quarta-feira, 25 de setembro de 2024

El Ritual - El Ritual (1971)

 

Mais uma banda de países pouco celebrados no que tange ao rock n’ roll! Mas não se enganem, caros leitores, o país desta banda que escrevo trata o rock n’ roll de uma forma muito visceral, apaixonada e conta com uma cena ativa, plena, interessada, com inúmeras bandas que flertam com estilos que vai desde o rock progressivo, blues rock, hard rock, jazz fusion, até o punk rock e o heavy metal. Falo do México!

Talvez não tenha a visibilidade que mereça por ser tratar de um país que está em uma margem, digamos, periférica, sob o ponto de vista econômico, mas nada ofusca ou pelo menos deveria ofuscar a cena que pulsa naquelas terras.

E confesso que, com base nessa premissa de total vilipêndio a cena rock mexicana, não conhecer a fundo as bandas que a compõe, mas, passo a passo, vagarosamente, venho descobrindo as pérolas, principalmente, obscuras que ajudaram e ainda ajudam, pois cresce vertiginosamente em novas bandas, na construção da cena por lá.

E com o pouco que tenho desbravado no rock mexicano percebo, observo que o melhor das bandas que florescem naquela cena, sobretudo surgidas nos anos 1970, é que têm abordagens do heavy psych, no blues rock e também no hard rock. Traz algo de inocente, genuíno, puro em suas sonoridades, algo também de garageiro, talvez pela estrutura ínfima de produção, mas que entrega efetivamente, no fim das contas, o que propõem. Não esquecer também das bandas progressivas, os mexicanos amam o prog rock, mas parece não importar o quão progressiva as bandas se apresentem, sempre estarão enraizados na “pureza” de seu som.

Claro que, em alguns momentos, percebe-se que emulam as bandas americanas, não com a intenção do plágio, mas porque a inspiração, admitamos, de muitas bandas vem dos Estados Unidos e também da Inglaterra, afinal, além da inspiração, são referências.

 E a banda de hoje sintetiza claramente essas percepções sonoras que pairam e tingem a cena rock mexicana dos anos 1970, mas também terei de confessar que me equivoquei em alguns pontos sobre essa banda. Falo do EL RITUAL com o seu único álbum lançado, em 1971, simplesmente chamado de “El Ritual”.

El Ritual

E quanto ao equívoco ele se deu logo de cara com o nome da banda e a sua “rústica” arte gráfica. O contato visual me surpreendeu, pois achava que fosse encontrar um suntuoso hard rock típico, pesado com um quê de proto metal, mas não. Trazia uma “sopa sonora” que ia de progressivo, jazz rock ao heavy psych com uma textura ácida, lisérgica e extremamente indulgente.

E a isso adicione alguns personagens típicos da cultura mexicana como “Machete” ou ainda "Perdita Durango". Tente entrar na situação com a audição de seu álbum e terás essa percepção dignamente louca. Alguns hippies mal-encarados, aqueles rockers mexicanos sujos e perigosos do fim dos anos 1960 e acrescente a isso tudo fortes doses de occult rock, com aquela atmosfera sombria. Pronto! Temos o álbum de El Ritual, de 1971.

A banda é oriunda da região periférica de Tijuana e seu único trabalho, o que é uma pena, é definitivamente uma maravilha colossal. Sua presença e música são atos singulares, espetaculares da cena psicodélica mexicana, encabeçando, com maestria, uma horda de músicos obscuros, alternativos e que não se curvava às tendências pasteurizadas do mainstream. E para entender um pouco a concepção de “El Ritual” é preciso conhecer a sua história e como aqui, neste humilde e relés blog, a história tem protagonismo, vamos a ela.

O El Ritual inicialmente, em seus primórdios, era formado por Frankie Barreño no vocal, guitarra e flauta, Martín Mayo nos teclados, Gonzalo Chalo Hernández no baixo e Abelardo Barceló na bateria. Uma conjunção mágica de músicos que estavam em perpétuo estado de inspiração, deixando se levar pela sua criatividade nua e crua.

Todos eles já tinham alguma experiência, já estavam no cenário do rock mexicano há algum tempo, como era o caso de Martín Mayo e Abelardo Barcelo, que faziam parte de uma banda chamada Graveyard, uma banda de Tijuana que executavam um poderoso rock psicodélico underground sendo um dos expoentes do estilo na região.

Após a saída dos dois do Graveyard, de uma forma um tanto quanto tempestuosa, Martín Mayo tocou em várias bandas de Tijuana e Lalo Barcelo esteve com a banda Peace & Love por um tempo, mas também saiu de uma forma traumática e, com o perdão da analogia, não tinha tanta paz e amor na banda.

E foi assim que Lalo se juntou com “El Diablo” Alejandro Villegas, Gonzalo Chalo Hernández e Frankie Barreño, formando o que seria a primeira encarnação do El Ritual à qual Martín Mayo seria, mais para frente, adicionado. Pronto! A banda estava formada. A banda trabalhou, seguiu com boa aceitação por cerca de um ano, até que Lalo Bracelo e Frankie Barreño se juntaram ao Dug Dug’s de Armando Nava. E o El Ritual findaria.

Por volta de 1970, já na capital, Cidade do México, os Dug Dug’s se separariam devido a problemas de relacionamento entre Franky e Lalo e a tira colo foi o Armando Nava. Já o El Ritual foi reformulado e dessa vez com a seguinte formação: Oscar Alegre no baixo, Frankie Barreño na guitarra e Lalo na guitarra.

O trio começou a se apresentar em pequenas casas de shows e tudo indicaria que iria vingar o novo projeto, mas novos problemas surgiram e essa formação não durou muito tempo, já que Alegre saiu rapidamente e os seus ex-colegas se juntariam ao El Ritual: Martín Mayo e Gonzalo Chalo Hernández. E essa formação finalmente gravaria o primeiro é único álbum da banda em 1971: “El Ritual” pelo selo “Raff”, no qual, após uma audição por recomendação da banda Peace & Love, obtiveram a aprovação dos diretores da gravadora.

