Quando leio alguns textos
sobre determinadas bandas ou álbuns observo, nitidamente, que as pessoas buscam
algo inovador. Claro que, quando temos um primeiro contato com uma banda,
buscamos algo que nos arrebate, perfeitamente natural ter, ou melhor sentir
isso. Mas percebo que o nível de exigência tem sido demasiadamente alto a ponto
de rejeitar e criticar determinadas bandas e trabalhos por elas produzidas.
A crítica e a rejeição também
fazem parte do processo da aceitação ou não de determinados trabalhos, mas
penso que buscar sempre algo inovador é demasiado exigir demais de determinadas
bandas e principalmente de si mesmo quanto ao seu nível de aceitação e rejeição
de determinados trabalhos.
As cenas musicais chegam a
níveis de saturação, com um número enorme de bandas que surgem. Percebo isso em
movimentos musicais de hoje e do passado e com o rock progressivo não foi
diferente, principalmente na primeira metade dos anos 1970, quando viveu sua
ebulição criativa, embora nunca tenha sido uma cena palatável e tanto aceita
pela indústria fonográfica. E que fique claro que a sua ebulição criativa foi
na primeira metade dos anos 1970, mas não significa que em outros tempos não
tenha sido.
E, diante desse cenário, que
penso ter acontecido, muitas bandas surgiram, algumas viram a luz do sucesso,
enchendo arenas, estádios e participando de festivais faraônicos e muitas
outras caíram no limbo do esquecimento, vagando pelas sombras obscuras do
underground.
E essas últimas sofreram e
sofrem com uma investida pesada de ultrajantes cópias das bandas famosas, de
sucesso. Evidente que não tirarei os méritos dos medalhões do prog rock que
conquistaram suas condições de pioneiras e inovadoras, mas qual o motivo de
taxar as obscuras de plagiadores? Qual o motivo de pontuá-las como farsantes ou
coisa que o valha?
Essa defesa veemente da minha
parte, caros leitores, se dá por uma questão óbvia, afinal, esse reles e
humilde blog fala de bandas obscuras, mas não se enganem que a defesa seja cega
e alienada. Aqui há espaço para críticas, mas principalmente, modéstia à parte,
para grandes álbuns e bandas.
E a banda de hoje eu conheci
recentemente em uma dessas incursões, às vezes, confesso, aleatórias na grande
rede na caça de álbuns obscuros e quando a ouvi simplesmente adorei, porque
alia um progressivo sinfônico, com uma pegada mais pesada, um hard mais
acessível, com uma sonoridade, diria, comercial, mas de qualidade. Falo da
banda sueca PANDORA.
Quando levantei referências
para este texto que você, fiel e bom amigo leitor, li algumas críticas pesadas,
desconstruindo a sonoridade da banda, dizendo que era cópia de ícones como
Uriah Heep, Genesis, entre outras bandas de sucesso. Ao ouvir o único álbum
lançado pela banda, há cinquenta anos, em 1974, chamado “Measures of Time”, não
se percebe, de fato, nada de inovador, era o que se fazia na primeira metade
dos anos 1970, na cena progressiva, mas se trata de um trabalho excepcional,
muito agradável de se ouvir e é isso que importa aos ouvidos e a alma.
E falando em referências
lamentavelmente pouco encontrei sobre a história do Pandora na web, sobre as suas origens, então vai as
minhas famigeradas licenças poéticas acerca de sua história obscura. O nome da
banda te remete a conhecida “Caixa de Pandora” com a sua história de que os
deuses gregos colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a
discórdia, as doenças do corpo e da alma em uma caixa. Talvez a inspiração para
o nome da banda seja a música como uma manifestação irrestrita de esperança. Há
muito a se falar da “Caixa de Pandora”, mas não entrarei em pormenores.
Vamos ao pouco da história do
Pandora, a banda. A banda foi formada na cidade de Norrkoping, no sul da
Suécia, em 1971 pelo baterista Bertil Jonsson e pelo guitarrista Urban Gotling.
Após algumas mudanças na formação a banda gravou o já informado debut, na
realidade único trabalho, “Measures of Time”, de 1974. Com a saída de Gotling,
a formação que concebeu esse álbum tinha, além de Jonsson, na bateria, Leif
Hellquist e Åke Rolf na guitarra, Peter Hjelm, no vocal principal, Janne
"Flojda" Dockner no piano e sintetizador e Björn Malmqvist no baixo.
“Measures of Time”, lançado
pelo selo sueco SMA, no formato vinil, traz uma música bem executada, com
excelentes arranjos e melodias com uma roupagem progressiva sinfônica, com
teclados agradáveis e vocais bem envolventes, com uma textura mais pesada,
tendendo para o hard rock que harmoniza muito bem com os sintetizadores e a
pegada sinfônica, fazendo de sua sonoridade versátil e que pode certamente
agradar aos apreciadores de progressivo e hard rock, além de um viés mais
comercial, porém bem executado.
