sábado, 6 de dezembro de 2025

Apoteosi - Apoteosi (1975)

 

O rock progressivo em família! A família italiana em prol do rock progressivo dos anos 1970! A cultura do prog naquele país é tão grande que famílias se reúnem para tocá-lo. Músicos são talhados para tocar essa vertente do rock tão vivo e presente até os dias atuais. A história que vou apresentar hoje nesse texto inevitavelmente se depara com uma situação única e particular.

Particular e única por ser uma banda que trazia três irmãos e um pai como produtor, mas que não traz novidades em se tratando de sua precocidade. Mais uma daquelas “one-shot-bands” italianas negligenciadas, esquecidas e que, como um sonho, surgiu e passou rápido, tal como também um desses cometas. Falo da banda APOTEOSI.

Outro ponto particular e peculiar foi o local de surgimento do Apoteosi, na região de Palmi, na Calábria, tida como pouco conhecida no que se refere ao rock n’ roll, no rock progressivo. A cena era insipiente, poucas bandas surgiram nessa parte da Itália. Além de particular, o Apoteosi se tornou importante, praticamente se tornando a única ou uma das poucas a terem, mesmo que discretamente, um surgimento e carregando, consequentemente, o rock progressivo da Calábria.

E o Apoteosi, quando lançou seu álbum, em 1975, que, neste ano de 2025 completou cinquenta anos de lançamento, se tornou importante e um referencial não apenas pelo fato de ter sido uma das poucas bandas da Calábria, mas por ter construído um álbum conceitual, tendo a cidade natal desses músicos, como cerne, um verdadeiro hino à sua terra, uma espécie de hino de esperança para o despertar desse pequeno pedaço da Itália esquecido pelo rock progressivo.

Apoteosi

Bem já que falamos de família, vamos tecer detalhes da história do Apoteosi que, como disse, tem fundações enraizadas no conceito familiar, na família Idà. São eles: Silvana Idà nos vocais, Massimo Idà, na guitarra e vocal, Federico Idà, no baixoe flauta, juntamente com os “forasteiros” Franco Vinci, na guitarra e vocais e Marcello Surace na bateria.

E regendo tudo isso vinha o pai, o patriarca do prog na família Idà, o Salvatore Idà que, além de pai de Silvana, Federico e Massimo, desempenhou o papel de produtor e compondo uma das músicas do único álbum da banda. Pode parecer algo pouco usual um pai incutir na mente de seus filhos o conceito do rock progressivo e ajuda-los a montar uma banda e financiá-los, mas a cultura do prog rock na Itália, apesar de todos os problemas e turbulências políticas nos anos 1970, era forte e não podemos negligenciar a veia musical dos jovens músicos.

Os irmãos Idà

E quando falo jovens músicos é porque são efetivamente jovens mesmo, onde a maioria dos Idà sequer chegaram à adolescência quando formaram a banda e lançaram o seu autointitulado álbum, em 1975. Para se ter uma ideia o Massimo tinha apenas quatorze anos de idade quando gravou o álbum juntamente com seus irmãos e Franco Vinci tinha apenas dezessete anos quando tocou em sua primeira banda, “The Green Age”. Muito dessa referência dos irmãos se deu também pelo estúdio que o seu pai tinha e ter sido também o homem forte, o que comandava o selo Said Records. O álbum foi editado pelo próprio Massimo Idà, em um processo que não gerou nenhum cachê, afinal, tudo estava em família.

Sobre o álbum do Apoteosi, embora tenha sido concebido em família e em uma região italiana pouco visível para o rock progressivo na Itália, não teve a repercussão que se esperava a começar pela baixa distribuição e exposição desse álbum e muito se atribuiu também, à época, por conta das semelhanças com a já famosa banda Premiata Forneria Marconi, que tendia evidentemente para o progressivo sinfônico, primordialmente.

E falando em lançamento, a tiragem foi limitada e quase que caseira, diria “artesanal”, tendo ainda uma distribuição local, se tornando, claro, entre os aficionados pelo vinil, cópias muito raras. Mas se o Apoteosi tem certa visibilidade hoje, nem tanto, se deve aos relançamentos, às abnegadas gravadoras, mas também a “web”, as redes sociais e os produtores de conteúdo e que bom, caros leitores, que esse trabalho esteja figurando neste reles e humilde blog.

Mas por mais que não se vislumbre no único álbum do Apoteosi a tal da originalidade, não podemos deixar de comentar a incrível capacidade e habilidade de seus músicos, mesmo que na mais tenra idade. E o que dizer também de suas habilidades composicionais? Não podemos, de forma alguma, negligenciar isso desta banda da Calábria.

E as referências evidentes em PFM, Banco del Mutuo Soccorso talvez se evidencia pela pouca idade de seus músicos que, mesmo habilidosos com seus instrumentos, eram muito jovens e isso não se pode esquecer, eles, ainda assim, estavam em uma fase de construção de sua identidade musical.


Mas ver como Massimo, o tecladista, um menino no auge dos seus quatorze anos de idade, toca piano, Hammond e ainda editando o álbum é algo no mínimo assombroso de tão incrível. A sua irmã, a vocalista Silvana Idà, um pouco mais velha que ele, mas trazendo uma voz linda e extremamente versátil, que vai da psicodelia, progressivo ao folk rock, mesmo que ainda dependesse de um pouco mais de estrutura, altivez, mas penso que isso se deva a questão da maturidade, afinal, ela também era muito jovem e estava em fase de desenvolvimento musical, como todos os demais músicos.

Diante desse, digamos, problema vocal, a banda deitou-se em um terreno seguro para demonstrar toda a sua capacidade nos seus instrumentos. Além de Massimo Idà dando espetáculo com as suas teclas, tinha também a seção rítmica formada por Federico, no baixo e Marcello Surace na bateria, mostrando-se sólidos e harmoniosos. As guitarras são enérgicas e, além de trazer as indefectíveis nuances sinfônicas, nos remete também a algo mais pesado, um hard rock. É isso que faz desse único álbum do Apoteosi especial: versátil, inusitado, com pitadas folk, psicodélicas e mais pesadas destacadas pelos riffs de guitarra, além de um toque de inocência, pelo fato de termos jovens ainda descobrindo o seu DNA sonoro.

