quinta-feira, 25 de julho de 2024

Quarto Crescente - Quarto Crescente (1981)

 

Uma de minhas grandes alegrias durante esse período em que produzo textos de bandas e álbuns obscuros, esquecidos pela mídia, pelo tempo e até pelos fãs de rock n’ roll é desbravar, conhecer coisas novas, independente do período em que foram concebidos.

Essa busca incessante pelos músicos e bandas que amamos, essa avidez rumo a desconhecidos caminhos que nossos músicos fizeram em sua trajetória musical é digno de um prazer imensurável. Apenas os fãs pela música obscura saberão descrever isso com requintes de detalhes.

É claro que são projetos esquecidos não apenas pelos fãs ou desconhecidos, mas negligenciado pelos próprios músicos, algo feito que fugiria, diria, de uma “normalidade” discográfica desse músico.

E vou exemplificar um que considero um dos expoentes da música pesada no Brasil. Um cara que deixou, de forma indelével, a sua marca no hard, no heavy e que merece, por todo sempre, ser reverenciado: Falo do grande Percy Weiss.

Percy Weiss

Aos que acompanha o rock brasileiro, sobretudo dos anos 1970, Weiss conquistou notoriedade tocando em bandas seminais como Made in Brazil, tida hoje como a banda mais antiga em atividade no Brasil e certamente uma das mais influentes desse país. Sua estreia foi com o excelente “Jack, o estripador”, de 1975, o segundo trabalho da banda.

Percy teve a difícil responsabilidade de substituir outro grande vocalista do rock brasileiro, o teatral e influente Cornelius Lucifer que se notabilizou pela sua estética subversiva e extravagante. Ele ficou conhecido por gravar o debut do Made in Brazil, que completou 50 anos em 2024, conhecido pelo “Disco da banana”, de 1974. Percy sofreu com as comparações com Cornelius no início, mas, com seu carisma e presença de palco, além, é claro, de sua potente voz, acabou conquistando seus fãs.

Percy com o Made in Brazil

Weiss participaria do seminal e censurado álbum “Massacre”, gravado em 1975, mas podado pela infame Ditadura Militar sendo engavetado, proibido de ser lançado, vendo a luz apenas em 2005. Weiss deixaria a banda em 1979 para tocar em outra importante banda do cenário rock brasileiro chamado Patrulha do Espaço substituindo outro seminal vocalista, que fez sucesso nos Mutantes, o Arnaldo Batista. 

Percy tocaria junto com músicos excepcionais como os já falecidos guitarristas Dudu Chermont e Walter Baillot e do baixista Cokinho, além, claro, do baterista Rollando Castello Junior. Um cara com esse currículo musical não poderia deixar de ganhar adeptos, seguidores fieis, verdadeiros apreciadores, do genuíno rock brasileiro da melhor década, a de 1970.

Mas esse grande vocalista, como tantos outros, começou sua carreira em bandas totalmente, diria, atípicas e diferentes, em termos sonoros, do que ele se notabilizaria. Para se ter uma noção, ele iniciaria a sua trajetória musical em bandas de baile, o que, de certa forma, era comum, na transição dos anos 1960 para os anos 1970 no Brasil. 

E a primeira era a U.S. Mail e, para variar, as bandas tinham nomes em inglês e cantava músicas igualmente em inglês nas domingueiras do Clube Banespa, em São Paulo, cidade que adotou desde os cinco anos de idade. Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção foi ouvir a voz inconfundível e poderosa de Percy Weiss em uma banda chamada Quarto Crescente, que passou pela vida do grande vocalista antes do Made in Brazil e Patrulha do Espaço, em 1973.

E um dos grandes momentos de se conhecer bandas obscuras é ter a alegria, não só de desbravar os escombros empoeirados do rock nacional, vilipendiado pela grande mídia e indústria, mas também possibilita navegar nos mares selvagens e intocáveis das carreiras de músicos emblemáticos, como Percy, por exemplo.

Mas não enganem, caros e estimados leitores, que o Quarto Crescente, que Percy Weiss tocou nos anos 1970 é a banda QUARTO CRESCENTE que irei falar neste texto, aquela, igualmente obscura e desconhecida do início dos anos 1980, mas prometo explicar com requintes de detalhes.

