É muito difícil falar de rock progressivo e suas vertentes sem mencionar
as grandes bandas do passado e que se consagraram graças aos seus álbuns
seminais. São eternas e precisamos enaltecê-las sob todas as formas, afinal
reverenciar para eternizar a sua música tão importante para a edificação da
cena. Contudo, de uns anos para cá, estamos testemunhando o surgimento de novas
propostas e cenas de prog rock nas suas mais diversificadas vertentes que
precisam e merecem todo o apoio dos fãs.
São bandas como essas que revigoram e traz uma reciclagem a essa rica
música, o sentido da progressão é evidente com as bandas contemporâneas. Umas
seguem a cartilha do passado sem soar datado, outras trazem novos elementos,
mas respeitam e se resguardam com o passado glorioso e intocável das grandes
bandas setentistas que amamos e que colocamos no pedestal de nossas predileções
e necessidades sonoras.
O fato é que a nova cena da música progressiva seja aliado ao heavy
rock, heavy metal, melódico, stoner rock, doom metal e outros gêneros precisa
ser respeitada pela competência, originalidade e qualidade. Uma dessas bandas é
o PURSON. Falo de seu debut chamado “The Circle and the Blue Door”, de 2013. O
Purson nasceu na Inglaterra em 2011 e é impressionante o quanto a banda dialoga
bem com o passado estética e claro sonoramente, mas sem esquecer que está no
século XXI com as suas tendências.
Purson
Ao buscar as minhas fontes para a construção dessa resenha, observei que
a banda recebeu, com este álbum, todas as honrarias, todos os reconhecimentos
possíveis e imagináveis da crítica especializada e dos adoradores da boa
música. Recebeu prêmios da Metal Hammer, como um dos melhores álbuns de metal
daquele ano, caiu nas graças dos exigentes puristas apreciadores de sons já
esquecidos do passado, o flerte entre o passado e o futuro não mensura
cronologias, o tempo parece ser irrelevante quando se ouve “The Circle and the
Blue Door”.
E de fato, essas são as minhas palavras ao ouvi-lo, é um primor de
qualidade o que me surpreende pelo tempo e juventude dos seus músicos e da
formação enquanto banda vejam como o tempo parece ser irrelevante quando a
música é boa?
O Purson com o seu “The Circle and the Blue Door” apresenta um rock n’
roll muito bem pincelado com um psicodélico ácido, com uma melodia delicada,
bem produzida, uma levada hard e heavy, beirando o doom e stoner em alguns
momentos, um belo progressivo obscuro com uma atmosfera densa, mas que soa
acessível, comercial, mas de qualidade, quase beirando um pop rock.
Mas antes de falar, faixa a faixa, do álbum “The Circle and the Blue
Door” o Purson lançou alguns EPs, onde se destacam “Rocking Horse”, de 2012, “Learning
On a Bear”, de 2013 e “The Contract/Blueprint Of The Dream”, de 2013. Graças a
esses materiais, a essas prévias o Purson começou a fazer alguns shows em
Londres, construindo alguma reputação e trazendo algum deleite aos puritanos do
occult rock e também aos mais jovens que tiveram o seu primeiro contato com
esse nicho do rock.
A formação da banda neste álbum era: Rosalie Cunningham no vocal e
guitarra, George Hudson na guitarra, Samuel Shove no órgão e mellotron, Barnaby
Maddick no baixo e Jack Hobbs na bateria.
O álbum começa com “Wake Up Sleepy
Head” com uma sonoridade hipnotizante, uma beleza sublime, com uma boa linha de
baixo. The Contract” conta com muito peso e tem uma linha de doom bem
interessante, as vezes psicodélica com destaque também para o baixo e uma levada meio cigana, diria, bem interessante.
"The Contract"
A faixa seguinte, “Spiderwood Farm”, conta com esses elementos de música
cigana, com um excelente trabalho de percussão e passagens progressivas, mas
com muito peso e alternâncias entre o suave e o peso.