Eu diria, amigos e estimados leitores, que esse álbum tem muitos rostos, a cara de cada um é impressa de forma, embora ainda inocente pela inexperiência, muito viva e plena. São composições convincentes, brilhantes, orgânicas, com destaque, como disse, no seu instrumental, na guitarra vibrante, na seção rítmica empolgante e calcada no rock progressivo sinfônico que, embora revele referências de bandas já estabelecidas na cena italiana, mostra, com evidência, a característica do prog rock da Itália.

“Apoteosi” é franco, altivo, simples, orgânico, intenso e mostra as habilidades de jovens músicos que deixaram, definitivamente, a criatividade falar por si só, sem abrir mão de suas convicções sonoras, trazendo à tona também as suas mais fiéis inspirações e referências, personificando também o que se fazia na Itália progressiva nos anos 1970.

Então vamos às faixas! O álbum é inaugurado pela faixa “Embrion” que se trata, claramente, de uma introdução que, embora curta, se revela cintilante principalmente na execução do teclado na primeira metade da música, com a banda avançando com força total. É perceptível que a ideia composicional dessa faixa era de explorar as habilidades de todos os músicos e, diante desse caos, se faz a beleza sonora. Reza a lenda que a “confusão fragmentada” desta música veio da ideia de todos e que não havia tempo para realmente discutir a construção da mesma. Então o já falado caos se fez presente na faixa.

"Embrion"

Eis que surge então a próxima música, que é uma verdadeira epopeia sonora e certamente se revela a melhor do álbum: “Prima Realta / Frammentaria Rivolta”! No auge dos seus quatorze minutos o piano começa lentamente antes da bateria, lindamente, juntamente com a flauta assumirem o controle. O ritmo logo acelera, os vocais femininos de Silvana trazem a contradição, a leveza. Definitivamente a bateria e o piano ganham destaque, com a guitarra, com alguma energia, tenta, com algum sucesso, protagonismo, sendo esta a mola propulsora do peso na música.

"Prima Realta /Frammentaria Rivolta"

"Il Grande Desumana / Oratori (Coral) / Atteca" começa com um piano que entrega algo sombrio, uma atmosfera melancólica, mas logo acelera com a bateria, que vem forte e soberba. Surgem vocais masculinos sem muito destaque, com a guitarra em seguida, com dedilhados sutis. Os vocais de Silvana são contidos, discretos, diria pastorais e com uma pegada folk. Mas logo anima novamente com uma veia jazzística órgão espectral assombroso e sóbrio e interlúdio coral.

"Il Grande Disumano, Oratorio (Chorale), Attesa"

“Dimensione Da Sogno” se torna triunfante e esperançoso com Silvana cantando com dignidade e certo espírito. Percebe-se nitidamente uma faixa audaciosa e repleta de nuances sonoras distintas, sobretudo quando se sente o prog sinfônico em voga nas variações rítmicas.

"Dimensione Da Sogno"

E fecha com a faixa título, “Apoteosi” que, lentamente vai se desenrolando, com sintetizadores brilhantes, com pitadas interessantes e intrigantes de um space rock e solos de guitarra bem sutis e contemplativas. Talvez nessa música é o que chega mais próximo de um momento psicodélico que nos remete a fase inaugural de bandas como Pink Floyd e Nektar.

"Apoteosi"

A banda, reza a lenda, que nunca se apresentou ao vivo, após o lançamento do álbum e, devido a falta de apoio e de uma estrutura que permitisse a banda difundir a sua arte e manter o mínimo de estabilidade para seguir com a sua trajetória, o inevitável se deu: o Apoteosi se desfez para dar lugar às diferentes decisões de cada um dos irmãos, ou seja, cada um seguirem com as suas carreiras e convicções sonoras. Talvez, arrisco dizer, que o Apoteosi não passou de uma espécie de tudo de ensaio para os jovens músicos testarem as suas aptidões e, a partir daí, explorarem, individualmente, as suas habilidades musicais.

Mas antes disso decidiram juntos enveredar pela música comercial, mudaram o nome para “Stress Band” e gravaram um single, em 1979, com um cover de uma música de Gino Vannelli. Mas com a inevitável dissolução, cada irmão seguiu com carreiras diametralmente distintas uma das outras.

"Stress Band"

Massimo Idà mudou-se para Roma, trabalhando como músico de estúdio e produtor de música para televisão. Atualmente ele toca em uma banda de funky disco, chamada “Frankie & Canthina Band”. Ele também produziu e se apresentou no álbum “Dylaniato”, de Tito Schipa Jr., de 1982.

Silvana Idà deixou a indústria musical para formar a sua família e continua a morar em Palmi, na Calábria, sua cidade natal. Seu filho atualmente toca em uma banda de rock n’ roll. Federico Idá, juntamente com seu irmão Massimo, fez um single como “The Zombies”. Ele faleceu em 1992.

"The Zombies"

O guitarrista Franco Vinci continuou tocando e continua muito ativo no blues. Seu álbum, com a banda “Bootleg”, “Boot Trip”, foi lançado em 2003. Sua banda atuaç leva seu nome e se chama “Franco Vinci Blues Band”. O baterista Marcello Surace continua tocando como músico de estúdio na Itália e na França e também faz parte da “Frankie & Canthina Band”, juntamente com Massimo Idà.

O único álbum de Apoteosi oferece rock progressivo melódico surpreendentemente acessível ao rock progressivo italiano dos anos 1970. É sim um rock progressivo por excelência, afinal todos os elementos certos estão lá: interação musical complexa, seção rítmica sólida, mudanças de tempo e assim por diante. Embora os vocais de Silvana Idà não sejam tão competentes mostram certo prazer. As entradas sinfônicas de teclado são fantásticas e maduras, flautas competentes e guitarras que vão do peso a sutileza.

Um álbum mais do que recomendado que, infelizmente, à época não recebeu a atenção que merecia, afinal, sua edição foi muito limitada, sendo um dos vinis mais procurados e cobiçados entre colecionadores, chegando a valores, quando encontrados astronômicos. Felizmente em 1993 a abnegada Mellow Records relançou o álbum em CD e fez um grande favor aos apreciadores e fãs de rock progressivo. Tiveram outros relançamentos como no Japão, em 2012, pelo selo Belle Antique, em CD, em 2015, na Itália, pelo selo AMS Records e também pelo selo dos pais dos músicos, Salvatore Idà. Entre 2022 e 2024 a AMS Records e a Belle Antique relançaram o álbum no formato CD.