Mas ambas as bandas, de mesmo nome, eram bandas totalmente desconhecidas, claro, por isso figuram aqui neste reles e humilde blog, mas o Quarto Crescente oitentista contava com músicos tarimbados, a começar pelo próprio Percy, que à época quando foi convidado, já gozava de fama, bem como Babalu, nome artístico de Antônio Medeiros Junior, também conhecido como Tony Babalu, que também, como Percy, chegou a gravar alguns álbuns com o Made in Brazil.

Não podemos esquecer de que Percy Weiss foi o frontman de bandas como Chave do Sol, mostrando que era um músico de versatilidade, não se limitando ao hard rock e heavy metal. E foi exatamente por isso, além, claro, da admiração que tenho pelo seu trabalho, que me chamou a atenção, essa versatilidade. E o que dizer, já que falamos do heavy metal, de sua participação na banda dos anos 1980, o Harppia?

Percy com o Harppia

Gravou talvez um dos mais influentes trabalhos, não apenas da banda, mas de toda uma cena pesada underground daquela década, o “7”, de 1987. Weiss foi convidado quando o vocalista original, Jack Santiago, se recusou a continuar no projeto de retomar a banda, após sua dissolução precoce, saindo da banda. Embora o Harppia não tenha respirado os ares do sucesso, “7” se tornou referência no estilo, afinal ter, em sua formação, Weiss no vocal, Tibério Luthier na bateria, Cláudio Cruz no baixo, Fillippo Lippo e Flávio Gutok nas guitarras, não poderia ser diferente.

Mas o assunto é o Quarto Crescente, o Quarto Crescente dos anos 1980. “Quarto Crescente”, o álbum, nasceu do desejo do baterista Horácio Malanconi Neto, de gravar um trabalho de estúdio, com músicas autorais. Nos primórdios da banda, os jovens músicos começaram como uma banda de bar e utilizaram o curioso nome de “Cadela”, mas quando decidiram que iriam levar a sério o projeto de gravar um álbum, optaram por um nome, digamos, menos impactante ou, para alguns, melhor.

Os jovens músicos, a “ala” menos conhecida da formação que gravou o único trabalho do Quarto Crescente, quando convidou Percy Weiss para o cargo de vocalista da banda, lembraram que Weiss havia tocado, lá em 1973, em uma banda chamada “Quarto Crescente” e perguntaram ao vocalista se poderiam usar o nome, já que a banda não existia mais, Percy autorizou e a partir daí, surgiria a nova e mais arrojada “versão” do Quarto Crescente, porém com o Percy novamente como frontman.

O álbum, como acontece com várias bandas undergrounds, foi concebido em tempo recorde, levando, pasmem, uma semana para gravar, mixar e masterizar o trabalho. A produção e a direção dos arranjos são dos próprios músicos, o que corrobora a condição das bandas independentes no Brasil e no mundo também. Completava a banda, além de Horácio, Percy e Babalu, Tigueis no baixo.

“Quarto Crescente” tinha tudo para ser sucesso comercial, afinal tinha um já Percy e Babalu que gozavam de alguma reputação e experiência, além de trazer músicas lentas, algumas boas baladas de apelo comercial, mas muito bem-feitas. O álbum trazia um rock n’ roll voltado para o hard rock, o classic rock, música brasileira e umas discretas pitadas de rock progressivo e até mesmo um blues rock.

O álbum é inaugurado com a faixa “Bicicleta” que é envolvida por uma belíssima balada blues, sustentada pelo lindo e melódico vocal de Percy Weiss, mostrando versatilidade. Solos de guitarra breves, mas viajantes, contemplativos, com uma entrosada e linda seção rítmica entregando uma textura mais comercial. A letra personificação a condição sonora.

"Bicicleta"

“Serra Pelada” vem com uma pegada totalmente distinta. Algo de country rock é evidente. Uma faixa solar e animada, e a gaita ganha destaque, fazendo da música um pouco mais dançante, mas a letra traz um cenário meio apocalíptico daqueles tempos e dos atuais também.