“Sailor's Wife's Lament” tem uma pegada psicodélica, ácida. Na sequência
temos “Learning on a Bear” com uma pegada hard rock setentista ao estilo Uriah
Heep e Deep Purple em seus respectivos inícios.
"Learning on a Bear"
Já “Tempest and the Tide” é uma faixa lenta, acústica e bem sofisticada,
com arranjos elaborados. Mas com “Mavericks and Mystics” a porradaria hard
retorna. Segue com “Well Spoiled Machine” recheada de psicodelia e progressivo
com riffs de guitarra ácidos e seco, com teclados viajantes.
Segue com “Well Spoiled Machine” recheada de psicodelia e progressivo
com riffs de guitarra ácidos e seco, com teclados viajantes. “Sapphire Ward”
segue a mesma proposta da faixa anterior com lisergia e muitas influências do
fim da década de 60 para o início da de 1970.
“Rocking Horse” é uma faixa excelente com uma atmosfera densa e
transcendental. E para fechar o álbum, temos uma das melhores faixas chamada
“Tragic Catastrophe” com uma camada melancólica, belíssimos arranjos, ela é
épica, progressiva, excelente.
"Tragic Catastrophe" live at Cambridge 2016
Tudo estava lá, com o lançamento de “The Circle and the Blue Door”: a
sonoridade obscura, psicodélica, pesada, com temáticas ocultistas, o apelo
estético da banda que te remete aos anos 1960, 1970. A banda que não plagiou,
mas homenageou uma cena, que enalteceu abnegados músicos que pereceram pelo
conservadorismo no rock e na indústria fonográfica. O Purson trouxe à luz a
cena obscura e mostrou que ela está cada vez mais aquecida e forte.
O Purson lançou um novo trabalho chamado “Desire’s Magic Theatre”, em
2016. Mas em 2017 Rosalie Cunnigham anuncia o seu primeiro trabalho solo,
chamado “Chocolate Money”, dando fim, consequentemente ao Purson no mesmo ano.
"Desire's Magic Theatre" (2016)
A esperança é um revival e
que se reúnam novamente para alguns shows e quem sabe um novo trabalho. Bandas
como o Purson merece sempre estar em evidência, na ativa, mesmo que não seja um
som palatável no mainstream.
A banda:
Rosalie Cunningham no vocal, guitarra, orgão, mellotron,
percussão
Seguindo nas entranhas do
rock progressivo italiano, no lado obscuro da cena progressiva, esquecida e vilipendiada torna-se necessário, urgente dar luz as suas
obscuridades, as bandas "empoeiradas", esquecidas no fundo do baú do rock n' roll, deixadas de lado pelos infortúnios mais
variados.
Torna-se vital tirá-las da hibernação do ostracismo, fazê-las
renascer e mostrar todas as suas abundâncias sonoras, suas riquezas e assim
tentarei fazer com uma banda que, ao ouvir, me fez voltar a um tempo em que não
vivi tão prolífico de grandes bandas, grandes flertes musicais. Falo da banda
DUELLO MADRE.
A banda foi formada na
cidade de Gênova e os seus integrantes pertenciam a bandas, é claro, pouco
conhecidas da cena progressiva italiana e contava com: Pippo Trentin, no
saxofone e flauta, Marco Zoccheddu no violão elétrico e acústico, Bob Callero
no baixo e Dede Lo Previte na bateria.
O guitarrista Marco Zoccheddu foi da banda Nuova Idea e da
banda de heavy metal Osage Tribe, Callero do Il Volo e também do Osage Tribe e Dede Lo Previte membro da Circus 2000 e Nova. Tratava-se de músicos relativamente
experientes, rodados na cena progressiva que estava nascendo na Itália e com
certa profusão e também da cena hard e heavy.
Duello Madre
Decidiram se juntar para um
novo projeto, ousado e que era pouco corriqueiro e usual na Itália em termos de
sonoridade, fazer jazz rock com grandes viagens improvisadas, verdadeiras jams sections, logo uma incrível
permissão a criatividade sem amarras, livre de qualquer coisa que podasse o músico
em seu momento sagrado: a de fazer música a seu bel prazer. E foi assim que o
seu único álbum foi lançado, no ano de 1973, chamado simplesmente de “Duello
Madre”.
