sábado, 26 de abril de 2025

Minotaurus - Fly Away (1978)

 

Você costuma se incomodar com aquelas bandas que não costumam classificar? E diante desse cenário costuma rejeitá-las categoricamente? Me parece que essas perguntas, embora sejam desafiadoras estruturar uma resposta, creio ser relevante para entender, mesmo que de forma parcial, a indústria fonográfica e a sua política antiga e conservadora que, sem dúvida, reflete o comportamento do mercado.

Parece ser cômodo e seguro da nossa parte ter uma espécie de compreensão profunda da vertente sonora de determinadas bandas para, a partir daí, criar um vínculo, uma identificação partindo da premissa de suas predileções. Muitas bandas pereceram, ao longo dos anos, por deixar apenas a sua criatividade ser a sua força motriz, o principal condutor de suas músicas.

Os anos 1970 nos “brindou” com uma infinidade de bandas que fracassaram por não ter sequência em sua história na cena musical rock, porque nunca se permitiu estereotipar, se rotular, mesmo lutando contra um mercado consumidor conservador e uma indústria com uma política tão ortodoxa quanto.

Na Alemanha, por exemplo, não faltaram bandas que precocemente saíram de cena, pagando um preço alto por deixar que a criatividade seja a dona de seus caminhos sonoros e, sob o aspecto comercial, fracassaram. Muitas sofreram por serem adicionadas no “saco” do krautrock para atender às demandas mercadológicas e facilitarem os negócios das gravadoras e muitas delas não praticaram o estilo em suas músicas.

E isso acabou construindo uma ideia equivocada de que a Alemanha, sobretudo nos anos 1970, reduziu-se a apenas o experimentalismo do kraut das transições da década de 1960 para os anos 1970 e isso, convenhamos, não é verdade! A Alemanha muito ofereceu, em termos de diversidade de som, nos anos 1970, principalmente.

E eu gostaria de apresentar uma banda que lamentavelmente não teve muita chance de apresentar a sua música e, como tantas outras, mesmo com persistência, não vingaram e pairaram no mais soturno e sombrio campo do esquecimento do rock, tendo ainda a desconfiança e a rejeição de tantos questionando as suas qualidades pelo simples fato de terem seus propósitos fracassados. Mas como neste blog as bandas fracassadas e esquecidas ganham protagonismo, essa é digna de apresentações: MINOTAURUS.

Minotaurus

A banda foi formada na cidade de Oberhausen, na área do Ruhr Ocidental, na Alemanha, começando sua trajetória em meados dos anos de 1970. Como muitas bandas, a banda foi concebida por seis jovens, quando decidiram se juntar para fazer música juntos. Era a Alemanha que proliferava em bandas de rock nos mais diversos estilos e vertentes, então os impetuosos jovens da época tinham como desejo ganhar fama e sucesso fazendo shows e tocando sua música. Eles tinham dois guitarristas, Michael Helsberg (nascido em 07/02/1957 em Oberhausen) e Ludger "Lucky" Hofstetter, este último treinado em violão clássico e violoncelo. Ulli Poetschulat tocou bateria, Dietmar Barzen os teclados. Também havia Bernd Maciej no baixo e Peter Scheu nos vocais.

A maioria desses jovens músicos foram autodidatas, não tinham grana para contratar professores de música ou coisa que o valha e a base de muitos ensaios e persistência, conseguiram fazer os seus primeiros shows. Nos primórdios o Minotaurus, começaram a construir seu nome fornecendo acompanhamento ao vivo para o filme do famoso diretor de cinema, Stanley Kubrick, em seu filme chamado “7117” no Festival de Curtas-Metragens de Oberhausen (Filmothek).

E com isso os caras do Minotaurus estavam, de forma gradual, ganhando fama local e, com isso escrevendo, compondo cada vez mais músicas autorais. Material eles já tinham agora faltava um contrato assinado para oficializar um lançamento de suas músicas e mais uma etapa havia sido superada, pois entrou no circuito Hans-Werner "Roller" Suedbrack, Uwe "Jacke" Ziemert e o falecido Wolfgang "Jagger" Jäger, se tornando responsáveis pelo sistema de PA.

Bem agora o lançamento de um álbum estava mais maduro, um novo trabalho estava por nascer e isso excitou os jovens e promissores músicos. E em 1977 eles decidiram lançar esse álbum! A gravação de seu primeiro trabalho ocorreu de 13 a 15 de janeiro de 1978, no estúdio Langendreer Sound, de propriedade de Günter Henne, da banda Epidaurus, e sob a direção do baterista da banda, Manfred Struck. O tecladista Dietmar Barzen foi autorizado para usar o mellotron dos amigos do Epidaurus, porque os meninos do Minotaurus não tinham dinheiro para ter um instrumento minimamente bom para gravar as suas músicas. Os primeiros anos foram difíceis apesar de gozarem de alguma fama.