“El Ritual” é um álbum que se assemelha a tantas bandas e álbuns, mas ao mesmo tempo é algo tão único, singular. Nele se percebe Deep Purple, Arthur Brown, Black Widow, Coven, o som de Canterbury, as bandas psicodélicas pesadas estadunidenses e ainda assim traz algo tão original e revolucionário em sua música.

Trata-se de um álbum corajoso, arrojado em que se baseia em todos os substratos de rock possíveis e imagináveis, onde qualquer apreciador da música, em todas as suas nuances e flertes sonoros, pode se enamorar pela banda e seu único trabalho.

Aqui vale uma curiosidade acerca da trajetória, curta, mas significativa do El Ritual: A banda, quando foi para a Cidade do México, isso em 1971, participou de alguns festivais e o primeiro fora o histórico Festival Avandaro, do qual nada deu certo, pois enfrentaram sérios problemas de áudio e iluminação, típico de bandas obscuras, que não gozavam de estrutura para apresentar a sua arte.

O “Rock and Wheels Festival” realizado em 1971, em Avándaro, no México, foi uma espécie de Woodstock mexicano, um histórico show realizado nos dias 11 e 12 de setembro, próximo ao Avándaro Golf Club, no Estado do México. O festival tinha como emblema a celebração à vida, paz, amor, a ecologia, as artes e as drogas experimentais e foi comparado ao Woodstock exatamente por isso, além, claro, das apresentações de bandas psicodélicas, a arte contracultural, o uso de drogas e o amor livre. Estima-se que entre os dois dias que durou o festival, o público ficou entre 100.000 e 500.000 pessoas.

O álbum abre com a faixa “Mujer Facil” ou como queiram “Prostituta”, inclusive o nome da música era “Puta”, mas por razões óbvias, o nome foi proibido pela gravadora para evitar “confusões”. Sua sonoridade varia do Guess Who ao Grand Funk Railroad, com foco nos órgãos e na flauta trazendo uma abordagem mais rock, um pouco mais pesada e enérgica, mas com o toque e complexidade do progressivo. Muito dessa música traz à tona a fase do Dug Dugs na época em que Frankie Barreño e Lalo Barcelo fizeram parte desta banda. Tem muito de Armando Nava, líder do Dug Dugs graças aos arranjos e flauta, inclusive este foi um dos primeiros a introduzir a flauta transversal no rock mexicano por volta de 1967-1968.

"Mujer Facil"

Segue com “La Tierra de que te Hablé” que começa com um tema interessante de folk psicodélico, acompanhado de um violino que traz uma sonoridade lúgubre, linda, melancólica, dramática, sombria. Mas o melhor estar por vir com a guitarra acústica que abre alas para uma espécie de jazz rock bem animado, bem solar.

"La Tierra de que te Hablé"

A sequência traz uma das faixas mais intensas, complexas do álbum: “Bajo el Sol y Frente a Dios”, com uma balada de folk psicodélico meio jazzístico de uma insólita finesse que entrega certa semelhança com o King Crimson em sua fase mais experimental, a fase inaugural. Uma faixa com uma melodia rica, bem estrutura em textura experimentais, lisérgicas e progressivas, mas orgânica, garageira e intensa, ao mesmo tempo.

"Bajo el Sol y Frente a Dios"

“Satanas” já traz o acid rock, a lisergia ao nível máximo com uma pegada bem experimental e garageira, com toques mais voltados também para o hard rock e que remete aos momentos psicodélicos de Iron Butterfly em “In a Gadda da Vida”. É indulgente, é sombrio, com texturas densas, em uma atmosfera nebulosa e perigosa.

"Satanas"

“Peregrinación Satánica” é provavelmente a faixa que mais se adequa, que mais se envolve com os terrenos do rock progressivo britânico, mais precisamente com o som da cena de Canterbury, com elementos excessivos, complexos, cênicos e teatrais típicos do rock progressivo da Inglaterra. Excelente faixa!

"Peregrinación Satánica"

“Conspiración” é uma balada psicodélica um tanto quanto dramática e emocional com solos de teclados e órgãos extremamente intensos e enérgicos, poderosos e solares, que traz um peso que lembra o Vanilla Fudge e os primeiros trabalhos do Deep Purple.

"Conspiración"

“Groupie” é mais acid rock com uma pegada mais dançante, mais latinas, com instrumentos percussivos e que traz à tona um pouco da identidade cultural do seu país, da América como um todo. Um ritmo pegajoso, com uma bela interpretação vocal, bom órgão e lindos riffs de guitarra. Traz à lembrança Carlos Santana. Ótima música!

"Groupie"

“Muerte e Ido” traz seções de metais, mesclada a instrumentações mais próximas da psicodelia padrão, um híbrido interessante com guitarras fuzzeada muito boa e um órgão poderoso e pesado.

"Muerte e Ido"

E para fechar o álbum temos “Tabu”, que foi uma das músicas que se gravou nas últimas seções, mas que saiu solo em um EP em agosto de 1972 e de novo traz pegadas psicodélicas com lindos riffs de órgão que traz algum peso a música.

"Tabu"

Desde o início da confecção do álbum, no trabalho de encarte e preparação de “El Ritual” houve alguns descuidos, já que no referido encarte indica dez músicas quando na realidade tem apenas oito faixas. As duas músicas que faltam são “Tabu” e “Nuestra Gente”. O primeiro, conforme dito, apareceu anteriormente em um EP com quatro músicas. Já a segunda é uma gravação perdida porque embora tenha sido totalmente finalizada (mixagem, transferência e edição), no final não foi incluída e hoje é praticamente impossível determinar onde estava o máster.

A primeira edição de “El Ritual” foi apresentada numa capa de livro, que ao abrir incluía uma ilustração que pretendia refletir e mostrar o espírito e filosofia da banda. O estranho é que em nenhum lugar indica quem está tocando, embora nos créditos de cada música diga quem são os compositores. Obscuro, não?