E foi exatamente com essa
proposta que a banda se apegou e quando conceberam esse projeto, precisavam
deixar para trás todas as coisas que os tinha inibido, desmantelando todas as
estruturas musicais e humanas que se acumularam, inconscientemente ou não, em
experiências anteriores com outras bandas.
E realmente queriam fazer algo novo, haja vista que alguns músicos
fizeram parte de bandas psicodélicas e até de heavy metal, o que, em tese, seria algo improvável, tocar para frente o projeto jazzístico do Duello Madre.
Quando se fala em
desvencilhar, é pelo fato de que a antiga banda de Zoccheddu e Callero, o Osage
Tribe, fazia um hard e heavy metal e o seu novo projeto, o Duello Madre,
partiria para o jazz rock. Era uma guinada radical!
Esse foi Duello Madre com
seu álbum arrojado, revolucionário para a época em um país que, apesar das
dificuldades vividas em um caldeirão político, respirava bons progressivos com
bandas que nascia para a consagração.
“Duello
Madre” está calcado em um audacioso jazz rock que predominam faixas
instrumentais com apenas uma cantada, tendo uma musicalidade incrível com
seções rítmicas notáveis e passagens incríveis. As referências são de bandas
como King Crimson, Soft Machine e até Zappa, levando em consideração lampejos
de experimentalismo.
O jazz rock do Duelo Madre
foi marcado pela visceralidade, pela força de seu som, fugindo um pouco da
sofisticação que estava se projetando, se configurando como bandas do naipe do
Area e Arti & Mestieri, por exemplo. Uma sonoridade direta, tendo a sua
base em guitarras distorcidas e um saxofone nervoso em um “duelo” extremamente
salutar e revolucionário.
Não há como negligenciar a importância dessa banda
para o jazz rock italiano, mas com traços poderosos e arrojados e, talvez por
conta disso, a banda ganhou o ostracismo, o esquecimento de sua história, por
conta da incompreensão de sua música vanguardista, marginal.
Em um encarte dessas
reedições do álbum há um relato, diria forte, de alguns membros da banda onde
diziam que estavam “tentando escapar da decadência do panorama progressivo da
Itália”. Talvez tenham exagerado, mas era a intenção, custe o que custasse, de
fazer algo novo, que abalasse as estruturas da música progressiva do país da
bota.
O álbum é inaugurado com
“Aquile Blu”, com uma misteriosa introdução, um tanto quanto sombria, que
explode com um sax poderoso, presente e uma “cozinha” forte, com linhas de
baixo excelente e a bateria seguindo ritmicamente. Não podemos nos esquecer da
seminal guitarra e o vocal. Música completa, um exemplo lindo de free jazz.
"Aquile Blu"
“Momento” segue como se fora
uma continuação da música anterior, com destaque para a linha monstro de bateria. O sax e a guitarra trabalhando em conjunto é outra maravilha à parte, mas com destaque para o momento acústico,
mais introspectivo, com belíssimas melodias com flautas e violões bem
dedilhados, voltando ao ponto inicial com o sax e a guitarra trabalhando em
sinergia.
"Momento"
“Otto” começa com o conjunto
baixo e bateria em excelente evidência, uma bateria dançante com percussão
seminal, baixo hipnótico, a unidade se faz presente nesta faixa, não
desmerecendo o casamento sonoro entre guitarra e saxofone. Música menos
agitada, mas forte em qualidade, com muita complexidade, porém orgânica.
"Otto"
“Madre” segue com estruturas musicais bem parecidas com relação a faixa anterior, com aquele jazz fusion típico e enérgico, irrompe com o
saxofone e guitarra improvisada e depois segue calmo, viajante, agradável. Temos solos de guitarra,
saxofone, uma suíte alegre com muitos improvisos, momento de criatividade única
da banda.
