sábado, 9 de agosto de 2025

Odissea - Odissea (1973)

 

O início dos anos 1970 na Itália o rock progressivo reinava absoluto. Era o auge! Uma profusão criativa musical, tantas bandas, tantas vertentes sonoras que fazia do prog italiano tão vivo, latente e diversificado. Mas o auge criativo e um número vertiginoso de bandas que surgiam não garantiam sucesso e glamour, caindo no ostracismo.

Várias bandas singulares com elementos de peculiaridade que deveriam ter reconhecimento mais amplo, caíram no esquecimento, sendo vilipendiadas e vou trazer à luz, por intermédio desse texto, uma banda que caiu nas sombras da cena progressiva italiana e, como tantas outras, teve uma efêmera trajetória. Falo do ODISSEA.

Eu sempre me pergunto o motivo pelo qual bandas do naipe do Odissea e tantas outras que trouxeram ao mundo músicas tão arrojadas e novas para a sua época, não conseguiram o espaço merecido no pedestal do poderoso rock progressivo italiano. São muitos os fatores que talvez não seja muito relevante, neste momento, levantar as hipóteses e sim falar dos primórdios da banda, já que esta é tão pouco comentada por aí.

Odissea

Nascido com o nome engraçado de “Pow-Pow”, na região de Biella, no início dos anos 1970 e por muito tempo como banda de apoio do popular cantor Michele, viria a se estabilizar definitivamente em 1972 com a chegada do guitarrista Jimmy Ferrari e mudando o nome para “Odissea”.

Além de Ferrari, na guitarra, trazia Roberto Zola, na guitarra e vocal, Ennio Cinguino, nos teclados, Alfredo Garone, no baixo e Paolo Cerlati na bateria. A partir desse momento, o recém-formado quinteto teve imediatamente a oportunidade de brilhar em ocasiões realmente importantes: em abril de 1972 abriria as datas italianas do Genesis e logo depois seguiu o Banco del Mutuo Soccorso em sua turnê.

Ainda teve, como reforço às suas apresentações ao vivo, participações em importantes festivais, tais como o “Festival d'Avanguardia di Mestre” e da nona “Mostra di Musica Leggera”, em Veneza. Com isso o Odissea foi conquistando seu espaço com as suas boas apresentações ao vivo. E graças também a esse sucesso obteve rapidamente um contrato com o selo “Ri-Fi” (gravadora de bandas como Circus 2000 e Giganti), gravando o seu único álbum, em 1973, homônimo.

O álbum, produzido por Sandro Colombini, futuro colaborador de Antonello Venditti, além de ter sido equipado com um atraente design gráfico de Mario Convertino traz a melodia como ponto central, apresentado por vocais carismáticos, instrumentais ambiciosos, ricos e enérgicos, repleto de talento, criatividade e imaginação.

A parte técnica também não decepciona, com uma mixagem praticamente perfeita e a qualidade acústica está sem dúvida nos níveis da prestigiada gravadora que contrataram o Odissea. Mas voltando à música o álbum entrega uma mistura articulada de harmonias excepcionais e agradáveis, com um viés progressivo, com um groove basicamente melódico, sinfônico, com nuances de folk rock e tudo isso fica muito claro e caracterizado entre as partes vocal e instrumental, com atmosferas que remetem, um pouco, ao progressivo britânico, mas também, claro, com todo aquele tom dramático do prog italiano. A harmonia e os solos das duas guitarras também são agradáveis, enriquecendo as músicas com uma camada mais pesada e louvável de sons.

E falando nas partes cantadas que, assentadas em linhas melódicas simples e distintas das partes instrumentais, injetam ainda um forte “aroma” de blues rock proporcionado pela poderosa voz de Roberto Zola cujo timbre lembra muito o de Alvaro Fella, do Jumbo. Isso inclusive gerou algumas rivalidades entre os músicos e as bandas, também dada a co-regionalidade dos dois vocalistas.

Deve-se enfatizar, contudo, que as obras sonoras do Jumbo em que o uso da voz de Fella era mais áspero e hipermodulado, no álbum do Odissea, o vocal é dinamicamente proporcional à estrutura musical, o que torna o som mais homogêneo e orgânico. É melhor que o Jumbo? Claro que não! Digamos se tratar de dinâmicas distintas.

“Unione” abre o álbum com uma discreta acústica discreta e frágil, diria, com um tempero, um sabor folk, antes da explosão de teclados sinfônicos e riffs poderosos e pesados de guitarra. O vocal tem canto rouco e entre esse atípico vocal para o rock progressivo, a música rasga com um bom sprint instrumental, mas sempre trazendo momentos mais suaves de folk que introduziu a faixa. E assim se segue, entre peso e suavidade, tendo mudanças incríveis de humor, variâncias rítmicas inacreditáveis e de tirar o fôlego.

"Unione"

Segue com “Giochi Nuovi Carte Nuove” começa contemplativa, leve, suave. O vocal até inicia mais límpido e melódico, com aquele típico tom dramático dos vocalistas italianos. A faixa vai ganhando corpo, trazendo um progressivo mais britânico, com solos de guitarra dançantes e um baixo mais sombrio e experimental. Os teclados aqui corroboram a proposta da música mais introspectiva. Uma faixa sem dúvida mais sofisticada e forte, intensa, não no peso, mas no tom de dramaticidade.

"Giochi Nuovi - Carte Nouve"

“Crisalide” é um verdadeiro atordoamento sinfônico, salpicado de sabores barrocos e medievais. Órgãos dançantes e véus de sintetizadores brilhantes, solares, tudo isso em uma incrível interação entre as passagens reflexivas de guitarra acústica e elétrica, com um frenesi em várias passagens de tempo. É uma verdadeira montanha russa sonora, de tirar o fôlego.