Nas edições seguintes mudaram a capa do álbum e a ordem das músicas. Quando começou a ser concebido no formato CD, era da gravadora “Denver”, que também não traz nenhuma informação sobra a banda e até se aventuraram a mudar o nome de uma música; no CD “Peregrinación Satírica” agora se chama “Peregrinación Satánica”, o que é diametralmente diferente. E diante de todas essas informações transviadas reza a lenda de que havia um integrante, a participação de um tal Toby (não há maiores informações além desse perdido nome) responsável pelas percussões, mas que carece da devida confirmação.

Eles foram pioneiros no México no uso de luzes e fumaça, dando um clima teatral às músicas, bem como o uso de maquiagem e reza a lenda que faziam isso antes mesmo de bandas medalhonas como o Kiss que até hoje carrega o pioneirismo debaixo do braço. Não quero entrar no mérito da discussão, mas se olharmos pelo lado cronológico da coisa o El Ritual teria surgido primeiro com essa estética.

Teria um segundo álbum e já haviam tomado a decisão de fazê-lo em espanhol, aliás iniciaram as gravações em meados de 1972 com Luís Hernandez nos teclados que substituiu Martín. Lamentavelmente esse álbum, bem como outros projetos que estavam engatilhados não foram realizados e essas gravações também se perderam.

Em novembro de 1972 grande parte dos integrantes do El Ritual voltaram para a sua cidade natal, Tijuana, deixando para traz a Cidade do México. As mortes de Martín Mayo e Chalo Hernández em 2013 fechou definitivamente o ciclo e a possibilidade de uma reunião do El Ritual. Mas deixando uma marca indelével na história do rock mexicano, marcando um pioneirismo no occult rock daquele país.




A banda:

Gonçalo Chalo Hernandez no baixo

Alberto Lalo Barceló na bateria

Frankie Barreño nos vocais, guitarra e flauta

Martín Mayo nos teclados

 

Faixas:

1 - Mujer Fácil

2 - La Tierra De Que Te Hablé

3 - Bajo El Sol Y Frente a Dios

4 – Satanás

5 - Peregrinación Satánica

6 - Conspiración

7 - Groupie

8 - Muerto e Ido



"El Ritual" (1971)













































quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Heavy Rain - Heavy Rain (1972-1974) - 2023

 

Traz o peso até no nome. O nome na banda é importante, primeiro para uma apresentação inaugural aos que não conhecem e pretender desbravar sua sonoridade, dentro, claro, das suas predileções, e segundo exatamente para descrever, em palavras, o som que entrega.

Um nome, no caso desta banda inglesa que irei apresentar, que viria a se notabilizar por uma cena que ganharia alguma popularidade em meados dos anos 1980 e que, evidente, não precisa tecer maiores comentários: o heavy metal.

Ao ouvir a banda é nítido que se alimentou das músicas praticadas no seu tempo, mas, ainda assim, parecia deslocada dele de maneira tão eloquente que não ganhou a visibilidade que merecia. Não se sabe ao certo se foi por este motivo que a banda caiu no mais profundo ostracismo, mas, mesmo tão obscura, parece ser referência pela sua sonoridade vasta e arrojada.

A banda é a inglesa HEAVY RAIN. Formada na cidade de Blackpool no final dos anos 1960, a Heavy Rain mergulhou nas profundezas do heavy rock, mesclado ao blues e a um prog rock igualmente pesado e diria até sujo. Pode parecer improvável, mas cometeram o doce desatino de produzir sem reservas, sem medo, deixando a criatividade fluir.

O som do único trabalho lançado pela Heavy Rain, homônimo, de gravações realizadas entre 1972 e 1974, foi lançado oficialmente apenas em setembro de 2023, por alguns abnegados selos undergrounds, são elas: Guerssen Records, Headbangers Records e Big Bad Wolf Records.

Reza a lenda que essas gravações teriam sido lançadas, de forma bem, digamos, "artesanal", ou seja, de uma forma "pirata", e que as gravadoras em questão, ao ouvir esse material na web, acho extremamente interessante em uma licença para reeditar o álbum e lançar em CD, o que aconteceu em 2023. Mas como a Heavy Rain não goza de tantas informações, tal passagem carece de confirmações.

O som é sombrio, é chapante, é viciante e, mesmo arrastado e sujo, por ser tão despretensioso, chega a ser hipnotizante, dando ao ouvinte, múltiplas oportunidades de ouvir um rock psych, ao proto metal, hard rock e até um blues progressivo. Cabe para todos os gostos!

Desde a sua formação a Heavy Rain passou por algumas mudanças na sua formação, algo normal quando uma banda passa por instabilidades de cunho emocional, comportamental e até para polir seu som, mas em 1973 a banda se estabilizou em 1973 como um power trio tendo Geoff "Oggy" Carter na guitarra e vocal, Graham Hargreaves no baixo e Bernie Worsley na bateria.

Bernie e Geoff foram os fundadores da banda e se conheceram, ainda muito jovens, na pequena cena musical rock de Blackpool. Bernie viu o jovem e promissor guitarrista Geoff em uma apresentação com a sua antiga banda, que se chamava "Sky" e ficou impressionado com a técnica e a forma orgânica como ele tocava e, quando se conheceram, decidiram formar uma banda juntos. Bernie sugeriu o nome "Heavy Rain" e assim seguiram, convocando, em seguida Graham que assumiu o baixo.

Com a banda formada optaram por sair da pequena e deveras pacata cidade de Blackpool e foram para Londres para, quem sabe, levar a sua música para o maior número de pessoas ávidas por música pesada e assinar um contrato com uma gravadora para lançar a sua música. Conseguiram gravar algumas músicas que daria para lançar um álbum, mas parou nos escombros empoeirados de algum lugar e principalmente da história do rock.

Reza a lenda que essas gravações foram descobertas em um rolo de toca-fitas e, até onde se sabe, era, pasmem amigos e estimados leitores, a única cópia que existia, tornando esse lançamento ainda mais significativo. Ou seja, se essa história se confirmar seria, de fato, um achado inacreditável, porque poderia, suponhamos, ser encontrado em péssimas condições para lançamento e ter perdido essa pérola para todo sempre.

