A cada nova audição,
independente de meras questões cronológicas, eu me surpreendo positivamente
falando. Por mais que trafeguemos nas nossas vertentes sonoras prediletas,
estas sempre trazem algo novo, interessante e arrojado que nos arrebatam de forma
tal que faz com que o nosso espírito desbravador continue forte e resistente ao
longo do tempo.
Para quem acha que o rock
progressivo é algo enfadonho, chato, de músicas longas e cansativas é porque
não explorou o suficiente o estilo e o seu leque diverso de sonoridades que
flertam com vários subgêneros que faz com que o estilo seja rico, interessante,
independente de modismos efêmeros que entregam músicas pasteurizadas.
Eu estava recentemente em minhas incursões, em minhas buscas pelo submundo do rock e descobri, quase que por acaso, uma banda norte americana muito interessante e o que chamou a atenção inicialmente foi a sua capa e principalmente o título de seu álbum, “Caverns of Your Brain” que, em tradução livre significa “Cavernas do seu Cérebro”. Um título forte, diria sombrio, não é mesmo?
Mas claro a minha inquietude,
mesclada a uma imensa curiosidade, me pus a fazer uma audição com toda a
atenção que o título apresentava. As faixas tocavam em meus ouvidos, mas era o
coração que absorvia tudo com um arrebatamento jamais imaginado. Era um prog
rock vigoroso, potente, repleto de jams sessions, uma ode a um instrumental exuberante,
que trazia um hard rock, a sofisticação, claro, do progressivo, a animação do
sinfônico, tudo isso em uma panela cujo tempero era de deixar você de joelhos
maravilhados com um paladar sonoro delicioso. Qual a banda? LIFT!
E o mais legal de tudo é que a
banda surgiu nos Estados Unidos, um país em que o prog rock não é tão popular,
mas que, ainda assim goza de uma cena prolífica de bandas espetaculares,
principalmente às obscuras e que o Lift, sem sombra de dúvida, pode e deve ser
incluída neste seleto rol.
Mas antes de falar do seu
único álbum, lançado em 1977, gostaria, evidente, como manda a tradição deste
blog, falar um pouco dos primórdios, da história dessa seminal banda que soube,
mesmo com apenas um trabalho lançado, dignificar o prog rock com maestria.
Falemos do Lift.
O Lift foi formado em 1972 em
New Orleans e o seu núcleo inicial era o tecladista Chip Gremillion, o baxista
Cody Kelleher e o baterista Chip Grevemberg, todos músicos que já tinham certa
experiência na cena rock e que estavam buscando um lugar ao som tocando em
várias outras bandas. Depois de alguns meses recrutariam o guitarrista Chris
Young e o vocalista Courtenay Hilton-Green, de Pensacola, Flórida. Mas Young
não ficaria muito tempo e daria lugar, em definitivo, a Richard Huxen.
Courtenay teve, além do
talento, a sua entrada na banda porque já conhecia Chip Gremillion que, claro,
facilitou a sua entrada na banda. Mas não apenas conhecia, mas já haviam
trabalhado juntos em outra banda. Já Young, mesmo tendo uma rápida passagem na
banda deixou a sua marca compondo "Simplicity" e co-escrevendo a
letra de "Caverns" com Chip Gremillion e Courtney Hilton-Green.
Com essa formação, no final de
1972 e início de 1973, o Lift ganharia alguns fãs graças às suas apresentações
em diferentes áreas do sul dos Estados Unidos, especialmente com shows em
várias universidades, abocanhando fãs mais jovens ávidos por músicas mais
arrojadas. No ano de 1973 a banda ganharia não só o respeito de fãs ardorosos,
mas também da crítica musical local, fazendo com a sua visibilidade na cena só
aumentasse.
