sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Gandalf - Gandalf (1977)

 

A cena progressiva da Suécia foi prolífica, foi grandiosa em qualidade e quantidade. Inúmeras bandas surgiram, algumas caíram na obscuridade e no ostracismo, outras gozaram de certa fama. As questões políticas limitavam um pouco, afinal grande parte dessa cena, predominantemente underground, se posicionavam, criticavam por intermédio de suas letras o status quo e os governos censuravam ou as gravadoras, por medo, não gravavam ou engavetavam certos projetos musicais com esse teor, digamos, revolucionário ou anárquico. E, muito em virtude desse cenário desolador, florescia a música sueca comercial “rivalizando” com o prog rock local.

Mas ainda assim o rock progressivo sueco teve um impacto significativo nas forças socioculturais e também, claro, nas políticas que se mostravam antagônicas a essa cena. O prog sueco versava sobre amor, paz e felicidade. As pessoas viviam em coletivos, mudavam-se para o interior e cultivavam suas próprias colheitas. E muitas bandas começaram nessas comunidades e as manifestações foram influenciadas pelo movimento de esquerda.

E, diante desse cenário, os primeiros passos da carreira desses músicos e bandas foram dados em um ambiente pela escassez financeira. Muitos eram jovens e surgiam, em alguns casos, de forma despretensiosa, apenas pelo amor à música, em espaços escolares. E assim foi com uma banda extremamente rara: GANDALF.

Gandalf

Meu bom e fiel amigo leitor, você deve estar a pensar: mais uma banda com o nome Gandalf? Sim, são algumas bandas com esse nome, mas o Gandalf sueco certamente é o menos conhecido. E não se engane, a origem do nome da banda se deu exatamente por conta do famoso e misterioso mago de “O Senhor dos Anéis”. Então a banda achou interessante ter tal nome, pois o personagem era envolto em mistério.

E por falar em banda, vamos aos jovens que formaram o Gandalf: Per-Åke Persson na bateria, Lars Linell no baixo, Mats Ågren no vocal, guitarra e piano, Michael Schlömer na flauta e Johan von Feilitzen no vocal, guitarra e piano.

E quando falamos em influência e movimento progressivo na Suécia, o Gandalf, claro, tiveram as suas referências sonoras e contava com as grandes bandas daquele país, cujos destaques são, entre outras:  Bandas suecas influentes incluíram Hoola Bandoola Band, Nynningen, Kebnekajse, Ola Magnell, Ensamma Hjärtan, Motvind, Coste Apetrea, Zamla Mammas Manna, Mobben, Kaipa, Nationalteatern e Norbottensjärn, Rekyl. E evidente que as bandas internacionais também foram determinantes para a sonoridade do Gandalf, como: Focus, Pink Floyd, Ekseption, Gentle Giant, Frank Zappa e Deep Purple.

O Gandalf, lá no final dos anos 1970, decidiu lançar seu primeiro álbum, de forma privada. Tentaram contatar algumas gravadoras, sendo, claro, em pleno final dos anos 1970, onde bandas pop e comerciais como ABBA eram a oportunidade de mercado das gravadoras, além do punk que florescia para este mesmo mercado, negado. Por isso a decisão dos jovens músicos do Gandalf lançar o álbum, homônimo, em 1977, de forma bem “artesanal” e privada (Gandalf Skivprod), em um total limitado de 378 cópias. Eles tiveram o apoio financeiro principalmente dos seus amigos da escola. Eles eram tão jovens!

Inclusive, convém trazer à tona uma parte desse momento da história do Gandalf. O primeiro e único álbum da banda estava planejado para ser lançado por um selo comunista de nome Oktober, mas quando ouviram a faixa inaugural “Plastisk Svensson”, os empresários do selo consideraram “anti-classe trabalhadora demais”. Ficaram com medo e decidiram cancelar o lançamento.

Já que estamos falando do único álbum do Gandalf, convém tecer alguns comentários acerca de sua sonoridade que flerta com várias vertentes do rock, não apenas o progressivo sueco, que tem, como base, o prog sinfônico, mas também de um boogie-rock, com alguns solos pesados de guitarra, que tendem para o hard rock, além de uma pegada bluesy, um blues rock. A banda não tinha rótulos e experimentava todos os sons que reinaram no rock nos anos 1970. E esse som pouco estereotipado e por vezes de garagem, fez com que, em 1977, mais precisamente, com o seu lançamento tímido e limitado em cópias, não ganhasse o interesse de selos conservadores.

Antes de falar de cada música deste álbum pouco usual para ouvidos mais ortodoxos, convém falar um pouco do retrato vivido pelo Gandalf da percepção do público pela mesma, bem como as suas primeiras apresentações ao vivo. A banda, oriunda de uma cidade chamada Uppsala, começaram a tocar, graças a sua boa relação com outras instituições de ensino, fizeram alguns shows em outras escolas. E conseguiram tocar para 25.000 pessoas nos arredores de Estocolmo em um salto mais ousado da banda, no “Hagafesten”. Um dia fantástico de verão com um uma grande plateia. E dividir o palco com tantas outras bandas, algumas já experientes e outras surgindo, foi, no mínimo, incrível para os jovens músicos do Gandalf.

O álbum é inaugurado com a faixa “Plastisk Svensson” que traz um hard rock com o destaque para riffs e solos de guitarra que a torna pesada e animada. E essa energia da música também se revela em uma pegada mais dançante lembrando um rockabilly. Também se percebe uma lisergia, um beat que se “entrelaça” com o rockabilly. Segue com “Morgon Dimman” que começa pastoral, viajante, com dedilhados lisérgicos de guitarra e uma flauta doce, delicada. E assim a música é conduzida, entre solos ácidos de guitarra e a flauta. E ainda assim, traz uma melodia com nuances, como um prog rock.

