Quando você lembra da cidade
fabril britânica de Birmingham de quais bandas você lembra quase que forma
imediata? Claro que o Black Sabbath em primeiro lugar e logo depois o Judas
Priest! Bandas que são sinônimos de música pesada, os primórdios do heavy metal.
Mas não enganem, estimados
leitores, a cena desta cidade na Inglaterra não se resume à música pesada dos
precursores e famosos Sabbath e Priest, se estendendo a uma rica e
diversificada vertente sonora que vai do progressivo ao folk rock.
Evidente que a esmagadora
maioria estão no submundo de sua existência, povoando a obscuridade, tendo uma
efêmera vida, mas que, como cometas, passaram, causaram algum impacto e
sumiram, algumas sem dar vestígios.
A minha caminhada pelo
desbravar da música obscura e suas bandas tem me proporcionado a descoberta de
algumas pérolas e, quando o blog foi concebido, a explosão se deu, pois, a sua
essência é trazer as histórias das bandas marginalizadas pela indústria e seus
audaciosos álbuns e isso é motivo de um arrebatamento impressionante, trazendo
luz e realidade a cenas que jamais pensei ter um tamanho quase que descomunal.
E uma banda que conheci, há
alguns anos atrás, me trouxe, diria descortinou diante da minha retina, um lado
da cena rock de Birmingham que jamais esperava que fosse existir: THE GHOST.
Aos aficionados pela música
rara e obscura o The Ghost talvez não esteja no patamar de uma banda rara,
totalmente desconhecida, porém ainda é inegável dizer que esta banda,
principalmente comparando-a aos icônicos filhos da terra, como Sabbath e
Priest, esteja em uma condição de underground inclusive de sua cidade natal,
quiçá do mundo.
Mas, a meu ver, acredito ser o
mais relevante, quando se fala do The Ghost, não seja tanto o “nível” de sua
obscuridade e sim a sua sonoridade, que se dispersa totalmente do óbvio que se
praticava à época naquela cidade na segunda metade dos anos 1960 e início dos
anos 1970. Um som híbrido que trafega no hard rock com pitadas lisérgicas, um
progressivo de vanguarda, com a predominância do órgão, a onipresença dos
sintetizadores que traz uma versão folk sombria, arrastada e soturna.
Uma “sopa” sonora que tem como
pilar o rock psicodélico, mas nada muito experimental, pois traz exatamente o
peso, por vez, visceral de riffs de guitarra, de vocais gritados e “cozinha”
rítmica enérgica e animada. Nome do álbum: “When You’re Dead – One Second”, de
1970. O único, inclusive! Mas antes de entrar mais detalhadamente na história
do álbum, falemos, um pouco mais, do The Ghost e seus primórdios.
O núcleo do The Ghost se
formou, em 1969, em torno do ex-guitarrista do Velvet Fogg, Paul Eastment, que
era primo de nada menos que Tonny Iommy, guitarrista do Black Sabbath, Charlie
Grima, na bateria, Terry Guy, no órgão, piano e vocal e Daniel McGuire, no
baixo e vocal. Entrando, um pouco mais tarde a multi-instrumentista e vocalista
Shirley Kent. Eis a formação do The Ghost que, quando surgiu, se chamava “Holy Spirit”
que, por razões óbvias, decidiram encurtar.
Quando Shirley se reuniu à
banda, ainda em 1969, lançaram seu primeiro single, seguido por uma produção
completa ainda naquele ano, mais precisamente no final daquele ano. Assim
ganharia o mundo o “When You’re Dead – One Second”.
Antes de Shirley Kent
ingressar na banda, o The Ghost tocava uma espécie de blues rock em pequenas
casas de shows, tendo na figura de Kent a importância na nova concepção sonora
que culminou no seu único rebento, que, embora tenho sido finalizado em 1969,
foi lançado oficialmente em janeiro de 1970, pelo selo Gemini. Em 1971 o álbum
foi lançado no Reino Unido e na Espanha pelos selos Exit / Ekipo Records,
respectivamente.
Shirley já gozava de algum
reconhecimento na cena musical e havia gravado, em 1966, duas faixas para um
EP, “The Master Singers And Shirley Kent Sing For Charec 67 (Keele University
103)”, além de Eastment, o guitarrista, que havia tocado, também pelos idos de
1966, no Velvett Fogg.