A banda:

Silvana Idà nos vocais

Franco Vinci nos vocais e guitarra elétrica e acústica

Massimo Idà no piano, Hammond B3, Eminent organ, ARP Pro Soloist synthesizer

Federico Idà no baixo e flauta

Marcello Surace na bateria

Com:

Coro Alessandroni / vocais do coro (Em “Oratorio”)

 

Faixas:

1 - Embrion

2 - Prima Realta / Frammentaria Rivolta

3 - Il Grande Disumano / Oratorio (Chorale) / Attesa

4 - Dimensione Da Sogno

5 - Apoteosi



"Apoteosi" (1975)




 











 










 






sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Electric Funeral - The Wild Performance (1970 - 1991/2019)

 

Uma pergunta parece ecoar na minha cabeça desde que esse reles, humilde e famigerado blog nasceu! E para variar, bons amigos leitores, a farei de novo, porque essa banda se adequa aos meus devaneios febris: Pode uma banda obscura, rara, que se não lançou álbum de forma oficial em sua época, ser considerada pioneira ou uma das precursoras da música pesada?

Será que esse tipo de pergunta, que parece atormentar a minha vida, me acompanhar como a minha sombra, pode ser tida como importante para mudar a história do rock pesado, para a construção de um movimento, de uma cena?

A história! Essa palavra mágica que permeia a essência desse esquecido blog que faz questão de dissecar, com requintes de detalhes, as histórias esquecidas do rock n’ roll, das bandas marginais, marginalizadas, que caíram no mais profundo ostracismo por uma série de situações que levaríamos uma vida e centenas de páginas para contar.

Mas comecemos por essa banda que descobri recentemente e que me cativou, confesso, pelo nome que, quando revelar, vocês entenderão! Uma banda da Suíça que não conseguiu, lá pelos anos 1970, não conseguiu lançar nenhum trabalho oficialmente e que pereceu de forma precoce. Falo da ELECTRIC FUNERAL.

Conseguiu associar a clássica música do gigante inglês do heavy rock, o Black Sabbath, saída de seu segundo e icônico álbum, “Paranoid”, de 1970? Pois é, essa banda suíça traz em seu nome, a música do Sabbath e torna-se inevitável a pergunta, aquelas que ecoam nos confins da nossa cabeça e mente: Qual “Electric Funeral” veio primeiro: o da banda rara e obscura da Suíça ou a do Sabbath?

Bem eu não consigo cruzar as datas, mas o fato é que o álbum, embora não tenha sido lançado no período em que as suas músicas foram concebidas, foram gravadas no mesmo ano em que o Black Sabbath lançou seu debut e “Paranoid”, ou seja, em 1970.

Diante desse cenário podemos dizer que Electric Funeral e Black Sabbath que são bandas contemporâneas e que, de certa forma, são as pedras fundamentais do estilo! Será? Não quero cair nessa discussão difícil de pioneirismo, mas o fato é que não podemos negligenciar a importância do Electric Funeral para a música pesada, pelo menos na Suíça. Mas aqui, com o devido respeito, não há espaço para o gigante Sabbath, mas para as “fracassadas” bandas obscuras. Então vamos de Electric Funeral!

“The Wild Performance”, nome dado a essas músicas oriundas de fitas privadas de apresentações ao vivo e ensaios, como disse, gravadas em 1970, com exceção de uma música, chamada “My Destiny”, gravada em 1973, foram lançadas, pela primeira vez, em 1991, pelo selo Vandisk, como um LP muito limitado, com tiragem, pasmem, de 200 cópias numeradas, porém hoje muito procurado e, sem dúvida, se estiver sendo vendido, deve estar a preços astronômicos, teve uma reedição expandida e caprichada com som remasterizado e quatro faixas bônus, retiradas de rolos e fitas encontrados nos arquivos do Electric Funeral.

A sonoridade de “The Wild Performance” é crua, sujo e pesado e o nome faz jus às músicas lançadas finalmente de forma oficial. O lançamento de 1991, como disse, não foi tão caprichado, mas também existe a precariedade pela qual tais faixas foram concebidas originalmente. Porém o relançamento de 2019, no formato CD e também LP, pelo selo Sommor (Guerssen), está um pouco melhor, porém, o “charme” da sujeira e da selvageria dessas músicas, ainda estão lá, intactas.

O Electric Funeral foi formado no final dos anos 1960, para algumas poucas fontes, a banda teria existido entre os anos de 1970 e 1973 e foi formado por Edi Hirt, na bateria, Pierrot Wermeille, no baixo, Alain Christinaz, na guitarra e Dominique Bourquin nos vocais. Poucas, como disse, são as informações da banda, mas reza a lenda de que o Electric Funeral era avassalador nos palcos, com apresentações poderosas e tocando alto, muito alto e que ainda tocavam atrás de pilhas gigantes de amplificadores Marshall. O som era tão pesado que nenhuma gravadora tradicional ofereceu um contrato a banda.

Electric Funeral

“The Wild Performance” é pesado demais para a sua época e não posso negligenciar a informação de que se não fosse pela falta de qualidade do som, da produção do som, poderia se extrair muito mais desse material, mas, por outro lado, é inegável, principalmente para este que vos escreve, que é um charme ouvir esse som cru, sujo e até mesmo brutal, esse hard rock áspero, com pitadas de psych e proto metal que lembra o belo Edgar Broughton Band em algumas partes. Definitivamente é para se ouvir esse som no ápice do volume! Então vamos falar de cada faixa!

O álbum começa com “People” com uma introdução de bateria pesada e riffs e solos de guitarra sujas, que te remete a um psych rock, com uma pegada hard rock aliado a uma lisergia. A faixa vai ganhando em velocidade e assume uma carcaça proto metal muito bem definida trazendo um vocal gritado. “War Funeral Song” me remete ao som sujo e arrastado do doom e que vai mudando o andamento, com dedilhados de guitarra ácida, mas logo vai ficando mais alto, agressivo, personificado por uma guitarra pesada, com bateria espancada e baixo frenético e pulsante. Mas depois volta a ficar arrastado! Diria ser um protótipo de metal progressivo!

"War Funeral Song"

“Black Pages” me traz a lembrança de um hard rock com pitadas de occult rock. Uma sonoridade sombria e aterrorizadora que descortina um Deep Purple em “In Rock” (Odeio comparações!), com baixo pesado e desafiador, bateria marcada e agressiva e riffs de guitarra abafados e de textura ácida! “Rock Ba Rock” também segue uma proposta mais arrastada, uma balada rock com solos de guitarra mais longos e até mesmo mais trabalhados, soando, em alguns momentos, mais sujo e cru, até mesmo selvagem.