"Plastisk Svensson"

“Verklig Heten” explode em um hard rock volumoso, solos intensos de guitarra, bateria forte e com uma batida agressiva e marcada. O baixo é pulsante, a “cozinha” é extremamente competente. Mas ainda há mudanças de andamento, momentos de balada, conduzidas por um vocal cantado em sueco. O solo de guitarra no meio da faixa é espetacular: límpido e viajante. O lado progg é capitaneado pela flauta delicada. “Betygs Terror” começa com um piano e a flauta, novamente em destaque, construindo um prog rock com uma pegada meio jazzística. As mudanças de andamento são perceptíveis e a bateria conduz cada mudança com maestria.

"Verklig Heten"

“Den Vita Snov” começa com uma pegada psicodélica, com dedilhados de guitarra lisérgica e solos que me remetem ao The Doors e Iron Butterfly. Bateria lentamente executada, lembrando um blues rock, baixo no mesmo ritmo. Simples e agradável essa faixa! Viajante com solos de guitarra. “Miljo Forstoring” segue a mesma proposta da faixa anterior, um beat psicodélico bem dançante, mas com uma pitada comercial, algo mais palatável, com um boogie com muita animação entre tudo isso.

“Vanderingar Om Skolan” traz a versão blues rock do Gandalf. Sedutor, envolvente, assim se conduz a música, com o piano no destaque, mas alterna com uma pegada mais hard rock e assim se desenvolve, entre o peso do hard rock e a sedução do blues rock cantado, de uma forma inusitada, em sueco. “Balladen Om Fyristorg” continua com a pegada bluesy, mas agora inteiramente com o blues rock pesado, com riffs pegajosos de guitarra. E fecha com “The Spoon” começa com uma balada com o piano e vocal quase que à capela. Entra, em seguida, a bateria, marcada e um solo voltado para o blues que deixa a sonoridade dessa faixa versátil como todo o álbum.

"Balladen Om Fyristorg"

A dissolução do Gandalf ocorreu de forma muito precoce, afinal o cenário era desfavorável para esses jovens e audaciosos músicos que, em pleno final dos anos 1970, onde o punk estava no auge mercadológico, bem como a new wave e a disco music, tornaria difícil a “concorrência”. Era o início dos anos 1980 e o Gandalf, sem apoio e suporte financeiro adequado para difundir sua arte, pereceu, sumiu da cena prog que já não estava mais no auge comercial.

Mas nem tudo era ruim, a luz no fim do túnel escuro e negro se fez e o Gandalf teve o tão aguardado e esperado álbum homônimo relançado, com toda a pompa e circunstância pelo selo PQR-Disques Plusqueréel. No estilo da verdadeira ressureição, as vibrações carregadas de prog sinfônico, hard rock, blues e até mesmo um rock psych repleto de ácido desperta a alma de quem ouve esse belo e intrigante trabalho, os transportando para as florestas encantadoras onde os sonhos hippies se entrelaçam com as estrelas. Eram as origens dessa cena ganhando visibilidade novamente por intermédio do Gandalf.

O vinil, acompanhado por um livreto de 12 páginas, com letras originais e fotos da banda inéditas, destaca uma cena prolífica personificada pelo único trabalho do Gandalf, oferecendo a mistura pouco ortodoxa de psicodelia, progressivo, hard rock, com estilos emergentes e experimentais da sua época.

Os anos 1970 trouxeram sonoridades em caráter experimental e esses novos sons, de fato testaram a capacidade de ousar muitas gravadoras no que diz respeito ao apoio a essas bandas que são igualmente ousadas, em criar um som totalmente novo e arrojado, diante de músicas plastificadas e óbvias, clacadas em um pop digerível e de fácil assimilação.

Hoje as bandas gozam dessa caminhada tortuosa e difícil de seus predecessores, além de ter tantas formas de audição e de alcance a essas sonoridades, tantas formas digitais de escolher, as redes sociais que difundem as novas bandas e solidifica, mesmo que em um ambiente underground, mas forte, de sonoridades que se dão ao luxo de ainda ganhar novos “braços” sonoros, sempre se renovando.

Por mais que o Gandalf tenha perecido na obscuridade nos seus primórdios foi, como tantas outras bandas de sua época, importante para a pavimentação de uma música tão poderosa e original que, sem dúvida, faz do rock sueco ainda muito criativo e vivo, poderoso e cheio de vida, de uma vida longa e próspera. O cantor e guitarrista Johan von Feilitzen mais tarde fundou a banda comercial de pop rock Hansa Band, uma banda sem mérito e com ainda menos qualidades prog.





A banda:

Johan von Feilitzen no vocal, guitarra e piano

Per-Åke Persson na bateria

Lars Linell no baixo

Mats Ågren no vocal, guitarra e piano

E Michael Schlomer na flauta

 

Faixas:

1- Plastisk Svensson

2- Morgon Dimman

3- Verklig Heten

4- Betygs Terror

5- Den Vita Snov

6- Miljo Forstoring

7- Vanderingar Om Skolan

8- Balladen Om Fyristorg

9- The Spoon 




"Gandalf" (1977)



























sábado, 6 de dezembro de 2025

Apoteosi - Apoteosi (1975)

 

O rock progressivo em família! A família italiana em prol do rock progressivo dos anos 1970! A cultura do prog naquele país é tão grande que famílias se reúnem para tocá-lo. Músicos são talhados para tocar essa vertente do rock tão vivo e presente até os dias atuais. A história que vou apresentar hoje nesse texto inevitavelmente se depara com uma situação única e particular.

Particular e única por ser uma banda que trazia três irmãos e um pai como produtor, mas que não traz novidades em se tratando de sua precocidade. Mais uma daquelas “one-shot-bands” italianas negligenciadas, esquecidas e que, como um sonho, surgiu e passou rápido, tal como também um desses cometas. Falo da banda APOTEOSI.