"Madre"
Fecha com “Duello” que tem
uma linha de baixo espetacular e uma bateria muito técnica e um sax estridente, intenso e tenso, em muitos momentos. Baixo e bateria seguem em frente, enquanto a guitarra tem espaço suficiente para ser virtuosa e o
sax abençoando tudo freneticamente.
"Duello"
Um jazz rock com pitadas
generosas de progressivo de muito respeito e que contou com a produção de um
nome importante da época, de Gian Piero Reverberi, que trouxe ao trabalho uma
versão totalmente brilhante e especial e que, além disso, participou tocando
teclados em algumas poucas faixas, em alguns poucos momentos desse álbum.
Outro
ponto peculiar também foi o pouco uso de teclado, instrumento tão marcante
naquele momento do rock italiano e também a ausência de vocal privilegiando um
instrumental, tendo a guitarra, o baixo, a bateria e o sax se desdobrando em
força e relevância para suprir a lacuna planejada, em sua maior parte, das teclas, tendo
também a participação de Mario Lamberti na percussão. A banda durou apenas um
ano, de 1973 a 1974.
“Duello Madre” foi lançado,
em vinil, em 1973 pelo selo Produttori Associati e relançado em 2010 pela Vinyl
Magic. Em CD foi lançado em 1993 pela Mellow Records e em 2008 pela Vinyl Magic.
Altamente recomendado!
Uma banda empoeirada, que
vem diretamente das quenturas do inferno, mas não vou dizer que seja rara, mas
sim esquecida, relegada ao ostracismo pelo massificado público que gosta do
rock n’ roll!
Vilipendiada sim, mas importante por ter criado, juntamente com
bandas do naipe de Alice Cooper e The Crazy World of Arthur Brown, do “horror
rock”, do rock teatral, voltado para o caos, para a loucura do ocultismo, do
satanismo.
Uma das poucas bandas que conseguiu, com maestria, contracenar as
suas músicas. Falo do BLACK WIDOW. Falo da banda que foi a primeira ou uma das
primeiras a levar os rituais aos palcos em uma espécie de missa negra cênica
que, simbioticamente, complementava a sua música, fazendo com que o teatro
expressasse a realidade, a verdade de seu som.
Gostaria de falar do segundo
álbum de estúdio do Black Widow, homônimo, de 1971. Depois de “Sacrifice”, de
1970, que praticamente inaugurou o progressivo obscuro, com levadas jazzísticas,
e pitadas psicodélicas hipnóticas e envolventes e que falava das figuras
demoníacas mitológicas, dos rituais sabáticos, temos em “Black Widow” uma
sonoridade mais agressiva, mais hard rock, mais progressivo e temas
apocalípticos, direcionando a banda a uma proposta um pouco diferente ou
acintosamente mais diferente do que “Sacrifice”.
Temas apocalípticos,
comportamento humano estavam todos sintetizados em sua música em “Black Widow”,
mas os temas ocultos foram minimizados, quase reduzidos. A razão não se saberá
ao certo, talvez para atingir novos públicos ou uma simples mudança de curso da
banda, mas o fato que tal mudança não deu certo, não teve sucesso sob o aspecto
comercial da coisa. Mas não impactou no quesito criativo. O segundo álbum do
Black Widow, mostrou uma banda versátil e competente que flertou com uma música
mais pesada, um hard rock ainda embrionário no início dos anos 1970 que também
ajudou a construir o prog rock mais evidente em seu trabalho anterior, o genial
“Sacrifice”.
Mas antes de entrarmos no
universo do álbum em questão torna-se mais do que conveniente retroagir no
tempo e falar dos primórdios do Black Widow que ajudará a entender um pouco da
construção de sua curta, mas significativa carreira discográfica.
