sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Black Zé - Só para os Loucos...Só para os Raros (1975)

 

Em tempos tão bicudos, sombrios, exaltar o “produto” brasileiro pode ser deveras arriscado. Não pelo fato que tais produtos sejam ruins, de conteúdo discutível no que tange a qualidade, mas que seja acusado de ufanismo e com isso vir a cascata de adjetivos pouco agradáveis, como fascista, ultraconservador etc.

Claro que também a definição de “conteúdo” é um tanto quanto subjetivo, mas valorizar ou buscar valorizar o que é nosso pode se tornar um risco ou porque vivemos, fomos doutrinados a perceber que nesta terra nada tem de bom.

Mas de uns tempos para cá, com a experiência de vida e a mínima capacidade de se posicionar e mostrar a indignação de algo que te incomoda, não tenho me importado muito com a opinião alheia, sobretudo quando vem carregada de frustrações e nada construtivo para o seu caminho evolutivo.

E este reles blog que você, caro e distinto leitor, lê, tem me ensinado muito, não apenas na disseminação da informação, das histórias das bandas e seus feitos artísticos, mas me tem fomentado ou pelo menos me estimulando para tal, a garimpar certos trabalhos, certas bandas e álbuns verdadeiramente incríveis, muito bons.

E principalmente me estimulado a conhecer bandas brasileiras, mas bandas brasileiras mesmo, não aquelas que importam e “vestem” a sonoridade gringa, não tendo o mínimo de capacidade e qualidade para fazer algo que nos remeta à nossa cultura com o rock n’ roll.

É fato que podemos elencar aqui algumas grandes bandas que apresentam tais nuances sem descaracterizar o estilo de música de que tanto amamos, mas que assume uma posição de pioneirismo neste estilo em nossas terras são poucas. Muitas que reivindicam ou bradam aos quatro cantos que se dizem aqui no Brasil precursoras no rock entregam sonoridades pouco originais no que tange a tal da “brasilidade” e não entendam isso como ufanismo, mas a afirmação do que somos, em todos os aspectos, enquanto nação, sociedade.

E eu, por uma grata surpresa e alegria, em mais uma de minhas incursões e garimpos pela grande rede, tive a alegria de descobrir uma banda brasileira, mais precisamente do Rio de Janeiro, tida como a terra do samba, uma banda de rock exemplar e que enaltece verdadeiramente, genuinamente, o DNA da nossa cultura. Falo da banda BLACK ZÉ.

Black Zé

A banda já trazia o bom humor e a irreverência típica de nosso povo já no seu nome. Infelizmente por se tratar de uma banda obscura, pouco conhecida, não se sabe ao certo a inspiração pelo nome, mas a simbologia da cultura brasileira no nome “Zé”, com a sua simplicidade, juntamente com o “Black”, mostra que, me perdoem a licença poética, o “Black” comum à época, nos anos 1970, em alguns nomes de bandas britânicas e o “Zé” que traz a “cara” brasileira, a versão brasileira do rock n’ roll com as suas leituras bem peculiares e sim, caros leitores, o Black Zé tem suas peculiaridades sonoras bem definidas e o melhor: convincentemente boa, muito boa.

Mas como aqui se preza pela história, vamos, sem mais delongas, a ela. O Black Zé foi formado em 1972, completando, nesse ano, 50 anos, no Rio de Janeiro e apesar de ser considerada atualmente como uma banda “cult” e até pouco conhecida, nos seus primórdios levou as suas letras e melodias, com muito rock e brasilidade, para todos os cantos deste país, mas firmou as suas bases na bucólica cidade imperial de Petrópolis.

A guitarra e percussão, aquela dose latina, com uma sonoridade dançante, envolvente e muito solar eram as tônicas de sua música e com isso, com os seus shows também, claro, fez com que o Black Zé ganhasse alguma visibilidade, repercussão.

E os grandes palcos brasileiros à época testemunharam a presença única do Black Zé, principalmente aqueles que estavam nas principais capitais do país tupiniquim. De shows memoráveis em casa de shows petropolitanos como o “Senzala” e no “Hotel Quitandinha”, como na PUC de São Paulo ou até no Museu de Arte Moderna, no Rio, palco este que recebeu grandes bandas na década de 1970, além do Teatro Casa Grande, também no Rio.


E palcos conhecidos como a cerne, a nata das manifestações culturais que fervilhavam os ímpetos pelo descontentamento da censura que, nos anos 1970 estavam no ápice da violência em prol da censura. E lá estava o Black Zé que, por natureza, exalava contestação, a versão brasileira da contracultura em um período nefasto e sombrio da antidemocracia.