Outro ponto particular e peculiar foi o local de surgimento do Apoteosi, na região de Palmi, na Calábria, tida como pouco conhecida no que se refere ao rock n’ roll, no rock progressivo. A cena era insipiente, poucas bandas surgiram nessa parte da Itália. Além de particular, o Apoteosi se tornou importante, praticamente se tornando a única ou uma das poucas a terem, mesmo que discretamente, um surgimento e carregando, consequentemente, o rock progressivo da Calábria.

E o Apoteosi, quando lançou seu álbum, em 1975, que, neste ano de 2025 completou cinquenta anos de lançamento, se tornou importante e um referencial não apenas pelo fato de ter sido uma das poucas bandas da Calábria, mas por ter construído um álbum conceitual, tendo a cidade natal desses músicos, como cerne, um verdadeiro hino à sua terra, uma espécie de hino de esperança para o despertar desse pequeno pedaço da Itália esquecido pelo rock progressivo.

Apoteosi

Bem já que falamos de família, vamos tecer detalhes da história do Apoteosi que, como disse, tem fundações enraizadas no conceito familiar, na família Idà. São eles: Silvana Idà nos vocais, Massimo Idà, na guitarra e vocal, Federico Idà, no baixoe flauta, juntamente com os “forasteiros” Franco Vinci, na guitarra e vocais e Marcello Surace na bateria.

E regendo tudo isso vinha o pai, o patriarca do prog na família Idà, o Salvatore Idà que, além de pai de Silvana, Federico e Massimo, desempenhou o papel de produtor e compondo uma das músicas do único álbum da banda. Pode parecer algo pouco usual um pai incutir na mente de seus filhos o conceito do rock progressivo e ajuda-los a montar uma banda e financiá-los, mas a cultura do prog rock na Itália, apesar de todos os problemas e turbulências políticas nos anos 1970, era forte e não podemos negligenciar a veia musical dos jovens músicos.

Os irmãos Idà

E quando falo jovens músicos é porque são efetivamente jovens mesmo, onde a maioria dos Idà sequer chegaram à adolescência quando formaram a banda e lançaram o seu autointitulado álbum, em 1975. Para se ter uma ideia o Massimo tinha apenas quatorze anos de idade quando gravou o álbum juntamente com seus irmãos e Franco Vinci tinha apenas dezessete anos quando tocou em sua primeira banda, “The Green Age”. Muito dessa referência dos irmãos se deu também pelo estúdio que o seu pai tinha e ter sido também o homem forte, o que comandava o selo Said Records. O álbum foi editado pelo próprio Massimo Idà, em um processo que não gerou nenhum cachê, afinal, tudo estava em família.

Sobre o álbum do Apoteosi, embora tenha sido concebido em família e em uma região italiana pouco visível para o rock progressivo na Itália, não teve a repercussão que se esperava a começar pela baixa distribuição e exposição desse álbum e muito se atribuiu também, à época, por conta das semelhanças com a já famosa banda Premiata Forneria Marconi, que tendia evidentemente para o progressivo sinfônico, primordialmente.

E falando em lançamento, a tiragem foi limitada e quase que caseira, diria “artesanal”, tendo ainda uma distribuição local, se tornando, claro, entre os aficionados pelo vinil, cópias muito raras. Mas se o Apoteosi tem certa visibilidade hoje, nem tanto, se deve aos relançamentos, às abnegadas gravadoras, mas também a “web”, as redes sociais e os produtores de conteúdo e que bom, caros leitores, que esse trabalho esteja figurando neste reles e humilde blog.

Mas por mais que não se vislumbre no único álbum do Apoteosi a tal da originalidade, não podemos deixar de comentar a incrível capacidade e habilidade de seus músicos, mesmo que na mais tenra idade. E o que dizer também de suas habilidades composicionais? Não podemos, de forma alguma, negligenciar isso desta banda da Calábria.

E as referências evidentes em PFM, Banco del Mutuo Soccorso talvez se evidencia pela pouca idade de seus músicos que, mesmo habilidosos com seus instrumentos, eram muito jovens e isso não se pode esquecer, eles, ainda assim, estavam em uma fase de construção de sua identidade musical.


Mas ver como Massimo, o tecladista, um menino no auge dos seus quatorze anos de idade, toca piano, Hammond e ainda editando o álbum é algo no mínimo assombroso de tão incrível. A sua irmã, a vocalista Silvana Idà, um pouco mais velha que ele, mas trazendo uma voz linda e extremamente versátil, que vai da psicodelia, progressivo ao folk rock, mesmo que ainda dependesse de um pouco mais de estrutura, altivez, mas penso que isso se deva a questão da maturidade, afinal, ela também era muito jovem e estava em fase de desenvolvimento musical, como todos os demais músicos.

Diante desse, digamos, problema vocal, a banda deitou-se em um terreno seguro para demonstrar toda a sua capacidade nos seus instrumentos. Além de Massimo Idà dando espetáculo com as suas teclas, tinha também a seção rítmica formada por Federico, no baixo e Marcello Surace na bateria, mostrando-se sólidos e harmoniosos. As guitarras são enérgicas e, além de trazer as indefectíveis nuances sinfônicas, nos remete também a algo mais pesado, um hard rock. É isso que faz desse único álbum do Apoteosi especial: versátil, inusitado, com pitadas folk, psicodélicas e mais pesadas destacadas pelos riffs de guitarra, além de um toque de inocência, pelo fato de termos jovens ainda descobrindo o seu DNA sonoro.

Eu diria, amigos e estimados leitores, que esse álbum tem muitos rostos, a cara de cada um é impressa de forma, embora ainda inocente pela inexperiência, muito viva e plena. São composições convincentes, brilhantes, orgânicas, com destaque, como disse, no seu instrumental, na guitarra vibrante, na seção rítmica empolgante e calcada no rock progressivo sinfônico que, embora revele referências de bandas já estabelecidas na cena italiana, mostra, com evidência, a característica do prog rock da Itália.