"Crisalide"

“Cuor di Rubino” traz o folk como ponto central, nevrálgico. O toque suave da guitarra acústica é solar e animada, com momentos bem elaborados com um slide bem “choroso” de guitarras, com teclas alegres do piano. “Domanda” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior, com slides de guitarra que me remeteu a música sulista norte-americana. O vocal é altivo, mais límpido, sem a rouquidão característica. Uma linda faixa que te traz a sensação de liberdade, que te faz voar sem destino. Linda!

"Cuor di Rubino"

“Il Risveglio di un Mattino” começa potente, bateria com batida mais hard, mais pesada, mas surge o vocal mais acústico e limpo traz certa calmaria. Essa faixa me parece ser mais convencional, mais voltado para o classic rock, com um viés mais comercial, sem aquele típico prog rock das músicas anteriores, mas, ainda assim, traz qualidade. O toque de emoção dada à faixa sim se junta a dinâmica das demais que compõe o álbum. Teclados simples, mas solares e animados.

"Il Risveglio Di Un Mattino"

“Voci” devolve o álbum ao folk, a guitarra acústica é determinante para o humor e o temperamento da música, com o baixo, mais consensual, ao fundo. Os teclados protagonizam a transição da faixa para uma pegada mais sinfônica, com uma cozinha rítmica mais entusiasmada, viva e latente.

"Voci"

E fecha com “Conti e Numeri” que já entrega uma balada com um vocal igualmente límpido e, por vezes, mais potentes, com um bom alcance. Slides de guitarra e baixos pulsantes dão abertura para uma bateria marcada, entregando algo medieval, celta, pagão, mesclado a um progressivo sinfônico bem interessante.

"Conti e Numeri"

Apesar do sucesso moderado do álbum, o vocalista Roberto Zola decidiu deixar o Odissea em 1974 e seguir carreira solo, não tendo também muita sorte, não conquistando visibilidade. Enquanto isso o resto da banda voltou a ser apoio do cantor Michele, com quem já havia colaborado em 1971 e participou de uma turnê nos Estados Unidos com a La Famiglia Degli Ortega.

Em 1976 Elio Vergnaghi, vocalista, e Aldo Ambrosi, guitarrista, se juntaria ao Odissea e como uma nova formação a banda faria algumas apresentações na Suíça. Mas quando tudo parecia voltar aos trilhos, o baterista Cerlati deixaria a banda e os “sobreviventes” não tiveram outro jeito a não ser voltar a tocar com Michele e dessa vez por muitos anos. Ennio Cinguino, que havia tocado com I New Blues, nos anos 1960) e Alfredo Garone ainda continua na música, tocando em circuitos de piano-bar.

O único álbum do Odissea foi lançado, em 1974, pelo selo Orbe, no formato LP, relançado na Itália, em CD, pelo selo Vinyl Magic, depois ganhou o Japão, em CD, no ano de 1991 e dez anos depois também no Japão, em 2011, também no formato CD. Em 2013 voltou à Itália com relançamento, em CD e LP, no ano de 2013.

Quatro faixas do álbum, “Cuor di Rubino”, “Conti e Numeri”, “Unione” e “Giochi Nuovi Carte Nuove”, foram incluídos em um “promo”, de uma compilação sem título lançada pelo selo Ri-Fi, em 1973, juntamente com faixas pelos cantores Corrado Castellari e Franco Simone.

O álbum do Odissea não é difícil de encontrar, aos navegantes do colecionismo, talvez não seja considerado tão raro, tão obscuro, mas sem dúvida se deve e muito por abnegados trabalhadores amantes do prog obscuro que, espalhados em gravadoras, fazem questão de difundir o som da banda por intermédio de relançamentos. Da obscuridade ao eterno!

 

 

A banda:

Roberto Zola nos vocais e guitarra acústica

Luigi “Jimmy” Ferrari na guitarra elétrica e acústica

Ennio Cinguino no piano, órgão e mellotron

Alfredo Garone no baixo

Paolo Cerlati na bateria

E Simona: a voz da criança.

 

Faixas:

1 - Unione

2 - Giochi Nuovi Carte Nuove

3 - Crisalide

4 - Cuor di Rubino

5 - Domanda

6 - Il Risveglio di un Mattino

7 - Voci

8 - Conti e Numeri



"Odissea" (1973)


 







 




















sábado, 26 de julho de 2025

Starchild - Children of the Stars (1978)

 

Quando você pensa e fala do rock canadense o que te lembra de imediato? Claro! RUSH! Com o devido merecimento, afinal, a banda não colecionou ou coleciona, até hoje, uma legião de fãs aleatoriamente, há um fundamento simples e capital para isso: a sua vanguardista sonoridade.

Mas como este simples, humilde e reles blog fala sobre bandas raras, esquecidas, vilipendiadas e obscuras, trarei o “lado oculto” do rock daquele país, corroborando que sim, o Canadá tem uma profusão de bandas sejam elas comerciais ou undergrounds.

E eu falarei de uma que me cativou e me arrebatou por seu som potente, pesado e extremamente arrojado e sofisticado. Falo da banda STARCHILD. A banda foi formada em 1975 em Cambridge, Ontário, quando Bob Sprenger, Rick Whittier e Neil Light, que tocavam em uma banda chamada “Gaslight”, decidiram reformular a sua sonoridade, algo mais pesado.

Mas não apenas as mudanças na música que aconteceram, o nome também foi modificado, passando a se chamar “Starchild”. A inspiração para este nome veio da Trilogia “Starchild”, escrita por Frederik Pohl e Jack Williamson. A maioria dos membros da banda eram fãs de ficção científica, e quando o seu produtor, Greg Hambleton, que também assinou com o SteelRiver para a sua gravadora, a Tuesday Records, queria algo mais futurista do que o nome anterior, “Thorne”. Sim, entre “Gaslight” e “Starchild” teve outro nome que durou pouco tempo, porque quando optaram por “Starchild” o desejo foi unânime.

