Como conceituar valor? É
mensurável? Quais os critérios que podemos utilizar para definir valor a um
item, a um objeto? Parece ser difícil mensurar isso sem incluir fatores
sentimentais a esse processo. O que pode não ter nenhuma relevância para você sobre
um objeto antigo e simples, ao primeiro olhar, pode ser muito importante,
porque tem um aspecto sentimental que está envolvido.
Mas também há outros fatores
envolvidos e, para dar um exemplo a você, bom amigo leitor, vamos falar de
música. Um blog como este que você lê, um álbum gravado em porão, um álbum
gravado de forma totalmente “artesanal” pode, para muitos que apreciam as bandas
que trafegam no mainstream, ser algo descartável, mas para este que vos
escreve, traz uma relevância inigualável.
Evidente que apenas o aspecto
histórico, a forma como o álbum foi concebido não é preponderante para se
avaliar esses trabalhos, mas também a qualidade do som que foi produzido nele.
Mas pode parecer para você que a produção ruim e deficitária acaba influenciando
negativamente na qualidade musical, mas, em muitos casos, parece se tornar o
“charme” dessas bandas de garagem.
A guitarra distorcida, as
vezes tocada de uma forma tão ingênua, incipiente aos ouvidos mais apurados e
exigentes, o som abafado, ruídos na gravação, pode ser um fator de incômodo
para aqueles que apreciam uma sonoridade calcada na sofisticação na produção
elevada, de qualidade.
Porém amigos leitores esses
anos de blog que vem aguçando o meu interesse pelas bandas obscuras,
vilipendiadas, esquecidas e que tem motivado o meu desbravar, está despertando,
dentro de mim, uma predileção que eu jamais esperaria desenvolver: pelas bandas
de garagem, pelas bandas que gravaram seus álbuns de uma forma muito
“artesanal”, quase que caseira. Ou teria eu iniciado o meu interesse no meu
caminho pelo blog? Confesso que não sei dizer se desenvolvi o amor por essas
bandas e foi nascendo junto com a minha caminhada com o blog.
O fato é que essas bandas e
suas circunstâncias de gravação de seus trabalhos estão no meu radar mais do
que nunca e a cada descoberta o meu interesse vem se aguçando de uma forma
muito, muito avassaladora. As histórias também contam como um fator
predominante para essa predileção, afinal essa é a razão, a essência deste
famigerado blog.
Essa introdução toda é para
anunciar mais uma banda nesses “moldes” e que surgiu na Alemanha nos prolíficos
anos 1970, década que foi um verdadeiro celeiro de bandas obscuras e raras que,
se não lançaram um álbum nessas condições adversas, outras sequer conseguiram
lançar seus trabalhos oficialmente. Falo da banda GRAVE.
O Grave foi formado na cidade
de Bremen em 1970 e, como tantas outras bandas, não dispõe de tantas
referências para pesquisa, sua história foi esquecida como a sua música. O
pouco que se pode apurar é que a banda lançou apenas um álbum, em 1975, intitulado
“Grave 1”. Reza a lenda que o Grave foi formado por adolescentes em um porão de
uma casa de jovens, talvez um reformatório ou algo do tipo, em uma região,
perto de Bremen, chamada Brinkum.
Algo pode ser considerado
universal: aquele sonho de adolescentes, de jovens que, com o rock n’ roll,
quer ganhar o mundo, ser o dono do mundo, fazendo shows, se apresentando em
vários e grandes palcos e fazendo sucesso com a sua arte. Sabe aquela coisa,
aquela inquietude da juventude em quere fazer algo, então vamos fazer e que
nada os fará parar. É mais ou menos isso, o prazer de fazer música sem se
preocupar se irão tropeçar.
E os garotos? Vou
apresentá-los! Aqueles que gravaram “Grave 1” foram: Lutz Wowerat na guitarra e
vocais, Wolfgang Kiesler na guitarra, Günter Wendehake no baixo e Klaus Moritz na
bateria. Devidamente escalados, agora vamos tentar falar um pouco de seu único
trabalho, lançado em meados dos anos 1970, mais precisamente em 1975.
“Grave 1” foi lançado, no
formato LP, pelo selo Sound Record com uma edição limitadíssima de 100 cópias,
pasmem! Imaginem se uma dessas cópias estão disponíveis no mercado para venda.
Quanto valeria uma pérola como essa atualmente? Não duvido que saia por
centenas de euros!
Para você, bom amigo leitor,
ter uma noção do quão difícil foi para esses jovens gravar esse álbum, sem
nenhum apoio, “Grave 1” foi concebido com um gravador primitivo e usando apenas
dois microfones para captar o som, captar e produzir as seis faixas que compõe
esse trabalho do Grave. Une as condições adversas de produção e a baixíssima
quantidade de cópias, não seria um exercício difícil entender o futuro da
banda, mas disso falaremos depois, porque agora falemos de “Grave 1”.