Nuances psicodélicas são
percebidas também que te faz remeter naquela transição dos anos 1960 para os
anos 1970, que se percebe uma sonoridade que tenta deixar o experimentalismo e
a pegada beat indo para algo mais complexo e bem trabalhado. Assim o é
“Measures of Time”. Não para por aí: ainda se percebe um blues progressivo e
calorosas pegadas de krautrock. A sonoridade do Pandora é bem globalizada e se
afasta um pouco do som das bandas suecas meio exóticas e pouco ortodoxas do
início dos anos 1970.
O álbum é inaugurado pela
faixa título “Measures of Time” que começa meio operística, piano e baixo em
total sinergia entregando um progressivo sinfônico com riffs pesados de
guitarra e um vocal melódico cheio de dramaticidade. E tudo isso ganha
vivacidade e emoção com solos lindos de guitarra que logo tem a companhia do
piano dando uma cadenciada e “rivalizando” com a guitarra. É a faixa que define
bem o trabalho do Pandora.
Segue com “Dusty Ledger” que
também ganha vida com o piano na introdução e baixo trazendo uma textura mais
misteriosa o que é corroborado pelo vocal mais fechado e introspectivo. O baixo
fica mais pulsante, a música ganha mais corpo, os riffs de guitarra trazem uma
roupagem hard rock, bateria é marcada e bate mais forte, o vocal segue a
proposta com alcances maiores, os teclados dão um tom mais sinfônico, solos de
guitarra são de tirar o fôlego. Não há como negar que a faixa se revela
complexa e repleta de mudanças rítmicas.
“The Queen” segue com a
proposta mais sinfônica com uma introdução de piano, mas dessa vez foi rápida,
porque ela já começa animada, enérgica e agitada. Vocais mais nervosos, mas não
menos melódico, o que sempre me agrada, riffs de guitarra dão o tom mais solar,
bateria as vezes pesada ou com uma discreta pegada jazzística, o piano mais
frenético entrega o peso, o baixo pulsante e dançante, solos mais acessíveis de
guitarra. Sem dúvida a mais animada faixa do álbum.
“Life is Good, Life is Bad” começa com uma salutar “rivalidade” entre piano e a guitarra com seus riffs, tendo uma textura rítmica mais dançante, graças, claro, ao baixo mais pulsante e bateria marcada. Vocal, como sempre, em destaque, sempre melódico e agora em um tom mais dramático. As mudanças rítmicas também é a tônica da faixa, trazendo à tona passagens mais sinfônicas. Na sequência tem “Tailor” com o piano em destaque. A roupagem mais progressiva ganha força nessa faixa e os teclados confirmam essa condição com aquela pegada típica do sinfônico, que logo irrompe nos indefectíveis solos de guitarra sempre bem executada.
E fecha com “Mind of Confusion” traz à tona novamente o hard prog, o peso dos riffs e solos da guitarra e as mudanças rítmicas são arrebatadoras e extremamente solares. E nessas mudanças rítmicas não podemos negligenciar o vocal, destacando-o conduzindo perfeitamente os “humores” da faixa. Traz alcances vocais poderosos a sussurros.
Após o lançamento de “Measures of Time” o Pandora teve alguns bons e importantes shows dando a perceber que a banda vingaria, seguiria o seu curso na história. Abriu banda para bandas mais famosas da Suécia como Kaipa e Trettioariga Kriget, entre outras, isso entre 1975 e 1977, durando até 1981, quando a banda se desfez por diferentes razões, de relacionamento a percepções musicais, sendo que alguns músicos já tinham, inclusive, saído do Pandora para outros projetos.
“Measures of Time” permaneceu como uma total raridade até que a Tachika Records o relançou em mini LP. O selo em questão é um tanto quanto nebuloso, pois seu catálogo está na loja virtual “Syn-Phonic”, mas nem eles sabem se totalmente legalizado, apontando um vínculo com outras empresas como a “Progressive Line” e a coreana “Won Sin”, mas o que vale é a qualidade do lançamento e de que o álbum ganhou alguma repercussão, embora pequena. Teve outro relançamento, agora em vinil e CD, pelo selo alemão Press Alemanha, em 2015 e desde então não se tem notícias sobre um novo relançamento deste belíssimo álbum.
Independente se é ou não inovador, o único trabalho do Pandora, “Measures of Time”, é saboroso de ouvir, é agradável e traz uma complexidade em sua sonoridade muito democrática que faz com apreciadores de progressivo e hard rock se junte e ouça esse trabalho da banda sueca. O mais importante das discussões sobre vertentes do álbum e o bom alimento a alma que a boa música pode nos proporcionar.
A banda:
Björn Malmqvist no baixo
Bertil Jonsson na bateria
Leif Hellquist na guitarra
Åke Rolf na guitarra
Peter Hjelm nos vocais
Janne "Flojda"
Dockner no piano e sintetizador
Faixas:
1 - Measures Of Time
2 - Dusty Ledger
3 - The Queen
4 - Life Is Good, Life Is Bad
5 - Tailor
6 - Mind Of Confusion