Ainda faltava algo: um baterista! Porque depois de passar por alguns bateristas, eles decidiram contratar Greg “Fritz” Hinz que, quando assumiu de fato o posto, o Starchild caiu na estrada para uma longa turnê. Apenas para perfilar os demais integrantes e suas funções no Starchild, Rick era vocalista, um belo vocalista, diga-se de passagem, Neil era baixista e Bob era um belíssimo guitarrista.

O primeiro registro, a primeira gravação da Starchild foi uma demo de duas músicas, a “Party of the Toads” e “Tough Situation” e que foi produzida e projetada por um jovem chamado Daniel Lanois, no porão da casa de sua mãe, em Ancaster, no ano de 1976! Para título de curiosidade Lanos viria, no futuro, a produzir gigantes do rock como U2, Peter Gabriel, Brian Eno, entre tantos outros figurões do mercado da música.

O primeiro trabalho do Starchild, “Children of the Stars”, foi gravado em Toronto, no outono de 1977 e lançado oficialmente na primavera de 1978. Levou certo tempo para lançar um tão sonhado álbum, depois da quase artesanal gravação de suas fitas demo lá no ano de 1976. Após o lançamento o Starchild tornou a volta para a sua turnê, abrindo shows de grandes bandas da época, como Triumph, Goddo, Moxy entre outras.

O álbum teve um recebimento positivo e moderado em todo o Canadá, graças as aparições ao vivo da banda, afinal foram muitos shows e aberturas de shows de bandas grandes e famosas que, de certa forma, acaba gerando certa visibilidade, mas suas músicas não ganharam as paradas musicais. Claro, uma sonoridade calcada no hard rock e rock progressivo, pode não ser muito palatável para os empresários da música sempre ávidos por músicas mais radiofônicas e acessíveis. E precisamos pensar também que era virada dos anos 1970 para os anos 1980, com o punk rock um pouco mais em evidência e a new wave.

“Children of the Stars” mostra uma banda com muito potencial, embora seja um álbum sendo concebido por músicos jovens que, até então, nunca tiveram contato com um estúdio, apenas com apresentações ao vivo. Ainda assim são faixas agitadas e os esforços de complexidade sonora são relevantes e extremamente apreciáveis, mesmo com uma produção simples. E tal esforço se personificou em uma música calcada no hard rock com investidas progressivas.

E falando na banda, nada mais merecedor apresenta-los, agora mostrando também a importância de cada um na construção do seu som: tinha Bob Sprenger na guitarra, Richard Whittier, nos vocais, Gregory Hinz, na bateria, o último a entrar na banda e fechando trazia, no baixo, Neil Light. Essa foi a formação responsável por trazer à tona “Children of the Stars”.

O álbum é inaugurado com a faixa “Long Shot” e o típico riff poderoso e grudento de guitarra introduz a música, a pegada genuína do hard rock dos anos 1970, que nos remete ao Scorpions em transição da década de 1970 para os anos 1980. O vocal é elegante, limpo, de ótimo alcance já se mostrando como tendência para a cena do heavy metal que florescia no fim dos anos 1970. A “cozinha” rítmica dá o tom, o groove, tornando a música mais dançante.

"Long Shot"

“Groove Man” entra animada, com os riffs de guitarra e baixo bem ritmados, juntamente com a bateria marcada e pesada. O hard rock mais solar, o rock de “festa” se revela na faixa, certamente traz uma roupagem mais comercial. Solos de guitarra e baixos mais pulsantes na metade da faixa a deixa mais pesada e veloz, trazendo uma versão mais heavy rock. É versátil!

"Groove Man"

Em “Wizard Woman” o vocal ganha destaque, mas o instrumental não fica atrás. Aqui as mudanças de andamento são a tônica, com um viés mais voltado para o hard progressivo, com pegadas mais pesadas, graças aos riffs de guitarra elétrica e momentos mais acústicos, mas intimistas, com alguns solos mais viajantes e espaciais. Momentos de space rock também são percebidos e nos traz percepções mais contemplativas.

"Wizard Woman"

“No Time for Fools” já inicia com solos mais solares de guitarra que emendam em riffs mais pesados, baixo pulsante e bateria pesada, quase surrada! Aqui o heavy rock assume a dianteira, novidades do heavy metal são percebidas, com velocidade e muito peso. O momento mais sujo e despretensioso do álbum.

"No Time for Fools"

“Worlds in Which We Live” vem também pesada e agressiva! Baixo galopante, pesado, cheio de groove, “rivaliza” com riffs de guitarra mais pesado, vocais de grande alcance, gritados e rasgados, já tendendo, com sucesso, para o heavy metal. Não podemos negligenciar o solo de guitarra que é simplesmente de tirar o fôlego! A sequência mais pesada se revela neste momento do álbum.

"Worlds in Which We Live"

“Wooden Steaks and Mash Potatoes” começa com groove, com balanço, mas sem deixar de lado o peso que ostenta todo o álbum, representado pelos riffs indefectíveis de guitarra que logo entregam a destreza de um solo extremamente pesado e solar. O hard rock se mostra vivo e latente nessa faixa, com alguns momentos mais suaves, em que o vocal, limpo e transparente, se revela competente e orgânico.

"Wooden Steaks and Mash Potatoes"

E fecha com a faixa título, “Children of the Stars”, que segue predominantemente com o hard rock, capitaneado pelo riff de guitarra, e por uma típica velocidade que a torna pesada. Em dado momento percebe-se uma cadência no verso na música, que faz da faixa mais dançante e animada. Embora não traga traços de rock progressivo na faixa, se mostra versátil e repleta de mudanças de andamento.

