Costumo associar ou comparar
algumas bandas, principalmente aquelas de vida efêmera, com uma estrela
cadente, como são conhecidos, popularmente, como meteoros. São fugazes, são
manifestações naturais, que, quando surgem, são fugazes e, dependendo de sua
magnitude, destroem tudo o que veem pela frente.
Não há comparação melhor com
as bandas obscuras e que surgem na escuridão, na obscuridade, vivem uma vida
curta, desaparecem sem deixar rastros, mas, ainda assim, conseguem servir de
referência para suas vertentes sonoras, mas não gozando de sucesso e popularidade.
E como estrelas fugazes podem
ser apreciados por poucos, afinal tem de estar com os seus telescópios, seus
olhares voltados para o lugar certo e no momento certo. E repararam quando
presenciamos tais fenômenos nos sentimos privilegiados? Pois é, caros leitores,
isso se aplica também às bandas que surgem, vivem e perecem obscuramente.
Por isso que costumo dizer que
nasci no “tempo errado”. O tempo é relativo, porque temos a sorte de termos
gravadoras undergrounds abnegadas e dispostas em trazer à tona bandas e álbuns
esquecidos e jogados no fundo do baú empoeirado do rock n’ roll e que podemos
ouvir e perceber, definitivamente que, os anos 1970, foram os mais prolíficos
para o rock.
Então falemos de uma
excepcional banda catalã, surgida, claro, em Barcelona, que abalou com as
estruturas sônicas daquela proeminente cena rock trazendo um hard rock potente
calcado ainda no blues rock e no que convencionaríamos, no futuro, de heavy
metal. A banda? TAPIMAN.
As origens do Tapiman vêm do
exímio baterista Josep María Vilaseca "Tapi", que era uma lenda do
rock espanhol, tido, inclusive como o melhor baterista de seu tempo. Reza a
lenda de quem o conheceu, de que ele era um menino e mais a frente um jovem a
frente de seu tempo, que gostava de beber e se divertir. Tapi era uma maravilha
com as baquetas na mão. Parecia levitar com seu instrumento, quando se
apresentava.
E a sua trajetória no rock se
fez com a banda Vértice e em 1969 ingressaria no Maquina!, uma referência do
rock catalão na transição das décadas de 1960 para a de 1970. Com a dissolução
do Maquina!, Tapi decidiu alçar novos voos e contou com o excelente guitarrista
Miguel Ángel Núñez para formar o Tapiman, lá pelo ano de 1970. A origem do nome
“Tapiman” vem do nome “Tapi” de Josep e a contração do nome do guitarrista
Miguel (MAN). Se juntaria, logo após, à banda o baixista Pepe Fernández, que
tocou também no Vértice com Tapi. Vale dizer também que “Tapi” era o nome
artístico de Josep, porque ele morava rua Tapioles (Tapi / oles), na Chinatown
de Barcelona.
O “power trio” estava formado.
E eles de fato trouxeram algo novo, arrojado ao rock n’ roll espanhol. E com um
punhado de músicas no braço os jovens músicos foram em busca de algum produtor,
empresário ou gravadora para materializar seu sonho de gravar um álbum e as
suas músicas, até que o selo Edigsa decidiu gravar, em 1971, o primeiro single
do Tapiman, com duas músicas, "Hey, You!" e "Sugar Stone", duas
grandes canções que seriam o prelúdio do que viria mais tarde com seu primeiro
álbum.
E o destaque fica para “Sugar
Stone” que apresenta um hard rock puro, potente, vigoroso, tido, por muitos,
como uma das músicas pioneiras da música pesada na Espanha e que tinha alusões
claras, em sua letra, a temas psicodélicos, fruto ainda de uma fase no rock
onde a lisergia reinava ou pelo menos, lá pelos idos de 1971, terminava seu
reinado.
Fica o destaque também em
dizer que o Tapiman foi o primeiro “power trio” da história do rock espanhol e
nitidamente mostrava influências de bandas como Black Sabbath que à época
estava iniciando a sua trajetória com a sua trinca pesada de álbuns seminais e
pesados, além de Jimi Hendrix e, claro, Cream, o primeiro “power trio” da
história do rock. Outra novidade para o rock espanhol era o baterista como
vocalista também, mesmo que Tapi tivesse certa barreira com o idioma inglês,
compensava com potência e por vezes um vocal rasgado que harmonizava
perfeitamente com a sonoridade do Tapiman.
Naquele mesmo ano, 1971, o
Tapiman lançaria outro single, agora com as músicas “Love Country” e “Walking
All Along the Life”, porém com outro guitarrista. Seria a primeira baixa da
banda, saindo o grande guitarrista fundador, Miguel Ángel, devido ao serviço
militar obrigatório. Tapi não demorou muito para encontrar um novo guitarrista
para compor a banda e este foi outro exímio “guitar man” chamado Max Sunyer,
outra lenda viva que também havia tocado no Vértice e que já era um guitarrista
profissional experiente.