"Black Pages"

“To Be One” tem grunhidos, tem gritos altos e um groove ótimo, riff de guitarra grudento e pesado e um baixo pulsante e arrastado. Lá pela metade da faixa ganha em velocidade, mais peso, o baixo é esmurrado, os riffs de guitarra ficam mais pesados e velozes. Espetacular! “We're Gonna Change The World” é o típico hard rock dos anos 1970, com uma pegada cadenciada que entrega riffs grudentos de guitarra, baixo potente e pulsante com solos de tirar o fôlego! Verdadeiramente traz uma energia contagiante.

"To be One"

“Fly Away” é o puro e genuíno heavy metal! Vocais gritados, aos berros, guitarras com riffs pesados e altos, bateria pesada ao extremo. A faixa, certamente uma das melhores, é veloz e agressiva e festiva! “My Destiny” segue a mesma pegada, com uma veia pesada e agressiva, solos e riffs de guitarra pesados e animados, pura energia, com um baixo cavalar lembrando uma banda famosa por aí...

"My Destiny"

“I Don't Know” começa com um riff de guitarra poderoso e vocal, mais uma vez, gritado, bateria com uma batida intensa e agressiva. Após os estridentes gritos do vocalista, o tom fica engraçado, algo pastelão, mas que mostra o tamanho do rock de garagem dessa e todas, na realidade, faixas desse álbum. “You Can Help” já traz algo um tanto quanto atípico para um álbum que, até então, trazia hard rock. Essa faixa tem traços visíveis de proto punk que lembra MC 5 e Stooges, certamente. E fecha com outra versão para “To Be One”, que se revela mais veloz e frenética.

"To be One (Alternative Version)"

Pega-se os amplificadores Marshall, aumenta o volume no máximo, no máximo que puder e aí está o Electric Funeral: sujo, potente, despretensioso! Um hard rock dos anos 1970 como deve ser! Essas músicas foram gravadas em um ou em uns shows ao vivo da banda. Não se tem informações do local ou dos locais, mas provavelmente na parte francófona da Suíça (Romandia). O Electric Funeral deve ser mencionado ao lado de seus contemporâneos de bandas pesadas da Suíça como Toad, Haze, After Shave e Pacific Sound. A versão remasterizada de “The Wild Performance”, lançada pelo selo Sommor Records, teve uma tiragem de 500 cópias.




A banda:

Edi Hirt, na bateria

Pierrot Wermeille, no baixo

Alain Christinaz, na guitarra

Dominique Bourquin nos vocais

 

Faixas:

1- People

2- War Funeral Song

3- Black Pages

4- Rock Ba Rock

5- To Be One

6- We're Gonna Change The World

7- Fly Away

8- My Destiny

9- I Don't Know

10- You Can Help

11- To Be One (Alternate Version)




"The Wild Performance (1970 - 1991/2019)












 


terça-feira, 18 de novembro de 2025

Warpig - Warpig (1972)

 

Muitas histórias desfilaram e certamente desfilarão neste reles e humilde blog. Eu confesso em dizer que aprecio as histórias que permeiam no rock n’ roll, pois penso que estas personificam, desenham as linhas sonoras dos álbuns aqui dissecados. São exemplos de luta, de persistência e principalmente de músicos promissores que, por diversos motivos, fracassam sob o aspecto comercial, perecendo, caindo no mais profundo ostracismo.

Mas o fracasso não obscurece o talento e o talento, ainda que com muita dificuldade, em algum momento, vem à luz por intermédio de abnegados fãs de rock obscuro, de selos alternativos que, graças às redes sociais e outras ferramentas de comunicação, fazem que essas bandas ganhem vida de novo por conta de seus álbuns.

E eu, em minhas incursões e garimpos pela grande rede, descobri uma banda canadense, da região de Ontário, que trazia um nome que muitos conhecem pela música, clássica, do Black Sabbath: WARPIG. Pois é, caros leitores, o Canadá não vive apenas do grande Rush. Há uma infinidade de bandas que compõe o lado esquecido de uma cena rock aquecida e forte.

E o Warpig é uma daquelas inúmeras bandas promissoras que trafegaram, silenciosamente, pelos anos 1960 e que, apesar de produzirem pouco, deixou um trabalho de muito talento e que, de alguma forma, inaugurou, mesmo que na mais profunda obscuridade, um estilo, uma sonoridade que viria a florescer nos anos 1970: o hard rock.

Mas apesar das dificuldades na sua gênese o Warpig ganhou certa repercussão graças as suas inúmeras apresentações ao vivo, como muitas bandas que não tiveram apoio da mídia, das rádios, das gravadoras. Muitos shows, o tempo inteiro na estrada.

Trazendo à tona a história do Warpig, teve a sua formação construída da mesma forma que tantas outras bandas de Ontário, mais precisamente da região de Woodstock, em meados dos anos 1960. O Warpig evoluiu do “Mass Destruction”, uma banda de garagem, também de Woodstock, com o vocalista e guitarrista Rick Donmoyer e o baixista Terry Brett.

Donmoyer tocou antes em várias bandas, como “The Turbines” e “The Kingbees”, também conhecido como “The Wot”. No final de 1966 Donmoyer se viu procurando um novo projeto e se juntou ao “Mass Destruction” que trazia o já mencionado baixista Terry Brett, Dana Snitch, tecladista e guitarrista e o baterista Terry Hook, todos, como disse também, nativos de Woodstock. Isso foi em 1968.

O Mass Destruction começou a ensaiar no porão da casa de Hook, como o início de tantas outras jovens bandas de outros tantos jovens músicos, e logo a banda mudaria o nome para “Warpig”. E do ensaio a nova banda começou a se apresentar ao vivo e conseguiu construir alguma reputação por suas avassaladoras performances e carismáticas, trazendo consigo um número considerável de seguidores, conseguindo chamar a atenção também de alguns executivos de gravadoras e críticos de rock n’ roll.

Enquanto o Warpig se apresentava ao vivo, gravava seu material autoral, fugindo um pouco dos covers de bandas que a inspiraram a construir a sua sonoridade e, graças a essa virada em sua história e também graças às suas apresentações, acabou por chamar a atenção do dono da gravadora Fonthill Records que assistia ao show e imediatamente assinou com o Warpig no final de 1968.