"Serra Pelada"

“Aves Noturnas” traz outra vibe do álbum e agora é o hard rock que ganha protagonismo. Guitarras mais pesadas, baixo mais pulsante, bateria com mais pegada, com mais peso e agressividade, com vocal mais pungente, vivo e alto. A potência vocal de Weiss nos remete ao Made in Brazil de um passado não muito distante em sua carreira. Essa faixa trouxe uma discussão polêmica. Para muitos há uma semelhança desta com a música do Made in Brazil chamada “Me Faça Sonhar”, do álbum “Minha Vida é o Rock n’ Roll”, de 1981. A questão do plágio foi levantada, mas a polêmica é: quem plagiou? O Quarto Crescente ou o Made in Brazil? Ambos os álbuns foram gravados em 1981!

Mas tudo indica que não ocorreu plágio e tentarei explicar, caros leitores: pouco antes da separação de Percy com o Made in Brazil, ele e Oswaldo Vecchione haviam começado a trabalhar uma nova música que ficou inacabada. E os dois tiveram a ideia de terminar a faixa inacabada para o projeto que estavam desenvolvendo, daí a aparição de algumas frases em comum nas duas músicas.

"Aves Noturnas"

A faixa seguinte traz um medley intitulado “Jovem Guarda” com parte das faixas “Gênio”/”Pica Pau”/”Parei na Contra Mão”/”Rua Augusta”/”O Bom”/”Splish/Splash”/”Você me Acende”. É bem divertido, animado, mas fica nisso. A banda decidiu lembrar um pouco do popular movimento musical que dominou as paradas de sucesso de meados dos anos 1960.

"Jovem Guarda"

Segue com “Mercado Modelo” retoma a pegada mais pesada do álbum, sendo animada, pesada, que já começa com solos curtos, pesados e diretos de guitarra e que remete um pouco dos anos 1960 do rock no Brasil, sendo bem dançante, algo um pouco voltado também para o rockabilly. Certamente uma das melhores faixas do álbum e que retrata com fidelidade dos comportamentos da sociedade à época em sua letra.

"Mercado Modelo"

“Boa Garota” traz de volta as baladas do álbum, mas com um toque mais “apimentado”, mais pesado. A presença dos riffs de guitarra corrobora esse detalhe picante. Os vocais, mais uma vez, cheio de sedução e balanço de Weiss se destaca, bem como a presença da flauta contrabalanceando o peso, mas executado com personalidade.

"Boa Garota"

Segue com “Regue Fajuto” e, como sugere o nome, traz a pegada reggae, mas com uma levada um tanto quanto new wave e um apelo radiofônico e letra romântica que corrobora esse apelo comercial. Não podemos negligenciar, contudo, o trabalho de baixo de Tigueis que é fabuloso, cheio de groove e ritmo. Cabe aqui, já que mencionei em Tigueis, não podemos comparar ou lembrar do Tigueis da banda Chave do Sol, mas não é. O Tigueis do Quarto Crescente Antonio Carlos Lopes e é conhecido por seu trabalho de luthier e seu registro ao lado do grupo Cão Fila.

"Regue Fajuto"

“Fique Frio” resgata a sonoridade do Made in Brazil, mas não se caracteriza como plágio, afinal, Percy trazia um pouco do DNA da banda por ter feito parte dela em seu ápice musical e criativo. Mas em “Fique Frio”, além do hard rock, traz aquela pegada dançante que me remete, como em “Boa Garota” aos anos 1960.

"Fique Frio"

E fecha com “Triste Cidade” da mesma forma como começou o álbum, com uma faixa voltada para o blues rock, mas nesta a veia blueseira me parece mais viva, evidente e pesada. O trabalho da guitarra é muito mais apurado nesse sentido e a gaita ganha mais protagonismo trazendo o balanço do velho blues. Solos de guitarra mais elaborados, a “cozinha” entregando um groove legal. Fechou em grande estilo!

"Triste Cidade"

A minha reverência com o gigante e inesquecível Percy Weiss me possibilitou desbravar o lado obscuro de sua brilhante trajetória musical me fazendo descobrir o Quarto Crescente e a sua faceta mais despojada, livre e consequentemente versátil. Um Percy blues rock, blueseiro, MPB, rockabilly. Um múltiplo músico que merece todas as reverências eternas. Quarto Crescente entregou ao mundo um álbum sem pompas, simples, cru em sua concepção, simples, um som sincero feito com a verdade de quatro músicos que só queriam produzir música dignamente no Brasil dominado por pseudo músicas pasteurizadas para atender a efêmeras necessidades de mercado.