Mas falemos dessa música totalmente underground e poderosa, dissecando faixa a faixa e se preparem para ouvir uma sonoridade psicodélica, de puro hard rock hard, com guitarras pesadas de fuzz-wah distorcidas e efeitos inteiramente loucos. Começa com “Emily” e que já entrega essa guitarra pesada, arrastada, lisérgica e pesada. Os traços psicodélicos são distantes, mas presentes, pincelados com riffs pesados de guitarra, com o heavy rock assumindo as rédeas. Gaitas são ouvidas dando uma textura meio bluesy.

“Thrutch in ‘B’” segue a mesma toada, mas os riffs inaugurais de guitarra trazem à lembrança um proto doom, a guitarra suja e áspera, mesclada ao hard rock típico dos anos 1970, entrega peso e agressividade. Bateria pesada e baixo pulsante faz da “cozinha” mais rítmica e cadenciada. “Lady Matilda” começa psicodélica, lisérgica, mas arrogante e pesada. Essa dosagem de beat e hard rock torna a faixa bem interessante e atípica. O destaque fica para seção rítmica, dando essa pegada meio “dançante” à música.

"Thrutch in 'B'"

“Lost Woman”, o primeiro cover do álbum, da icônica Yardbirds, traz uma versão particular da banda, que imprime o seu DNA, com riffs pegajosos e pesados de guitarra, bateria marcada e pesada e um vocal mais apurada, diria mais melódico, mas o peso reina absoluto. “Chord Song” é pesada, direta, riffs soturnos e pesados de guitarra, mas o destaque fica para o solo avassalador e bem executado.

"Chord Song"

“I Need You” inicia sombria, ameaçadora, soturna. Dedilhados de guitarra abrem para um vocal estranho, mas logo irrompe em um trovão psicodélico com riffs de guitarra lisérgicos e logo volta a pegada inaugural acústica e sombria e assim vai alternando entre a leveza e o peso. O hard progressivo parece ganhar contornos nessa faixa.

Na sequência tem “Rising of the Tide/Set The Controls for the Heart of the Sun” começa logo com um trovão de riffs de guitarra! Mas o som é arrastado, cadenciado, solos de guitarra aparecem para corroborar o peso e torna-lo existente. Viagens espaciais dão a introdução do clássico psicodélico do Pink Floyd, “Set The Controls for the Hear of the Sun” e, mesclado a isso, vem a psicodelia e uma pegada mais pesada da Heavy Rain à faix, capitaneada pela guitarra distorcida e lisérgica.

"Rising of the Tide/Set the Controls for the Heart of the Sun"

O space rock é percebido na introdução de “Ship of Sin”, mas logo revela o lado típico do álbum, o hard rock, com baixo e bateria em uma sinergia rítmica incrível entregando uma pegada mais progressiva e a guitarra, distorcida e pesada, trazendo o contraste do peso. Mas logo se percebe algo meio soul que dedilhados bem dançantes. A música é uma gangorra rítmica repleta de mudanças.

Segue com “Flying High” que, em sua introdução, lembra mais uma sonoridade meio beat, meio anos 1960 e continua com versões dançantes com riffs de soul music e intervalos mais pesados. O vocal nessa faixa é impecável! E fecha com “Out in the Street” quando o genuíno hard rock retorna a todo vapor. O baixo é pulsante, vibrante e a guitarra ganha em protagonismo com seus fulminantes riffs. O peso e a agressividade são gritantes nessa faixa.

As últimas três músicas são oriundas de gravações feitas para um álbum de estreia que nunca se materializou para a Heavy Rain que se chamaria “Deluge”. E essa falta de sucesso levou à dissolução da banda em 1977. Mesmo que nos primórdios da Heavy Rain tenha compartilhado os palcos com bandas conhecidas como Hawkwind, Pink Fairies e até mesmo Caravan, o fim foi precoce, devido ao seu fracasso comercial.

O fato é que, ainda assim, o som da Heavy Rain, ao ouvir, por mais que pareça absurdo, dada a sua obscuridade, se tornou uma referência não apenas ao estilo que nascia nos primórdios dos anos 1970, mas a todos as vertentes e bandas que viriam a surgir nas décadas seguintes, sobretudo nos anos 2000 entre as bandas de stoner rock e doom metal. Um “clássico” obscuro!

Segundo informações que consegui apurar e coletar em alguns comentários de ex-membros da Heavy Rain em publicações de canais do YouTube, Bernie Worsley mora atualmente na Holanda, Geof Carter seguiu, dentro das possibilidades com a Heavy Rain nos anos 2000, mais precisamente entre 2002 e 2021, com outros músicos, um deles tem o nome de Pete Gurney, mas logo faleceu, dando fim a essa trajetória. Inclusive consegui encontrar algumas jam sessions no site "YouTube" entre eles e que pode ser conferida aqui. Já Graham Hargreaves não se tem notícia de como está atualmente.

 

A banda:

Bernie Worsley na bateria

Geoff "Oggy" Carter na guitarra e vocal

Graham Hargreaves no baixo

 

Faixas:

1 - Emily

2 - Thrutch in "B"

3 - Lady Matilda

4 - Lost Woman

5 - Chord Song

6 - I Need You

7 - Rising of the Tide / Set the Controls for the Heart of the Sun

8 - Ship of Sin

9 - Flying High

10 - Out in The Street


Download do álbum aqui: Heavy Rain (1972-1974) 2023



"Versão estendida"


"Versão enxuta"



 



 





 






quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Gäa - Auf Der Bahn Zum Uranus (1974)

 

Acho pitoresco esses termos, essas nomenclaturas que se atribuem a uma banda ou sua obra de arte, as suas condições perante a cena, perante ao mercado e no que isso tudo pode impactar uma realidade em um determinado país ou a um estilo de música, como no caso do rock n’ roll, por exemplo.