E assim foi lançado, em 1978, “Fly Away”, lançado de forma independente, com uma prensagem pequena, com cerca de apenas 1.000 cópias, fabicadas em Pallas, em Diepholz, originalmente sem tampa. Os caras do Minotaurus optaram por distribuírem muitas cópias entre amigos, antes de conceberem uma capa, uma arte da capa. Quando o projeto da capa foi concluído, eles pensaram que encomendar 600 cópias seria o suficiente para divulgar a música da banda seria o suficiente, mas ainda assim, um número muito incipiente.

A capa escolhida mostrava um Minotauro, o lendário se com cabeça de touro da antiga Creta Minóica. Essas 600 cópias foram todas vendidas e a banda descobriu que ainda tinha cerca de 200 LP’s sem capas guardadas! Era a chance de aproveitar as boas vendas de “Fly Away” e vender essas cópias restantes. Então Ulli Poetschulat mandou imprimir mais 200 capas, desta vez com uma nova obra de arte mostrando um avião desenhado por Heike Zywitzki.

Já que eu comecei esse texto falando de diversidade sonora e bandas e álbuns que pouco se permitiram rotular, nada mais prudente do que fazer uma breve descrição da multiplicidade sonora de “Fly Away”, o debut do Minotaurus. Este álbum traz na sua base sonora um progressivo sinfônico calcado no peso do hard rock, pois entrega uma sonoridade solar, vívida e cheia de energia, revelando ainda texturas de space rock, algum experimentalismo, reminiscências do krautrock dos anos 1960, com uma pegada, em alguns momentos de blues e até jazz fusion.

A banda, que lançou um álbum um tanto quanto descolado do seu tempo, em 1978, com o punk em evidência e a música “disco”, bebeu das fontes sonoras do início dos anos 1970 quando o progressivo e o hard rock fora prolífico. A variedade de tons sonoros faz com que “Fly Away” se torne um álbum agradável, fazendo dele um álbum imprevisível e extremamente versátil, mostrando que aqueles jovens músicos autodidatas fizeram um bom trabalho graças a sua dedicação nos ensaios e nos trabalhos composicionais.

Um álbum forte nos instrumentais, com guitarras ricas em notas, teclados, órgãos e mellotrons solares e enérgicos e vocais teatrais fez desse álbum, a meu ver, especial e que muita gente considera como uma influência evidente do medalhão Genesis. Bem se é eu não poderia dizer com tamanha propriedade, mas o fato é que um álbum desse naipe sendo lançado em pleno 1978 é, no mínimo arrojado pelos audaciosos músicos do Minotaurus.

O álbum é inaugurado pela faixa “7117” que, como disse foi composta para acompanhar a exibição do filme de Stanley Kubrick com o mesmo nome, por volta de 1976, se mostra muito dinâmica e ao mesmo tempo apresenta algumas passagens bonitas e melódicas, destaque para os solos de guitarra e de mellotron. Tudo isso envoltos em uma entrega vocal ao estilo psicodélico espacial. Essas passagens mais explosivas são compensadas com passagens mais pastorais e acústicas. Um trabalho inaugural excelente!

"7117"

Segue com “Your Dream” que também é muito bem executada, com passagens suaves e até líricas, com destaques das guitarras, com solos e riffs maravilhosos, teclados enérgicos, tudo isso sobre uma cama de mellotron, embora a característica principal seja do teclado e de linhas de guitarras mais bem trabalhadas.

"Your Dream"

“Lonely Seas” começa de maneira sútil, percussão tilitante, violão levemente dedilhado, tocado de forma acústica e vocais sombrios e quase frágeis ou melancólicos, que faz da faixa mais dramática. Mas logo isso dá lugar a teclados triturantes e enérgicos e guitarra cortante e distorcida que cria certa tensão que a impressão que nos passa é de que vai explodir. E quando isso acontece tem solos mais melódicos e notas complexas.

"Lonely Seas"

“Highway” surge com uma pegada mais psicodélica, lembrando e muito um psych rock norte americano, algo como se fosse lançado nos anos 1960, trazendo uma lisergia principalmente nos riffs de guitarra fazendo da música até algo mais dançante. Mas a épica estava por vir, a excelente faixa título, “Fly Away”, no auge dos seus quase treze minutos de duração, trazendo um excelente progressivo sinfônico, com uma excepcional seção rítmica que entrega muitas mudanças de andamento, mostrando os músicos muita destreza em seus instrumentos. Não podemos negligenciar um mellotron enérgico que proporciona um clima nostálgico e solar. A guitarra e gigante e poderosa.

"Fly Away"

"The Day The Earth Will Die" fecha o álbum de uma forma muito cativante e dinâmica, estando mais próximas de um blues rock típico dos meados dos anos 1960 com uma textura mais psicodélica, com explosões de guitarras abrasadoras e distorcidas que se alternam com vocais mais potentes e virtuosos fazendo dessa faixa solar e otimista. São os anos 1960 mesclados ao som mais pesado e direto dos anos 1970. A faixa fecha com um número mais experimental trazendo um pouco à tona o kraut sessentista.