Já que mencionei o Velvett
Fogg, não podemos negligenciar sua interessante, porém curta história, onde
além do Paul Eastment, que fundou o projeto, contou, em seu line-up com Tony
Iommi, seu primo, mesmo que tenha sido em apenas um show e o tecladista Frank
Wilson que se juntaria ao Warhorse.
A banda lançaria o seu álbum
autointitulado, em janeiro de 1969, pelo selo Pye, com uma capa deliciosamente
escandalosa, onde a banda estava fotografada juntamente com duas modelos com os
seios nus, disfarçados de uma obra de pintura corporal. Será que em dias atuais
ela seria “cancelada” pelos pseudo conservadores da internet.
Embora Shirley Kent tenha sido
determinante para a nova orientação sonora do The Ghost, percebe-se, ao ouvi-lo,
que há contrastes entre as músicas que Kent canta, com uma pegada mais
folclórica, mais folk, além da pegada mais ácida, com aditivos de blues rock
bem generosos pelo resto da banda, fazendo com que seu único trabalho apresente
algo bem diversificado, sonoramente falando.
A capa, a arte gráfica do
álbum é deveras assustadora e, embora não goze de uma beleza arrojada, mostra
uma imagem translúcida fantasmagórica, daí talvez o nome da banda, dos seus
cinco integrantes, em torno de uma grande lápide, encabeçada por uma cruz celta.
No mínimo horripilante e muito instigante para os apreciadores de occult rock.
Feitas as devidas
apresentações históricas, falemos um pouco de cada faixa, a começar pela “When
You’re Dead”, a faixa título, que entrega, de imediato, alguma velocidade na
sua condução, algo mais calcado no hard psych, apoiada fortemente pelos
teclados de Terry Guy e uma guitarra que, por mais que não soe tão sofisticada
e bem elaborada nos seu timbres e solos, se mostra como tem de ser, levando em
consideração a sua proposta sonora: lisérgica e áspera. As intervenções vocais
têm forte conotação sombria, trazendo momentos mais agressivos, gritados,
potentes. Já se revela, na sua introdução, um álbum espetacular e muito diverso
em sua sonoridade.
Segue com “Hearts and Flowers”
mostra, além dos impulsos sombrios, traz os riffs ácidos de guitarra, o impulso
psicodélico dos teclados e o rock métrico da seção rítmica, bem como a pegada
folk de Kent, fechando uma sonoridade diversificada, diria até arrojada, mas
ainda assim apresenta uma “compostura” clássica. “In Heaven” une espirais
concêntricas de teclados, com coros altos, vocais tenebrosos, com um pouco de
emoção perversa dando a textura da faixa. Não se enganem, amigos leitores, com
o título da música!
“Time is my Enemy” segue
similarmente à proposta de “Hearts and Flowers”, onde gira em torno de todos os
instrumentistas, mas com o destaque, para ambas as faixas, inclusive, para o
vocal de Shirley Kent, bem definida e diria, sem medo de ousar, poderosa. O
destaque também fica para a guitarra igualmente poderosa de Eastment, com seus
riffs psicodélicos tendendo mais para o hard rock.
Na sequência temos “Too Late
to Cry”, onde temos um dos episódios mais cativantes do álbum, que consiste, do
começo ao fim, em viradas de guitarra espetaculares, galopantes, que aumenta,
com ímpeto, uma veia mais para o occult rock. Não se pode esquecer do suporte
robusto do baixo, pulsante e enérgico. Mas o melhor estaria por vir no longo
solo de Eastment, na guitarra, que floresce no meio da faixa, simples e
intenso, ao mesmo tempo.
“For One Second” tenta, e com
êxito, entrelaçar seus diferentes humores, para constatar seu viés progressivo,
mesmo antes desta vertente sonora ganhar um pouco mais de visibilidade, tendo,
como base, a textura dos teclados, criando uma espécie de tensão, além de leve
arpejo de guitarra. “Night of the Warlock” traz um curioso country music
mergulhado em ácido. Uma lisergia country bem apreciável e instigante, diria. O
refrão é sombrio e até atordoante, com alguns dedilhados discretos de guitarra.