Isso estimulou, ainda mais, os jovens músicos a continuar compor músicas autorais e, enquanto escreviam seu próprio material, deixando de lado sua dependência dos covers, a trajetória do Warpig mudaria completamente em 1969, quando o Led Zeppelin se envolveu em sua turnê massiva que conquistaria o Canadá. Esse frenesi do Zeppelin em terras canadenses infundiria bandas emergente, como o próprio Warpig, com uma sensação de novo impulso energético e vitalidade.

O hard rock estaria na moda e isso traria a audiência de fãs jovens ávidos por novidades, mas infelizmente, não deixaria de trazer à tona as dificuldades dessas bandas, incluindo o próprio Warpig, a financiar suas próprias despesas de gravação. E continuou a revezar o seu trabalho de estúdio com as suas apresentações ao vivo, ganhando espaço também na cena independente de Toronto.

A banda, já que falei de processo de gravação, entrou em estúdio em 1970, juntamente com os produtores Robbie Irving e Jim Croteau, e entregou uma mistura única de sons que levou em consideração todos os sons contemporâneos da época, em uma sopa sonora inacreditavelmente inusitada. Com uma variedade de sons que misturavam tudo, do proto metal ao blues rock, juntamente com o surf rock, sons psicodélicos, prog rock. O Warpig, com seu álbum, provou criar uma diversidade de sons que fizeram outras bandas locais empalidecer em comparação.

O álbum da banda, simplesmente chamado de “Warpig”, teve o término da gravação na primavera de 1970, mas teria que esperar alguns anos para ser lançado devido ao fato de que a gravadora Fonthill havia sido adquirida pela London Records, em 1971, que acabou por renegociar o contrato e, para variar, atrasou o lançamento real do álbum até 1972!

Isso foi realmente ruim para a banda, porque o Warpig entregou um álbum de hard rock por excelência em 1970, na época em que o rock psicodélico dos anos 1960 estava se metamorfoseando no hard dos anos 1970 e no prog rock também dos anos 1970. O Warpig ainda tinha a capacidade de criar composições progressivas mais complexas, capturando, como disse, várias sonoridades que estavam embrionárias nos anos 1970. Então, por conta de questões contratuais, o Warpig poderia assumir um protagonismo histórico e rivalizar com a tríade fantástica da música pesada da Inglaterra: Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, pois, digo, sem medo de errar, que o Warpig trafegou nos estilos sonoros praticados por essas famosas bandas.

Adicione isso a acidez lisérgica de influências do Cream e Jimi Hendrix, a uma fúria juvenil marcada por experimentalismos, com uma eficácia habilidosa e comovente, sendo estes os ingredientes certos para uma banda de rock atingir o ápice do sucesso comercial e mundial, mas o desfecho provaria o contrário. Alia-se a isso negligência de divulgação da gravadora, músicas não tocadas nas rádios, falta de gerenciamento adequado, negligência total, que é capaz de causar uma perda de todo o ímpeto de jovens músicos ávidos por ganhar o mundo. Mas antes de trazer o fim, falemos de suas músicas.

O álbum é inaugurado com a faixa “Flaggit” que já entrega, de imediato, o lado blues rock e hard rock do álbum. É pesada e direta, rápida, que nos remete, juntamente com riffs grudentos de guitarra, uma porção proto metal. Solos mais diretos de guitarra corroboram a sua condição de um hard rock com pitadas blueseiras de excelente qualidade. Não podemos negligenciar também a bateria pesada, marcada, com um baixo pulsante e vivo.

"Warpig"

“Tough Nuts” começa com aquele teclado psicodélico, que remete ao The Doors, repleto de lisergia, mas depois irrompe em uma explosão hard, cheia de peso, que lembra um doom metal sujo e arrastado e nisso fica uma inusitada “rivalidade” entre a pegada pesada e lisérgica. O destaque também fica para a bateria pesada, destruindo tudo, arrasando com tímpanos suaves e delicados. É pesada, é psicodélica, é intensa!

"Tough Nuts"

Segue com “Melody with Balls” que traz uma introdução arrasadora de um riff pesado e sujo que remete ao Sabbath e a fase mais dura do Zeppelin e que logo fica meio cadenciada, dançante, mas não menos pesada, porque a bateria, com uma batida pesada, e os solos de guitarra, faziam questão de deixá-la mais voltada para o hard rock. Mas não fica apenas no peso, mas depois assume um lado mais experimental, viajante, remetendo ao psicodelismo, porém por pouco tempo, porque os riffs de guitarra voltariam para mantê-la pesada.

"Melody with Balls"

“Advance Am” (Advance in A Minor) inaugura o lado progressivo do álbum. A sua introdução tem nos teclados o destaque, trazendo uma sonoridade calcada no beat, no psicodélico também, me remetendo às bandas como Iron Butterfly, por exemplo. Uma sonoridade viajante, contemplativa, sombria, estranha, em alguns momentos. Mas o peso vai ganhando corpo, graças a bateria que bate forte, uma batida seca, porém intensa, um baixo forte e pulsante, a seção rítmica ganha destaque nesse momento da faixa de sete minutos e meio de duração. E assim ela vai tendo mudanças de andamento bem interessante, mostrando um Warpig bem complexo e até mesmo sofisticado.

"Advance Am (Advance in a Minor)"

“Rock Star” traz de volta o hard rock veloz e pesado, mas um pouco mais dançante e com uma pegada inicial meio jazzístico, a bateria ajuda muito para essa percepção. Um “fusion hard” cheio de energia e peso e muito solar. É animada e corrobora com solos bem dedilhados de guitarra. O vocal ganha destaque nessa faixa também, variando da limpidez a momentos mais gritados e potentes.

"Rock Star"

“Sunflight” começa meio familiar, com uma guitarra ao estilo Yes, mas só por alguns instantes em sua fase inaugural, porque logo irrompe para uma explosão de peso sonoro, capitaneados por riffs e solos de guitarra pesados e bateria marcada. Mas esse peso e contrabalanceado por um vocal límpido, transparente, quase cristalino que traz leveza à música. Os solos vão se intensificando, cada vez mais altos, mesclados aos riffs grudentos e pesados. 