"The Day The Earth Will Die"

A faixa bônus é "Sunflower", que é uma música cintilante, robusta e de uma veia funky que foge um pouco a proposta do álbum, mas ele é diverso, então está tudo dentro da normalidade. Goza de uma guitarra jazzy blues solando belamente, tudo capitaneado por uma batida funky.

"Sunflower"

No mesmo ano do lançamento de “Fly Away” já surgiu um problema para o Minotaurus. O guitarrista Micky Helsberg foi o primeiro a deixar a banda e no ano seguinte, em 1979, de forma precoce, o Minotaurus finalizaria as suas atividades com cerca de 100 shows em seu currículo. De fato, um final lamentável e melancólico. Reza a lenda também que um dos motivos para o fim da banda foram as questões de negócios mau geridos.

No passar dos anos as pessoas perceberam o quão bom “Fly Away” era, até porque as suas poucas prensagens foram todas vendidas, fazendo deste trabalho muito requisitado, tanto que são pagos cerca de três dígitos pelo vinil original. Então teve uma reedição, no formato CD, em 1992, por um selo de nome Lost Pipedreams.

A realidade era que Jürgen Reinke havia vendido a essa gravadora os direitos dessas músicas sem realmente possuí-los e sem consultar os músicos do Minotaurus e como as faixas usadas para gravar esse álbum não eram oriundas das fitas master a qualidade da gravação estava aquém do que se esperava de um álbum tão grandioso.

Mas em 2002 o valoroso selo alemão Garden of Delights conseguiu localizar o baterista Ulli Poetschulat, que colocou suas fitas master à disposição do selo para que estes fizessem o lançamento. Este CD contou também com uma faixa bônus de nome “Sunflowers” que fora gravada em estúdio e que, na versão original, não entrou no vinil.

Há a informação de que o baterista do Minotaurus estaria de posse de algumas fitas para um segundo lançamento, com músicas inéditas, porém até os dias de hoje esse novo segundo álbum não foi lançado oficialmente. O que nos resta é aguardar que esse trabalho ganhe a luz do dia.

Em 1997 Micky Helsberg e sua banda M.I.D. (Manner in Dosen) onde lançaram um CD, também produzido e lançado de forma independente, chamado "Kopfschmerzen" ("Dor de cabeça"). Ele ainda mora em Oberhausen, assim como Hans-Werner Suedbrack. Ulli Poetschulat mudou-se para a antiga Alemanha Oriental e por lá trabalhou, por muito tempo, como organizador de shows, já os demais integrantes do Minotaurus nunca foram localizados e pouco se sabe dos seus paradeiros.

“Fly Away” trouxe, no final dos anos 1970, todas as marcas registradas de toda uma década, com as bases fundadas no rock progressivo sinfônico com o viés mais pesado, do hard rock. Guitarras pesadas, distorcidas, lisérgicas, melódicas e intricadas, com linhas de moog e sintetizadores de tirar o fôlego. Assim foi o único trabalho do Minotaurus que, lançados de forma praticamente artesanal, merecia um futuro mais justo, do tamanho da qualidade de seu excelente álbum. Um clássico obscuro!




A banda:

Peter Scheu nos vocais

Dietmar Barzen no órgão, mellotron, sintetizadores e clavinete

Ludger "Lucky" Hofstetter nas guitarras

Michael "Micky" Helsberg nas guitarras

Bernd Maciej no baixo

Ulli Poetschulat na bateria

 

Com:

Uwe "Jacke" Ziemert

Hans-Werner "Roller" Suedbrack

Wolfgang "Jagger" Jager

 

Faixas:

1 - 7117 (Musik Zum Gleichnamigen Film)

2 - Your Dream

3 - Lonely Seas

4 - Highway

5 - Fly Away

6 - The Day The Earth Will Die

Bonus:

7 - Sunflowers 





"Fly Away" (1978)










 

















sábado, 12 de abril de 2025

Satan - Satan (1975 - 2016)

 

Julien Thomas era um pequeno francês de 4 anos de idade e já tinha contato com o rock n’ roll. As lembranças, embora antigas, estavam vivas em sua memória, das bandas e músicas que ouvia em casa ou até mesmo no banco de trás de carro de sua família. E uma banda, em especial, lhe marcou e muito. Esquecida, pouco conhecida, obscura na cena musical francesa. Era o SATAN!

Dentre tantas bandas que Julien, tão jovem, ouvia, o SATAN era a que mais ouvia em sua casa. E ele ganhou, na realidade os seus pais, o único álbum da banda, gravado em um K7 simples pelo tecladista Jérôme Lavigne, um dos membros da banda e que nela esteve de 1972 até 1976, ano em que foi extinta.

E foi com essa cópia que, décadas depois, o Satan viveria a sua redenção! Na década de 1990, aquele garotinho, que ouvia as músicas do Satan, entre outras bandas, no banco de trás do carro dos seus pais, tornou-se um estudante do ensino médio e descobriu as grandes bandas da cena progressiva mundial, como King Crimson, Magma, Genesis, Pink Floyd etc.