Em “Quarto Crescente” tiveram alguns músicos convidados fazendo percussão, gaita, flauta, mas não consegui encontrar nenhuma referência com os seus nomes para aqui elencar. Um trabalho atípico, mas extremamente palatável a vários ouvidos, dos mais exigentes até aqueles que apreciam a verdadeira música popular.


A banda:

Percy Weiss nos vocais

Tony Babalu na guitarra

Horácio na bateria

Tigueis no baixo

 

Faixas:

1 - Bicicleta

2 - Serra Pelada

3 - Ave Noturna (Rock n Roll)

4 - Jovem Guarda: Gênio / O Pica Pau / Parei Na Contramão / Rua Augusta / O Bom / Splish Splash) / Você Me Acende

5 - Mercado Modelo

6 - Boa Garota

7 - Regue Fajuto

8 - Fique Frio

9 - Triste Cidade


"Quarto Crescente" (1981)


Download de "Quarto Crescente" aqui




















 















terça-feira, 16 de julho de 2024

Morte Macabre - Symphonic Holocaust (1998)

 

Será que podemos guardar uma geração, uma vertente sonora em uma caixa, como um produto velho e carcomido e esquecer? Aquele discurso de que está obsoleto e que deve ficar, no mínimo para a história da música e pouco falar sobre, quanto mais executá-la, trazê-la à tona?

Não sou contrário, nobres e estimados leitores, ao novo, aos “testes” geracionais que a vida nos impõe e, claro, com a música que é o nosso assunto por aqui. A mudança, embora temida por tantos, se faz importante, mas a importância não pode ser comparada à obrigações e/ou posturas conservadoras instituídas.

Os anos 1990 foi a “era do grunge”, de Kurt Cobain, das roupas de flanela, de um rock n’ roll mais direto, a necessidade de simplificar diante da arrogância sonora dos músicos de rock progressivo ou ainda dos excessos do glam metal de meados dos anos 1980.

Evidente que podemos questionar as tais gerações, isso é democrático, salutar, diria, mas tudo, consequentemente, é uma questão de opinião. Sob o aspecto comercial o rock progressivo estava, ainda mais, à margem nos anos 1990. As gigantes do estilo até enchiam arenas, mas estavam descaracterizadas sonoramente falando.

Mas não se enganem o rock progressivo ainda tinha sua carga criativa cheia, forte, contundente, consistente e tinha um público que estava ávida por consumi-la. Alguns países, inclusive, via a sua cena ressurgir, como a Itália, que via, aos borbotões, bandas bem interessantes ganharem vida.

No norte da Europa se testemunhavam o surgimento de bandas muito legais e que traziam, revisitavam, os sons ocultos dos anos 1970, mas com roupagens contemporâneas com o rejeitado metal progressivo, por exemplo. Ouso dizer que muitas dessas bandas que surgiram nos anos 1990 e também na década de 2000, podem figurar na história do prog rock recente.

E não podemos negligenciar o que a Suécia tem feito, nesses últimos trinta anos, a serviço, não apenas ao rock progressivo, mas ao rock n’ roll como um todo. Grandes bandas vêm surgindo enaltecendo, em uma espécie bem-sucedida de homenagem aos seus predecessores, a música dos anos 1970, entregando sons novos e relevantes.

E preciso citar o MORTE MACABRE. Essa banda assumiu um caráter de projeto com início, desenvolvimento e fim efêmero, o que, convenhamos, é uma pena, que uniu duas proeminentes bandas suecas dos anos 1990 que são o Landberk e o Anekdoten. E a formação trazia Nicklas Berg no mellotron, fender rhodes, theremin, sampler, guitarra, baixo, Peter Nordins na bateria e percussão, Reine Fiske na guitarra, violino, mellotron, fender rhodes e Stefan Dimie no baixo e moog. Berg e Nordins tocavam no Anekdoten e Dimie e Fiske eram membros do Landberk.