"Sunflight"

“U.X.I.B.” começa pagã, sonoridades folk, lisérgicas, psicodélica, torna a faixa introspectiva, sombria, estranha. Mas esse momento mais introspectivo dá lugar a solos lindos de guitarra, de tirar o fôlego, com a bateria arrogantemente pesada, baixo galopante e cheio de groove, isso tudo com um tecido de guitarra que cobria todo esse aparato instrumental. Sem dúvida mais uma faixa hard progressiva, repleta de mudanças rítmicas de tirar o fôlego.

"U.X.I.B"

E finalmente fecha com “The Moth” que lembra, mais uma vez, The Doors, com um duplo destaque, com bateria cheia de groove e teclados dançantes e animados. Depois ganha uma camada meio jazzística em um fusion nervoso e envenenado, com solos de bateria, de teclados. Aqui a banda foge um pouco do hard rock que se mostrou predominante em todo o álbum e constrói uma música com uma pegada mais comercial, mas sem soar ruim ou vazia.

"The Moth"

A compra da Fonthill Records pela London Records, em 1971, além de ter adiado o lançamento oficial do álbum homônimo do Warpig e complicado um pouco a vida dos seus músicos, que fez com que revissem o contrato, lançando o trabalho em 1972, veio junto com um abandono de divulgação da banda pela London Records.

Faltou apoio e difusão do trabalho da banda, porém, ainda assim, em 1973, o álbum foi relançado e reeditado pela London, com uma nova capa e duas faixas regravadas no Toronto Sound com Terry Brown, produtor icônico das grandes bandas do rock canadense, são elas: "Flaggit" e " Rock Star". Inclusive a versão regravada do single “Rock Star” chegaria às paradas, finalmente, e ficou por sete semanas.

Essa nova capa, relançada pelo selo London Records, traz uma foto de uma vela acesa ao lado de um ankh, o símbolo egípcio da chave da vida em jogo americano carmesim. A contracapa mostra uma imagem com a vela apagada. A capa interna tem uma foto vermelha da banda em um bosque profunda e há uma nota final nos créditos do álbum que diz: “Para melhor resposta, este disco deve ser tocado alto!”

O Warpig continuou se apresentando ao vivo, fazendo shows e revezando, gravando material novo no estúdio quando tinha um tempo vago. Mas o que deveria ser o segundo álbum da banda foi arquivado quando eles não conseguiram encontrar um distribuidor. Se viram obrigados a interromper o projeto praticamente pela metade.

Snitch deixou a banda por diferenças musicais e um tanto quanto irritado com a gestão da banda, bem como o caminho sem luz no fim do túnel que o Warpig estava seguindo. Não demorou muito que os demais integrantes da banda também debandarem. A separação completa da banda ocorreu pouco tempo depois, no final de 1973. Todos passaram a fazer projetos externos e suas próprias coisas, Donmoyer continuou na música por mais alguns anos, principalmente fazendo turnê com a banda Ash Mountain, sediada em Toronto.

Em 2003 o Warpig reaparece quando algumas cópias de seu álbum de estreia, piratas, começaram a atrair preços altos no Ebay, no mercado negro. A banda, aproveitando esse momento, foi reformulada, trazendo a sua formação original. Eles se reuniram para ver o que aconteceria e, desde então, concentraram suas energias nos ensaios em tempo praticamente integral.

"Warpig atualmente"

Finalmente seu álbum autointitulado foi oficialmente relançado em 2006, agora pela Relapse Records, embora muitas versões piratas em CD e vinil continuassem a aparecer e serem comercializadas.

O álbum foi remasterizado digitalmente por Peter Moore (Cowboy Junkies) e contou com um novo layout de arte criado pelo artista Orion Landau. A versão em CD de “Warpig” foi lançada pela Relapse em outubro de 2006.


A banda:

Rick Donmoyer nos vocais e guitarra

Terry Hook na bateria

Dana Snith nos teclados e vocais

Terry Brett no baixo

 

Faixas:

1 - Flaggit

2 - Tough Nuts

3 - Melody with Balls

4 - Advance Am

5 - Rock Star

6 - Sunflight

7 - U.X.I.B.

8 - The Moth




"Warpig" (1970)




 


 










 













 








sábado, 8 de novembro de 2025

Tapiman - Tapiman (1972)

 

Costumo associar ou comparar algumas bandas, principalmente aquelas de vida efêmera, com uma estrela cadente, como são conhecidos, popularmente, como meteoros. São fugazes, são manifestações naturais, que, quando surgem, são fugazes e, dependendo de sua magnitude, destroem tudo o que veem pela frente.

Não há comparação melhor com as bandas obscuras e que surgem na escuridão, na obscuridade, vivem uma vida curta, desaparecem sem deixar rastros, mas, ainda assim, conseguem servir de referência para suas vertentes sonoras, mas não gozando de sucesso e popularidade.

E como estrelas fugazes podem ser apreciados por poucos, afinal tem de estar com os seus telescópios, seus olhares voltados para o lugar certo e no momento certo. E repararam quando presenciamos tais fenômenos nos sentimos privilegiados? Pois é, caros leitores, isso se aplica também às bandas que surgem, vivem e perecem obscuramente.

Por isso que costumo dizer que nasci no “tempo errado”. O tempo é relativo, porque temos a sorte de termos gravadoras undergrounds abnegadas e dispostas em trazer à tona bandas e álbuns esquecidos e jogados no fundo do baú empoeirado do rock n’ roll e que podemos ouvir e perceber, definitivamente que, os anos 1970, foram os mais prolíficos para o rock.

Então falemos de uma excepcional banda catalã, surgida, claro, em Barcelona, que abalou com as estruturas sônicas daquela proeminente cena rock trazendo um hard rock potente calcado ainda no blues rock e no que convencionaríamos, no futuro, de heavy metal. A banda? TAPIMAN.

Tapiman

As origens do Tapiman vêm do exímio baterista Josep María Vilaseca "Tapi", que era uma lenda do rock espanhol, tido, inclusive como o melhor baterista de seu tempo. Reza a lenda de quem o conheceu, de que ele era um menino e mais a frente um jovem a frente de seu tempo, que gostava de beber e se divertir. Tapi era uma maravilha com as baquetas na mão. Parecia levitar com seu instrumento, quando se apresentava.