Mas o que estava na mente dele, era aquela banda, cujas músicas estavam gravadas naquele K7 simples, aquela banda de nome tenebroso, mas de uma sonoridade cativante e envolvente: Satan! Em uma galáxia musical, mais precisamente nos anos 1990, tomada por Gun’s N’ Roses, música eletrônica, grunge e a Eurodance, para um jovem avesso à essas sonoridades, a incompreensão reinava em sua percepção de música.

Se colocou a pesquisar sobre o Satan, buscou onde podia referências sobre ela em toda a parte: bibliotecas de mídias, enciclopédia do rock francês... Nada! Nada! A difusão da internet veio, talvez com ela Julien conseguisse buscar informações sobre a obscura banda, mas nada mudou. Não se tinha vestígios daquela sonoridade que embalou a sua infância por tanto tempo. Será que teria salvação para o Satan?

Chegou a óbvia conclusão de que teria que fazer o exaustivo trabalho sozinho de reparar uma injustiça histórica e trazer à luz o rock obscuro do Satan e tentar colocar a banda na história do rock francês. O que teria acontecido com os jovens músicos do Satan nos anos 1970? Ingenuidade, idealismo, a indústria fonográfica? O que o tornaram anônimos?

Fundada em 1968, por estudantes da école Normal du Mans sob o nome de “Heaven Road”, a começou, como tantas outras, tocando covers de Colosseum, The Who, Jethro Tull, Soft Machine entre outras que faziam sucesso na segunda metade dos anos 1960. Depois de um tempo decidiram compor material próprio, explorando camadas experimentais e atmosféricas, musicando poemas de Verlaine, Soleils, Couchants, por exemplo.

Depois de pouco mais três anos, os futuros e promissores funcionários públicos deixaram de lado suas carreiras emergentes como professores e as promessas de estabilidade no emprego para se dedicarem integralmente à música. Em uma França no auge das revoltas estudantis e dos movimentos sociais, parecia ser bem revolucionário sair da “École Normale”.

E assim o foi. Os jovens músicos, na faixa dos seus vinte anos, se estabeleceram em uma comunidade no interior de Sarthe e passaram a viver a utopia do rock n’ roll. Uma vida ditada pela moda, pela convicção, talvez não seja utopia...

Satan

Distante da civilização, em uma espécie de “bolha impermeável”, a banda desenvolve sua identidade, por um método peculiar de composição, com alicerce na “ilustração sonora”. E Macson, ao conceder uma entrevista, explicou esse processo:

"Sempre construímos nossas músicas a partir de um roteiro, um pouco como um filme. Primeiro escrevemos uma história e adaptamos músicas e textos para ela".

A banda tinha uma ambição latente e real de transmitir imagens e história por intermédio das músicas que compunham e ainda tinha outro detalhe importante, outra característica marcante que a banda tinha e que ficou exposta nas músicas que continham em seu único álbum: texturas sonoras, mas bastante simples e pouco se fazia isso na cena progressiva francesa! Talvez o Ange pudesse imprimir esse tipo de sonoridade, mas o único talvez.

Apesar das dificuldades financeiras da banda, da precária condição de vida e dos seus instrumentos musicais, eles, com muita persistência, começaram a conquistar uma reputação séria no palco e foi notado várias vezes durante as suas apresentações no Golf Drouot, um templo parisiense do pop e do rock. O Heaven Road, o antigo Satan, se tornou o “rei” do local, tornando-se o queridinho do dono da casa de show, Henri Leproux.

Se aproximaram do produtor Jacky Chalard, baixista da banda Dymasty Crisis, que na época abria para Michel Polnareff. Com um pé no show-biz, o Heaven Road seguiu o conselho de seus patrocinadores e decidiu adotar um nome francês para adequar ao mercado fonográfico local, mais comerciável à época, com a esperança de galgar degraus, buscar a fama. A lista submetida a eles se resumiu em dois nomes: “Sarah”, que parecia algo meio glam ou andrógeno e “Satan”. A segunda opção foi escolhida no verão de 1973. Macson, o guitarrista, argumentou o seguinte, em uma entrevista:

"Bem, nós gostamos e então, como na época havia Ange que estava indo bem, pensamos que isso poderia tornar possível fazer a troca".

Mas essa onda de surfar na notoriedade da banda carro-chefe da cena rock da França e torcer o nariz para ela e seu nome não seria, claro, bem recebida. Esse nome, em breve, seria uma bola de ferro acorrentada em seus pés. E o gerente que os acompanhou por alguns meses fez um grande alarde disso, fomentando sessões de fotos em cemitérios, por exemplo, para personificar esteticamente o nome sombrio da banda adotado recentemente. Fora outros detalhes sórdidos, como kits impressos descrevendo “o mestre do inferno se expressando através da violência”, entre outros detalhes subversivos.