Uma banda que lança um álbum e que passa despercebida, cai nos escombros do rock, se torna empoeirada, no limbo do ostracismo, mas, com o passar dos anos se torna cult, referência e tem seus álbuns, geralmente lançados de forma quase que “artesanal”, em poucas tiragens, sendo disputados a tapas pelos caçadores de raridades, ou ainda sendo vendidos em valores quase que inalcançáveis aos bolsos dos pobres mortais.

Não estou, caro e estimado leitor, questionando essas viradas da história, mas, parando para refletir, torna-se, no mínimo, louco pensar que um trabalho totalmente esquecido por tudo e por todos, depois de alguns anos, ter o valor de seus álbuns altíssimo.

São alguns fenômenos comerciais e sonoros que caberia uma profunda dissertação, mas não vou entrar nos pormenores para não os deixar, amigos leitores, cansados, tornando essa leitura deveras enfadonha. E a Alemanha dos anos 1970, com o seu krautrock, movimento político, comportamental e musical completamente contracultural, e mais à frente o prog rock, hard rock, trouxeram inúmeras bandas que ficaram à margem do sucesso, do glamour do mainstream, pelo simples fato de apresentar músicas pouco ortodoxas.

E uma banda, em especial, adequa-se a esses requisitos com uma fidelidade espantosa e promoveu uma música extremamente vanguardista e que, de uma forma, ajudar a tecer a música alemã dos incríveis anos 1970. Falo do Gäa. Arrisco dizer que essa banda sequer é comentada entre os próprios alemães apreciadores de rock, mesmo com a sua afeição a cena rock daqueles tempos.

Gäa

É underground, por isso é raro. É uma sonoridade que alucina, nos provoca a sair da famigerada e temida zona de conforto, nos torna mais eufóricos por perceber que a sua sonoridade é conduzida a um patamar onde a criatividade rege a mente e os instrumentos de seus músicos. O Gäa traz nuances extremamente surrealistas, uma obra de arte que nos entorpece, quase chega a ser abstrata.

Parece ser minimalista, experimental, lisérgico, mas descamba para o blues rock, para o hard rock, para o prog rock como que em um estalar de dedos, sem pestanejar. Não há uma obediência calcada em estereótipos, não há um carimbo que determina um estilo específico de música. Há sim, tudo. E falo tudo isso porque em seu debut, o “Auf Der Bahn Zum Uranus”, lançado em 1974, sintetiza fielmente o que foi a banda em sua curta trajetória no planeta da música.

Mas para perder o costume vamos à história da banda, afinal a sua história se torna o espelho do que produziu em seus álbuns, sobretudo para bandas como o Gäa que deixa a liberdade da criatividade imperar.

“Gäa” vem do nome da deusa grega da Terra e da Fertilidade, Gaia, e foi formada em 1973, em Saarbrücken, capital do menor estado do Sarre, que faz fronteira com Luxemburgo e França. E quem esteve na fundação foram três amigos: Helmut Heisel, na guitarra, Peter Bell, no baixo e Stefan Dörr, na bateria e que tocaram juntos em uma banda chamada “The Phantoms” no colégio.

Era uma banda praticamente amadora, de jovens músicos, que tocavam cover, mas que logo se estabilizou em torno do guitarrista Werner Frey, que entrou no lugar de Heisel que, quando se formou na escola, optou por cursar Direito, do baterista Stefan, do vocalista e percussionista Werner Jungmann, do tecladista Günther Lackes e do baixista e flautista Peter Bell.

Depois de vários shows, estes amigos tiveram a oportunidade de entrar em estúdio, ainda em 1973, quando a banda já estava de fato formada e determinada a gravar músicas autorais, para gravar o álbum “Auf Der Bahn Zum Uranus” que foi lançado um ano depois, em 1974, com uma tiragem, pasmem, de apenas 300 exemplares! Reza a lenda que a quantidade de prensagens foi ainda menor, com cerca de 289 cópias!

Desde o início de sua trajetória o Gäa se distanciou da cena cultura de Munique ou da antiga Berlim Ocidental. Não tinham a “elegância” local, não se comparavam a bandas como Can, Faust, Cluster ou ainda o Amon Düül. Talvez pelo fato da banda, sem recursos para ter os equipamentos caros ou uma estrutura condizente para construir sonoridades como dessas seminais bandas representantes do krautrock, construiu a sua própria e arrojada sonoridade. Se tornaram únicos à sua maneira, mesmo que diante de obstáculos e entraves de cunho estruturais.

"Auf Der Bahn Zum Uranus" que, em tradução livre, significa “No caminho para Urano”, talvez personifique bem a condição sonora de suas chapantes músicas, porque, como disse, além de ser bem original, traz aquele apelo à space rock, que arriscaria em dizer que pode ter sido um dos primeiros trabalhos lançados na história.

E esse tipo de música, pouco usual para a época, foi o que interessou Alfred Kerston, dono da gravadora Kerston Records que decidiu contratar os caras imediatamente. Mesmo com essa questão da música underground e que pouco se encaixa ao que existia à época, a banda foi precoce, porque foi formada em 1973 e logo gravou seu primeiro álbum em 1974.

E outro detalhe importante que é, no mínimo inusitado, é que a gravadora era focada principalmente no lançamento de singles e bandas pop e que sempre evitou desbravar músicos e bandas alternativas. Era um estúdio pouco equipado, não tinha a estrutura dos grandes estúdios da época e, claro que o Gäa seria submetido a esse cenário e gravaria seu primeiro álbum de forma muito artesanal e assim nasceu “Auf Der Bahn Zum Uranus”.

E além da pouquíssima tiragem, ainda sofreram com alguns acidentes, porque parte da edição foi destruída e apenas uma pequena parte, à época do lançamento, foi vendida nos shows, sem nenhum tipo de divulgação por parte da gravadora, mas também com esse número tão reduzido de cópias. O que fazer? E hoje é tido, por muitos especialistas e colecionadores ávidos de vinis, como um dos LPs mais raros do mundo!