“Grave 1” traz aquele “rock de garagem”, com simplicidade, com uma pegada calcada no hard rock com viés psicodélico, com guitarras lisérgicas e distorcidas, com uma pegada pesada na seção rítmica e alguns momentos de rock progressivo. Era o que se fazia em meados dos anos 1970 na Alemanha, música pesada, psych rock e rock progressivo.
O álbum é inaugurado com a faixa “Morning Sun” que, ao dedilhado da guitarra, em uma atmosfera sombria e soturna é encorpada por uma bateria suave em uma batida marcada e um baixo razoavelmente pulsante, seguindo basicamente o “humor” da música. Os vocais seguem na mesma linha: soturno e estranho. A faixa é psicodélica e determinados momentos te remete ao krautrock em seus primórdios. Quando se encaminha para o seu final ganha mais velocidade, um pouco mais de peso, com destaque para a “cozinha”, com a bateria mais pesada e o baixo marcante.
“Imitations” começa como a
faixa anterior: sombria, tocada em um tom abaixo, como se estivesse abafada, como
se a música personificasse um estado de espírito de uma pessoa deprimida,
envolta em sombras. Diria ser um exemplo fiel de uma faixa de occult rock em
uma mescla de psych e um hard rock. Guitarras lisérgicas, vocais dramáticos.
“The Hunter” se difere em sua introdução e começa mais pesada e direta. A bateria conduz a proposta da música e é tocada de forma pesada e logo entra os solos lisérgicos de guitarra e o baixo dando um “tempero” mais hard ainda à faixa e envolto a tudo isso tem um vocal mais rasgado, alto, regendo a essência da música e que, em alguns momentos, percebe-se gritos, algo mais teatral. Percebe-se na faixa algumas mudanças de ritmo, a veia mais progressiva se faz mais presente, com direito, entre uma e outra “camada” de som, um solo bem interessante de baixo.
Segue com “Ohrwum” que retoma aquele clima mais sombrio e o destaque fica para a guitarra que, além de dedilhados, traz também uma veia mais bluesy, solos mais ao estilo The Doors, límpido e bem executado. A bateria segue o mesmo compasso e entrega o lado mais encorpado da música.
“Please Gunter Play The Bass” é
viajante, inebriante, que remete ao krautrock, com uma pegada mais experimental
tendo a guitarra como regente. Logo entra o baixo que, em um solo lindo,
entrega a versão mais pesada da faixa, entrando a bateria pesada e marcada e um
vocal mais alto cheio de groove. E assim surge a sequência mais pesada da
música. O “aparato” instrumental é bélico, é pesado, é dançante, é solar.
E fecha com a faixa “Little
Giant” que começa ao estilo meio rockabilly, algo como um country music recheado
de ácido, de lisergia, que vai ganhando em groove, o baixo é tocado com muita
qualidade, é igualmente dançante. A psicodelia trafega por essa música e ganha
intensidade com solos de bateria e guitarras ácidas, meio blueseiras.
Após o lançamento do álbum o
Grave, mesmo com muitas dificuldades para a promoção de seu “Grave 1”, seguiu
sua trajetória, com alguns shows esporádicos, até 1980 quando se dissolveu. O
fim da banda era inevitável, não pela falta de sua qualidade sonora, mas pela
falta de divulgação e até mesmo pela inexperiência de seus jovens músicos que
não souberam gerir a banda e seus interesses.
Mas depois de um longo hiato de quase nove anos parado o Grave retorna em 1989 e é reformulado. Entraria na banda a vocalista Anke Meyer e o baixista Thomas Lamp, mas não vinga, não conseguiu dar sequência, mas deixaria apenas quatro músicas gravadas. São elas: “Father Dead”, “Get Out Of My Life (Imitations II)”, “Death Driver” e “Out of Sight”.
Apesar de todas as
adversidades, de todas as condições difíceis de gravação e difusão do álbum o
Grave deixou um trabalho interessante, calcado em hard psych com viés progressivo
e experimental, mostrando que, mesmo diante das complicações, jovens músicos
conseguiram imprimir um som arrojado e importante para o seu tempo. E com isso
nos faz refletir que nem tudo que reluz é ouro e não se pode, em momento algum,
julgar o livro pela capa. Pérola mais do que recomendada.
A banda:
Lutz Wowerat na guitarra e vocais
Wolfgang Kiesler na guitarra
Günter Wendehake no baixo
Klaus Moritz na bateria
Faixas:
1 - Morning Sun
2 - Imitations
3 - The Hunter
4 - Ohrwurm
5 - Please Günter Play The
Bass
6 - Little Giant
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