Morte Macabre

E o resultado dessa fusão veio o único álbum da banda chamado “Symphonic Holocaust”, lançado, pelo selo antigo chamado “Mellotronen”, que pertencia ao baixista Stefan Dimie, em 1998, no formato CD, sendo as sessões de gravação no estúdio Largen, na Suécia. Além de ter sido concebido em uma época avessa ao prog rock, sob o aspecto comercial, trata-se de um álbum desafiador para ouvidos mais conservadores do rock progressivo muito acostumado a ouvir as sonoridades setentistas. É um trabalho extremamente nervoso, temperamental, contundente e tem, ouso dizer, tudo para que, daqui a 50 anos, seja celebrado como um clássico esquecido e que será considerado como “cult”.

É um trabalho complexo, de personalidade, avesso aos estereótipos, que entrega beleza, sombras, um trabalho excepcional de occult rock, de dark progressive, que não se via a tempos, desde bandas como Antonius Rex e Goblin. A propósito os temais musicais são oriundas de trilhas sonoras de filmes de terror, majoritariamente europeus, baseando-se exatamente no que o Goblin fez nos anos 1970, com os filmes do cineasta Dario Argento, além de duas faixas originais, compostas pelos integrantes da banda.

Pode não parecer, diante disso, algo novo ou revolucionário, mas o habitat sonoro em “Symphonic Holocaust” é muito bem definido e principalmente bem delineado: o tema de filmes de terror é muito bem explorado, sobretudo o do occult rock, do progressivo de terror é extremamente orgânico e sofisticado, ao mesmo tempo. É uma ode aos desbravadores Jacula, Goblin, Museo Rosenbach e tantos outros undergrounds que lutaram contra uma onda de conservadorismo que persiste até os dias de hoje.

Filmes como “The Beyond”, “The House by the Cemetery”, “City of the Living Dead”, “Cannibal Holocaust”, “Zombie” e "Rosemary's Babe", do grande diretor Roman Polanski, além de duas faixas escritas pelo Morte Macabre. Os filmes, de baixo orçamento, os famosos “Lado B”, também são marginais como a sonoridade desta banda.

Antes de dissecar cada faixa deste álbum convém ressaltar um detalhe muito interessante e que, de alguma forma corrobora a textura sombria de “Symphonic Holocaust”: o Mellotron. Quase todos os membros da banda tocam o instrumento, colocando-o, obrigatoriamente, como ponto central da estrutura sonora deste álbum. A melancolia, a atmosfera densa e particularmente sombria é a tônica deste trabalho do Morte Macabre. Então vamos a elas!

A faixa inaugural é “Apoteosi del Mistero”, que é do filme “City of the Living Dead” e essa faixa já começa para mim arrebatadora! Ondas de mellotron logo no topo, quando um som mais completo e “cheio” já chega logo, em menos de um minuto. A guitarra tem seu destaque, bem como a “cozinha” rítmica, com baixo e principalmente a bateria, marcada e altiva, dando o tom mais pesado à faixa.

"Apoteosi del Mistero"

Na sequência temos a primeira faixa composta pela banda, “Threats of Stark Reality” que traz uma textura sombria e extremamente experimental que remeteu à psicodelia ácida da cena krautrock, com uma aura de space rock também, diria. Uma faixa assustadora e que poderia adentrar em qualquer filme de terror, facilmente.

"Threats of Stark Reality"

"Sequenza Ritmica e Tema", é do filme “The Beyond”. É inegável dizer que bateria, guitarra e baixa atinge com força os ouvidos e o coração, tendo, evidentemente o mellotron entrando gradativamente no contexto sonoro. Um constraste improvável, mas que harmoniza em um caos oculto e tenebroso e assim a música vai seguindo até seu fim louco, docemente louco. Convém lembrar também que cada músico decidiu empreender com solos de seus instrumentos, mesmo assim tudo conectado.

"Sequenza Ritmica e Tema"

Segue com “Lullaby”, tema do clássico filme “Rosemary’s Baby”, de Roman Polanski. É clássico aos ouvidos e parece te colocar dentro do ambiente da trama horripilante construída por Polanski e quando entra finalmente pela primeira vez no álbum um vocal da Yessica Lindkvist com suas suaves e terrivelmente sedutadora vocalização de “la-la”, pronto! Uma música que verdadeiramente dignifica a proposta sonora de “Symphonic Holocaust”. As linhas de baixo esparsas e descontraídas reforça as sombras que permeiam na música, juntamente com a bateria, sem contar, claro, com o mellotron.