O Black Widow foi formado em
1969 na cidade de Leicester, na Inglaterra, em setembro. A banda se tornou
conhecida pelas suas apresentações teatrais e sempre foi associada, em um
contexto de coadjuvante, com o seu vizinho de Birmingham, o Black Sabbath, mas
eram apenas algumas semelhanças, como o teor das letras de terror e satânicas,
mas as semelhanças terminavam aí, sendo uma mais multifacetada sonoramente
falando e a outra majoritariamente mais pesada e agressiva e, é claro, a popularidade.
Porém a banda foi
originalmente formada em 1966 com o nome Pesky Gee! com Kay Garrett (vocais),
Kip Trevor (vocais, guitarra e gaita), Chris Dredge (guitarra), Bob Bond
(baixo), Clive Box (bateria e piano), Gerry "Zoot" Taylor (órgão),
Clive Jones (também conhecido como Clive Beer-Jones; saxofone e flauta).
Pesky Gee! "Exclamation Mark" (1969)
Jim Gannon (guitarra e vocal)
substituiu Dredge na primavera de 1969. A banda se separou em setembro de 1969.
A banda lançou um álbum pela Pye Records como “Pesky Gee!, Exclamation Mark”,
ainda em 1969, antes de Garrett deixar a banda. Os membros restantes continuaram
como Black Widow e lançaram seu álbum de estreia, “Sacrifice”, em 1970.
Essas mudanças na formação
também foram cruciais e constantes em 1971 saindo o baixista Bob Bond e
entrando Geoff Griffith e a entrada do baterista Romeo Challenger no lugar de
Clive Box, lançando o autointitulado álbum naquela nova década e nova também
foi a proposta sonora deste trabalho do Black Widow. E essas mudanças na
formação do Black Widow foram determinantes para dar o peso a sonoridade da
banda, marca registrada deste álbum.
A formação do Black Widow
que foi responsável pelo nascimento de “Black Widow” tinha Kip Trevor vocais
principais, harmonias e maracas, Jim Gannon nos vocais, na guitarra principal e
guitarra acústica, Zoot Taylor no órgão e piano, Clive Jones no sax e flauta,
Geoff Griffith nos vocais e baixo e Romeo Challenger na bateria.
E o álbum abre com “Tears
and Wine” que é um verdadeiro pé na porta, bateria pesada com o sax dançante,
insinuante de Clive Jones e uma camada discreta, mas substancial dos teclados
que varia entre peso e um vocal melodioso, quase delicado que, entre riffs de
guitarra e bateria arrasa quarteirão, mostra o quão versátil é o álbum
personificado nesta inaugural faixa.
"Tears and Wine"
“The Gypsy” começa meio folk
com dedilhados de violão e contrasta gritantemente com a faixa anterior. Em
alguns momentos temos uma pegada mais rasgada com riffs e solos de guitarra
capitaneando tal momento, mas voltando ao violão e flauta dando um tom mais “tranquilo”
e tendendo, além do folk, para o prog rock de “Sacrifice”.
“Bridge Passage” dá abertura
para a “When my Mind Was Young” com uma linha mais comercial, diria radiofônica
remetendo aos anos sessenta tendo como referência bandas como Beatles, algo
meio gospel também, uma viagem meio progressiva como Pink Floyd com solos de
guitarra mais elaborados, em determinados momentos, à lá David Gilmour.
"When my Mind Was Young"
“The Journey” traz de volta
o peso, algo talvez cadenciado, mas com a força da bateria marcada e pesada com
os riffs de guitarra e os teclados executados de forma visceral. E esse
cadenciado me lembra de um pouco do blues rock, uma faixa extremamente
multifacetada, rica, de várias texturas, a banda talvez em seu apogeu criativo
neste álbum pode ser sintetizado nesta música sem dúvida uma das melhores deste
álbum.
"The Journey"
“Poser” segue na mesma
toada, uma levada meio bluesy mesclado ao peso do hard rock e, mais uma vez, a
bateria e a guitarra travam um salutar desafio, com o vocal bem executado
divinamente despretensioso.
E eis que surge uma das
melhores do álbum: “Mary Clark”! Para a introdução nos reserva uma levada meio jazzística,
o vocal domina as atenções com destaque para alguma introspecção que às vezes
irrompe a explosão de seu alcance que vai às alturas e nessa miscelânea toda
ainda temos o peso genuíno que dar razão de ser a esse trabalho do Black Widow.