"Children of the Stars"

Embora o álbum tenha recebido certa visibilidade, suas músicas não figuraram nas paradas musicais e sequer foram tocadas nas rádios, afinal, como que um álbum calcado no hard rock e progressivo, em uma época em que o punk rock, a disco music e a new wave tinham a prioridade do mercado e da indústria fonográfica? Definitivamente o Starchild estava “descolada” do seu tempo, com as suas músicas.

E para variar o contrato com a Axe Records foi encerrado porque a gravadora queria que o Starchild mudasse seu visual e sonoridade para o new wave. A banda não aceitou essa condição e decidiu seguir uma direção mais voltado para o heavy metal, sendo influenciado por bandas como Judas Priest e Iron Maiden. Definitivamente o Starchild não estava inserido no seu tempo, sonoramente falando.

O término do contrato com a gravadora não foi o único entrave que o Starchild teve. O baixista Neil Light deixaria a banda, em 1979, por motivos familiares, sendo substituído por Bill Mair e mais tarde Wayne Brown, nativo de Toronto. E ainda teve mais! Hinz, o baterista, também sairia da banda. Ele saiu para se juntar à banda Helix alguns meses depois e foi substituído por Dixie Lee.

Depois dessas mudanças tão radicais, o Starchild continuou a fazer turnês pelo Canadá e, embora a banda nunca tenha chegado à Europa, seus álbuns venderam melhor lá do que no Canadá, inclusive o single “No Control for Rock n’ Roll”, que não entrou originalmente no álbum, foi regravada por uma banda holandesa na década de 1980.

"No Control for Rock n' Roll"

No início de 1982 o Starchild entrou no Metalworks Studios, de propriedade de Gil Moore, da banda Triumph, e gravou uma demo tape de duas músicas (“Steamroller Rock” e “I Need a Woman Tonight”), mas não teve progressos para gravar um novo trabalho, um segundo álbum. Mas havia surgido uma luz no fim do túnel...

A Attic Records, com sede em Toronto, estava interessada em assinar com o Starchild, mas o cansaço da estrada, devido aos inúmeros shows que a banda estava fazendo e principalmente as divergências, cobrou seu preço e a banda se separou no verão de 1982, pouco antes de sua audição, em Toronto, para a Attic. Nos sete anos, entre a formação da banda e a sua fatídica separação, em 1982, o Starchild excursionou pelo Canadá incessantemente, constantemente.



Bob Sprenger e Neil Light formariam uma banda, de nome “Thief in the Night”, em 1985, fazendo vários shows e participando de vários festivais, mas se separaram em 1990. Sprenger gravou dois álbuns com a banda “Distant Thunder” no início dos anos 1990 e se reuniu, novamente, com o baixista Neil Light para formar a banda cover de rock “Wake the Giants”, em 2001. Com o comediante canadense Ron Pardo, na bateria e seu irmão Jason, nos vocais, bem como o novo baixista Sam Barber, que substituiria Light, em 2011, a banda fez principalmente covers, além de tocar material do álbum “Children of the Stars”, mas se separaram em 2014.

Sprenger também é guitarrista de uma vocalista e tecladista de London, Ontário, chamada Kathryn Marquis. Eles gravaram um álbum ao vivo chamado “Your Kingdo Come”, em 2011, além de um trabalho de estúdio chamado “Fire”, que inclui música por ele composta chamada “Purest Love”, sendo a sua primeira música gravada e lançada desde os dias de Starchild. O vocalista e membro fundador do Starchild, Rick Whittier, morreria em 18 de setembro de 2015, após uma longa batalha pulmonar obstrutiva crônica. Já o baterista original da banda, Greg Fritz Hinz, tmbém faleceria de câncer, em 16 de fevereiro de 2024.

Sprenger, depois de ser contatado no verão de 2023, pela gravadora grega Sonic Age/Cult Metal Classics, enviou algumas demos que o Starchild gravou no início dos anos 1980 que nunca foram lançadas para o selo. Eles as lançaram, no formato LP e CD, chamado “Steamroller”, em 2024! O álbum pode ser ouvido aqui!

"Steamroller" (2024)

O LP contém oito faixas, incluindo a demo de três músicas gravadas na Metalworks Studios”, além de cinco músicas gravadas em uma sala de ensaios alguns meses depois. O CD também contém algumas faixas bônus, incluindo um solo de bateria e baixo. De uma forma o Starchild continua, por intermédio desse álbum mais recente, vivo!


A banda:

Rick Whittier nos vocais

Bob Sprenger na guitarra

Neil Light no baixo

Greg Hinz na bateria

 

Faixas:

1 - Long Shot

2 - Groove Man

3 - Wizard Woman

4 - No Time For Fools

5 - Worlds in Which We Live

6 - Wooden Steaks and Mash Potatoes

7 - Children of the Stars


 
































sábado, 19 de julho de 2025

The Norman Haines Band - Den of Iniquity (1971)

 

1965, Birmigham, Inglaterra. A banda “Kansas City Seven”, como o nome sugere, tinham inacreditáveis sete músicos! O único músico conhecido, que tinha algum status, era o tecladista e flautista Chris Wood. Mas não era tanto, afinal, todos, inclusive Wood, eram jovens músicos na época. Para levar a sua música mais longe, alcançar o sucesso, eles decidem mudar o nome da banda para “The Locomotive”. E até conseguem alguma reputação com belas apresentações, de jazz rock, ao vivo.

Mas quando a banda estava começando a decolar, eis que surge a baixa mais considerável! Chris Wood optou por sair do The Locomotive para se juntar ao Traffic, juntamente com Jim Capaldi, Steve Winwood e Dave Manson, e o resto da banda, perdida com o impacto da saída de Wood, decide seguir, um por um, seus caminhos. Apenas Jim Simpson permanece na banda original e coube, claro, a ele, reformular o The Locomotive.

