Grave foi formado por adolescentes em um porão de uma casa de jovens, talvez um reformatório ou algo do tipo, em uma região, perto de Bremen, chamada Brinkum.

Algo pode ser considerado universal: aquele sonho de adolescentes, de jovens que, com o rock n’ roll, quer ganhar o mundo, ser o dono do mundo, fazendo shows, se apresentando em vários e grandes palcos e fazendo sucesso com a sua arte. Sabe aquela coisa, aquela inquietude da juventude em quere fazer algo, então vamos fazer e que nada os fará parar. É mais ou menos isso, o prazer de fazer música sem se preocupar se irão tropeçar.

E os garotos? Vou apresentá-los! Aqueles que gravaram “Grave 1” foram: Lutz Wowerat na guitarra e vocais, Wolfgang Kiesler na guitarra, Günter Wendehake no baixo e Klaus Moritz na bateria. Devidamente escalados, agora vamos tentar falar um pouco de seu único trabalho, lançado em meados dos anos 1970, mais precisamente em 1975.

“Grave 1” foi lançado, no formato LP, pelo selo Sound Record com uma edição limitadíssima de 100 cópias, pasmem! Imaginem se uma dessas cópias estão disponíveis no mercado para venda. Quanto valeria uma pérola como essa atualmente? Não duvido que saia por centenas de euros!

Para você, bom amigo leitor, ter uma noção do quão difícil foi para esses jovens gravar esse álbum, sem nenhum apoio, “Grave 1” foi concebido com um gravador primitivo e usando apenas dois microfones para captar o som, captar e produzir as seis faixas que compõe esse trabalho do Grave. Une as condições adversas de produção e a baixíssima quantidade de cópias, não seria um exercício difícil entender o futuro da banda, mas disso falaremos depois, porque agora falemos de “Grave 1”.

“Grave 1” traz aquele “rock de garagem”, com simplicidade, com uma pegada calcada no hard rock com viés psicodélico, com guitarras lisérgicas e distorcidas, com uma pegada pesada na seção rítmica e alguns momentos de rock progressivo. Era o que se fazia em meados dos anos 1970 na Alemanha, música pesada, psych rock e rock progressivo.

O álbum é inaugurado com a faixa “Morning Sun” que, ao dedilhado da guitarra, em uma atmosfera sombria e soturna é encorpada por uma bateria suave em uma batida marcada e um baixo razoavelmente pulsante, seguindo basicamente o “humor” da música. Os vocais seguem na mesma linha: soturno e estranho. A faixa é psicodélica e determinados momentos te remete ao krautrock em seus primórdios. Quando se encaminha para o seu final ganha mais velocidade, um pouco mais de peso, com destaque para a “cozinha”, com a bateria mais pesada e o baixo marcante.

"Morning Sun"

“Imitations” começa como a faixa anterior: sombria, tocada em um tom abaixo, como se estivesse abafada, como se a música personificasse um estado de espírito de uma pessoa deprimida, envolta em sombras. Diria ser um exemplo fiel de uma faixa de occult rock em uma mescla de psych e um hard rock. Guitarras lisérgicas, vocais dramáticos.

"Imitations"

“The Hunter” se difere em sua introdução e começa mais pesada e direta. A bateria conduz a proposta da música e é tocada de forma pesada e logo entra os solos lisérgicos de guitarra e o baixo dando um “tempero” mais hard ainda à faixa e envolto a tudo isso tem um vocal mais rasgado, alto, regendo a essência da música e que, em alguns momentos, percebe-se gritos, algo mais teatral. Percebe-se na faixa algumas mudanças de ritmo, a veia mais progressiva se faz mais presente, com direito, entre uma e outra “camada” de som, um solo bem interessante de baixo.

"The Hunter"

Segue com “Ohrwum” que retoma aquele clima mais sombrio e o destaque fica para a guitarra que, além de dedilhados, traz também uma veia mais bluesy, solos mais ao estilo The Doors, límpido e bem executado. A bateria segue o mesmo compasso e entrega o lado mais encorpado da música.

"Ohrwum"

“Please Gunter Play The Bass” é viajante, inebriante, que remete ao krautrock, com uma pegada mais experimental tendo a guitarra como regente. Logo entra o baixo que, em um solo lindo, entrega a versão mais pesada da faixa, entrando a bateria pesada e marcada e um vocal mais alto cheio de groove. E assim surge a sequência mais pesada da música. O “aparato” instrumental é bélico, é pesado, é dançante, é solar.

"Please Gunter Play The Bass"

E fecha com a faixa “Little Giant” que começa ao estilo meio rockabilly, algo como um country music recheado de ácido, de lisergia, que vai ganhando em groove, o baixo é tocado com muita qualidade, é igualmente dançante. A psicodelia trafega por essa música e ganha intensidade com solos de bateria e guitarras ácidas, meio blueseiras.

"Little Giant"

Após o lançamento do álbum o Grave, mesmo com muitas dificuldades para a promoção de seu “Grave 1”, seguiu sua trajetória, com alguns shows esporádicos, até 1980 quando se dissolveu. O fim da banda era inevitável, não pela falta de sua qualidade sonora, mas pela falta de divulgação e até mesmo pela inexperiência de seus jovens músicos que não souberam gerir a banda e seus interesses.

Mas depois de um longo hiato de quase nove anos parado o Grave retorna em 1989 e é reformulado. Entraria na banda a vocalista Anke Meyer e o baixista Thomas Lamp, mas não vinga, não conseguiu dar sequência, mas deixaria apenas quatro músicas gravadas. São elas: “Father Dead”, “Get Out Of My Life (Imitations II)”, “Death Driver” e “Out of Sight”.

 Inclusive, para a nossa alegria, essas músicas, juntamente com as faixas de “Grave 1”, seriam relançados naquele mesmo ano, 1989, o que, de certa forma teria motivado o retorno da banda, porém sem êxito, por um selo alemão (“Not a Label”). Em 1994 novo relançamento, agora em CD, pelo selo Penner Records com sete faixas e outro relançamento, em 2003, também no formato CD, pelo icônico selo alemão Garden of Delights com as faixas gravadas e lançadas em 1975 e as faixas de 1989.

"Grave 1" com as quatro faixas gravadas em 1989

Apesar de todas as adversidades, de todas as condições difíceis de gravação e difusão do álbum o Grave deixou um trabalho interessante, calcado em hard psych com viés progressivo e experimental, mostrando que, mesmo diante das complicações, jovens músicos conseguiram imprimir um som arrojado e importante para o seu tempo. E com isso nos faz refletir que nem tudo que reluz é ouro e não se pode, em momento algum, julgar o livro pela capa. Pérola mais do que recomendada.




A banda:

Lutz Wowerat na guitarra e vocais

Wolfgang Kiesler na guitarra

Günter Wendehake no baixo

Klaus Moritz na bateria

 

Faixas:

1 - Morning Sun

2 - Imitations

3 - The Hunter

4 - Ohrwurm

5 - Please Günter Play The Bass

6 - Little Giant




"Grave 1" (1975)

 













 


 


 











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