“Apoteosi” é franco, altivo, simples, orgânico, intenso e mostra as habilidades de jovens músicos que deixaram, definitivamente, a criatividade falar por si só, sem abrir mão de suas convicções sonoras, trazendo à tona também as suas mais fiéis inspirações e referências, personificando também o que se fazia na Itália progressiva nos anos 1970.

Então vamos às faixas! O álbum é inaugurado pela faixa “Embrion” que se trata, claramente, de uma introdução que, embora curta, se revela cintilante principalmente na execução do teclado na primeira metade da música, com a banda avançando com força total. É perceptível que a ideia composicional dessa faixa era de explorar as habilidades de todos os músicos e, diante desse caos, se faz a beleza sonora. Reza a lenda que a “confusão fragmentada” desta música veio da ideia de todos e que não havia tempo para realmente discutir a construção da mesma. Então o já falado caos se fez presente na faixa.

"Embrion"

Eis que surge então a próxima música, que é uma verdadeira epopeia sonora e certamente se revela a melhor do álbum: “Prima Realta / Frammentaria Rivolta”! No auge dos seus quatorze minutos o piano começa lentamente antes da bateria, lindamente, juntamente com a flauta assumirem o controle. O ritmo logo acelera, os vocais femininos de Silvana trazem a contradição, a leveza. Definitivamente a bateria e o piano ganham destaque, com a guitarra, com alguma energia, tenta, com algum sucesso, protagonismo, sendo esta a mola propulsora do peso na música.

"Prima Realta /Frammentaria Rivolta"

"Il Grande Desumana / Oratori (Coral) / Atteca" começa com um piano que entrega algo sombrio, uma atmosfera melancólica, mas logo acelera com a bateria, que vem forte e soberba. Surgem vocais masculinos sem muito destaque, com a guitarra em seguida, com dedilhados sutis. Os vocais de Silvana são contidos, discretos, diria pastorais e com uma pegada folk. Mas logo anima novamente com uma veia jazzística órgão espectral assombroso e sóbrio e interlúdio coral.

"Il Grande Disumano, Oratorio (Chorale), Attesa"

“Dimensione Da Sogno” se torna triunfante e esperançoso com Silvana cantando com dignidade e certo espírito. Percebe-se nitidamente uma faixa audaciosa e repleta de nuances sonoras distintas, sobretudo quando se sente o prog sinfônico em voga nas variações rítmicas.

"Dimensione Da Sogno"

E fecha com a faixa título, “Apoteosi” que, lentamente vai se desenrolando, com sintetizadores brilhantes, com pitadas interessantes e intrigantes de um space rock e solos de guitarra bem sutis e contemplativas. Talvez nessa música é o que chega mais próximo de um momento psicodélico que nos remete a fase inaugural de bandas como Pink Floyd e Nektar.

"Apoteosi"

A banda, reza a lenda, que nunca se apresentou ao vivo, após o lançamento do álbum e, devido a falta de apoio e de uma estrutura que permitisse a banda difundir a sua arte e manter o mínimo de estabilidade para seguir com a sua trajetória, o inevitável se deu: o Apoteosi se desfez para dar lugar às diferentes decisões de cada um dos irmãos, ou seja, cada um seguirem com as suas carreiras e convicções sonoras. Talvez, arrisco dizer, que o Apoteosi não passou de uma espécie de tudo de ensaio para os jovens músicos testarem as suas aptidões e, a partir daí, explorarem, individualmente, as suas habilidades musicais.

Mas antes disso decidiram juntos enveredar pela música comercial, mudaram o nome para “Stress Band” e gravaram um single, em 1979, com um cover de uma música de Gino Vannelli. Mas com a inevitável dissolução, cada irmão seguiu com carreiras diametralmente distintas uma das outras.

"Stress Band"

Massimo Idà mudou-se para Roma, trabalhando como músico de estúdio e produtor de música para televisão. Atualmente ele toca em uma banda de funky disco, chamada “Frankie & Canthina Band”. Ele também produziu e se apresentou no álbum “Dylaniato”, de Tito Schipa Jr., de 1982.

Silvana Idà deixou a indústria musical para formar a sua família e continua a morar em Palmi, na Calábria, sua cidade natal. Seu filho atualmente toca em uma banda de rock n’ roll. Federico Idá, juntamente com seu irmão Massimo, fez um single como “The Zombies”. Ele faleceu em 1992.

"The Zombies"

O guitarrista Franco Vinci continuou tocando e continua muito ativo no blues. Seu álbum, com a banda “Bootleg”, “Boot Trip”, foi lançado em 2003. Sua banda atuaç leva seu nome e se chama “Franco Vinci Blues Band”. O baterista Marcello Surace continua tocando como músico de estúdio na Itália e na França e também faz parte da “Frankie & Canthina Band”, juntamente com Massimo Idà.

O único álbum de Apoteosi oferece rock progressivo melódico surpreendentemente acessível ao rock progressivo italiano dos anos 1970. É sim um rock progressivo por excelência, afinal todos os elementos certos estão lá: interação musical complexa, seção rítmica sólida, mudanças de tempo e assim por diante. Embora os vocais de Silvana Idà não sejam tão competentes mostram certo prazer. As entradas sinfônicas de teclado são fantásticas e maduras, flautas competentes e guitarras que vão do peso a sutileza.

Um álbum mais do que recomendado que, infelizmente, à época não recebeu a atenção que merecia, afinal, sua edição foi muito limitada, sendo um dos vinis mais procurados e cobiçados entre colecionadores, chegando a valores, quando encontrados astronômicos. Felizmente em 1993 a abnegada Mellow Records relançou o álbum em CD e fez um grande favor aos apreciadores e fãs de rock progressivo. Tiveram outros relançamentos como no Japão, em 2012, pelo selo Belle Antique, em CD, em 2015, na Itália, pelo selo AMS Records e também pelo selo dos pais dos músicos, Salvatore Idà. Entre 2022 e 2024 a AMS Records e a Belle Antique relançaram o álbum no formato CD.