Então ele reúne nomes como Norman Haines e Jo Ellis para continuar com o The Locomotive. A banda lança alguns singles conceituados, que se tornaram conhecidos, figurando em paradas de sucesso no Reino Unido e logo lançam o álbum “We Are Everything You See”, em 1970. A banda entra em colapso, não conseguiu dar sequência a sua jornada e, dessa vez, teve decretado o seu triste fim.

Então ele reúne nomes como Norman Haines e Jo Ellis para continuar com o The Locomotive. A banda lança alguns singles conceituados, que se tornaram conhecidos, figurando em paradas de sucesso no Reino Unido e logo lançam o álbum “We Are Everything You See”, em 1970. A banda entra em colapso, não conseguiu dar sequência a sua jornada e, dessa vez, teve decretado o seu triste fim.

The Locomotive - "We Are Everything You See" (1970)

Coube agora a Norman Haines a dar um norte na banda, fazendo, contudo, mudanças drásticas. Na realidade Haines protagonizou um início a outro projeto, recrutando o guitarrista Neil Clarke, o vocalista e baixista Andy Hughes e o baterista Jimmy Skidmore formando o “The Sacrifice Ensemble”. Mas antes de entrar na história do The Sacrifice Ensemble, convém tecer algumas linhas sobre Norman Haines.

Norman, tecladista e vocalista, começou a sua carreira profissional em uma banda beat, em 1966, chamada “The Brumbeats”, de Birmingham. Quando a banda se separa, Haines torna-se membro do The Locomotive, em 1967, ajudando a Jim Simpson a reformulá-la, pois também sofrera com a debandada de todos os seus músicos e logo assumiu o protagonismo na banda. Tanto que, quando o Locomotive sofreu com a saída da maioria dos seus músicos, teve a competência de reformular e criar um projeto, o The Sacrifice Ensemble.

Então voltando ao The Sacrifice, esta agradou tanto que logo ganharia um contrato com o selo Parlophone Records, em 1970. Esse contrato de gravação custaria o nome da banda, porque os executivos de marketing da gravadora mostraram-se descontentes com o nome da mesma e quando lançaram os singles de estreia da banda, “Daffodil” e “Autumn Mobile”, mudaram, unilateralmente, o nome para “THE NORMAN HAINES BAND”. Sim! Deu o protagonismo para Haines até no nome da banda.

The Norman Haines Band

A banda então, com o seu novo nome e novas expectativas de alcançar o tão almejado sucesso, se reúne no mítico Abbey Road Studios, em 1971, para gravar seu primeiro álbum com essa formação e nome novos. E eis que surge “Den of Iniquity”, naquele mesmo ano. Perfilando o The Norman Haines Band temos, além de Haines no teclado, piano e vocais, Neil Clark na guitarra, Andy Hughes no baixo e vocal e Jim Skidmore na bateria e percussão.

Embora os singles não tenham feito tanto sucesso, à época do seu lançamento, a Parlophone decidiu financiar o álbum. “Den of Iniquity” traz traços da banda The Locomotive, com uma música chamada “Everything You See (Mr. Armageddon)”, que esteve no álbum desta última banda, mas com uma versão mais arrojada e sofisticada, mais bem acabada sob o aspecto da produção e das melodias. Apesar do álbum do The Locomotive e do The Norman Haines Band tenham sido lançados em um curto espaço de tempo, nota-se, com evidência, que o último é bem melhor em vários aspectos.

Podemos considerar, sem dúvidas, que “Den of Inquility” traz um progressive hard rock ou ainda como heavy progressive rock. É um álbum tão versátil e pouco estereotipado que pode, por conta disso, parecer um pouco disperso para ouvidos mais pasteurizados em determinadas vertentes sonoras, mas é um deleite a diversidade.

É impulsionado pela combinação de voz e teclados empolgantes de Haines e a fantástica guitarra de Clarke com resultados espetaculares de hard rock afiado, blues-rock e movimentos mais comerciais. Mas por mais que tenhamos neste trabalho essas vertentes, podemos perceber nuances mais sombrias entregando uma versão dark prog e occult rock também.

O álbum é inaugurado com a faixa título, “Den of Inquility” que, de imediato, te remete a um clássico do hard rock. Essa música explode com um riff de órgão e bateria que bate forte e pesada ao fundo. A guitarra vem seguindo o órgão antes de assumir o seu protagonismo com riffs potentes e cheios de wah wah. O seu solo é matador, avassalador e as “curvas” de wah wah ao fundo são extremamente sedutoras. Um hard rocker matador!

"Den of Iniquity"

Segue com “Finding My Way Home” que lembra um jam vibrante, solar, cheia de força e presença, com destaque indiscutível dos vocais e da guitarra com riffs pesados e solos bem elaborados. A faixa seguinte, a versão retrabalhada de “Everything You See (Mr. Armageddon)”, que foi do The Locomotive, ganha corpo com o protagonismo da guitarra. Ela, inicialmente, tem um início mais lento, mas a guitarra de Neil Clarke se redime totalmente na segunda metade da música. Ele praticamente sola até o final e cada segundo dessa parte da faixa é simplesmente espetacular. Uma verdadeira progressão de acordes que traz o prog rock na sua versão mais arrojada e encorpada.

"Finding My Way Home"

“When I Come Down” é outro hard rock típico e cheio de potência e peso, carregado de wah wah, com um pouco de órgão distorcido que corrobora a sua condição de peso. Essa música, aqui vale uma curiosidade, foi usada como demo, pela outra banda do antigo empresário Jim Simpsons, “Earth”, que naquela época havia mudado seu nome para simplesmente “Black Sabbath”.

"When I Come Down"

O clima dá uma guinada suave com a balada “Bourgeois”, interpretada e cantada pelo guitarrista Clarke. Ele exibe, orgulhosamente, as suas raízes folk, mas com muita personalidade. Segue agora com a robusta e longa, de 13 minutos, a faixa “Rabbits” que lembra uma jam sólida e estendida. Nessa música as raízes progressivas estão fincadas nas tecituras instrumentais, mostrando várias mudanças rítmicas, cheias de nuances sofisticadas, mas muito orgânicas.