"Mary Clark"
“Wait Until Tomorrow’ é o
exemplo perfeito do hardão setentista, bateria quebrando tudo, riffs raivosos
de guitarra, vocal meio arrastado e uma camada soberba dos instrumentos de
sopro de Clive Jones que entrega mais sofisticação à música”. O que dizer do
saxofone envolvente e solar deste gênio multi-instrumentista?
“An Afterthought” vem à tona
novamente o folk com o progressivo, uma música curta, mas que trouxe um Black
Widow mais contemplativo e fecha com “Legend of Creation”, uma verdadeira epopeia,
uma faixa totalmente progressiva capitaneada pelo sax de Jones, que entrega uma
sonoridade mais sofisticada e complexa.
E a turnê de promoção de “Black
Widow” se deu, porém quase não há registros da banda disponível pela grande
rede, além do excelente “Demons of The Night Gather To See Black Widow”, de
1970, que foi gravado para uma TV alemã e cujo set list foi construído com as
faixas de “Sacrifice”, há um raríssimo show, de 1971, que cobre a turnê do
segundo álbum e conta com uma mescla de músicas dos dois primeiros álbuns de estúdio
do Black Widow. Esse show foi realizado na Itália, mais precisamente em Milão,
no Teatro Lírico, além de outros dois shows em Roma e Arezzo com as bandas que
estavam surgindo à época e que já gozavam de alguma reputação como o Yes e
Premiata Forneria Marconi, as bandas da casa.
Porém o único show
documentado foi em Milão, tendo versões arrebatadoras como a faixa “Sacrifice”
com mais de 13 minutos de duração e a inédita “Wish You Woild” que fora lançada
como single em 1971. Infelizmente a qualidade da gravação é bem precária, mas
capta a banda em seu ápice, poderosa e visceral tocando clássicos obscuros de
seus primeiros dois álbuns de estúdio.
Black Widow - "Live at Milano", 1971
Se o álbum não atingiu êxito
comercial que a banda esperava e ansiava depois da repercussão de “Sacrifice” e
seus temas obscuros e ocultistas que alguns setores da sociedade conservadora
abominavam por não entender as diversas formas e manifestações da arte,
inclusive a própria indústria fonográfica, conseguiu no aspecto criativo, pois
mesmo depois de algumas mudanças significativas na formação da banda, o que gera
incertezas, acarretara em um momento de grande virada na sua história
discográfica culminando com o talve melhor álbum da banda, o seu terceiro
álbum, intitulado apenas como “III”. Grande álbum, grande banda, que merece
todo reconhecimento por seu protagonismo na história do occult rock, do dark
progressive.
Eu confesso que não sei
dizer como e por quais caminhos a gente garimpa algumas bandas. Não tenho
também um método. Sigo a pesquisar pela grande rede alguma banda que me excite
no aspecto primordial da imagem. Uma capa interessante, chamativa, apelativa, tenebrosa
(gosto disso), um nome instigante, um país, um subgênero em especial etc.
Enfim
não há um padrão, uma metodologia de pesquisa de bandas e, convenhamos, o
material é infindável de bandas velhas novas para o grande público, sobretudo,
claro, as obscuras, as undergrounds.
Quando estava em minha “caça”
por algo que me cativasse, que me chamasse a atenção parei em uma com um nome
no mínimo inusitado. Achei que fosse alguma sátira, paródia, algo pastelão, sem
muita credibilidade, por um instante decidi sequer acessar o link que te
encaminhava à audição do álbum, mas que se dane, estava em um tédio tremendo no
dia que qualquer bobagem seria o evento do ano. Acessei o link e comecei a
ouvir o álbum! Uau! Mas era simplesmente arrebatador! Uma loucura sonora!
Aquilo me cativara desde os primeiros segundos, os primeiros acordes!