Me remeteu a alguns rituais, algo pagão.
“Indian Maid” é
primordialmente lisérgica e se torna um tanto quanto sombria no seu refrão,
pois me remete a uma invocação de uma missa negra, trazendo, ainda, algo meio
teatral a sua estrutura sonora. É tenso, um pouco intenso, é cênica, é vívida.
E finalmente fecha com a faixa
“The Storm” que traz uma síntese das diferentes peculiaridades da banda, com a
voz de Shirley Kent gélida e distante. A faixa bônus, que saiu na reedição do
selo Mellotron, no formato CD, “I’ve Got to Get to Know You” entrega uma versão
austera, quase que arrogante, com uma pegada folk rock psicodélica bem
interessante, além de uma seção rítmica calcada em uma bateria simples e comum,
mas um baixo de excelente substância.
“When You’re Dead – One
Second” não foi um sucesso comercial e a tendência, triste e inevitável, era de
que a banda pudesse se separar. Existia o interesse, por parte de alguns
integrantes, de continuar com a banda, mas pelo simples fato de não ter a unanimidade
para manter o The Ghost já suscitava para o início de um iminente fim.
E foi o que aconteceu! Em 1975
Shirley Kent, sob o pseudônimo de Virginia Trees, concretizaria seus desejos de
uma carreira solo, gravando o seu primeiro álbum chamado “Fresh Out”. Mas ela
contaria com Paul Eastment na guitarra e Terry Guy no piano e teclado em sua
banda para a concepção do seu debut.
Daniel MacGuire morreria de um
ataque cardíaco em 1998, deixando em sua filha, Zennor, a herança musical. Hoje
ela é um músico que atua no underground e está buscando um lugar ao sol da sua
carreira. Charlie Grima, após o The Ghost, tocaria bateria em uma banda chamada
Mongrel, participando da gravação de um álbum chamado “Get Your Teeth Into
This”, de 1973.
The Ghost, com o perdão da
analogia, vagou invisível e obscuramente pela cena rock, no sussurro da
psicodelia e no alvorecer do hard rock no início dos anos 1970. Isso não deduz
ausência da qualidade sonora que produziu com seu único álbum, afinal muitas
bandas pereceram precocemente naqueles longínquos anos, deixando um ótimo
trabalho que, por mais que possa parecer incoerente, serviu de referência para
a transição do rock psicodélico para o hard rock e rock progressivo, servindo
de norte para muitas bandas que viriam a surgir logo depois de sua repentina
morte. The Ghost tornou-se necessário, mesmo que tenha sofrido na própria
carne, em prol de um novo despertar de vertentes sonoras que revolucionariam o
rock na prolífica década de 1970.
Em 1987 o selo Bam-Caruso relançou o álbum do The Ghost, no formato LP, com o título “For One Second”, com a adição do single que não foi lançado no LP de 1970, “I’ve Got to Get to Know You”. Em 1991 o selo UFO Records, da Inglaterra, lançaria o álbum, em CD. O icônico selo italiano Mellotron lançaria, no formato CD, o álbum “When You’re Dead” em 1991, 1999 e 2005.
O selo que lançou o álbum
originalmente, Walhalla, o relançaria, em CD, em 2006, o selo espanhol Wah Wah,
relançaria, em LP, em 2007, a gravadora Tam-Tam, norte-americana, lançaria, em
CDr, em 2007. O Mellotron novamente faria uma série de relançamentos do álbum
entre 2010 e 2024, seja no formato LP ou CD. Posteriormente a 2024 tiveram
outros relançamentos pirata e outras também do selo Mellotron.
A banda:
Terry Guy no órgão e piano
Shirley Kent na guitarra
acústica, tamborim e vocal
Paul Eastment na guitarra solo
e vocal
Daniel MacGuire no baixo
Charlie Grima na bateria e
percussão
Faixas:
1 - When You're Dead
2 - Hearts and Flowers
3 - In Heaven
4 - Time is my Enemy
5 - Too Late To Cry
6 - For One Second
7 - Night off The Warlock
8 - Indian Maid
9 - My Castle Has Fallen
10 - The Storm
11 - Me and my Loved Ones
12 - I've Got to Get to Know You
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