"Lullaby"

“Quiet Drops” é sublime, porque aqui o destaque fica para a guitarra, tão focada e poderosa. Uma faixa contemplativa, viajante, chapante, lisérgica, progressiva, linda! A beleza da introspecção a torna única, singular. A bateria vai encorpando, dando mais vivacidade à música. Sem dúvida uma das mais interessantes faixas do álbum. “Opening Theme” soa como uma improvisação informal, que abre os trabalhos para a faixa seguinte...

"Quiet Drops"

“The Photosession” o arrebentar do mar na costa, nas pedras são acompanhados por uma suave e notas de guitarra que reproduz um momento singular e harmônico e aí vem os toques dos pratos da bateria, as notas incidentais de guitarra e baixo se fundem e logo depois o fender rhodes e o mellotron em seguida. Tudo tão conectados, mas orgânico, típico de músicas instrumentais. 

"The Photosession"

E o grand finale é realmente apoteótico e colossal com a faixa-título “Symphonic Holocaust” que, no auge dos seus quase dezoito minutos revela-se a mais pesada e fantasticamente complexa, trazendo uma miscelânea de vertentes percebidas, ou melhor, ouvidas em todas as faixas anteriores do álbum. O mellotron ganha destaque, trazendo uma textura sombria, mas logo o peso do hard prog se faz presente, com riffs pegajosos de guitarra e bateria marcada e pesada.

"Symphonic Holocaust"

O volumoso arsenal instrumental de “Symphonic Holocaust” faz do Morte Macabre e seu único rebento um trabalho singularmente especial. As faixas são sedutoras, suaves em grande parte, como se fosse ninar os ouvintes, os transportando para um sombrio pesadelo. Um clássico que se perde no tempo da música plastificada e sem vida dos anos 1990. Uma ode à temporalidade da carne e à inevitável passagem do tempo. Um álbum emocional, sombrio e humano.




A banda:

Reine Fiske na guitarra, violin, mellotron, fender Rhodes

Nicklas Berg no mellotron, fender Rhodes, theremin, sampler, guitarra e baixo.

Stefan Dimle no baixo, mellotron e moog

Peter Nordins na bateria, percussão e mellotron/ drums, percussion, Mellotron

 

Com:

Yessica Lindkvist na voz na faixa 4

Janne Hansson no waves Fx na faixa 7

 

Faixas:

1 - Apoteosi del Mistero

2 - Threats of Stark Reality

3 - Sequenza Ritmica e Tema

4 - Lullaby

5 - Quiet Drops

6 - Opening Theme

7 - The Photosession

8 - Symphonic Holocaust




"Symphonic Holocaust" (1998)



 


 


























quarta-feira, 3 de julho de 2024

Aleph - Surface Tension (1977)

 

Sydney, Austrália, 1974. O ano trazia grandes momentos para o rock progressivo. Grandes álbuns, grandes bandas, alguns feitos clássicos que arrebatou o mundo, mas que aconteciam em alguns “polos” tradicionais dessas vertentes, como a Inglaterra, a Itália e a Alemanha, deixando como coadjuvantes vários outros países.

E a Austrália sempre esteve nesse rol de vilipêndio por parte da indústria fonográfica, mas, por mais que o aspecto comercial ofusque esses países, nada que um bom garimpo nos proporcione gratas surpresas, com ótimas e obscuras bandas e a terra do canguru tem sim belas bandas e grandes álbuns.

E um exemplo é o ALEPH. O nome, que pode parecer inusitado e deslocado, mas entrega uma sonoridade extremamente arrojada e diria inédita, pois conseguiu a proeza de fundir o rock progressivo com uma música mais acessível, diria até mais popular.

A concepção do Aleph surge das cinzas de outra banda, baseada na cidade de Armidale, chamada Bogislav. Debandaram do Bogislav o baterista Ron Carpenter, o guitarrista e vocalista Dave Froggatt e o baixista Dave Highet. A banda tinha seis integrantes, juntando-se aos ex-integrantes do Bogislav o vocalista Joe Walmsley, a tecladista e vocalista Mary Jane Carpenter e a tecladista Mary Hansen.