Mas não se enganem, caros amigos leitores, que esse trabalho se resume a uma pegada space rock, mas traz texturas interessantes de blues rock, de hard rock, de psych rock, com altos tons de lisergia, com guitarras alucinantes, com levadas de prog rock com um caráter mais sujo e garage e uma discreta pegada experimental, afinal, quando se coloca tudo isso em um “caldeirão” sonoro, não pode ser esquecido o fator experimental para tentar definir esse clássico obscuro.

A produção, para variar, fica aquém do que se espera, afinal, com a tímida estrutura do estúdio a qual foi concebido, não poderia ser diferente, mas traz certo “charme” ao produto final, dando-lhe identidade, trazendo também composições ingênuas, simples, mas que sintetiza fielmente o rock em sua gênese.

O Gäa, com o seu debut, demonstra uma tendência não conformista. Sente-se uma música sensível, cheia de melancolia, paixão, visceral, com tons até mesmo dramáticos, graças ao hard rock e até mesmo ao folk envolvidos. Ousaria dizer que ficaria no mesmo patamar de medalhões como Pink Floyd, Scorpions e até mesmo Jimi Hendrix. Basta observar, ouvir a guitarra de Werner Frey para corroborar tal questão, mas não se enganem, a sonoridade não se plagia. A formação da banda, em seu primeiro trabalho, trazia: Werner Frey na guitarra e vocal, Stefan Dorr na bateria e vocal, Werner Jungmann no vocal, Gunter Lackes nos teclados, órgão, piano e vocal e Peter Bell no baixo. Flauta e vocal.

O álbum começa, e muito bem, com a faixa “Uranus” que introduz com sons calmos, brandos, levando a um sermão falado em alemão. Há quem diga se tratar da sonda “Voyager” que estava indo para esses planetas gigantes gasosos distantes na década de 1970. E com isso a música se traveste em uma paisagem sonora cósmica, graças a um órgão soturno e sinfônico, revestido por um blues ácido e pesado, nebuloso, com uma guitarra lisérgica. A música interage com space rock, a calmaria que este propicia e o peso da lisergia capitaneada pela guitarra.

"Uranus"

Segue com a instrumental “Bossa Rustical”, de clima meio hispânico mesclada a aridez da psicodelia trazendo variações com violão acústico de estilo folk e que a bateria e o baixo dão sequência, atribuindo um pouco mais de ritmo. Eis que surge a guitarra que traz consigo um pouco mais de peso, mas que logo desaparece e a música termina em um vazio estranho.

"Bossa Rustical"

“Tanz Mit Dem Mond” que começa com pianos acústicos bem dramáticos e guitarra bem amplificada, soprando isso tudo, criando um “campo sonoro” bem agradável e pungente, diria. É a faixa enriquecida com belas melodias feitas por várias camadas vocais que são tão bem ecoadas que nos faz viajar.

"Tanz Mit Dem Mond"

“Mutter Erde” trazem melodias repletas de humores rítmicos, idas e vindas, variações sonoras, nos fazem chegar à conclusão de que a sonoridade não tem rótulos definidos e fechando isso tudo vem uma textura psicodélica cheia de groove. Definitivamente tem uma dinâmica fantástica, sendo um dos maiores destaques do álbum. “Welt Im Dunkel” é uma música mística, estranha, exotérica, talvez traz algum tipo de adoração, ritual, lembrando as músicas do seminal Black Widow e até mesmo Coven. Há uma “pitada” de occult rock nessa faixa.

"Mutter Erde"

E fecha com a faixa título, “Gaa” que começa, fantasticamente, com batidas de blues na seção rítmica, que se entrelaçam a guitarras pesadas e lisérgicas e que explode em uma verdadeira jam section. Há alguns toques leves de flauta, lembrando algo mais voltado para o beat, descambando para algo mais experimental e totalmente underground.

"Gaa"

A gravação, a produção do álbum de fato está aquém do que esperamos, claro, as condições pelas quais a banda trabalhou não eram favoráveis para uma gravação de qualidade, mas ainda assim, ao ouvi-lo, percebe-se o quão é cativante e agradável de ouvir esse único trabalho do Gäa. Além dos reveses que foi ter gravado esse álbum, sofreram com a perda de grande parte das cópias que, tudo indica ter sido criminosa, pois reza a lenda também que foram jogadas em uma lata de lixo no fundo de um quintal até mesmo com as fitas originais.

No início de 1975 foi gravado, desta vez em melhores condições, no estúdio “Leico”, de Michael Leistenschneider em Schmelz, o segundo álbum da banda chamado “Alraunes Alptraum”, que pode ser ouvido aqui, que não foi concluído, sendo lançado, somente em 1998, pelo selo “Garden of Delights”, porque a banda decidiu se separar, naquele mesmo ano, deixando-o inacabado. Há informações de que o Gäa teria se separado em 1978. 

"Alraunes Alptraum" 

Werner Frey seguiu Peter Bell até Tombstone, Günter Lackes juntou-se ao Blackbirds, onde até hoje toca com a banda, Helmut Heisel passou por várias bandas e está no Saartana desde 1991 junto com Stefan Dörr, que gravou um álbum solo em 1998. Werner Jungmann e Bello não atuam mais como músicos. Werner Frey agora trabalha como professor, Günter Lackes como bancário, Helmut Heisel como dono de terras, Stefan Dörr como empreiteiro de transporte, Werner Jungmann no serviço médico e Bello como funcionário público.

A conexão amigável entre eles ainda existe e é muito forte, tanto que, durante a década de 1980, os ex-membros do Gäa ocasionalmente se reuniram para tocar em pequenos clubes à noite e chegaram a gravar algum material autoral, mas não foram lançados oficialmente.

“Auf Der Bahn Zum Uranus” teve algumas reedições. A primeira foi em 1992 pelo selo Ohrwaschl, no formato CD, bem como em 2007, também em CD, pela gravadora “Orange”. Mais tarde, em 2015, foi reeditado pelo icônico selo “Garden of Delights”. Apesar do profundo ostracismo pelo qual o Gäa foi submetido a banda trouxe à tona um trabalho arrojado, importante, poderoso e extremamente versátil, não se adequando a rótulos, estilos, nada. Foi um álbum que absorveu, com êxito, todas as cenas musicais que borbulhavam na Alemanha no final dos anos 1960 e nos anos 1970.