"Rabbits"

O fim do álbum entrega a faixa, de 8 minutos, chamada “Life is so Unkind”, que traz uma hecatombe instrumental liderado pelo órgão, piano elétrico e um pouco de guitarra que, embora não traga destaque, como as teclas, leva o álbum a um final, diria, deliciosamente catártico, fantasticamente ameaçador.

"Life Is So Unkind"

Quando o The Norman Haines Band apresentou o produto, incluindo a grotesca capa do álbum, digno hoje para muitas bandas de heavy metal dos anos 1980, a gravadora se recusou a lançá-lo, tanto que a banda finalizou as gravações no final de 1970, mas a Parlophone só lançou “Den of Inquility” em agosto de 1971.

A capa também gerou repulsa por parte dos varejistas britânicos, e muitas lojas estocaram poucos álbuns e esse termômetro dos vendedores, das lojas, determinou as diretrizes da gravadora que pouco o promoveu e apoiou, gerando poucas cópias, resultando em um lançamento bastante escasso e que atualmente, por ser um trabalho cult e raro, é vendido por até 2.000 euros no mercado de discos. E já que mencionei a capa do álbum do The Norman Haines Band, o autor da linda capa é Heinrich Kley, um famoso e controverso desenhista alemão da cidade de Munique.

“Den of Iniquity” foi lançado, no formato LP, na França e no Uruguai pelo selo Odeon Records, em 1972 e diz que, por intermédio da verificação com a gravadora, foi inacreditável distribuir e vender este álbum no Uruguai naquela época, levando em consideração a frágil economia daquele país e o número consequente limitado de pessoas que comprariam esse trabalho.

Em 1993 a Shoesstring Records lançou no Reino Unido, no formato CD, contendo mais cinco composições e uma edição limitada de 1.000 cópias. Em 1994 esta mesma gravadora lançou, agora no formato LP, também no Reino Unido, contendo mais duas composições e uma edição limitada de 500 cópias.

Em 2002 a Progressive Line lançou, em CD, com mais cinco músicas, uma versão não licenciada. Em 2004 a Radioactive Records lançou discos e vinis pelo Reino Unido também com versões não licenciadas, bem como a Sunrise Records que lançou, em CD, na Alemanha, versões não licenciadas.

Em 2011, a Esoteric Records lançou um álbum, em CD, no Reino Unido, com mais seis músicas. Porém, mais versões não licenciadas foram lançadas entre 2014 e 2021, incluindo selos como Acid Nightmare, a Ethelion Records, a Magic Box Records e a Prog Records.

Com o escasso apoio da gravadora e a rejeição dos donos de lojas em vender um álbum com uma capa, para eles, grotesca e nojenta, o The Norman Haines Band iria decretar o seu fim, ainda em 1971, ano do lançamento de seu único álbum. Norman tentou a última sacada, em 1972, e gravou algumas demos, que acabou, diante desses relançamentos, por serem incluídas em “Den of Iniquity”, como “Give It To You Girl" e “Elaine”. "Give It To You Girl", uma melodia pop matadora liderada por sua voz brilhante e piano elétrico. Isso mostra o crescente gosto de Norman pela percussão latina e nos dá uma amostra do que poderia ter vindo a seguir.

Norman caiu na estrada usando o nome “The Locomotive”, porque ele estava muito endividado e precisava de grana para pagar as suas dívidas e nada como usar o nome “The Locomotive” que te trouxe algum sucesso na música, apesar de tão efêmero. Mas de nada adiantou! Desiludido e revoltado com o mundo da música se retirou melancolicamente, recusando, inclusive, uma proposta de entrar na jovem e promissora Black Sabbath, sumindo do mercado da música.

Haines entraria no ramo de construção e até montou uma banda que tocava em casamentos e eventos de danças locais, o que ele ainda faz até os dias de hoje. Eu pergunto a você, estimado leitor: Será que a maioria das pessoas para quem ele e a sua banda toca hoje em dia, percebe o músico brilhante que realmente ele é? A história, que foi pouco gentil com ele, será, no futuro, a redentora de seu talento pouco aproveitado por uma série de tristes circunstâncias? O fato é que Haines e sua banda foi deveras essencial para o rock n’ roll de Birmingham no início dos anos 1970.





A banda:

Neil Clark na guitarra

Andy Hughes no baixo, vocais

Jimm Skidmore na bateria, percussão

Norman Haines no órgão, piano, vocais

 

Faixas:

1 - Den of Iniquity

2 - Finding My Way Home

3 - Everything You See (Mr Armageddon)

4 - When I Came Down

5 - Bourgeois

6 - Rabbits

        a) Sonata (For Singing Pig)

        b) Joint Effort

        c) Skidpatch

        d) Miracle



"Den of Iniquity" (1971)
























sexta-feira, 11 de julho de 2025

Sahara - For All the Clowns (1975)

 

Para todos que apreciam rock n’ roll, que existe uma rotatividade imensa entre as bandas desta vertente. Vaidades, dinheiro, novos ares vislumbrando projetos mais audaciosos, novos, diferentes do que faziam, podem ser um dos motivos por tantas saídas de músicos ou ainda de vertentes sonoras ou, claro, todos os quesitos também contam como motivo para esse “fenômeno” tão recorrente.

O fato também que, mudanças nas formações e nas vertentes sonoras, embora sejam eventos complexos e difíceis para quaisquer bandas, podem trazer boas novas, sobretudo para os fãs, no que tange a qualidade. Talvez a mudança, por mais complicada possa parecer, podem trazer bons e arrojados frutos, com projetos grandiosos que deixam marcas indeléveis para a história da banda e até mesmo da música.