O rock é ou pelo menos era um veículo de contestação, da oposição ao “status quo”, daquela época, de todas as épocas e o Black Zé representava essa condição e, muito antes de muitos garotos que pensavam em mudar o mundo com as suas rebeldias, o Black Zé, já com seus instrumentos, empunhados como armas da revolução, vociferava a sua ojeriza pelos censores, pelos ditadores do Brasil. E diga-se de antemão, instrumentos potentes e de excelente qualidade!

E aqueles públicos que foram impactados pelos shows voluptuosos do Black Zé testemunharam não apenas um show lisérgico, poderoso, pesado da banda, mas o início da revolução pela democracia, em prol dela, mesmo que, os garotos, os também garotos do Black Zé, não percebessem tal façanha.

Mas então, diante dessa estrutura de palco, de produção de palco, de shows em grandes palcos, e de instrumentos de grande qualidade, por que o Black Zé não atingiu o êxito comercial? São coisas de nossa indústria fonográfica que não é diferente das indústrias fonográficas de outros países! Porém antes de tentar responder a essas perguntas cada vez mais complexas, apresentemos a banda: Luiz Roberto Peçanha, conhecido como “Roberto Planta” no vocal, Richard Brokaw, conhecido como “Inglês” na guitarra, Thomas Brokaw no baixo, Mauro Sant’anna, conhecido como “Conde Borromeu”, na bateria e Márcio Aguinaga na guitarra, além de Guilherme Valle, conhecido como “Bill Valley”, na guitarra. Valle tocou na segunda versão da banda e nos lançamento do álbum único do Black Zé fora creditado como membro da mesma.

Embora o Black Zé tenha tido alguma representatividade na década de 1970 com a sua música extremamente arrojada, não conseguiu produzir material suficientemente consistente para uma discografia longeva, tendo apenas um álbum lançado, em 1975, com o título mais do que adequado chamado “Só para os Loucos...Só para os Raros”. Nada como um título que basicamente sintetizou toda uma geração neste país, bem como a sua sonoridade, a sonoridade daqueles que amavam o rock n’ roll e tudo o que esta vertente significou para aqueles temidos anos de chumbo.

Bem a base sonora do “Só para os Loucos...Só para os Raros” já foi dissecada aqui, mas vale falar, ou melhor, escrever novamente sobre. Traz um rock mais pesado, talvez um hard rock com referências tipicamente brasileiras e latinas com um salutar confronto entre guitarras e percussão e algumas pitadas de psicodelia.

E vale salientar que, aos que já ouviram essa pérola do nosso rock, vai perceber que, diante da excelente qualidade na gravação e também do revolucionário som do Black Zé que parece que o álbum fora concebido nos anos 1980 e até nos 90, mostrando que a banda esteve muito a frente do seu tempo.

Diante de uma escassez de informações na grande rede para a busca de referências para a confecção desse texto, algumas “lendas” envolvem o “Só para os Loucos...Só para os Raros”. É consenso que esse álbum fora gravado em 1975, mas reza a lenda de que, em virtude da falta de interesse e apoio da indústria fonográfica a esse trabalho, o álbum não foi lançado naquele ano, sendo, de forma totalmente independente, ganhando a luz apenas nos anos 1980. Esse fato histórico corrobora a pergunta feita, neste texto, anteriormente, de como que um álbum excepcional como este, com uma banda tão competente como essa, não ter tido uma longevidade discográfica, principalmente! Eis a resposta! E, mesmo lançado nos anos 1980, conforme alguns dados indicam, sem nenhum interesse por parte de nenhum selo, nenhuma gravadora.

O fato é que hoje o Black Zé, graças aos abnegados pela música obscura, pelo rock n’ roll e algumas ferramentas de comunicação, o “Só para os Loucos...Só para os Raros”, tem tido uma visibilidade maior que no passado.

Então falemos dele, faixa a faixa! O álbum é inaugurado com a música “Só Para Os Loucos” que traz o peso da guitarra e bateria, pesada e marcada, dita o ritmo meio pesado, meio dançante da faixa. Solos simples, mas cativantes, de guitarra dá o tom também. Já começa intensa e solar! Aqui cabe uma curiosidade sobre essa música. Muitos já tocaram e gravaram essa faixa, principalmente pelo Sodré e o cantor Ventania que, inclusive assumiram a autoria da música que já estava registrada na escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. A música também foi usada, sem autorização, no filme “Com Licença eu vou a Luta”, estrelado por Fernanda Torres e em uma novela da TV Globo.