A banda:

Werner Frey na guitarra e vocal

Stefan Dorr na bateria e vocal

Werner Jungmann no vocal e congas

Gunter Lackes no órgão, piano e vocal

Peter Bell no baixo, flauta e vocal

 

Faixas:

1 - Uranus

2 - Bossa Rustical

3 - Tanz Mit Dem Mond

4 - Mutter Erde

5 - Welt Im Dunkel

6 - GAA 



"Auf Der Bahn Zum Uranus" (1974)





 














 



 




quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Nico, Gianni, Frank, Maurizio - Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza (1973)

 

A essência do rock n’ roll, é claro, é a música. É o que movimenta o nosso amor, a nossa passionalidade, o nosso prazer, o nosso deleite. O que pode parecer tão óbvio que chega a ser ridículo, não é totalmente um fato que o define. Outras nuances determinam grandes eventos históricos e está basicamente ligado a dinheiro e orgulho ou diria egos feridos e inflados.

Ao longo de décadas que falamos e ouvimos rock, sempre presenciamos batalhas judiciais por brigas contratuais, pelo uso de nomes de bandas, tudo parece fundamentar a condição humana de sua fraqueza em buscar o poder, o doce veneno do glamour.

E não se enganem, estimados leitores, que eventos como esses flutuam entre as bandas milionárias e famosas, afinal, como disse, é uma condição humana de sobressair-se ao semelhante, de ser mais poderoso que o outro, então, presenciamos alguns tristes eventos destrutivos de finais melancólicos de história de bandas que poderiam entregar muito mais, porém, tiveram sua existência abreviadas por batalhas judiciais.

Mas há alguns casos que acompanhamos atentamente, como se tivesse lendo tabloides sensacionalistas de músicos pasteurizados, o rompimento de bandas e o nascimento de outras. De projetos até mais ousados que as suas matrizes musicais. E eu preciso falar de uma banda emblemática da Itália que realmente mudou o mapa do rock progressivo daquele país: New Trolls.

New Trolls

Mas não falarei diretamente dessa seminal banda, mas de desdobramentos judiciais que fizeram com que seus tarimbados músicos se separassem. Adivinhem: foi travada uma contenda judicial para quem utilizaria o nome “New Trolls”, em 1973. De um lado do ringue tinha o guitarrista e vocalista da banda e um dos líderes, o Nico Di Palo e do outro lado, também uma das figuras importantes trazia simplesmente Vittorio De Scalzi.

Nico e Vittorio

Di Palo saiu em uma pequena vantagem levando consigo a formação que havia lançado o álbum “Ut”, um ano antes da briga legal, em 1972. O juiz que analisou o caso deu o seguinte veredicto: de que os músicos fundadores da banda poderiam usar o nome “New Trolls” desde que os mesmos fizessem parte da mesma banda, no caso De Scalzi, Di Palo e Belleno.

New Trolls - "Ut" (1972)

Mas os caras estavam em pé de briga, como poderiam se juntar para fazer com que usassem o nome “New Trolls”? Evidente que isso não iria para frente, então o nome fatalmente hibernaria, não seria usado e foi o que aconteceu. Cada um permaneceu no seu lado e sem o New Trolls a tira colo.

Então o De Scalzi decidiu fundar uma banda chamada NT Atomic System com os “ex-colaboradores Rosset e D’Adamo, enquanto a ala de Nico Di Palo permaneceu sem um nome. Mas esse último já estava o contrato com a gravadora Fonit Cetra, de Milão, já estava assinado e um novo álbum pronto para ser impresso: E agora: o que o nosso amigo Nico irá fazer? Estava em uma situação difícil, ou seja, de escolher um nome para a sua banda para o trâmite de lançamento fosse feito. E todos sabem que o processo de escolha de nome de banda, embora pareça, simples, não é.

"Atomic System" (1973)

Então com uma boa dose de “polêmica” e de sarcasmo a banda, formada por Nico Di Palo, nos vocais e guitarra, Gianni Belleno, nos vocais e bateria, Frank Laugelli no baixo e Maurizio Salvi, nos teclados, órgão e teclados, lançaram um álbum com um gigantesco ponto de interrogação na capa denotando que a banda nascera sem nome.

Nico, Gianni, Frank, Maurizio

 Era uma capa misteriosa, anônima, sem sigla, nada, nenhuma informação. Aos desavisados que não acompanhou a novela judicial deve ter recebido esse lançamento com outro ponto de interrogação na cabeça e claramente se perguntou: mas que banda é essa? Foi evidentemente intencional por parte de Nico. Ele queria responder, com a sua arte, o seu descontentamento com a decisão do juiz.

O álbum com um evidente ponto de interrogação geralmente é chamado pelos primeiros nomes dos seus integrantes: Nico, Gianni, Frank, Maurizio. Mas ele tinha um nome e foi chamado de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” e lançado em 1973. O que não é inominável é o conteúdo deste único trabalho dessa banda: Um verdadeiro furacão que une hard rock, rock progressivo e música clássica. Um álbum verdadeiramente arrojado e poderoso.

Diria, sem medo de errar que “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” é o lado mais rock e até mesmo visceral do New Trolls, afinal essa é a formação do New Trolls, de grande parte, pelo menos da banda. É isso que as vezes faz com que valha a pena acompanharmos algumas contendas judiciais entre as bandas e/ou os músicos, porque os projetos fluem, a criatividade voa alto.

“Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” traz uma gangorra sonora destacado por momentos mais acústicos e reflexivos, enquanto outros momentos são caracterizados por um som verdadeiramente massivo cujas referências chamam verdadeiramente a atenção e traz à tona coisas como Hendrix, Sabbath, Deep Purple e até Atomic Rooster em sua primeira encarnação.

As guitarras são o instrumento principal, consequentemente, apoiado por uma sonoridade potente, aliada a uma densa, enérgica mistura de teclados e coros que, além de proporcionar um timbre amplo e saturado, não deixe margens de dúvidas sobre a homogeneidade e capacidade dos instrumentistas desta banda.