Poderia escrever, por longas linhas, inúmeros casos, exemplos que se tornaram verdadeiros exemplos e inspirações de que a mudança pode oxigenar realidades estáticas de muitas bandas e outras que sucumbiram caindo em desgraça, no mais profundo ostracismo, mas falarei de uma banda que foi submetida a mais profunda mudança, que passou não apenas na sua sonoridade, o que já é, por si só, substancioso, mas também pelo nome e pela entrada e saída constante de seus músicos: Falo da alemã SAHARA.

Sahara

Mas nos seus primórdios a banda não se chamava Sahara, mas “Subject ESQ.” E foi concebida na cidade de Munique, na Alemanha, em 1966. Tinha, em sua sonoridade, predominantemente o jazz rock, lançando, inclusive, seu primeiro e único álbum, com este nome, em 1972, autointitulado. Sua formação trazia Peter Stadler nos teclados, Michael Hofmann na flauta, saxofone e vocais, Alex Pittwohn na harpa, guitarra e vocais, Stephan Wissnet no baixo e vocais e Harry Rosenkind na bateria e percussão, além da participação de Paul Vincent na guitarra elétrica e espanhola e Franz Löffler na viola.

Após o lançamento do seu debut o Subject ESQ. teria a primeira mudança em sua formação, com a saída do tecladista Peter Stadler e a entrada, de peso, de Hennes Hering, simplesmente o tecladista que gravou os três primeiros álbuns do grande e também alemã Out of Focus. Mas a mudança mais significativa estaria por vir.

"Subject ESQ." (1972)

No ano de 1974, portanto dois anos depois do lançamento de “Subject ESQ”, a banda sofreria mais mudanças e dessa vez começou pelo nome. Mudaria para “Sahara”, e também com uma nova inclusão de músico, dessa vez do guitarrista Nicholas Woodland, guitarrista original de outra seminal banda alemã, o Gift, passando a nova banda, Sahara, ser um sexteto.

E com uma nova formação e nome, o Sahara gravaria o seu primeiro álbum chamado “Sunrise”, em 1974. A banda teria, em seu line-up, portanto, Nick Woodland na guitarra, Hennes Hering nos teclados, Michael Hofmann no moog, mellotron, composição e vocais, Alex Pittwohn, na harpa, no saxofone e vocais, Stephan Wissnet no baixo e vocal principal, além de Harr Rosenkind na bateria.

A mudança foi drástica e creio, se me permitem a licença poética em falar deste novo trabalho do Sahara, foi uma mudança para melhor. Do estranho e experimental “Subject ESQ.” tiveram um rock progressivo mais variado e versátil em “Sunrise”. Sem sombra de dúvida a entrada de Hering foi determinante para essa nova concepção sonora da banda, mas não podemos negligenciar a participação dos demais músicos e principalmente de Woodland que sairia do Gift com uma veia mais hard rock para uma prog rock genuíno.

"Sunrise" (1974)

Sem dúvida o nome da banda personificaria a aventura que esse novo álbum entregaria. Tecidos de teclados soberbos, sofisticação sonora, mas orgânico e poderoso, um progressivo clássico, mas virando, em dado momento, um jazz fusion e outras vezes um blues rock. “Sunrise” nasceria completo, robusto, intenso, maduro, versátil. O álbum foi lançado pelo modesto selo alemão Pan (Ariola), porém foi distribuído, no Reino Unido, pela gravadora Dawn, no início de 1974.

Mas todo esse início não era para falar dos primeiros álbuns dessa seminal banda germânica, mas para tecer generosos comentários acerca do seu terceiro trabalho, segundo com o nome de “Sahara”, o grandioso “For All the Clowns”, de 1975 que, por uma grata coincidência, completa, neste ano, 50 anos de lançamento.

Para manter uma espécie de rotina no Sahara as mudanças na formação aconteceram trazendo um novo guitarrista, Günther Moll, no lugar de Nicholas Woodland, que entraria na banda Desertland e outra também no posto de baterista saindo Harry Rosenkind e entrando Holger Brandt, que era da banda Missing Link.

Então a formação do Sahara para “For All the Clowns” trazia Moll na guitarra e vocal, Hennes Hering nos teclados, piano e sintetizadores, Michael Hofmann no moog, no sintetizador de cordas, guitarra, flauta e vocais, Stephan Wissnet no baixo, violão e vocais principais e Brandt na bateria e percussão. Na realidade Nick Woodland teria uma pequena participação, na faixa 2, “The source Part I & Part II”, tocando violão de 12 cordas, além de Meryl Creser na recitação na faixa 5, “The Mountain King Part I & II”.

“For All the Clowns” foi lançado em 1975 pelo também selo Pan (Ariola) e além das referidas mudanças na formação da banda, deixando apenas os remanescentes Hofmann, Wissnet e Pittwohn, mudanças em sua sonoridade são percebidas neste novo trabalho também, onde as vertentes jazzísticas, presentes no álbum anterior, “Sunrise”, desapareceriam, por completo, de “For All the Clowns”. 

Neste novo álbum teria a predominância do rock progressivo calcado no sinfônico, em uma concepção mais direta, mas não menos sofisticada e complexa. A versatilidade seria o mote deste trabalho e nisso se assemelha ao “Sunrise”. Concepção direta, porém, nem um pouco talhado para o mainstream.

Mas não se enganem, caros e estimados leitores, que as mudanças parariam por aí. Bastante importante para o Sahara, Hofmann não tocaria, neste álbum, saxofone, este instrumento seria abolido da sonoridade deste novo trabalho da banda, o que é perceptível no resultado final, nas músicas, mas dedicou-se aos sintetizadores, moog, guitarras e ainda a flauta. Pittwohn, além de ter as suas funções de músico, acumularia a de produtor e gerente do Sahara.  A capa de For All the Clowns” traria uma arte totalmente bizarra, mas com uma “tonalidade” bem humorística, mas que não adequa a tipicidade da música. Foi concebida por Kurt Halbritter. Mas o que importa é o conteúdo e este traz um álbum arrojado e fortemente calcado em um prog sinfônico muito bem executado.