"Só para os Loucos", ao vivo no Rio de Janeiro, 2000

“Vôo Do Urubu” traz o triângulo, instrumento típico do forró, abrindo a música em perfeita harmonização com riffs pesados de guitarra. A sonoridade traz o regionalismo aplicado perfeitamente ao rock n’ roll ao estilo Ave Sangria, seminal banda brasileira e nordestina, mas o Black Zé adicionou o peso do hard rock.

"Voo do Urubu"

“Cilada” já revela a faceta do blues rock, a lamentação do blues, mas com o toque solar da música brasileira. Um tom de dramaticidade com peso e muita personalidade.

"Cilada"

Na sequência temos “Onde é?” com uma textura mais voltada para um hard rock mais radiofônico, diria, com uma pegada meio comercial, mas trazendo uma mensagem poderosa na sua letra que não é nem um pouco comercial, “acessível”, com temas ambientais.

"Onde é?"

“O Dia Virá” a gaita chora e traz uma versão raiz do rock n’ roll sulista norte americano, mas trazendo um balanço, uma sonoridade bem dançante, para não fugir às características brasileiras. Mas essa versão meio “americanizada” da música harmoniza perfeitamente com a letra, que fala basicamente do intuito de querer viver do rock n’ roll e para o rock n’ roll.

"O Dia Virá"

“Sai Dessa” traz um pouco da lisergia que compõe do álbum, a guitarra dedilhada, o vocal meio introspectivo trazem o tom da faixa que descamba para essa proposta sonora ácida e psicodélica.

"Sai Dessa"

“Motel 3/Suíte Presidencial” entrega uma baladinha ao estilo tropicalista, uma viagem, ousaria dizer, bem progressiva, com um belíssimo instrumental que mostra uma banda forte e coesa.

"Motel 3/Suite Presidencial"

“As Viagens Do Rei Do Facão” traz de volta o regionalismo brasileiro na sua pauta sonora, a música nordestina com uma pitada generosa de psicodelia, mostrando uma faceta corajosa e arrojada da banda. Sem dúvida um dos destaques do álbum.

As Viagens do Rei do Facão"

“Lanterna” incorpora o classic rock ao álbum revestido de um belo hard psych. O peso também dita regras nessa faixa com solos rápidos e pegajosos de guitarra.

"Lanterna"

“Dueto Rio-Bahia” é mais uma representante do regionalismo, marca deste álbum e banda, tendo nos solos da guitarra materializando esse quesito a faixa, mas que revela também um peso, graças ao ritmo consistente e cadenciado da “cozinha” do Black Zé: bateria pesada e baixo pulsante.

"Dueto Rio-Bahia"

E fecha com “Fogueira” que, mais uma vez, traz o rock em perfeito alinhamento com a música latina. É dançante, cadenciado, com guitarra e bateria ditando tal proposta sonora.

"Fogueira"

Em 1991, já com o álbum finalmente lançado, mesmo que de forma totalmente independente, o Black Zé decide excursionar pelo Brasil para divulgar a banda e o seu álbum com alguns dos integrantes originais e também com o guitarrista Bill Valley, o Guilherme Valle, que encarnara na segunda formação do Black Zé, mais alguns músicos contratados.

Mas não foi muito longe, pois em 1999 o vocalista Luiz Roberto Peçanha, que assumira o nome de Roberto Planta, uma brincadeira homenageando Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, morrera vítima de câncer de pulmão. Peçanha, ainda nos anos 1980, gravou algum material com o guitarrista Lufe Lima, mas que nunca ganharam a luz e provavelmente se perderam.

Roberto Planta

Richard Brokaw, o guitarrista, flautista e produtor da banda, baiano, filho de pai americano e mãe baiana, que cresceu ao som dos atabaques do candomblé e do rock psicodélico, sem dúvida levou essa textura ao Black Zé. Conhecido como “Inglês”. Atualmente é uma atração da noite da cidade de Búzios, no Rio de Janeiro.

Inglês

Márcio Aguinaga, guitarrista e compositor, foi um dos fundadores do Black Zé. Com Peçanha compôs algumas de suas melhores músicas. Atualmente continua em sua carreira com o projeto MPB Blues.

Thomas Brokaw, irmão de Richard Brokaw continua em sua carreira como músico, tocando com o Trio Celta.

Mauro Sant’Anna era conhecido por saber tocar um variado número de instrumentos diferentes. Assumiu o baixo na gravação de “Só para os Loucos...Só para os Raros”.

Mauro

Guilherme Valle fez parte da segunda formação do Black Zé ainda bem novo, e depois tocou no México e em cruzeiros pelo Caribe.