A banda:

Silvana Idà nos vocais

Franco Vinci nos vocais e guitarra elétrica e acústica

Massimo Idà no piano, Hammond B3, Eminent organ, ARP Pro Soloist synthesizer

Federico Idà no baixo e flauta

Marcello Surace na bateria

Com:

Coro Alessandroni / vocais do coro (Em “Oratorio”)

 

Faixas:

1 - Embrion

2 - Prima Realta / Frammentaria Rivolta

3 - Il Grande Disumano / Oratorio (Chorale) / Attesa

4 - Dimensione Da Sogno

5 - Apoteosi



"Apoteosi" (1975)




 











 










 






sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Electric Funeral - The Wild Performance (1970 - 1991/2019)

 

Uma pergunta parece ecoar na minha cabeça desde que esse reles, humilde e famigerado blog nasceu! E para variar, bons amigos leitores, a farei de novo, porque essa banda se adequa aos meus devaneios febris: Pode uma banda obscura, rara, que se não lançou álbum de forma oficial em sua época, ser considerada pioneira ou uma das precursoras da música pesada?

Será que esse tipo de pergunta, que parece atormentar a minha vida, me acompanhar como a minha sombra, pode ser tida como importante para mudar a história do rock pesado, para a construção de um movimento, de uma cena?

A história! Essa palavra mágica que permeia a essência desse esquecido blog que faz questão de dissecar, com requintes de detalhes, as histórias esquecidas do rock n’ roll, das bandas marginais, marginalizadas, que caíram no mais profundo ostracismo por uma série de situações que levaríamos uma vida e centenas de páginas para contar.

Mas comecemos por essa banda que descobri recentemente e que me cativou, confesso, pelo nome que, quando revelar, vocês entenderão! Uma banda da Suíça que não conseguiu, lá pelos anos 1970, não conseguiu lançar nenhum trabalho oficialmente e que pereceu de forma precoce. Falo da ELECTRIC FUNERAL.

Conseguiu associar a clássica música do gigante inglês do heavy rock, o Black Sabbath, saída de seu segundo e icônico álbum, “Paranoid”, de 1970? Pois é, essa banda suíça traz em seu nome, a música do Sabbath e torna-se inevitável a pergunta, aquelas que ecoam nos confins da nossa cabeça e mente: Qual “Electric Funeral” veio primeiro: o da banda rara e obscura da Suíça ou a do Sabbath?

Bem eu não consigo cruzar as datas, mas o fato é que o álbum, embora não tenha sido lançado no período em que as suas músicas foram concebidas, foram gravadas no mesmo ano em que o Black Sabbath lançou seu debut e “Paranoid”, ou seja, em 1970.

Diante desse cenário podemos dizer que Electric Funeral e Black Sabbath que são bandas contemporâneas e que, de certa forma, são as pedras fundamentais do estilo! Será? Não quero cair nessa discussão difícil de pioneirismo, mas o fato é que não podemos negligenciar a importância do Electric Funeral para a música pesada, pelo menos na Suíça. Mas aqui, com o devido respeito, não há espaço para o gigante Sabbath, mas para as “fracassadas” bandas obscuras. Então vamos de Electric Funeral!

“The Wild Performance”, nome dado a essas músicas oriundas de fitas privadas de apresentações ao vivo e ensaios, como disse, gravadas em 1970, com exceção de uma música, chamada “My Destiny”, gravada em 1973, foram lançadas, pela primeira vez, em 1991, pelo selo Vandisk, como um LP muito limitado, com tiragem, pasmem, de 200 cópias numeradas, porém hoje muito procurado e, sem dúvida, se estiver sendo vendido, deve estar a preços astronômicos, teve uma reedição expandida e caprichada com som remasterizado e quatro faixas bônus, retiradas de rolos e fitas encontrados nos arquivos do Electric Funeral.

A sonoridade de “The Wild Performance” é crua, sujo e pesado e o nome faz jus às músicas lançadas finalmente de forma oficial. O lançamento de 1991, como disse, não foi tão caprichado, mas também existe a precariedade pela qual tais faixas foram concebidas originalmente. Porém o relançamento de 2019, no formato CD e também LP, pelo selo Sommor (Guerssen), está um pouco melhor, porém, o “charme” da sujeira e da selvageria dessas músicas, ainda estão lá, intactas.

O Electric Funeral foi formado no final dos anos 1960, para algumas poucas fontes, a banda teria existido entre os anos de 1970 e 1973 e foi formado por Edi Hirt, na bateria, Pierrot Wermeille, no baixo, Alain Christinaz, na guitarra e Dominique Bourquin nos vocais. Poucas, como disse, são as informações da banda, mas reza a lenda de que o Electric Funeral era avassalador nos palcos, com apresentações poderosas e tocando alto, muito alto e que ainda tocavam atrás de pilhas gigantes de amplificadores Marshall. O som era tão pesado que nenhuma gravadora tradicional ofereceu um contrato a banda.

Electric Funeral

“The Wild Performance” é pesado demais para a sua época e não posso negligenciar a informação de que se não fosse pela falta de qualidade do som, da produção do som, poderia se extrair muito mais desse material, mas, por outro lado, é inegável, principalmente para este que vos escreve, que é um charme ouvir esse som cru, sujo e até mesmo brutal, esse hard rock áspero, com pitadas de psych e proto metal que lembra o belo Edgar Broughton Band em algumas partes. Definitivamente é para se ouvir esse som no ápice do volume! Então vamos falar de cada faixa!