Vale, como registro histórico,
que, pouco antes disso, Tapi, juntamente com três dos músicos do Vértice, além
de ter colaborado com os singles que a banda lançou, gravaria, em 1970, um
álbum de nome “Rock n’ Roll Music”, de um rock muito poderoso e com tendências
muito progressivas que incluíram versões de John Mayall e Ray Charles. Este
álbum foi lançado com uma tiragem muito curta. Esse projeto é um claro avanço
do que viria mais tarde a ser o Tapiman.
Para alguns críticos da época
e fãs também esse segundo single lançado pelo Tapiman perderia a força do
anterior lançado, sendo um passo em falso considerando o que viria no ano
seguinte com o seu primeiro álbum, mas para outros a adição de Sunyer foi
preponderante para o crescimento sonoro da banda. Independentemente de qualquer
coisa, a chama estava acesa, a força do Tapiman ainda estava lá com seu DNA
explosivo calcado no blues e hard rock.
O início dos anos 1970 foram confusos para a Espanha, dada a sua instabilidade social e política. Em 1971, antes do Tapiman lançar o primeiro álbum, participaria do festival permanente do Iris Hall de Barcelona. Juntamente com o Tapiman estavam bandas como Smash, Sisa, Pan, Alcaçuz entre outras.
Dado o clima de revolta que
ainda enfileirava após os chamados processos de “Burgos”, a polícia se dedicou
a bater, sem dó, nos apreciadores de rock n’ roll que saída do festival, pelo
fato de serem “cabeludos”. O Tapiman também participaria, em Madrid, de um
festival de rock progressivo que no ano anterior não pôde ser realizado por
causa de uma batalha campal entre estudantes e roqueiros. Mas, apesar dessa
instabilidade política e da atmosfera de violência, também foram dias de grande
emoção e diversão.
E assim surgiria para o mundo, graças ao olhar do selo Edigsa, que confiou no trabalho arrojado e louco do Tapiman, o álbum homônimo, em 1972, tendo como base no que foi lançado no primeiro single, que contava ainda com Miguel Ángel à frente da guitarra na banda. Mas claro que teve a assinatura de Max Sunyer dada a sua já experiência no universo da música. A capa, marcante, com uma caveira rosa, foi concebida por Guillem Paris, membro do Pan e Licorice, bandas que compartilharam palcos e a cena no início dos anos 1970.
“Tapiman” surgiu como uma
bomba do hard rock muito à frente do seu tempo, um álbum cru, sujo e forte,
totalmente despretensioso. Pepe e Tapi fazem uma seção rítmica bem entrosada,
com a bateria que é uma verdadeira delícia e que deixa um bom terreno para Max
implantar todas as suas habilidades na guitarra. Apesar da energia do
álbum, não se destacam propriamente por serem muito pesados ou muito
progressivos, têm uma personalidade muito marcada e inconfundível e um trabalho
importante e realizado nas partes mais psicodélicas.
Apesar de ser um álbum similar
ao que estava se fazendo na Europa e nos Estados Unidos, com o viés do peso, do
hard rock e até mesmo pegada progressiva e blueseira, o que tornava, também, o
debut do Tapiman especial e único é a sua veia psicodélica e principalmente uma
camada proto heavy que, certamente, serviria de referência para a cena metal da
Espanha e da Europa nos anos 1980 e nas gerações de músicos mais à frente.
O álbum é bem recebido à época
e teve boas críticas na também escassa imprensa que atuava na área musical nos
longínquos anos 1970. Mas ainda assim não foi considerado como o melhor álbum
de hard rock gravado na Espanha, essa parte é plenamente discutível, pois
temos, de fato, bons trabalhos lançados no início dos anos 1970, mas “Tapiman”
definitivamente foi o melhor de sua época! Ah já que falamos de melhores
álbuns, destaco, da mesma cena espanhola de Barcelona, um trabalho magnífico,
lançado anos mais tarde, em 1979, do álbum “La Bruja”, da banda Rockcelona,
cuja resenha pode ser lida aqui.
Abre com a faixa “Wrong World”
que já entrega, em sua introdução, um riff que deixaria bem claro o que vamos
ouvir em todo o trabalho do Tapiman: um hard rock volumoso, pesado, agressivo,
potente, com uma jam enérgica e viva. A sequência traz "Gosseberry
Park" que me remete a uma veia mais pop, mas que não entra em conflito com
a proposta do álbum. O resultado é uma música elegante, cativante e amigável
para o rádio.
Segue com “Don't Ask Why” que
revela um blues progressivo portentoso que traz a sensação de que você nunca
sabe como vai continuar, mas não se torna excessivo, indigesto ou ainda
enfadonho, porque a guitarra soa melhor, uma sonoridade mais rebuscada e o
final é apoteótico. “Practice” não foge à regra e traz um festival de riffs de
guitarra pesados e agressivos com uma bateria marcada e extremamente pesada. É
de tirar o fôlego!
“Paris” é um belo instrumental
que soa melancólico acompanhado por um órgão Hammond, onde a guitarra de Sunyer
se torna o destaque, que chora suavemente e que me remete, em parte, a um blues
antigo. “No Chance” começa com a guitarra mais viajante e uma sonoridade mais
calcada no psych, um psicodélico mais pesado, que traz à memória Cream e
Hendrix.