Guilherme

As apresentações do Black Zé nos anos 1990 fizeram com que alguns desses shows fossem gravados em raras fitas cassetes e que foram resgatadas pelos músicos da banda e disponibilizadas em plataformas digitais de músicas, bem como na fanpage da banda e nas suas redes sociais. Nas plataformas digitais de música pode ser acessada aqui e nas redes sociais aqui.

O Black Zé, ocasionalmente, tem aparecido com algumas apresentações em sua terra natal, Petrópolis e lembrado em documentários como “O Som por Trás da Neblina”, do jornalista Roberto Oto, que foi alvo de discussão no programa “Arte & Cultura” com a série “Rock na Serra” que pode ser visto aqui. Que o Black Zé seja lembrado eternamente pela sua contribuição para a história do rock brasileiro.


A banda:

Luiz Roberto Peçanha, conhecido como “Roberto Planta” no vocal

Richard Brokaw, conhecido como “Inglês” na guitarra, flauta e produção

Thomas Brokaw no baixo

Mauro Sant’anna, conhecido como “Conde Borromeu”, na bateria

Márcio Aguinaga na guitarra

Guilherme Valle, conhecido como “Bill Valley”, na guitarra. Valle tocou na segunda versão da banda e nos lançamento do álbum único do Black Zé fora creditado como membro da mesma.

 

Faixas:

1 - Só Para Os Loucos

2 - Vôo Do Urubú

3 - Cilada

4 - Onde É?

5 - O Dia Virá

6 - Sai Dessa

7 - Motel 3/Suíte Presidencial

8 - As Viagens Do Rei Do Facão

9 - Lanterna

10 - Dueto Rio-Bahia

11 - Fogueira


"Só Para os Loucos...Só para os Raros (1975)

Versão Download clique aqui
Senha: brrock



 

 









 























 












domingo, 18 de setembro de 2022

Spektar - Spektar (1974)

 

Sabe aquelas bandas, de caráter e reputação regional, que, quando descobrimos e ouvimos nos orgulhamos de gostar dessa música extraordinária que é o rock n’ roll? O que, para muitos, pode parecer algo deveras ortodoxo e muito linear, o rock n’ roll é híbrido e tem as suas bases em diversos estilos, como gospel, rockabilly, jazz, blues, música tribal africana, entre outros.

E por que falo de orgulho? Exatamente por isso! Pela inevitabilidade do rock! Sim, caros amigos leitores! Ainda há, sempre teve, na realidade, bandas que nunca se renderam aos clichês do estilo e dos rótulos que muitas almejam para ganhar um lugar ao sol no reino fantástico da indústria fonográfica e o descartável e irreal sucesso.

E o caráter regional não é demérito para banda alguma! Claro que, sob o aspecto comercial da coisa, a banda perece, não foi competente, fracassou! Mas neste reles e humilde blog, as bandas “fracassadas” reinam absolutas. Amamos o fracasso! Aqui as bandas exprimem as suas verdades!

E a banda de hoje vem de longe, de uma região que sempre ganhou as manchetes pelas suas guerras, pelos conflitos locais, pelo ódio e a intolerância que esses eventos ocorrem, sobretudo pela questão perversa política e econômica: da Croácia, a ex-Iugoslávia.

Pois é, nobres leitores, da Croácia! Fujamos um pouco das regiões centrais do rock n’ roll, para provarmos, definitivamente, de que há vida, há rock em outros cantos desse planeta e de boa qualidade!

E essa banda eu descobri, como sempre, em minhas incursões pela grande rede que, nesse aspecto, nos salva, graças aos abnegados que a usa para difundir a música de que amamos e achei a capa um tanto quanto indulgente, com os rostos dos integrantes em uma arte que os coloca em um plano um quanto divino, mas me interessou!

A música também se consome com os olhos! Quando comecei a ouvir foi uma espécie de deslocamento da vida cotidiana que me alçou para um plano melhor, de puro e genuíno prazer. Que sonoridade pouco atípica, mas que se identifica, mesmo caindo nos clichês do rótulo. Uma miscelânea improvável, mas que se encaixou divinamente.

Por isso que a minha saga pelo mundo perdido da obscuridade do progressivo continua e me coloco em um panorama viciante e saudável nos confins da música relegada ao vilipêndio, ao ostracismo, das bandas obscuras, vítimas, sim, das circunstâncias mercadológicas, do acaso ou do que quer que seja.

Mas sem mais delongas vamos às apresentações da croata SPEKTAR. Conhecem? Pois é, mais uma raridade que merece a luz. A banda veio, mais precisamente da cidade de Zagreb e se tornou muito conhecida naquela região, graças às suas apresentações ao vivo.