Mas esse não era o desejo da banda de buscar sucesso, tanto que, com a saída de seu gerente, os jovens músicos insistiram mais nas noções de imaginação, devaneio e mistério, tema esses já presentes em suas composições. E com isso sua produção de palco muda também, com os caras subindo neste escuro, com apenas as lâmpadas dos amplificadores e seus pregos fosforescentes como fontes de luz. As “peças” são apresentadas como pinturas, apoiadas por projeção de vídeo. Eram verdadeiros shows multimídia antes de seu tempo. E com isso, de volta ao Golf Drouot, em dezembro de 1973, eles foram coroados com o curioso título de “melhor banda semiprofissional francesa”.

Apesar das satisfatórias incursões em Paris, o Satan decidiu manter-se a distância desse glamour e volta a se isolar em sua fazenda. Porém na primavera de 1974 eles embarcaram em uma turnê com a banda Caravan, que já gozava de uma pequena notoriedade no embrionário “underground” da época. Mas a turnê se tornou um fracasso para ambas as bandas. Em Orléans o show foi boicotado por uma história sombria de rivalidade entre os organizadores, ocasionando a interrupção da turnê e o retorno à Inglaterra do Caravan, além da volta do Satan à Sarthe.

Levados ao limite e sem fôlego, financeiramente falando, André “Macson” Beldent, guitarrista, Jerome Lavigne, tecladista, Christian Savigny, baterista e Richard Fontaine, baixista, os membros do Satan, criaram o “Ciel d'été”, um projeto paralelo que tinha a intenção primordial de trazer dinheiro. E surtiu efeito! O Ciel d'été foi tão bem-sucedido no oeste da França que os músicos acumularam dinheiro o bastante para comprar equipamentos e, um ano depois, fazer uma residência de um mês no “Studio 20”, em Angers. É nesse momento que o trabalho do Satan seria concebido.

Ciel D'Été antes e atualmente

Ciel D'Été - "Father of Night, Fight of Day"

Cinco dias por semana os músicos trabalharam incansavelmente, fazendo e refazendo tomadas até obter o resultado desejado. E finalmente com o rolo debaixo do braço, com as suas músicas prontas o Satan retorna à Paris para oferecer seu álbum para as gravadoras. Sem sucesso! Tentaram os relacionamentos que construíram, mas nada! Questionaram, indagaram para si mesmos se as pessoas que receberam as cópias de seu álbum realmente ouviram, mas logo se entediaram e, depois de mais três ou quatro recusas, ainda com o projeto “Ciel d'été”, a banda deu o seu último suspiro, em 1976.

O álbum que foi esquecido do Satan trazia um “prog rock envenenado”, repleto de recursos sonoros, com uma vibe jazzística e pegada pesada, lembrando, por vezes um hard rock. Um limiar entre peso, prog, simplicidade, envolto em um som orgânico e complexidade, devido a tamanha ousadia em trazer esses elementos e tirar deles uma massa sonora incandescente e solar.

O álbum é inaugurado com a faixa “Le Voyage” que tem como destaque as texturas de teclado que acompanham uma seção rítmica frenética e solar, com solos diretos e pesados de guitarra, tudo isso envolto uma atmosfera sideral, uma pegada space rock ao estilo Pink Floyd. Uma faixa viajante e estilosa.

"Le Voyage"

Segue com a faixa “OS” que inicia com um vocal falado, mas logo entrega um teclado sombrio e depois mais sinfônico, mostrando uma incrível versatilidade em um curto espaço de tempo na música. As viradas rítmicas não param por aí: percebe-se uma vibe jazzística, uma pegada mais hard, depois contemplativa, algo pastoral, depois fica mais experimental e soturno. O vocal retorna com risadas doentias e paranoicas. Definitivamente é uma faixa sombria e estranha.

“Le Robot” começa com riffs mais pesados de guitarra com teclados tendendo para o progressivo sinfônico e que me remeteu imediatamente ao krautrock e o rock progressivo britânico. Pode parecer uma “mistura” improvável, mas essa é a percepção. O vocal entra e uma pegada mais viajante e estranha se faz ouvida. Essa proposta mais viajante se une aos riffs mais pesados de guitarra e formam um contraste envolvente e intrigante, ao mesmo tempo. Uma das melhores faixas do álbum.

"Le Robot"

“La Nuit Des Temps”, a faixa mais longa do álbum, começa com um ruído meio sideral e sombrio, mas logo fica solar e deslumbrante com um lindo e límpido solo de guitarra, mas não por muito tempo. Os teclados tornam a música mais experimental e minimalista, com a “cozinha” rítmica ditando o humor da música. Bateria delicada e bem executada, baixo pulsante. Entre momentos mais soturnos e solares, a música se revela versátil e cheia de mudanças de tempo. Excelente!

"Las Nuits des Temps"

E fecha com a faixa “L’Aigle” que inicia com uma pegada folk, ao estilo pagão de ser, uma pegada celta, com uma atmosfera sombria e ameaçadora, mas logo é “encorpada” com o progressivo sinfônico e depois algo mais psicodélico, um beat que nos remete aos anos 1960. Inacreditável como a versatilidade aliado à simplicidade se faz presente nesta e nas demais músicas do único álbum do Satan.