E a sua trajetória no rock se fez com a banda Vértice e em 1969 ingressaria no Maquina!, uma referência do rock catalão na transição das décadas de 1960 para a de 1970. Com a dissolução do Maquina!, Tapi decidiu alçar novos voos e contou com o excelente guitarrista Miguel Ángel Núñez para formar o Tapiman, lá pelo ano de 1970. A origem do nome “Tapiman” vem do nome “Tapi” de Josep e a contração do nome do guitarrista Miguel (MAN). Se juntaria, logo após, à banda o baixista Pepe Fernández, que tocou também no Vértice com Tapi. Vale dizer também que “Tapi” era o nome artístico de Josep, porque ele morava rua Tapioles (Tapi / oles), na Chinatown de Barcelona.

O “power trio” estava formado. E eles de fato trouxeram algo novo, arrojado ao rock n’ roll espanhol. E com um punhado de músicas no braço os jovens músicos foram em busca de algum produtor, empresário ou gravadora para materializar seu sonho de gravar um álbum e as suas músicas, até que o selo Edigsa decidiu gravar, em 1971, o primeiro single do Tapiman, com duas músicas, "Hey, You!" e "Sugar Stone", duas grandes canções que seriam o prelúdio do que viria mais tarde com seu primeiro álbum.

E o destaque fica para “Sugar Stone” que apresenta um hard rock puro, potente, vigoroso, tido, por muitos, como uma das músicas pioneiras da música pesada na Espanha e que tinha alusões claras, em sua letra, a temas psicodélicos, fruto ainda de uma fase no rock onde a lisergia reinava ou pelo menos, lá pelos idos de 1971, terminava seu reinado.

Fica o destaque também em dizer que o Tapiman foi o primeiro “power trio” da história do rock espanhol e nitidamente mostrava influências de bandas como Black Sabbath que à época estava iniciando a sua trajetória com a sua trinca pesada de álbuns seminais e pesados, além de Jimi Hendrix e, claro, Cream, o primeiro “power trio” da história do rock. Outra novidade para o rock espanhol era o baterista como vocalista também, mesmo que Tapi tivesse certa barreira com o idioma inglês, compensava com potência e por vezes um vocal rasgado que harmonizava perfeitamente com a sonoridade do Tapiman.

Naquele mesmo ano, 1971, o Tapiman lançaria outro single, agora com as músicas “Love Country” e “Walking All Along the Life”, porém com outro guitarrista. Seria a primeira baixa da banda, saindo o grande guitarrista fundador, Miguel Ángel, devido ao serviço militar obrigatório. Tapi não demorou muito para encontrar um novo guitarrista para compor a banda e este foi outro exímio “guitar man” chamado Max Sunyer, outra lenda viva que também havia tocado no Vértice e que já era um guitarrista profissional experiente.

Vale, como registro histórico, que, pouco antes disso, Tapi, juntamente com três dos músicos do Vértice, além de ter colaborado com os singles que a banda lançou, gravaria, em 1970, um álbum de nome “Rock n’ Roll Music”, de um rock muito poderoso e com tendências muito progressivas que incluíram versões de John Mayall e Ray Charles. Este álbum foi lançado com uma tiragem muito curta. Esse projeto é um claro avanço do que viria mais tarde a ser o Tapiman.

"I Want a Boogie"

Para alguns críticos da época e fãs também esse segundo single lançado pelo Tapiman perderia a força do anterior lançado, sendo um passo em falso considerando o que viria no ano seguinte com o seu primeiro álbum, mas para outros a adição de Sunyer foi preponderante para o crescimento sonoro da banda. Independentemente de qualquer coisa, a chama estava acesa, a força do Tapiman ainda estava lá com seu DNA explosivo calcado no blues e hard rock.

O início dos anos 1970 foram confusos para a Espanha, dada a sua instabilidade social e política. Em 1971, antes do Tapiman lançar o primeiro álbum, participaria do festival permanente do Iris Hall de Barcelona. Juntamente com o Tapiman estavam bandas como Smash, Sisa, Pan, Alcaçuz entre outras.

Dado o clima de revolta que ainda enfileirava após os chamados processos de “Burgos”, a polícia se dedicou a bater, sem dó, nos apreciadores de rock n’ roll que saída do festival, pelo fato de serem “cabeludos”. O Tapiman também participaria, em Madrid, de um festival de rock progressivo que no ano anterior não pôde ser realizado por causa de uma batalha campal entre estudantes e roqueiros. Mas, apesar dessa instabilidade política e da atmosfera de violência, também foram dias de grande emoção e diversão.

E assim surgiria para o mundo, graças ao olhar do selo Edigsa, que confiou no trabalho arrojado e louco do Tapiman, o álbum homônimo, em 1972, tendo como base no que foi lançado no primeiro single, que contava ainda com Miguel Ángel à frente da guitarra na banda. Mas claro que teve a assinatura de Max Sunyer dada a sua já experiência no universo da música. A capa, marcante, com uma caveira rosa, foi concebida por Guillem Paris, membro do Pan e Licorice, bandas que compartilharam palcos e a cena no início dos anos 1970.

“Tapiman” surgiu como uma bomba do hard rock muito à frente do seu tempo, um álbum cru, sujo e forte, totalmente despretensioso. Pepe e Tapi fazem uma seção rítmica bem entrosada, com a bateria que é uma verdadeira delícia e que deixa um bom terreno para Max implantar todas as suas habilidades na guitarra. Apesar da energia do álbum, não se destacam propriamente por serem muito pesados ou muito progressivos, têm uma personalidade muito marcada e inconfundível e um trabalho importante e realizado nas partes mais psicodélicas.

Apesar de ser um álbum similar ao que estava se fazendo na Europa e nos Estados Unidos, com o viés do peso, do hard rock e até mesmo pegada progressiva e blueseira, o que tornava, também, o debut do Tapiman especial e único é a sua veia psicodélica e principalmente uma camada proto heavy que, certamente, serviria de referência para a cena metal da Espanha e da Europa nos anos 1980 e nas gerações de músicos mais à frente.

O álbum é bem recebido à época e teve boas críticas na também escassa imprensa que atuava na área musical nos longínquos anos 1970. Mas ainda assim não foi considerado como o melhor álbum de hard rock gravado na Espanha, essa parte é plenamente discutível, pois temos, de fato, bons trabalhos lançados no início dos anos 1970, mas “Tapiman” definitivamente foi o melhor de sua época! Ah já que falamos de melhores álbuns, destaco, da mesma cena espanhola de Barcelona, um trabalho magnífico, lançado anos mais tarde, em 1979, do álbum “La Bruja”, da banda Rockcelona, cuja resenha pode ser lida aqui.