Spektar

O Spektar foi formado no início de 1974 pelo compositor, tecladista e percussionista Enco Lesić que havia acabado de sair de uma banda chamada Indexi. O Indexi foi formado em Sarajevo, atual capital da Bósnia e Herzegovina, em 1962, e tocava beat psicodélico com viés popular que lançou vários compactos e EPs com covers e composições próprias, alcançando sucesso por vários países do leste europeu.

Indexi

Lançaram apenas três álbuns, o primeiro em 1972, com uma música, chamada "Sve ove Godine" que lhes rendeu sucesso naquele mesmo ano. O segundo lançado em 1978 e o último em 1999. Apesar de continuar em atividade nas décadas de 1980 e 1990, o Indexi gravou muito pouco até se desfazer definitivamente em 2001.

Indexi - "Sve Ove Godine"

O nome da banda, voltando para o Spektar, foi inspirado em uma música do primeiro álbum do exímio baterista panamenho Billy Cobham, de nome “Spectrum”, lançado em 1973, e também uma faixa, na realidade uma sub-faixa, um fragmento da música “Searching For The Right Door / Spectrum”. Spectrum significa espectro, em inglês que, por sua vez, em croata, significa “spektar”.

Billy Cobham - "Spectrum" (1973)

O Spektar, quando lançou seu único álbum, em 1974, tinha a seguinte formação: Davor Rocco no baixo, Dragan Brčić na bateria, Neven Frangeš no piano e Enco Lesić nos teclados, sintetizadores, mellotron e vocal. Frangeš logo saiu ao lançamento do álbum, homônimo, para se dedicar a sua carreira acadêmica e no jazz, mas, de alguma forma, continuou a colaborar com a banda no palco. Davor, além do baixo, também produziu o trabalho do Spektar. Lesić, além dos teclados e vocais, dedicou-se as composições das músicas do álbum.

Mas antes de lançar esse trabalho o Spektar teve um caminho um tanto quanto, digamos, árduo, precisando fazer alguns shows, provar a sua qualidade nos palcos para enfim chamar a atenção de alguns empresários de gravadoras para finalmente documentar as suas composições. E isso, de certa forma, aconteceu.

A recém-formada gravadora “Suzy”, também conhecida pelo rico catálogo de licenças de estrelas do rock internacional (selos como CBS e WEA) que eles lançaram na Iugoslávia, obviamente queria promover uma banda de rock nacional sem muitos critérios de seleção. Enco Lesić, que já havia deixado o Indexi depois de escrever seu primeiro single de sucesso "Sve ove godine", provavelmente estava por perto e com alguma reputação por conta do sucesso da música, definiram que ele estava adequado para o “perfil” que procuravam, além da nova banda que ele havia formado. E assim finalmente o debut fora lançado.

“Spektar” trazia um rock progressivo com elementos de jazz, funk e música clássica. Um som complexo, versátil, beirando o sofisticado, mas muito acessível graças ao rock n’ roll, cerne da sonoridade da banda. Outra peculiaridade, pelo menos para nós, do Ocidente e acostumados a ouvir bandas em inglês, do Spektar é que a banda canta em seu idioma natal.

O álbum abre com a música “Spektar I”, que tem uma levada funk bem dançante, que vale conferir, bem como a faixa que fecha o disco, “Spektar II” e “Vrisak Mora”, são certamente destaques do álbum.

"I"

Na sequência temos “Pjesmom Bih Htio Da Kazem” que começa em clima bem introspectivo sustentado pelo piano e um vocal bem obscuro.

"Pjesmom Bih Htio Da kazem"

“Ona Se Igra” tem uma levada bem radiofônica, bem comercial. “Dobri Kapetan” tem uma levada meio jazzística e bom desempenho vocal, que desemboca em um hard rock vigoroso que me remete ao Atomic Rooster, grande faixa.

"Ona Se Igra"

“Mora” também traz o destaque do vocal com um belo alcance e potência, uma música viajante, com uma base de teclado excepcional. “Žene, Žene” segue a mesma linha de “Ona Se Igra”, bem pop e comercial.

"Mora"

“Spektar II” fecha o álbum como começou com a predominância de teclas nervosas, bem dançantes e potentes com uma levada jazzística ao estilo bem “roots”.

O Spektar, logo após o lançamento do álbum, se desfez devido ao pouco sucesso e a baixa vendagem de seu álbum. Brčić e Rocco tentaram reformular a banda meses depois sob o mesmo nome e se unindo a outro tecladista, de formação clássica, Neven Franges. Esta formação do Spektar pode ser ouvida no álbum de 1976 chamado "Rođenje", quando se juntaram ao cantor e compositor Drago Mlinarec, além dos álbuns subsequentes, "Negdje Postoji Netko" e "Sve Je u Redu", todos esses obtendo um aclamado sucesso.