O álbum começa com “People” com uma introdução de bateria pesada e riffs e solos de guitarra sujas, que te remete a um psych rock, com uma pegada hard rock aliado a uma lisergia. A faixa vai ganhando em velocidade e assume uma carcaça proto metal muito bem definida trazendo um vocal gritado. “War Funeral Song” me remete ao som sujo e arrastado do doom e que vai mudando o andamento, com dedilhados de guitarra ácida, mas logo vai ficando mais alto, agressivo, personificado por uma guitarra pesada, com bateria espancada e baixo frenético e pulsante. Mas depois volta a ficar arrastado! Diria ser um protótipo de metal progressivo!

"War Funeral Song"

“Black Pages” me traz a lembrança de um hard rock com pitadas de occult rock. Uma sonoridade sombria e aterrorizadora que descortina um Deep Purple em “In Rock” (Odeio comparações!), com baixo pesado e desafiador, bateria marcada e agressiva e riffs de guitarra abafados e de textura ácida! “Rock Ba Rock” também segue uma proposta mais arrastada, uma balada rock com solos de guitarra mais longos e até mesmo mais trabalhados, soando, em alguns momentos, mais sujo e cru, até mesmo selvagem.

"Black Pages"

“To Be One” tem grunhidos, tem gritos altos e um groove ótimo, riff de guitarra grudento e pesado e um baixo pulsante e arrastado. Lá pela metade da faixa ganha em velocidade, mais peso, o baixo é esmurrado, os riffs de guitarra ficam mais pesados e velozes. Espetacular! “We're Gonna Change The World” é o típico hard rock dos anos 1970, com uma pegada cadenciada que entrega riffs grudentos de guitarra, baixo potente e pulsante com solos de tirar o fôlego! Verdadeiramente traz uma energia contagiante.

"To be One"

“Fly Away” é o puro e genuíno heavy metal! Vocais gritados, aos berros, guitarras com riffs pesados e altos, bateria pesada ao extremo. A faixa, certamente uma das melhores, é veloz e agressiva e festiva! “My Destiny” segue a mesma pegada, com uma veia pesada e agressiva, solos e riffs de guitarra pesados e animados, pura energia, com um baixo cavalar lembrando uma banda famosa por aí...

"My Destiny"

“I Don't Know” começa com um riff de guitarra poderoso e vocal, mais uma vez, gritado, bateria com uma batida intensa e agressiva. Após os estridentes gritos do vocalista, o tom fica engraçado, algo pastelão, mas que mostra o tamanho do rock de garagem dessa e todas, na realidade, faixas desse álbum. “You Can Help” já traz algo um tanto quanto atípico para um álbum que, até então, trazia hard rock. Essa faixa tem traços visíveis de proto punk que lembra MC 5 e Stooges, certamente. E fecha com outra versão para “To Be One”, que se revela mais veloz e frenética.

"To be One (Alternative Version)"

Pega-se os amplificadores Marshall, aumenta o volume no máximo, no máximo que puder e aí está o Electric Funeral: sujo, potente, despretensioso! Um hard rock dos anos 1970 como deve ser! Essas músicas foram gravadas em um ou em uns shows ao vivo da banda. Não se tem informações do local ou dos locais, mas provavelmente na parte francófona da Suíça (Romandia). O Electric Funeral deve ser mencionado ao lado de seus contemporâneos de bandas pesadas da Suíça como Toad, Haze, After Shave e Pacific Sound. A versão remasterizada de “The Wild Performance”, lançada pelo selo Sommor Records, teve uma tiragem de 500 cópias.




A banda:

Edi Hirt, na bateria

Pierrot Wermeille, no baixo

Alain Christinaz, na guitarra

Dominique Bourquin nos vocais

 

Faixas:

1- People

2- War Funeral Song

3- Black Pages

4- Rock Ba Rock

5- To Be One

6- We're Gonna Change The World

7- Fly Away

8- My Destiny

9- I Don't Know

10- You Can Help

11- To Be One (Alternate Version)




"The Wild Performance (1970 - 1991/2019)












 


terça-feira, 18 de novembro de 2025

Warpig - Warpig (1972)

 

Muitas histórias desfilaram e certamente desfilarão neste reles e humilde blog. Eu confesso em dizer que aprecio as histórias que permeiam no rock n’ roll, pois penso que estas personificam, desenham as linhas sonoras dos álbuns aqui dissecados. São exemplos de luta, de persistência e principalmente de músicos promissores que, por diversos motivos, fracassam sob o aspecto comercial, perecendo, caindo no mais profundo ostracismo.

Mas o fracasso não obscurece o talento e o talento, ainda que com muita dificuldade, em algum momento, vem à luz por intermédio de abnegados fãs de rock obscuro, de selos alternativos que, graças às redes sociais e outras ferramentas de comunicação, fazem que essas bandas ganhem vida de novo por conta de seus álbuns.

E eu, em minhas incursões e garimpos pela grande rede, descobri uma banda canadense, da região de Ontário, que trazia um nome que muitos conhecem pela música, clássica, do Black Sabbath: WARPIG. Pois é, caros leitores, o Canadá não vive apenas do grande Rush. Há uma infinidade de bandas que compõe o lado esquecido de uma cena rock aquecida e forte.

E o Warpig é uma daquelas inúmeras bandas promissoras que trafegaram, silenciosamente, pelos anos 1960 e que, apesar de produzirem pouco, deixou um trabalho de muito talento e que, de alguma forma, inaugurou, mesmo que na mais profunda obscuridade, um estilo, uma sonoridade que viria a florescer nos anos 1970: o hard rock.

Mas apesar das dificuldades na sua gênese o Warpig ganhou certa repercussão graças as suas inúmeras apresentações ao vivo, como muitas bandas que não tiveram apoio da mídia, das rádios, das gravadoras. Muitos shows, o tempo inteiro na estrada.

Trazendo à tona a história do Warpig, teve a sua formação construída da mesma forma que tantas outras bandas de Ontário, mais precisamente da região de Woodstock, em meados dos anos 1960. O Warpig evoluiu do “Mass Destruction”, uma banda de garagem, também de Woodstock, com o vocalista e guitarrista Rick Donmoyer e o baixista Terry Brett.