Eu estava totalmente
envolvido naquele som! Embora não fosse algo revolucionário, era envolvente,
lisérgico, tenso, pesado, contemplativo, ao mesmo tempo. Coisas que só a
Alemanha nos tempos do velho Krautrock poderia proporcionar.
Como eu poderia esperar algo
de bom em uma banda chamada ELECTRIC SANDWICH? Ah meus bons amigos leitores e
amantes do velho rock n’ roll, não se enganem com nomes imponentes e capas
bonitinhas, não julguem o livro pela capa e pelo nome. Essa banda senhores é
avassaladora e deixa a sua mente louca e revirada!
A julgar pela capa! Mas o
que significa isso? Seria literal esse nome? Pelo que pude entender, captar é
um sanduíche eletrificado, mas será que é isso mesmo a mensagem a ser transmitida?
É como fica o seu cérebro quando ouve essa germânica banda: com ele revirado,
agitado, desorientado! É o que a banda procurou transmitir em seu único álbum
lançado em 1972, homônimo.
Mas antes de disseca-lo,
vamos aos primórdios do Electric Sandwich. A banda foi formada em 1969 na
cidade de Bonn, por quatro estudantes dessa cidade, jovens e que aspiravam
ganhar o mundo com a sua música. Todos já gozavam de alguma experiência tocando
em outras bandas locais pouquíssimos conhecidas.
O baixista Klaus Lormann
tocava com "Chaotic Trust”, o guitarrista Jorg Ohlert tocava no
"Slaves of Fire"; o baterista Wolf Fabian, o fundador da banda,
estava em turnê com uma banda chamada "Muli and the Misfits", e o vocalista
Jochen "Archie" Carthaus cantou com os "Flashbacks".
Electric Sandwich
A cena Krautrock, a base do
rock alemão estava apenas iniciando os seus passos no final da década de 1960,
mas quando surgiu o famoso selo alternativo Brain em 1971, uma subsidiária da
Metronome, algumas incertezas que permeavam as vidas das bandas, no que tange
ao seu futuro, poderia ter uma norte, uma sequência. A Brain tinha como
objetivo promover, patrocinar as bandas novas e vanguardistas que estavam
surgindo naquela época e o Electric Sandwich estava no caminho dos executivos
da Brain.
E foi o gerente de produto
da Brain, Gunther Korber, que descobriu o Electric Sandwich em um festival de
talentos de âmbito nacional organizado pela revista alemã e guia de TV
"Hor Zu", que aconteceu em Niedersachsenhalle, em Hannover. Mas a
banda não conseguiu chegar às finais do concurso e mesmo sem ter ensaiado eles
encararam o festival, convencendo os organizadores e abocanhou o segundo lugar.
Naquela mesma noite, Ohlert,
Fabian, Lormann e Carthaus assinaram um contrato com o Brain para uma sessão de
gravação experimental. E foi com essa proposta que esses quatro jovens se
reuniram: deixar de tocar covers e fazer algo próprio, deles e coisas
arrojadas: tocar despretensiosamente, se deixar levar pela música, sem padrões
ou estereótipos.
O pessoal da Brain e
Metronome estava tão excitados com o som do Electric Sandwich que em 1972 a
banda finalmente assinou contrato com Rudolf Slezak Musikverlag, de Hamburgo
(que detinha os direitos das músicas de Jane e Epitaph, por exemplo), seguindo
para o Dieter Dirks-Studio em Stommeln para gravar seu primeiro álbum com sete
faixas.
Faixas essas compostas pelo
mais puro heavy rock, hard rock e psicodélico e prog rock com pitadas generosas
de jazz rock e blues rock. Percebeu a miscelânea sonora e o motivo pelo qual eu
disse que esse álbum é arrebatador?
O álbum é inaugurado com a
faixa “China” com aquele solo meio psych, meio pesicodélico sessentista com uma
batida discreta e obscura, algo meio introspectivo e arrastado e explode com
riffs de guitarra o estilo hardão setentista e órgão barulhento e, ao longo do
tempo vai ficando mais visceral, intenso e no fundo vêm as congas, com em uma
viagem latina, entrelaçado com uma guitarra dissonante e perigosamente pesada.