"Rodenje" (1976)

Enco Lesić construiu uma das carreiras de produtor mais bem-sucedidas em negócios musicais na ex-Iugoslávia, mas faleceu, com 63 anos de idade, em 30 de julho de 2013. Ele foi muito importante para a cena rock na Croácia e ponto culminante dessa importância, além de suas bandas obscuras dos anos 1970 foi quando, na década de 1980, abriu o estúdio “Druga Maca”, em Belgrado, na Sérvia, antiga ex-Iugoslávia.

Enco Lesic

Foi, por exemplo, neste estúdio que foi gravado o álbum "Package Arrangement", que incluía Idols, Electric Orgasm e Šarlo the Acrobat. Enco Lesić também foi o produtor do álbum. Outras bandas que produziram em seu estúdio, bem conhecidas na Sérvia, foram Ekaterina Velika e U Skripcu.

O fato é que, bandas como Spektar, merece a luz e mostrar ao mundo verdadeiras pérolas do rock progressivo que parecem, para nossa sorte, minar e que pedem para se mostrar e, mesmo que, cronologicamente antigas, traz o frescor da novidade e da perpetuação da música de que tanto amamos.



A banda:

Enco Lesić nos vocais, piano, Hammond, sintetizadores.

Davor Rocco no baixo, guitarra e percussão

Dragan Brčić na bateria e percussão

Convidados:

Nada Zgur nos backing vocals

Simona Sterle nos backing vocals

Zvezdana Sterle nos backing vocals

Palmira Klobas nos backing vocals

Alenka Felicijan nos backing vocals

Zeljen Klasterka na guitarra (Faixa 5)

Milan Ferlez na guitarra (Nas faixas 3 e 6)

 

Faixas:

1 - Spektar I

2 - Pjesmom bih htio da kazem

3 - Ona se igra

4 - Vrisak mora

5 - Dobri kapetan

6 - Mora

7 - Zene, zene

8 - Spektar II


 

"Spektar" (1974)

 










 



 


 


 









 


 


sábado, 10 de setembro de 2022

Bulbous Creation - You Won't Remembering Dying (1969/1970 - 1994)

 

A gente precisa ter muito cuidado para pontuar pioneirismos a determinadas bandas! Embora pareça contraproducente falar, abordar sobre esse tema, haja vista que, dependendo da década ou do período que seja pauta de tal discussão, com a profusão de bandas que surgem, é um assunto interessante de se discutir, pois nos faz entender, compreender a música de que ouvimos.

E a década de 1970 surgiu com uma cena prolífica, grandiosa com uma infinidade de bandas com uma qualidade incomparável, se tornando, a meu ver, como o período mais rico da história do rock n’ roll!

Foram bandas que flertaram, experimentaram inúmeros estilos que, embrionários que eram, foram construídos, passo a passo, forjados diante da escuridão do começo, o big bang da criação sonora. E cada estilo que se formatavam se alimentavam uns dos outros, se interdependiam, nos ensinando que o rótulo não poderia ser seguido a ferro e fogo, apesar da nossa extrema necessidade de pertencimento a um grupo social, neste caso por intermédio da música. As cenas eram, assim, criadas.

E com o pioneirismo vêm os fatos cronológicos! Quem surgiu primeiro? Quem criou determinado estilo de música? Quem foi o responsável por ouvirmos hoje, 20, 30, 40, 50 anos depois a música que amamos tanto, que é o nosso oxigênio? Parece ser cada vez mais difícil darmos um marco, pontuarmos uma pedra fundamental para a nossa música.

E com o hard rock, o heavy rock, a música pesada, como um todo, se descortina uma missão que parece ser impossível de identificar. E, convenhamos, que bom que é difícil pontuar o primeiro, se é complicado é porque temos uma infinidade de bandas que, mesmo antiga, nos traz grandes novidades.

Eu conheci, há certo tempo atrás, uma banda, oriunda de Kansas/Missouri, nos Estados Unidos, que sintetiza bem esse exemplo que cito, de bandas antigas, esquecidas, obscuras que, mesmo em tempos atuais, suscita discussões com relação a pioneirismo de determinados estilos dentro do rock n’ roll.

Eu não me recordo em que circunstâncias a conheci, mas uma coisa eu tenho certeza: trata-se de uma banda de hard psych norte americano! Ah como adoro essa cena obscura pesada do início dos anos 1970 dos Estados Unidos! Embora creditemos o pioneirismo a bandas britânicas como Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, da música pesada, não podemos negligenciar a história e importância de bandas como Coven, Blue Oyster Cult, por exemplo, nesse período tão importante do hard rock.