"L'Aigle"

Voltando a Julien e já adulto ele relatou, também em entrevista que concedeu, que o Satan tomou o caminho ao contrário:

"...porque quando uma banda chamava a atenção, a gravadora primeiro a confiava a um diretor artístico que orientava o trabalho, que procedia com uma espécie de formatação para que fosse mais assim ou aquilo, para que pudesse ser tocada no rádio, etc. Eles gravaram primeiro, era arriscado. E então, talvez devamos reconhecer uma falta de combatividade da parte deles, em comparação com uma indústria que já havia feito o suco desse tipo. Basicamente, havia o Ange que vendia muito e então todas as gravadoras tinham sua banda progressiva como Magma ou Mona Lisa..., mas atrás deles, as portas estavam fechadas. Você também tem que lembrar que bandas como Magma ou Gong estavam morrendo de fome na época! Comercialmente, o gênero estava em declínio e Satan chegou no final da onda, no momento em que o negócio estava começando a mudar para a onda rock/punk que veria o surgimento de artistas como Little Bob, Bijou, Starshooter, Téléphone, Asphalt Jungle... A cena estava mudando e eles realmente chegaram à dobradiça”.

De acordo com o baterista da banda, Christian “Kicks” Sauvigny, que mais tarde faria carreira como produtor e programador musical no rádio (Chérie FM, Europe 2, Nostalgie...), o “máster” original do álbum foi colocado em segurança em um cofre de banco. O que resta saber é: Em qual banco? Em qual cidade? Ninguém sabe, ninguém soube de absolutamente nada! O carretel, com as gravações da música nunca ressurgiu. Os demais membros da banda não tinham mais uma cópia, nem mesmo o Studio 20, em Angers, onde foram gravadas as músicas, não tinha nada arquivado.

O baterista Savigny tinha uma cópia, a única conhecida, até então. Foi ele quem falou sobre o Satan pela primeira vez para Serge Vincendet, dono da loja de discos e gravadora de Paris, a Monster Melodies, especializada nesse tipo de pequenos “tesouros” perdidos, obscuros. Mas a fita estava em condições precárias, praticamente destruídas.

Mas é nesse momento que entra na história Julien. Julien, com seu antigo K7, agora digitalizado no estúdio, feito no início dos anos 2000, tentou se aproximar de algumas marcas especializadas, principalmente na França e na Itália. Mas o risco financeiro parecia demais para ele, afinal uma banda virtualmente desconhecida da qual ninguém tinha ouvido falar. Uma coisa levando a outra e o encontro finalmente aconteceu, em outubro de 2015, entre Julien, aquele ex-adolescente fã de Satan e o chefe da Monster Melodies.

A famosa cópia que o menino Julien ouvia na casa dos pais, no banco de trás de seu carro foi usada para a gravação do álbum no formato vinil. Com uma tiragem de 1.000 cópias, o LP do Satan, homônimo, que apresenta cinco das sete faixas gravadas em 1975, foi distribuído em lugares distantes da França, como Espanha, Alemanha, Holanda, Itália e até mesmo os Estados Unidos.

A persistência e os encontros fizeram com que algo, totalmente perdido e improvável para ganhar a luz, veio a vida quarenta anos depois de sua concepção. Um belo consolo para o fundador do Satan, o guitarrista André “Macson” Beldent que, até hoje, ainda vive uma vida intensa de rock n’ roll, no auge dos seus quase 75 anos de idade, com sua banda de blues tocando todo fim de semana em bares.

Como esperar um efeito positivo, no que tange ao seu lançamento, quarenta anos depois, de uma música que pouco se encaixaria atualmente, mas que ganhou, mesmo que tardiamente a sua redenção tardia, embora a banda jamais iria tirar proveito de seu verdadeiro valor sonoro. Richard “Sam” Fontaine se afastou da música e as últimas informações que pude obter, buscando na web sobre a banda, é de que estaria muito doente. Quanto o tecladista Jérôme Lavigne, seu fim foi trágico. O mesmo se suicidaria em 1987, alguns anos após ter entregado a cópia, o K7, ao jovem Julien que possibilitou livrar o Satan do “purgatório” e do esquecimento eterno. 

Se você quiser ouvir o álbum na íntegra com mais duas faixas que não entraram no lançamento pelo selo Monster Melodies, clique aqui. Há também um show da banda, de 1974, que pode ser ouvido aqui. Há reportagens também do Satan, afinal esse é o canal do YouTube de Julien Thomas.




A banda:

André “Macson” Beldent na guitarra

Jérôme Lavigne nos teclados

Christian Savigny na bateria

Richard “Sam” Fontaine no baixo e vocal


Faixas:

1 - Le Voyage

2 - O.S.