Donmoyer tocou antes em várias bandas, como “The Turbines” e “The Kingbees”, também conhecido como “The Wot”. No final de 1966 Donmoyer se viu procurando um novo projeto e se juntou ao “Mass Destruction” que trazia o já mencionado baixista Terry Brett, Dana Snitch, tecladista e guitarrista e o baterista Terry Hook, todos, como disse também, nativos de Woodstock. Isso foi em 1968.

O Mass Destruction começou a ensaiar no porão da casa de Hook, como o início de tantas outras jovens bandas de outros tantos jovens músicos, e logo a banda mudaria o nome para “Warpig”. E do ensaio a nova banda começou a se apresentar ao vivo e conseguiu construir alguma reputação por suas avassaladoras performances e carismáticas, trazendo consigo um número considerável de seguidores, conseguindo chamar a atenção também de alguns executivos de gravadoras e críticos de rock n’ roll.

Enquanto o Warpig se apresentava ao vivo, gravava seu material autoral, fugindo um pouco dos covers de bandas que a inspiraram a construir a sua sonoridade e, graças a essa virada em sua história e também graças às suas apresentações, acabou por chamar a atenção do dono da gravadora Fonthill Records que assistia ao show e imediatamente assinou com o Warpig no final de 1968.

Isso estimulou, ainda mais, os jovens músicos a continuar compor músicas autorais e, enquanto escreviam seu próprio material, deixando de lado sua dependência dos covers, a trajetória do Warpig mudaria completamente em 1969, quando o Led Zeppelin se envolveu em sua turnê massiva que conquistaria o Canadá. Esse frenesi do Zeppelin em terras canadenses infundiria bandas emergente, como o próprio Warpig, com uma sensação de novo impulso energético e vitalidade.

O hard rock estaria na moda e isso traria a audiência de fãs jovens ávidos por novidades, mas infelizmente, não deixaria de trazer à tona as dificuldades dessas bandas, incluindo o próprio Warpig, a financiar suas próprias despesas de gravação. E continuou a revezar o seu trabalho de estúdio com as suas apresentações ao vivo, ganhando espaço também na cena independente de Toronto.

A banda, já que falei de processo de gravação, entrou em estúdio em 1970, juntamente com os produtores Robbie Irving e Jim Croteau, e entregou uma mistura única de sons que levou em consideração todos os sons contemporâneos da época, em uma sopa sonora inacreditavelmente inusitada. Com uma variedade de sons que misturavam tudo, do proto metal ao blues rock, juntamente com o surf rock, sons psicodélicos, prog rock. O Warpig, com seu álbum, provou criar uma diversidade de sons que fizeram outras bandas locais empalidecer em comparação.

O álbum da banda, simplesmente chamado de “Warpig”, teve o término da gravação na primavera de 1970, mas teria que esperar alguns anos para ser lançado devido ao fato de que a gravadora Fonthill havia sido adquirida pela London Records, em 1971, que acabou por renegociar o contrato e, para variar, atrasou o lançamento real do álbum até 1972!

Isso foi realmente ruim para a banda, porque o Warpig entregou um álbum de hard rock por excelência em 1970, na época em que o rock psicodélico dos anos 1960 estava se metamorfoseando no hard dos anos 1970 e no prog rock também dos anos 1970. O Warpig ainda tinha a capacidade de criar composições progressivas mais complexas, capturando, como disse, várias sonoridades que estavam embrionárias nos anos 1970. Então, por conta de questões contratuais, o Warpig poderia assumir um protagonismo histórico e rivalizar com a tríade fantástica da música pesada da Inglaterra: Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, pois, digo, sem medo de errar, que o Warpig trafegou nos estilos sonoros praticados por essas famosas bandas.

Adicione isso a acidez lisérgica de influências do Cream e Jimi Hendrix, a uma fúria juvenil marcada por experimentalismos, com uma eficácia habilidosa e comovente, sendo estes os ingredientes certos para uma banda de rock atingir o ápice do sucesso comercial e mundial, mas o desfecho provaria o contrário. Alia-se a isso negligência de divulgação da gravadora, músicas não tocadas nas rádios, falta de gerenciamento adequado, negligência total, que é capaz de causar uma perda de todo o ímpeto de jovens músicos ávidos por ganhar o mundo. Mas antes de trazer o fim, falemos de suas músicas.

O álbum é inaugurado com a faixa “Flaggit” que já entrega, de imediato, o lado blues rock e hard rock do álbum. É pesada e direta, rápida, que nos remete, juntamente com riffs grudentos de guitarra, uma porção proto metal. Solos mais diretos de guitarra corroboram a sua condição de um hard rock com pitadas blueseiras de excelente qualidade. Não podemos negligenciar também a bateria pesada, marcada, com um baixo pulsante e vivo.

"Warpig"

“Tough Nuts” começa com aquele teclado psicodélico, que remete ao The Doors, repleto de lisergia, mas depois irrompe em uma explosão hard, cheia de peso, que lembra um doom metal sujo e arrastado e nisso fica uma inusitada “rivalidade” entre a pegada pesada e lisérgica. O destaque também fica para a bateria pesada, destruindo tudo, arrasando com tímpanos suaves e delicados. É pesada, é psicodélica, é intensa!

"Tough Nuts"

Segue com “Melody with Balls” que traz uma introdução arrasadora de um riff pesado e sujo que remete ao Sabbath e a fase mais dura do Zeppelin e que logo fica meio cadenciada, dançante, mas não menos pesada, porque a bateria, com uma batida pesada, e os solos de guitarra, faziam questão de deixá-la mais voltada para o hard rock. Mas não fica apenas no peso, mas depois assume um lado mais experimental, viajante, remetendo ao psicodelismo, porém por pouco tempo, porque os riffs de guitarra voltariam para mantê-la pesada.