“Moonbeam” é outra faixa
instrumental muito bem executada, mostrando a destreza dos músicos com seus
respectivos instrumentos e traz à mente, em sua base rítmica, o rock andaluz da
época. “No Control” traz de volta o peso sujo do álbum, uma guitarra arrastada,
agressiva e densa, ao mesmo tempo, que me remeteu ao doom metal oitentista.
Vocal rouco e rasgado também é o destaque.
Eis que surge “Jenny”, a
balada do álbum. Mas em vez de cair no brega previsível tem uma atmosfera
sombria e, claro, psicodélica deslumbrante. Viajante! E fecha com a música mais
complexa e longa do álbum, “Driving Shadow (Pepe’s Song”). Essa faixa alterna
entre partes brutais de hard rock poderoso, psicodelia, um solo de bateria e os
inevitáveis solos de guitarra, uma das marcas registradas desse álbum. Uma
música brutal e complexa que raramente é feita nos dias de hoje.
Embora, como eu disse,
“Tapiman” tenha sido bem recebido pelos fãs e pela crítica e ter tido todos os
predicados de seu pioneirismo, o álbum não foi bem sucedido nas vendas. Claro, porque,
olhando para trás com perspectiva, pode-se perceber o quão estranho, arrojado e
original foi este álbum. E como costuma acontecer, surgiriam os primeiros
conflitos entre os integrantes do Tapiman.
Um dos primeiros problemas
vieram com relação a seriedade com que os músicos não estavam levando no que
diz respeito a condução da banda e isso, além de conflitos criativos,
culminaram com a dissolução da banda no mesmo ano em que seu álbum foi lançado,
em 1972. Max, por ser um músico mais experiente, vivia da música e exigia um
nível de trabalho que Pepe e Tapi, aparentemente, não estavam dispostos a dar. Uma
passagem, uma existência precoce e surgiu como um fenômeno da natureza.
Mas a história não terminaria
em 1972. Em 2017, a abnegada gravadora Guerssen Records lançaria algumas
gravações esquecidas de material restante e inacabado da primeira fase, diria
da fase inaugural, do Tapiman, em 1971, resgatado pelo jornalista Alex Gómez
Font, após localizar Miguel Ángel Nuñez, vocalista original da banda.
O álbum, intitulado “Hard
Drive”, nos traz uma série de músicas com uma qualidade de gravação um tanto
quanto precária, mas que só realçam, mais uma vez, a crueza e agressividade que
fez do Tapiman a banda que foi: pesada e agressiva, trazendo a
despretensiosidade ao seu DNA sonoro e que materializou em seu álbum lançado em
1972.
No final dos anos 1970 o Chapa
Discos decidiu revitalizar o rock espanhol, materiais de bandas esquecidos pelo
tempo, dos pioneiros do rock daquele país. Foram várias as bandas e, claro, o
Tapiman não ficou de fora. Surgiria “Em Ruta”, em 1979. Um álbum ao vivo que
foi reeditado e que trazia, além de Tapi, na bateria e vocal e Pepe Fernández
no baixo e na guitarra, com mudança, teria Javier Moreno, ex Hot Panotxa.
“En Ruta” mostrou um Tapiman
ainda vivo, mostrando seu habitual peso, seu hard rock potente e volumoso, mas
faltou um pouco mais de atenção à banda por parte da equipe que o geria, bem
como as intensas instabilidades que insistiram em rondar a vida da banda, muito
graças a vida louca de Josep Tapi.
O primeiro álbum do Tapiman
não é muito elaborado, porque é direto e cru, a síntese perfeita do que
convencionamos de hard rock na sua gênese. O “power trio” espanhol sem dúvida
foi um dos pioneiros do hard rock espanhol e serviu de referência para o rock
espanhol, para a música pesada daquele país e ouso dizer de toda a Europa! Em
1994, Josep Tapi morreria deixando um legado de despretensiosidade do rock n’
roll e uma chama viva personificada no grande Tapiman.
“Tapiman” teve alguns
relançamentos. Em 1993, no formato CD, na Espanha pelo selo PDI. Em 2003 foi
lançado pela Guerssen Records e PDI, no formato LP. Em 2005 mais relançamentos
na Espanha, novamente com a Guerssen e PDI: dois lançamentos no formato CD. E o
mais recente, em 2012, no formato CD, pelo selo Picap, também na Espanha.
A banda:
Josep María Vilaseca
"Tapi" na bateria e vocal
Max Sunyer na guitarra
Pepe Fernández no baixo
Com a minha menção honrosa ao
fundador da banda, Miguel Ángel Nuñez, guitarrista.
Faixas:
1 - Wrong World
2 - Gosseberry Park
3 - Don't Ask Why
4 - Practice
5 - Paris
6 - No Chance
7 - Moonbeam
8 - No Control
9 - Jenny
10 - Driving Shadow (Pepe's
Song)






