3 - Le Robot

4 - La Nuit Des Temps

5 - L'aigle

 



"Satan" (1975 - 2016)


























sábado, 5 de abril de 2025

Medusa - Medusa (1973 - 2018)

 

A cena rock do México era dominada pelo produto inglês e norte americano. Embora o rock, em língua espanhola tenha começado em 1957, as gravadoras, demasiadamente “globalizadas”, faziam capas de álbuns de bandas sem considerar a importância das composições originais que foram feitas desde então. Eram os covers e as músicas “internacionalizadas” que tinham potencial de mercado. A música era segundo ou terceiro plano.

Nos anos 1970, a cena rock mexicana começou, mesmo que timidamente, a ganhar contornos próprios, quando começaram a gravar suas composições próprias, suas músicas autorais, porém em inglês. Ficou conhecido como a “Onda Chicana”, porque as pessoas, conhecidas como “Chicanos” são descentes de americanos, mas de pais mexicanos.

E nesse caldeirão cultural e musical o rock mexicano foi sendo construído nos anos 1970 e foi se tornando popular e mesmo com as bandas compondo em inglês, elas se tornaram famosas e, então, a infraestrutura como programas de TV, mídia impressa e falada começaram a se desenvolver, e as bandas passaram a fazer turnês melhores e mais extensas e até mesmo no cinema, as bandas e a música começou a figurar em curto espaço de tempo.

E esse cenário foi propiciando o surgimento de festivais, muito inspirado também em icônicos eventos de músicas clássicos, tais como o Woodstock, Isle of Wight Festival, na Inglaterra, Festival Pop de Monterey, nos Estados Unidos e alguns menos conhecidos, como Varadero '70, em Cuba, Festival de Ancón na Colômbia, Festival Buenos Aires Rock, na Argentina entre outros.

Todos tinham, como base cultural e comportamental, o movimento hippie, estudantil, de jovens cansados do status quo e da onda pesada do conservadorismo que permeava em todos os setores da sociedade. O México, no que tange aos festivais, não ficou de fora e um, em especial, foi único na história não só daquele país, como de toda a América Latina, conhecido como Rock y Ruedas de Avándaro.

O festival ocorreu nos dias 11 e 12 de setembro de 1971, nas margens do Lago Avándaro, perto do Valle de Bravo e surgiu em um contexto político extremamente conservador, ditatorial e repressor e a oposição estudantil e juvenil, como em várias partes da América Latina e do mundo eram a oposição a esse governo, usando tais festivais de música como a força motriz para lutar contra esse regime opressor. Esse ativismo político dos jovens, ligado à música, ao rock n’ roll, como ponte de transgressão, queriam democracia, liberdade política e respeito a diversidade, direito dos trabalhadores e acesso a saúde e educação, entre outros pleitos.

E nesse contexto de opressão, de intolerância de todas as formas, a música rock mexicana e os seus músicos foram construídas. E um jovem foi, de certa forma, impactado por esses movimentos e, diria, foi parte integrante, um agente importante desse movimento. Falo do Victor Moreno, baterista e um dos fundadores de uma das bandas mais emblemáticas da cena hard rock do México: MEDUSA.

Medusa

Aos 17 de idade Moreno foi roadie do El Ritual, tida como uma das melhores bandas de rock do México (A resenha sobre seu único álbum pode ser lida aqui!) e, com essa brutal experiência, ele foi nomeado como gerente de palco do Festival Avándaro. Não precisamos dizer o quão gratificante deve ter sido para o Victor Moreno esse momento, vivendo, na pele, toda essa efervescência cultural que certamente serviu como arcabouço musical.

A Medusa surgiu neste contexto e foi um projeto, iniciado por Moreno e seu amigo Javier Plascencia, que era vocalista e baixista. Eles se conheceram na escola em 1968, em plenos ano estudantil com o embate ideológico com o governo opressor. Eles faziam parte, inclusive, do movimento estudantil do México que resultou no massacre de Tlatelolco que deixou muitas mortes e prisões de jovens estudantes. E diante desse cenário começaram a escrever músicas quando começaram a tocar em 1972.

A banda surgiu em meados de 1972 com a ideia de apresentar um heavy rock original e visceral ao estilo Blue Cheer, Cactus, Black Sabbath e outras bandas similares que serviram de referência para o estilo na transição dos anos 1960 para os anos 1970. Mas apesar de ser influenciada por essas bandas a Medusa trouxe originalidade ao heavy rock mexicano.

Os membros originais, além dos amigos Victor Moreno na bateria e Javier Plascencia Amoróz nos vocais e baixo respectivamente, trazia Luis Antonio Urguiza Zanella, na guitarra e mais tarde entraria, em 1982, Jaime García se juntou à banda, tocando guitarra e sintetizador. Devido a amizade de Moreno e Plascencia nos primórdios de suas carreiras, tiveram primeiro com Armando Nava e os Dug Dug’s e depois com bandas como Peace & Love, El Ritual, Náhuatl e Super Mama, entre outras bandas de Tijuana, pensou-se que Medusa também era dessa região prolífica do rock n’ roll mexicano, mas não, a banda não era, apesar também do estilo sonoro da banda e do apelo estético também.