O “lado A”, conhecido pelo nome de “Canti D'Innocenza”, traz a faixa inaugural chamada “Innocenza Esperienza” que já irrompe em riffs poderosos e pegajosos de guitarra. Um hard rock, um hard prog com pitadas clássicas com um ótimo drive, riffs e mais riffs e muita, mais muita energia. Os vocais são altos, quase gritados. Definitivamente é uma ótima música de entrada, que já chega tirando o fôlego dos ouvintes.

"Innocenza Esperienza"

“Signora Carolina” é uma mistura inusitada de Gentle Giant e Deep Purple. Doses interessantes de experimentalismo, folk, algo meio minimalista, barroco e pitadas mais heavy mostra uma música mais versátil e cheio de momentos distintos que a faz diversificada. Uma abertura clássica e um final har rock faz dessa balada rock especial. O “lado A” acaba com a faixa “Simona", uma balada curta, muito legal.

"Signora Carolina"

O “lado B”, chamado de “Canti D'Esperienza” surge com a faixa "L'amico della Porta Accanto", que traz novamente muito hard rock em sua abordagem. Diria, sem medo de errar, que essa música é uma espécie de prenúncio, de antecipação do heavy metal dos anos 1980, com um belíssimo uso de estrutura e órgão. Um proto prog metal que fala de uma cidade multiétnica onde marinheiros de todas as raças, nacionalidade e religiões todos os dias procuram relacionamentos de qualquer tipo e por qualquer meio.

"L'Amico della Porta Accanto"

Segue com "Vecchia Amica" que é outra epopeia sonora! Uma base pura de hard rock, mas com estrutura de rock progressivo, com viradas incríveis de bateria. A faixa tem de tudo, variação, profundidade, com ótimos e simples riffs, órgão louco, escaldante, seção rítmica animada e um final jazzístico que se torna a cereja do bolo no final.

"Vecchia Amica"

E o derradeiro fim vem com a faixa “Angelo Invecchiato” traz uma pegada meio lisérgica, psicodélica, sem tanta conexão com o hard rock e o heavy rock ou ainda o prog rock. É suave, diria com pitadas de space rock, bem sonhadoras.

"Angelo Invecchiato"

Logo após o lançamento de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” a banda tem a sua primeira baixa: o baterista Gianni Belleno deixa a banda para dedicar-se a sua banda paralela, com viés mais pop, chamada Tritons e o trio restante decide colocar um nome na banda, passando a se chamar “Ibis”. Essa decisão veio após uma enquete de leitores organizada pela revista Ciao 2001!, encontrando também uma novo baterista à banda. O nome? Ric Parnell, que tinha sido baterista do Atomic Rooster.

Ric Parnell

Com novo nome e baterista e também um contrato com uma nova gravadora, a Polydor, eles gravaram o segundo álbum que viria a se chamar “Sun Supreme”, lançado em 1974 e completamente cantado em inglês. Trata-se de um álbum de transição, com seu estilo voltado para o hard rock e letras em inglês, a ideia era principalmente atingir o mercado externo, pois se assemelhou às bandas globalizadas e, para muitos, um trabalho pouco convincente do Ibis. Se é pouco convincente é algo a se discutir, mas definitivamente está um pouco distante da inspiração que gerou o debut da banda.

"Sun Supreme" (1974)

Mas os problemas com a formação do Ibis continuariam. Salvi e Parnell foram substituídos por Renzo Tortora e Pasquale Venditto, ambos vindos da banda Formum Livii. Com a nova formação o Ibis lançaria em 1975 o seu terceiro álbum que, para muitos especialistas, seria seu melhor trabalho, o trabalho mais maduro e definitivo. Apenas duas faixas foram cantadas em inglês e o resto cantado em italiano e neste trabalho se percebe uma pegada mais hard e prog, porém bem consistente.

"Ibis" (1975)

Mesmo com três lançamentos de álbuns o Ibis decretaria o seu fim em 1975, culminando com o retorno do New Trolls em 1975, com Nico Di Palo e seu antigo companheiro de banda, o baterista Gianni Belleno, gravando o álbum Concerto Grosso número 2.

Em 2007 o tecladista Maurizio Salvi formou uma banda chamada “Ibis Prog Machine” com o objetivo de reviver o antigo nome e as antigas músicas do velho Ibis. A banda contava com outro tecladista, Renato Rosset (ex-New Trolls Atomic System e Nova), os guitarristas Corrado Rustici (ex-Cervello e Nova) e Claudio Cinquegrana, o vocalista e baixista Roberto Tiranti e o baterista Marco Canavese, mas teve vida curta e se separou em 2008.

O “ponto de interrogação” teve relançamentos ao longo dos anos e 1987 foi lançado, em CD, pelo mesmo selo da gravação original, Fonit Cetra do Japão, além de outro lançamento, também em CD, pelo mesmo selo, em 1991, na Itália. Mais um relançamento em CD, pelo selo VM, em 2004, e finalmente em LP, pelo selo Vinyl Magic, em 2009, na Itália.

Guerras judiciais, embates de egos, brigas.... Tudo isso pode acarretar em finais tristes e precoces em histórias deslumbrantes de bandas, mas pode suscitar novas empreitadas e arrojadas no mundo da música e o ponto de interrogação trouxe um envolvente e intenso álbum com um maiúsculo ponto de exclamação que personifica na qualidade que esse trabalho proporcionou aos súditos do bom e velho rock n’ roll.



A banda:

Nico Di Palo na guitarra e vocal

Maurizio Slavi no paino, órgão, teclados

Frank Laugelli no baixo

Gianni Belleno na bateria e vocal

 

Faixas:

Canti D'Innocenza:

1 - Innocenza Esperienza

2 - Signora Carolina

3 - Simona

Canti D'Esperienza:

4 - L'Amico Della porta Accanto

5 - Vecchia Amica

6 - Angelo Invecchiato 



"Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza" (1973)