Mas nesse início o Lift tocava
muito covers de bandas famosas como The Beatles, Led Zepellin, Uriah Heep, ELP,
Yes, King Crimson entre outras. Reza a lenda que a banda iniciava seus shows a
música do Genesis, chamada “Watcher of the Skies” e isso fazia com o que o
público se animasse e passasse a amar as apresentações do Lift. Mas
gradualmente a banda passou a introduzir o seu material autoral, conforme as
músicas eram compostas.
No verão de 1974 o produtor
Sonny Fox colocou o Lift em um estúdio e gravou quatro músicas: "Simplicity",
"Caverns", "Buttercup Boogie" e "Tripping Over the Rainbow".
A maioria dos músicos não tinha sequer 19 anos de idade. Eram muito jovens,
porém talentosos e promissores. A banda ganhava popularidade e com quatro
faixas produzidas e gravadas e um material promocional nas mãos, lançadas com
500 cópias, Sonny sugeriu à banda que fosse para Atlanta para alçar novos voos.
A sugestão foi aceita pela banda e no final do outono de 1975 a banda se muda
para Atlanta.
Mas nem tudo foi um mar de
rosas para o Lift nesta nova fase da banda. As turbulências viriam a todo
vapor. A banda viajou para a Filadélfia para gravar uma nova versão de "Simplicity"
e "Tripping Over the Rainbow", além de registrar uma nova composição
instrumental. Gravaram tudo rapidamente e retornaram para Atlanta, aguardando o
material ficar pronto e ser enviado, o que não aconteceu.
Entre o fim de 1975 e o começo
de 1976, Cody Kelleher e Courtenay Hilton-Green deixaram a banda. Os
remanescentes passaram cerca de sete meses procurando substitutos. Foi um
período complicado, afinal encontrar substitutos à altura não é nada fácil.
Encontraram uma vocalista de nome Laura “Poppy” Pate, uma cantora que
trabalhava em uma loja de música e que ao ouvir o som dos caras, já foi logo
entrando na banda rapidamente. A banda foi reformulada, ficando da primeira
formação Chip Grevemberg, Chip Gremillion e Richard Huxen, entrando
Mike Mitchell, Tony Vaughn e Laura.
Nos seis meses seguintes à
entrada de Laura e com uma nova formação, o Lift compôs mais cinco faixas e
adaptou as músicas gravadas de outrora à nova formação. O produtor britânico
Michael Stewart se interessou pelo som da banda e já trabalhava em Atlanta com
a banda de hard rock Hydra. Michael percebeu um grande potencial do Lift.
Stewart mesmo percebendo que a
banda poderia voar alto com a sua música achou que o material até então gravado
não era tão representativo e levou os caras novamente para o estúdio. Foram
sessões de fotos, frisson de cast locais, selos interessados em lançar a banda
etc. E o Lift passou a ser a banda oficial de abertura da maior casa de
espetáculos de Atlanta, a Alex Cooley’s Electric Ballroom. Certamente com esse
show viriam muitos representantes de gravadoras olhar a sua apresentação e ver
a banda tocar e quem sabe rolaria um contrato. O sucesso viria dessa vez?
Duas semanas antes do show vem
outra bomba que cairia impiedosamente no Lift! Laura informaria a banda que
estava saindo por motivos pessoais e isso motivaria também a saída de Richard
Huxen que logo em seguida sairia do Lift. “Caverns of Your Brain”, um álbum
oriundo das sessões de 1974, foi lançado em forma de “bootleg” pelo famoso selo
alemão Brain, traz um vigoroso rock progressivo, com pegadas pesadas de hard
rock e um envolvente e atraente prog sinfônico, tudo envolto em uma atmosfera sombria,
porém solar, vívido e poderoso.
O som instrumental dá o tom e
tudo estava centralizado em vibrantes notas de teclados, guitarras flamejantes
e uma “cozinha” que se mostra invejável com sessões rítmicas de tirar o fôlego.