E como colocar no mesmo rol de Sabbath, Purple e Zeppelin, as bandas obscuras, que tiveram uma curta discografia, que não vingaram? Parece difícil falar sobre pioneirismo nesses casos. Mas temos que levar em consideração que o fracasso comercial não invalida a importância dessas bandas que caíram, por algum motivo, no ostracismo, por isso que esse blog existe!

E o que dizer de bandas que gravaram em um determinado ano, mas o material sequer foi lançado, sendo esquecido, engavetado? Mais difícil ainda reivindicar a sua importância, diante dessa “distorção cronológica”!

A banda que eu falo é o BULBOUS CREATION! Rara, obscura, pouco conhecida, poucas referências sobre a sua história... Como dar a devida importância a sua obra? Difícil, não é?

Mas quando você dá o “play”, não importa a mídia em que você o ouvirá, logo atestará a sua importância e o quão o som é importante, levando em consideração o ano em que fora concebido: final de 1969, início de 1970. Um período transitório em que se respirava o movimento hippie, o “flower power” e a banda nos traz uma sonoridade vanguardista, nova, arrojada.

Se esse álbum tivesse sido lançado em 1969 seria, sem sombra de dúvida, tão importante quanto o primeiro do Black Sabbath que, apenas para constar, era oriundo do blues, do hard e do psicodélico, por exemplo. Seria tão grande e disso, ao ouvir o seu único álbum lançado, eu não tenho dúvida. Talvez esteja sendo, para muitos que está lendo essas linhas, leviano em comparar o Bulbous Creation com o grande Black Sabbath, mas o farei sem hesitar e logo provarei quando dissecar, faixa a faixa, o seu único rebento, o “You Won’t Remember Dying”.

Um psicodélico que chuta a porta e vai entrando, invadindo sem dó e piedade, com aquela típica guitarra ácida, lisérgica, poderosa, distorcida, um proto metal revolucionário, que, sem sombras de dúvidas faria escola para muitas bandas medalhonas que surgiriam depois, mesmo que seu álbum tenha sido engavetado, jogado para escanteio pela indústria fonográfica. Assim é “You Won’t Remembering Dying”!

E esse álbum psicodélico pesado e raro, extremamente obscuro traz também uma capa soberba, alojado em um pioneirismo até na arte gráfica, se tivesse sido lançado na época em que fora concebido. Por ter sido lançado décadas depois de sua gravação, não se sabe ao certo se essa era de fato a capa que tinha sido produzida para o seu lançamento nos longínquos anos 1960/1970, mas a caveira pensativa ao estilo Auguste Rodin, artista francês, com a sua obra proeminente, “O Pensador”, é definitivamente impagável e o título, com a tradução livre “Você não vai se lembrar de morrer”, sintetiza bem o nome do álbum e reproduz muito bem também o teor das suas letras, com tons ocultistas, satânicos e pesados para o seu tempo. Mas olhando com mais detalhes, nota-se uma agulha, talvez denunciando o uso da heroína, tão comum naqueles tempos, o que pode explicar que o uso indiscriminado do psicotrópico pode fazer com que a pessoa sequer lembre de que morrerá.

A banda é, em todas as suas características, uma revolução ambulante ao proto metal, ao hard rock! O Bulbous Creation, quando da concepção de “You Won’t Remembering Dying” era formado por: Paul Parkinson nos vocais e guitarra, Jim "Bugs" Wine no baixo, Alan Lewis na guitarra principal e Chuck Horstmann na bateria.

E esses caras de Kansas, para variar, sem nenhum apoio, gastaram as suas escassas economias e alugou um estúdio, o “Cavern Sound Studios”, em Missouri, e gravou oito faixas, ao vivo, em um dia! Pasme o tempo curto de gravação, algo que atualmente é impossível de ser feito.

O Bulbous Creation era tão pesado e barulhento quanto o Black Sabbath, quanto o Coven, quanto O Deep Purple, mas não teve a sorte de ter o seu trabalho lançado naquela época e sabe-se lá o motivo pelo qual não ganhou a luz naquela época. Uma obra de heavy psych que merece a atenção, merece a reverência de quem aprecia o estilo. E hoje podemos ver um pouco do Bulbous Creation em várias bandas de stoner rock que alia o hard rock com uma sonoridade mais voltada para o rock psicodélico. Era o que o Bulbous Creation fez com “You Won’t Remembering Dying”.