"Melody with Balls"

“Advance Am” (Advance in A Minor) inaugura o lado progressivo do álbum. A sua introdução tem nos teclados o destaque, trazendo uma sonoridade calcada no beat, no psicodélico também, me remetendo às bandas como Iron Butterfly, por exemplo. Uma sonoridade viajante, contemplativa, sombria, estranha, em alguns momentos. Mas o peso vai ganhando corpo, graças a bateria que bate forte, uma batida seca, porém intensa, um baixo forte e pulsante, a seção rítmica ganha destaque nesse momento da faixa de sete minutos e meio de duração. E assim ela vai tendo mudanças de andamento bem interessante, mostrando um Warpig bem complexo e até mesmo sofisticado.

"Advance Am (Advance in a Minor)"

“Rock Star” traz de volta o hard rock veloz e pesado, mas um pouco mais dançante e com uma pegada inicial meio jazzístico, a bateria ajuda muito para essa percepção. Um “fusion hard” cheio de energia e peso e muito solar. É animada e corrobora com solos bem dedilhados de guitarra. O vocal ganha destaque nessa faixa também, variando da limpidez a momentos mais gritados e potentes.

"Rock Star"

“Sunflight” começa meio familiar, com uma guitarra ao estilo Yes, mas só por alguns instantes em sua fase inaugural, porque logo irrompe para uma explosão de peso sonoro, capitaneados por riffs e solos de guitarra pesados e bateria marcada. Mas esse peso e contrabalanceado por um vocal límpido, transparente, quase cristalino que traz leveza à música. Os solos vão se intensificando, cada vez mais altos, mesclados aos riffs grudentos e pesados. 

"Sunflight"

“U.X.I.B.” começa pagã, sonoridades folk, lisérgicas, psicodélica, torna a faixa introspectiva, sombria, estranha. Mas esse momento mais introspectivo dá lugar a solos lindos de guitarra, de tirar o fôlego, com a bateria arrogantemente pesada, baixo galopante e cheio de groove, isso tudo com um tecido de guitarra que cobria todo esse aparato instrumental. Sem dúvida mais uma faixa hard progressiva, repleta de mudanças rítmicas de tirar o fôlego.

"U.X.I.B"

E finalmente fecha com “The Moth” que lembra, mais uma vez, The Doors, com um duplo destaque, com bateria cheia de groove e teclados dançantes e animados. Depois ganha uma camada meio jazzística em um fusion nervoso e envenenado, com solos de bateria, de teclados. Aqui a banda foge um pouco do hard rock que se mostrou predominante em todo o álbum e constrói uma música com uma pegada mais comercial, mas sem soar ruim ou vazia.

"The Moth"

A compra da Fonthill Records pela London Records, em 1971, além de ter adiado o lançamento oficial do álbum homônimo do Warpig e complicado um pouco a vida dos seus músicos, que fez com que revissem o contrato, lançando o trabalho em 1972, veio junto com um abandono de divulgação da banda pela London Records.

Faltou apoio e difusão do trabalho da banda, porém, ainda assim, em 1973, o álbum foi relançado e reeditado pela London, com uma nova capa e duas faixas regravadas no Toronto Sound com Terry Brown, produtor icônico das grandes bandas do rock canadense, são elas: "Flaggit" e " Rock Star". Inclusive a versão regravada do single “Rock Star” chegaria às paradas, finalmente, e ficou por sete semanas.

Essa nova capa, relançada pelo selo London Records, traz uma foto de uma vela acesa ao lado de um ankh, o símbolo egípcio da chave da vida em jogo americano carmesim. A contracapa mostra uma imagem com a vela apagada. A capa interna tem uma foto vermelha da banda em um bosque profunda e há uma nota final nos créditos do álbum que diz: “Para melhor resposta, este disco deve ser tocado alto!”

O Warpig continuou se apresentando ao vivo, fazendo shows e revezando, gravando material novo no estúdio quando tinha um tempo vago. Mas o que deveria ser o segundo álbum da banda foi arquivado quando eles não conseguiram encontrar um distribuidor. Se viram obrigados a interromper o projeto praticamente pela metade.

Snitch deixou a banda por diferenças musicais e um tanto quanto irritado com a gestão da banda, bem como o caminho sem luz no fim do túnel que o Warpig estava seguindo. Não demorou muito que os demais integrantes da banda também debandarem. A separação completa da banda ocorreu pouco tempo depois, no final de 1973. Todos passaram a fazer projetos externos e suas próprias coisas, Donmoyer continuou na música por mais alguns anos, principalmente fazendo turnê com a banda Ash Mountain, sediada em Toronto.

Em 2003 o Warpig reaparece quando algumas cópias de seu álbum de estreia, piratas, começaram a atrair preços altos no Ebay, no mercado negro. A banda, aproveitando esse momento, foi reformulada, trazendo a sua formação original. Eles se reuniram para ver o que aconteceria e, desde então, concentraram suas energias nos ensaios em tempo praticamente integral.

"Warpig atualmente"

Finalmente seu álbum autointitulado foi oficialmente relançado em 2006, agora pela Relapse Records, embora muitas versões piratas em CD e vinil continuassem a aparecer e serem comercializadas.

O álbum foi remasterizado digitalmente por Peter Moore (Cowboy Junkies) e contou com um novo layout de arte criado pelo artista Orion Landau. A versão em CD de “Warpig” foi lançada pela Relapse em outubro de 2006.


A banda:

Rick Donmoyer nos vocais e guitarra

Terry Hook na bateria

Dana Snith nos teclados e vocais

Terry Brett no baixo

 

Faixas:

1 - Flaggit

2 - Tough Nuts

3 - Melody with Balls

4 - Advance Am

5 - Rock Star

6 - Sunflight

7 - U.X.I.B.

8 - The Moth




"Warpig" (1970)