O álbum é inaugurado pela faixa “Flying Dancer” que começa com o destaque vocal, que oferece novas e extensas passagens, mostrando um belíssimo alcance. A sua sonoridade é calcada no progressivo sinfônico trazendo inspirações britânicas, fugindo da rigidez lisérgica do experimentalismo germânico, o famoso krautrock.

"Flying Dancer" 

Segue com a música mais complexa, diria, do álbum: “The Source Part I & Part II”, onde a banda mergulha em uma atmosfera densa, estranha, experimental. É como se fôssemos transportados por uma galáxia distante e inimaginável, com o peso evidente do teclado. A faixa alterna entre passagens silenciosas e sombrias e momentos sombrios mais pesados. A guitarra não é estridente, mas dedilhada com esmero e dramaticidade. Tudo nesta música soa moderno e arrojado para a época.

"The Source Part I & Part II"

A faixa título, “For All the Clowns”, que tem duração de 11 minutos, começa meio Pink Floyd. O baixo toca discretamente, tons de sintetizador atmosféricos são colocados sobre ele e dão à música seu próprio toque, peculiar. Posteriormente sons limpos de guitarra se juntam e vão encorpando a música cada vez mais. A batida do ritmo é captada, mas logo se silencia novamente. As variâncias rítmicas corroboram a sua condição progressiva.

"For All the Clowns"

“Prélude” personifica o seu conceito e abre alas para outra grande e monumental faixa, “The Mountain King Part I & II”. Um riff de guitarra, altamente interessante, abre a música, com mais de 13 minutos de duração. A flauta é destaque nela, com toques suaves, doces, mas alternando momentos mais intensos e vívidos, trazendo à tona toques mais rústicos e pesados, ao estilo Ian Anderson, do grande Jethro Tull. Os cantos também interferem decisivamente, entrando no reino da improvisação típica. A seção rítmica dá o tom e se mostra decisiva e essencial para o balanço da faixa.

"The Mountain King Part I & Part II"

Segue com “Dream Queen” onde a flauta se mantém dominante, como na faixa anterior, juntamente com os vocais que, cativantes, começam suavemente, dando um parâmetro para as flautas dando a faixa leveza e um ar contemplativo. Fecha com “Fool the Fortune” que traz um arpejo de guitarra esplêndido, embora simples, porém bem executado. Segue nela também um tom pastoral com vocais suaves e cantos de pássaros.

"Dream Queen"

“For All the Clowns” certamente é o álbum ideal aos apreciadores de rock progressivo sinfônico, mas devido a sua versatilidade passa a ser uma audição interessante aos amantes de rock clássico e até mesmo, em alguns momentos, de hard rock.

É em “For All the Clows” que a banda mostra mais a sua habilidade mais claramente do que os seus antecessores, talvez pelo simples fato de ser mais versátil, acessível e, logo capaz de sensibilizar ouvidos variados e exigentes. A fusão entre progressivo sinfônico, rock clássico e hard rock funcionou plenamente neste derradeiro álbum do Sahara.

O Sahara, entre 1973 e 1975 tocou em profusão, se apresentando em vários shows e festivais, divulgando “Sunrise” e parte de seu segundo trabalho, “For All the Clowns”. Tocou no “Hamburg Rockfabrik” e no festival de rock em Lidau junto com os Scorpions, que na época, ainda com Uli Jon Roth na guitarra, entre outros, tentava conquistar seu lugar ao sol. Para o segundo álbum, a banda seguiria para uma extensa turnê pela Holanda.

Apesar das mudanças que se sucediam na banda, era perceptível que, sob o aspecto sonoro, crescia, ficava mais madura e tudo indicava que teria longeva vida, no final dos anos 1970, mais precisamente em 1977, Brandt e Moll sairiam do Sahara, decretando, diante disso, seu fim. Em 24 de julho de 1977 o Sahara faria seu último grande show no Theater der Jugend, em Munique. A precocidade bateu forte e impiedosa na história promissora da banda.

Mas a música é capaz de tudo! De fazer ressurgir o que há de melhor nela, nas suas mais variadas versões e situações. O Sahara, depois de um hiato de décadas e décadas, quase 30 anos depois, decide se reunir novamente, mais precisamente em 2 de agosto de 2006. A formação original estaria na ativa novamente! 40 anos após a fundação da banda, que ainda se chamava Subject ESQ,! Isso era significativo e histórico!

Sahara em 2013

O palco foi um show, ao ar livre, no Festival Bur-Herzberg, em julho de 2007. Outros palcos de destaque também receberiam o Sahara, como a apresentação no antigo Blow Up, atual Schauburg, em Munique, no mês de abril de 2008, além do show na Academia de Belas Artes de Munique, em fevereiro de 2009. Os shows foram acontecendo em períodos espaçados, até outubro de 2019, quando a banda decide, mais uma vez, se separar. O único relançamento que se tem notícia de “For All the Clowns” foi, em CD, pelo selo Ohrwaschl Records, em 1993.


A banda:

Günther Moll na guitarra e vocal

Hennes Hering no teclado, piano e sintetizadores

Michael Hofmann no Moog, guitarra, flauta e vocal

Stephan Wissnet no baixo, na guitarra acústica e vocal principal

Holger Brandt na bateria

 

Faixas:

1 - Flying Dancer

2 - The Source Part I & Part II

3 - For All the Clowns

4 - Prélude

5 - The mountain King Part I & II

6 - Dream Queen

7 - Fool the Fortune

 



"For All the Clowns" (1975)"