Então sem mais delongas vamos disseca-lo e reproduzir todas as percepções acerca deste excelente álbum. O álbum é inaugurado com a faixa “End Of The Page” que, meio que contrariando essas percepções, vem com uma balada, com uma guitarra dedilhada a estilo The Doors e um vocal soturno, sombrio, mas limpo e viajante. Assim é a música em toda a sua execução: contemplativa e viajante.

"End of The Page"

Mas com “Having a Good Time” a situação muda de figura totalmente! Um cover de Ten Years After vem como um furacão, varrendo tudo com riffs pesados e pegajosos e vocais altos, de grande alcance e gritados e uma bateria marcada e pesada tendo o baixo dando o ritmo e balanço necessário para torna-la dançante e solar.

"Having a Good Time"

Na sequência “Satan” já inicia com um solo de guitarra que virou a referência para muitas bandas de hard rock e heavy metal nos anos que se seguiram, com peso e indulgência e assim a música segue, com peso e agressividade, mas com cadência dando ênfase a letra sombria e com tonalidades ocultistas. E o que dizer do solo de guitarra? Fantástico! Simples, mas fantástico!

"Satan"

“Fever Machine Man” segue com o mesmo conceito sonoro da faixa anterior: guitarras pesadas, riffs pesados e vocal despretensioso, gritado, com um baixão pulsante que parece seguir fielmente as características vocais que descamba para solos sujos e arrogantes, fugindo do básico virtuosístico de alguns figurões do instrumento daquela época.

"Fever Machine Man"

“Let's Go To The Sea” é a mais longa e complexa do álbum! A entrada da bateria já denuncia o seu destaque nessa faixa e traz uma versão mais arrastada, graças aos riffs sujos de guitarra, mas que, ao mesmo tempo, entregam solos bem elaborados que se mostra em uma incrível sinergia com a “cozinha” da banda, com bateria marcada e baixo pulsante. O vocal, mais uma vez, tem destaque, com qualidade e limpidez.

"Let's Go To The Sea"

“Hooked” inicia ao estilo hardão com riffs pegajosos e pesados, lembrando um doom metal, cadenciado, arrastado, mais agressivo, que é envolto em solos simples de guitarra bem interessantes.

"Hooked"

“Under The Black Sun” é a mais pesada, sem sombra de dúvidas, do álbum. Ela começa voraz, agressiva, veloz, entregando um heavy metal de vanguarda, com a bateria dando o tom e materializando esse peso de uma forma veemente.

"Under The Black Sun"

E fecha com “Stormy Monday” que começa introspectiva, com aquela guitarra dedilhada, com um vocal mais grave, austero, envolto em uma capa de blues rock repleto de lisergia, aquela guitarra ácida, mas que, ao mesmo tempo, é executada com qualidade e decência.

"Stormy Monday"

Como disse “You Won’t Remembering Dying” não foi lançado oficialmente na época de sua gravação, em 1969/1970 e só foi ganhar a luz quase vinte e cinco depois, em 1994, pelo selo “Rockadelic. Reza a lenda que os executivos da gravadora, quando descobriram o material, decidiram procurar a banda, quem sabe para, além de lançar o álbum, que foi o que aconteceu promover a banda, quem sabe financiar uma turnê, shows, mas não encontrou o paradeiro de nenhum integrante do Bulbous Creation, o que faz deste álbum, desta banda, extremamente raro, extremamente obscuro.

Em 2011 foi relançado pelo sub-selo “O-Music”, sob o antigo selo alemão “Green Tree Records”, mas traz uma capa totalmente diferente da versão anterior e quem sabe a que poderia ter sido lançada em 1969/1970 e, convenhamos, está longe de ser a melhor capa.



O híbrido underground de Bulbous Creation, com o seu “You Won’t Remembering Dying” faz da banda, embora a cronologia do tempo não o favoreça no que tange ao pioneirismo da sonoridade, uma banda arrojada, revolucionária e a frente do seu tempo e que bom que tal máxima é corroborada pelo seu tardio lançamento oficial que corrobora a materialização da sua importância para o heavy rock, o hard psych etc. Não importa a nomenclatura, mas a sua referência para as bandas de hoje e sempre.




A banda:

Paul Parkinson nos vocais e guitarra

Jim "Bugs" Wine no baixo

Alan Lewis na guitarra principal

Chuck Horstmann na bateria

 

Faixas:

1 - End Of The Page

2 - Having A Good Time

3 - Satan

4 - Fever Machine Man

5 - Let's Go To The Sea

6 - Hooked

7 - Under The Black Sun

8 - Stormy Monday

 

 

"You Won't Remembering Dying" (1969/1970 - 1994)