Abre com a faixa “Wrong World” que já entrega, em sua introdução, um riff que deixaria bem claro o que vamos ouvir em todo o trabalho do Tapiman: um hard rock volumoso, pesado, agressivo, potente, com uma jam enérgica e viva. A sequência traz "Gosseberry Park" que me remete a uma veia mais pop, mas que não entra em conflito com a proposta do álbum. O resultado é uma música elegante, cativante e amigável para o rádio.

"Wrong World"

Segue com “Don't Ask Why” que revela um blues progressivo portentoso que traz a sensação de que você nunca sabe como vai continuar, mas não se torna excessivo, indigesto ou ainda enfadonho, porque a guitarra soa melhor, uma sonoridade mais rebuscada e o final é apoteótico. “Practice” não foge à regra e traz um festival de riffs de guitarra pesados e agressivos com uma bateria marcada e extremamente pesada. É de tirar o fôlego!

"Don't Ask Why"

“Paris” é um belo instrumental que soa melancólico acompanhado por um órgão Hammond, onde a guitarra de Sunyer se torna o destaque, que chora suavemente e que me remete, em parte, a um blues antigo. “No Chance” começa com a guitarra mais viajante e uma sonoridade mais calcada no psych, um psicodélico mais pesado, que traz à memória Cream e Hendrix.

"No Chance"

“Moonbeam” é outra faixa instrumental muito bem executada, mostrando a destreza dos músicos com seus respectivos instrumentos e traz à mente, em sua base rítmica, o rock andaluz da época. “No Control” traz de volta o peso sujo do álbum, uma guitarra arrastada, agressiva e densa, ao mesmo tempo, que me remeteu ao doom metal oitentista. Vocal rouco e rasgado também é o destaque.

"No Control (Álbum: "Hard Drive")

Eis que surge “Jenny”, a balada do álbum. Mas em vez de cair no brega previsível tem uma atmosfera sombria e, claro, psicodélica deslumbrante. Viajante! E fecha com a música mais complexa e longa do álbum, “Driving Shadow (Pepe’s Song”). Essa faixa alterna entre partes brutais de hard rock poderoso, psicodelia, um solo de bateria e os inevitáveis solos de guitarra, uma das marcas registradas desse álbum. Uma música brutal e complexa que raramente é feita nos dias de hoje.

"Jenny"

Embora, como eu disse, “Tapiman” tenha sido bem recebido pelos fãs e pela crítica e ter tido todos os predicados de seu pioneirismo, o álbum não foi bem sucedido nas vendas. Claro, porque, olhando para trás com perspectiva, pode-se perceber o quão estranho, arrojado e original foi este álbum. E como costuma acontecer, surgiriam os primeiros conflitos entre os integrantes do Tapiman.

Um dos primeiros problemas vieram com relação a seriedade com que os músicos não estavam levando no que diz respeito a condução da banda e isso, além de conflitos criativos, culminaram com a dissolução da banda no mesmo ano em que seu álbum foi lançado, em 1972. Max, por ser um músico mais experiente, vivia da música e exigia um nível de trabalho que Pepe e Tapi, aparentemente, não estavam dispostos a dar. Uma passagem, uma existência precoce e surgiu como um fenômeno da natureza.

Mas a história não terminaria em 1972. Em 2017, a abnegada gravadora Guerssen Records lançaria algumas gravações esquecidas de material restante e inacabado da primeira fase, diria da fase inaugural, do Tapiman, em 1971, resgatado pelo jornalista Alex Gómez Font, após localizar Miguel Ángel Nuñez, vocalista original da banda.

O álbum, intitulado “Hard Drive”, nos traz uma série de músicas com uma qualidade de gravação um tanto quanto precária, mas que só realçam, mais uma vez, a crueza e agressividade que fez do Tapiman a banda que foi: pesada e agressiva, trazendo a despretensiosidade ao seu DNA sonoro e que materializou em seu álbum lançado em 1972.

"Hard Drive" (1971 - 2017)

No final dos anos 1970 o Chapa Discos decidiu revitalizar o rock espanhol, materiais de bandas esquecidos pelo tempo, dos pioneiros do rock daquele país. Foram várias as bandas e, claro, o Tapiman não ficou de fora. Surgiria “Em Ruta”, em 1979. Um álbum ao vivo que foi reeditado e que trazia, além de Tapi, na bateria e vocal e Pepe Fernández no baixo e na guitarra, com mudança, teria Javier Moreno, ex Hot Panotxa.

Tapiman em 1979

“En Ruta” mostrou um Tapiman ainda vivo, mostrando seu habitual peso, seu hard rock potente e volumoso, mas faltou um pouco mais de atenção à banda por parte da equipe que o geria, bem como as intensas instabilidades que insistiram em rondar a vida da banda, muito graças a vida louca de Josep Tapi.

"En Ruta" (1979)

O primeiro álbum do Tapiman não é muito elaborado, porque é direto e cru, a síntese perfeita do que convencionamos de hard rock na sua gênese. O “power trio” espanhol sem dúvida foi um dos pioneiros do hard rock espanhol e serviu de referência para o rock espanhol, para a música pesada daquele país e ouso dizer de toda a Europa! Em 1994, Josep Tapi morreria deixando um legado de despretensiosidade do rock n’ roll e uma chama viva personificada no grande Tapiman.

“Tapiman” teve alguns relançamentos. Em 1993, no formato CD, na Espanha pelo selo PDI. Em 2003 foi lançado pela Guerssen Records e PDI, no formato LP. Em 2005 mais relançamentos na Espanha, novamente com a Guerssen e PDI: dois lançamentos no formato CD. E o mais recente, em 2012, no formato CD, pelo selo Picap, também na Espanha.





A banda:

Josep María Vilaseca "Tapi" na bateria e vocal

Max Sunyer na guitarra

Pepe Fernández no baixo

Com a minha menção honrosa ao fundador da banda, Miguel Ángel Nuñez, guitarrista.

 

Faixas:

1 - Wrong World

2 - Gosseberry Park

3 - Don't Ask Why

4 - Practice

5 - Paris

6 - No Chance

7 - Moonbeam

8 - No Control

9 - Jenny

10 - Driving Shadow (Pepe's Song)


 


"Tapiman" (1972)