Um primor!
“Devil's Dream” me parece
algo mais “comportadinho”, convencional, mas o que se destaca é o vocal,
imperioso, com uma atmosfera densa e ameaçadora, sendo muito bem executado. Mas
aí vem o saxofone, que torna tudo mais dançante e lisérgico, traz um pouco da
loucura sonora dos primórdios do krautrock e fecha com uma levada meio bluesy.
"Devil's Dream" live
Segue com “Nervous Creek” que
tem uma história por trás e fala de um rio que deságua no mar, trata da vida de
um simples morador da cidade. Esse era um canal de comunicação que os caras da
banda tinham com o seu público, o viés intelectual para atrair aquele público
que minimamente entende inglês, compreenda a mensagem. Ela traz um riff bem
dançante, bem motown, mas desbanca em um peso visceral de hard rock com alguma
velocidade que faria qualquer banda de heavy metal dos anos oitenta pirar!
Vocal gritado, alto, todos os ingredientes de um proto metal e vai alternando
com a calmaria de um dedilhar de guitarra e assim a música segue o seu curso.
"Nervous Creek"
“It's No Use to Run” tem uma
vibe meio commercial, algo sessentista, das bandas britânicas, com um riff simples
dando a camada principal, entrando uma gaita para corroborar a influência.
“I Want You” começa ao
estilo baladinha com um riff meloso, delicado até, um vocal sussurrado,
fechado, mas logo vai ganhando corpo com instrumentos de sopro ganhando
protagonismo e logo vai ficando alto e mais alto e logo se constrói um som mais
pesado e depois volta a balada e assim permanece até o seu final. Excelente!
Em “Archie's Blues” o som
que impera o blues rock! O vocal assume um tom dramático, gritado, o alcance
vai à estratosfera, o blues se mescla ao lisérgico do krautrock e se torna
experimental e único. Não há a sofisticação, mas o arrojo de algo diferente e
atípico. Excepcional!
“Material Darkness” a pegada
kraut paira com o saxofone e a viagem psicodélica e progressiva dá o tom, o
vocal contemplativo ganha espaço, um som mais complexo e sofisticado se revela
nessa belíssima faixa, que conta ainda com algumas “pitadas” de jazz rock.
E para fechar com chave de
ouro temos a “On My Mind” que assume um caráter “arroz de festa”, um som mais
solar mais ainda calcada no psicodelismo dos anos sessenta, aspirando a algo
mais voltado para o hard rock.
Após o lançamento do “Electric
Sandwich” a banda saiu em turnê pela Alemanha. Apresentou-se em programas de
rádio, gravou apresentações para programas de televisão, enfim estavam
trabalhando, dentro do possível, a divulgação do seu novo trabalho e ganhando
alguma experiência ao vivo. Ralf Kroczek, organista e líder do coro da
faculdade de música de Colônia, entrou na banda e abriu shows do Uriah Heep,
inclusive. Seria o ápice?
No final de 1973 começou a
trabalhar em seu álbum seguinte, mas disputas internas impediram que o segundo
álbum fosse concluído. Jorg Ohlert queria que a banda se tornasse mais voltada
para o jazz e Wolf Fabian queria algo mais focado na bateria e o seu desejo de
terminar seus vários cursos voltados para a música motivou o precoce fim da
banda.
Atualmente o baterista Wolf
Fabian dirige uma empresa e um estúdio de gravação em Bonn e trabalha como
professor. Jochen Carthaus tem uma fazenda na Eiffel onde cria cavalos. O
baixista Klaus Lormann é um oficial do governo em Colônia, o guitarrista Jorg
Ohlert é um consultor sênior que mora perto do Lago de Constança e o organista
Ralf Kroczek ainda trabalha como professor de música. Mas para a nossa alegria
a banda retornou aos palcos e canta e encanta a novas gerações com a sua música
forte e atemporal.