As quatro faixas são definitivamente poderosas, que tem a marca do hard rock,
prog rock e rock sinfônico, são esses os pilares sonoros deste trabalho.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Simplicity” que traz um número alegre, solar, que tem como destaque de
imediato o baixo que impõe sonoridades siderais com um instrumental que beira o
transcendental, entregando um som rápido, ousado, altivo, potente. Me traz
também a impressão de uma sonoridade simples, mas eficaz sob o aspecto
instrumental, fazendo da banda complexa e pragmática, ao mesmo tempo.
Segue com “Caverns” que traz
um clima mais solene em um ritmo mais lento, sombrio, diria. Há muito espaço
para um hipnotizante sintetizador e camadas deliciosas de mellotron que parecem
estabelecer um ritmo majestoso para riffs e solos de guitarra etéreas que traz
sofisticação e algo mais voltado para o experimentalismo, ao mesmo tempo.
"Buttercoop Boogie"
chega com um embalo devastador de uma pegada percussiva em um boogie rock meio
que intergaláctico, envolto em um blues rock executado nos teclados e exibido
em uma pegada frenética e potente. Mas o prog rock ganha destaque também nessa
faixa com trabalhos majestosos de guitarra e teclado com um baixo pulsante e
uma bateria sendo executada de forma precisa e pesada.
E finaliza o álbum com a épica
“'Trippin' Over the Rainbow” que se mostra complexa, ao longo de seus pouco
mais onze minutos de duração. Tem passagens que alterna entre mais sereno e o
mais pesado em uma engrenagem ousada, complexa, repleta de mudanças rítmicas de
tirar o fôlego. O destaque, claro, é na faixa instrumental, especialmente no
mellotron e sintetizadores que traz a nítida sensação orquestral e sinfônica da
música o tempo todo. É definitivamente uma faixa muito pulsante e viva e que
está longe de ser tediosa.
Os últimos seis meses após a
saída da vocalista Laura, Chip Gremillion, Mike Mitchell, Chip Grevemberg e
Tony Vaugn convidaram vários músicos para ensaiar na tentativa de recriar as
capacidades criativas do Lift, mas nada dava certo e os músicos que foram
testados não entraram na banda. No entanto, o quarteto que restou percebeu que
eram capazes de produzir uma boa música. E foi nesse período que alguns
materiais foram compostos, cerca de seis e sete músicas foram compostas e
curiosamente foram essas músicas que poderiam trazer um potencial de sucesso
comercial. Mas o Lift pereceu e se desfez em fevereiro de 1979.
Em 1990, o selo norte-americano Syn-Phonic contatou o tecladista Chip Gremillion para relançar, a partir das fitas originais da sessão de 1974, o álbum “Caverns of Your Brain”, da mesma maneira que a promo lançada pela banda. Em 1992 saiu a compilação “Past, Present & Future”, incluindo material adicional inédito das sessões de 1977 quando a banda estava em Atlanta. Em 2001 sairia uma nova compilação chamada “The Momento of Hearing Lift” trazendo todo o material registrado em Atlanta, além das quatro faixas de “Caverns of Your Brain”, totalizando oito faixas.
“Caverns of Your Brain” foi
lançado em uma época em que o punk rock estava em evidência, o prog, que nunca
foi popular, estava em pouquíssima evidência em 1977, mas sem sombra de dúvida
é um álbum indispensável para quem aprecia rock progressivo, pois se trata de
uma pérola perdida nos submundos do rock obscuro.
A banda:
Chip Gremillion no Hammond
B-3, Mellotron 400, pianos elétricos e acústicos, Moog Sonic Six, ARP Odyssey
Cody Kelleher no Baixo Rickenbacker
Chip Grevemberg na bateria,
sinos, gongos, sinos, percussão
Richard Huxen na guitarra
solo, guitarras elétricas e acústicas, guitarra slide de aço
Courtenay Hilton-Green nos
vocais, flauta
Faixas:
1 - Simplicity
2 - Caverns
3 - Buttercup Boogie
4 - Tripping Over the Rainbow