Aleph

E aqui vale uma boa curiosidade histórica: Ron Carpenter, antes de ingressar no Aleph, tocou bateria, nos primórdios, no AC/DC, entre 1973 e parte de 1974, nas diversas formações da clássica banda de hard rock e heavy metal, que esteve baseada em Sydney, mas logo largou a banda dos irmãos Young para formar o Aleph, pelos idos de 1974. E cabe outra curiosidade: o Aleph e o AC/DC se encontrariam mais tarde, Sydney Haymarket, entre 1975 e 1976, em shows, dividindo o palco, inclusive.

As bandas se conheceram no estúdio, no Albert Studios, em Sydney para a gravação dos seus respectivos primeiros álbuns, em 1974, mas o AC/DC gravou e lançou seu primeiro trabalho, chamado “High Voltage”, em 1975, o Aleph demoraria cerca de três anos para lançar seu primeiro e único trabalho, acontecendo em 1977.

Intitulado “Surface Tension”, foi lançado pela Atlantic Records e oferece seis faixas de registros de rock progressivo que oscilam entre 4 e 6 minutos com exceção feita para a música “Mountaineer” que dura pouco mais de 15 minutos. O álbum entrega um esbanjado trabalho centralizado no mellotron, sintetizadores, moogs e tudo o mais, com guitarras pesadas focados em riffs pegajosos e solos enérgicos. Traz uma sonoridade complexa que nos remete ao Yes nos seus primeiros trabalhos, mas, por outro lado, é capaz de fundir uma sonoridade mais acessível, mais radiofônica, algo mais direto.

Nesse aspecto podemos, sem medo ou receio, de incluir o Aleph, mesmo que não tenha gozado de popularidade, ao rol de bandas como o Sebastian Hardie, no pioneirismo do art/prog rock australiano. E isso se confirma com a atmosfera dramática e desencantada que transparece na suíte “Mountaineer”, nela materializa o típico prog rock da Austrália e pesará também sobre o conjunto de “Surface Tension”, mesmo tendo algumas variações, bem discretas.

Não podemos negligenciar a capacidade que o Aleph teve de aliar complexidade e acessibilidade a música, trazendo os teclados e a guitarra em patamares mais alto em sua sonoridade, sendo percebida uma abordagem maior para as teclas em algumas músicas e a guitarra em outras ou ainda o protagonismo de ambos os instrumentos em algumas faixas, simultaneamente. O arranjo e a orquestração parecem, caros amigos leitores, superar o virtuosismo.

Mas o Aleph trabalhou muito antes de lançar seu “Surface Tension” e, no final de 1974, começou a fazer muitos shows em Sydney e, ao longo dos anos seguintes, conquistou alguns seguidores, alguns fãs, devido a exatamente esse nível consistentemente alto de musicalidade, o que rendeu até mesmo um contrato forte com a Warner Brothers.

E, para variar, mesmo com a reputação sendo bem construída, os primeiros anos foram, além de muito trabalho, como também difícil. Tudo parecia conspirar contra a possibilidade de um sucesso nacional. O mais grave evento foi a turnê nacional da banda em 1976, resultando em um prejuízo financeiro significativo. Esse período o seu álbum ainda não tinha sido lançado e quando “Surface Tension” também foi frustrante para a banda, no aspecto da qualidade da gravação.

Tanto que posteriormente o Aleph solicitou à Warner a regravação de seu álbum para aparar as arestas do problema técnico o que foi categoricamente negado, abalando a relação entre a banda e o selo que logo em 1977 viria a se desgastar e findar. Mas antes de chegarmos ao desfecho histórico da banda, vamos dissecar um pouco de “Surface Tension”.

A faixa inaugural é “Banshee” que nada mais é do que um progressivo sinfônico com “chicotadas” bem dadas de um hard rock intenso e enérgico, aquele estilo de prog rock que eu verdadeiramente aprecio. Essa definitivamente seria a essência do álbum, do início ao fim.

"Banshee"

“Man Who Fell” é digno de atenção ao seu piano e moog elétrico muito bem executado, com um timbre vocal exuberante de ótimo alcance. Não podemos negligenciar o mellotron que adorna com extrema elegância, dando uma textura altiva à faixa, sem contar com o hammond que “quebra” a música com a cumplicidade do violão. Excelente!

"Man Who Fell"

A sequência traz a majestosa “Morning”. Uma composição excepcional, mostrando que os caras têm uma capacidade incrível de aliar melodia, harmonia, letras bem encaixadas, tudo em seu devido lugar! “(You Never Were A) Dreamer” também entrega a versatilidade que é “Surface Tension”, uma faixa enérgica, o prog sinfônico se entrelaça com a pegada mais vibrante do hard rock, com pinceladas comerciais que torna mais acessível a faixa aos ouvidos mais exigentes e aqueles mais “despojados”.

"(You Never Were A) Dreamer"

"Mountaineer", a mais longa do álbum, é a síntese do rock progressivo, com viradas rítmicas, com variâncias de sons, com alto nível de complexidade, mas enérgica, com os instrumentos usados a toda prova, mostrando que seus músicos trazem também algo orgânico a sua música. Tudo construído com perspicácia e facilidade natural, afinal, essa é a marca da banda, construída neste álbum. Excelente faixa e ponto alto do álbum.

"Mountaineer"

O álbum fecha com “Heaven's Archaepelago” que traz de volta memórias, com a sua introdução ao piano, de bandas progressivas como Yes e até, em alguns momentos, o Supertramp. Não podemos deixar de lado, nesta música, o domínio do mellotron que oferece uma energia, algo solar, diria sem titubear.

"Heaven's Archaepelago"

Os problemas teimavam em testar o Aleph. Em 1978 a banda perdia o vocalista Joe Walmsley devido a uma grave doença e naquele mesmo ano teve seu PA, seus equipamentos, vendidos como resultado de uma alta dívida de cerca de  US$ 400.000. A banda foi forçada a abandonar sua turnê por vários meses depois que Ron Carpenter foi convidado para ocupar o lugar de baterista temporário do Cold Chisel. Carpenter também passou grande parte de 1979 dedicando suas energias à banda First Light, que gravou e lançou um álbum autofinanciado naquele mesmo ano.

Em 1979, Carpenter convenceu, em uma vã tentativa de salvar o Aleph, os membros restantes, bem como as suas famílias a se mudarem para Byron Bay, onde a banda posteriormente se instalou. Ao longo dos anos a formação foi reduzida de cinco integrantes para quatro integrantes e, finalmente um trio, com Carpenter eventualmente assumindo as funções de vocalista.

O Aleph, para se reerguer, foi forçado a se tornar uma banda cover com a garantia de conseguir casas lotadas e consequentemente bons cachês. Aceitaram! O que outrora fora concebida como original com o lançamento de seu álbum, se viram forçados a tocar covers variando de punk rock a new wave, de música eletrônica a rock clássico. E deu certo, o Aleph conseguiu tocar com alguma frequência e com casas cheias.

Assim foi até 1983! Embora não tenha explorado tão firmemente o seu lado criativo, produzindo músicas autorais, conseguiram lucrar o suficiente para pagar as suas dívidas contraídas em um passado não muito distante. Mas o ano de 1983 marcaria o fim das atividades do Aleph. O fato é que uma banda tão inventiva, que produziu um álbum do naipe de “Surface Tension”, não conseguiria seguir sem o mínimo de estrutura por parte de uma gravadora e reproduzindo músicas de outras bandas.

“Surface Tension” pode não ser uma obra-prima esquecida e vilipendiada, mas sem sombra de dúvida se trata de um álbum valioso, arrojado e interessante para qualquer apreciador de progressivo sinfônico, hard rock e crossover progressivo dos anos 1970. Então, caro amigo leitor, não se deixe levar para questões relacionadas a pioneirismos ou quaisquer “títulos” que esse trabalho deve ou deveria ter recebido, mas apenas ouça com muito respeito e reverência a um álbum solar, divertido. O Aleph merecia um futuro melhor! Certamente entregaria muito ao longo dos anos com uma discografia bem arrojada.



A banda:

Joe Walmsley no vocal

Dave Froggatt na guitarra e vocal

Mary Jane Carpenter nos teclados e vocal

Mary Hansen nos teclados e sintetizadores

David Highet no baixo

Ron Carpenter na bateria e percussão

 

Faixas:

1 - Banshee

2 - Man Who Fell

3 - Morning

4 - (You Never Were A) Dreamer

5 - Mountaineer

6 - Heaven's Archaepelago 



"Surface Tension" (1977)