A cena rock mexicana, apesar dos entraves políticos, foi bem recebida e, claro, Medusa estava no rol das bandas que tocaram nas rádios e isso fazia com que o som da banda, claro, ganhasse visibilidade e alguma credibilidade, até porque a sua sonoridade áspera e pesada, poucos faziam naquela época. A banda sempre cantou em espanhol, nunca fez música em inglês para atingir o mercado externo, nunca tocou covers também, apenas música autoral.

A Medusa, graças a essa visibilidade, logo após a sua fundação começou a realizar as suas primeiras gravações logo em 1973 na “Discos Raff” patrocinada pelos amigos da banda Náhuatl. Naquele ano lançaram um single com a música “Tan solo lo Haemos”, no lado A e Autodestructión" no lado B. No ano seguinte foi concluída a gravação de um EP, em 1974, com essas duas músicas mais duas novas faixas chamadas “Tratando de Olvidar”, composta em colaboração com Omar Jasso, tecladista da banda Polvo e posteriormente do Náhuatl e “Después De La Tristeza”. Devido a algumas políticas equivocadas da gravadora “Discos Raff”, Medusa deixou o cast do selo em 1975 juntamente com outras bandas em ascensão como Ciruela e Three Souls, adiando a gravação de um álbum, embora as gravações estivessem finalizadas.

Em 1977 a banda assinou contrato com a Orfeón para gravar o álbum. Será que dessa vez o sonho da Medusa se realizaria? Não ainda! O projeto fracassou novamente porque os executivos da gravadora queriam modificar substancialmente a essência de sua música, bem como de suas letras, porque consideravam pesadas, de cunho agressivo e pouco “comercial”. A Medusa, claro, não cedeu a esse assédio e, mais uma vez, a gravação do tão sonhado álbum não aconteceu e a gravadora deixou a banda na “geladeira”, congelando o contrato com a Medusa até o fim da gravadora depois. No entanto as músicas foram registradas na editora “Orfeón House” que até hoje detém os direitos das faixas.

“Medusa” entrega um volumoso e potente hard rock que pode, perfeitamente, ser considerado como um dos primórdios do hoje tão famoso e diria, saturado, stoner rock, com peso, guitarras lisérgicas, toques discretos de psicodelia e até mesmo um proto metal de muita qualidade e de fazer frente a muita banda oitentista da cena “New Wave of British Heavy Metal”.

O álbum começa com a faixa “Autodestruccion” que de imediato já traz aquele riff de guitarra sujo, arrastado, lembrando um indefectível doom metal, mas logo depois descamba para um proto metal, já com aquela também típica velocidade que notabilizou o estilo, com vocal gritado e alto. Segue com “Caminando Rumbo al Cementerio” introduz com riffs mais tipicamente setentista, ao estilo Sabbath, com uma pegada mais soturna, obscura e uma seção rítmica que corrobora tal condição. Vai ficando mais pesado, veloz, cadenciado e assim alterna. Nessa faixa a Medusa produz algo mais complexo em sua sonoridade.

"Autodestruccion" (Live)

“Crepusculo” começa introspectiva, mas logo entra o peso e a agressividade da bateria seguido por um baixo pulsante e intenso e solos lisérgicos de guitarra, mostrando um hard rock com pegadas psych que hoje conhecemos por stoner rock. Sim! Mais um atributo da Medusa mostrando sua referência sonora. “Despues de la Tristeza” começa flamejante com solos altos e poderosos de guitarra personificando o lado efetivo do hard rock típico setentista com um trabalho impecável, mais uma vez, da “cozinha” ditando o ritmo. Parece ser uma faixa ao vivo.

"Después de la Tristeza"

“Genes de Maldad”, que também parece ser ao vivo, traz, mais uma vez, o destaque na guitarra. Riffs de guitarra de um embrionário heavy metal faz dessa faixa, logo no início, vibrante, confirmando com bateria potente e rasgada, baixo pulsante e uma velocidade que entrega o “tempero” necessário aos apreciadores do heavy metal oitentista, por exemplo. Solos de tirar o fôlego confirmam o peso e traz ainda mais energia à faixa. “La Sombra de Nietzsche” dá mais uma contundente prova de que o proto metal pautou a música da Medusa em seu seminal álbum. A guitarra potente em seus riffs abre a faixa, trazendo à tona de um thrast metal envolto por notas de teclado que te remete a viagens mais contemplativas. É possível? Parece que com a Medusa sim! Heavy rock, proto thrash, prog rock. Essa faixa instrumental é um arrasa quarteirão!

"La Sombra de Nieztche"

“Medita Sinceridad” já começa com o pé na porta! Bateria marcada e pesada, riffs pegajosos e poderosos de guitarra, vocal rasgado e alto. O hard rock ganha força nessa faixa. Cadencia para uma pegada meio jazzy na bateria que logo irrompe em um solo avassalador de guitarra. “Momentos en la Vida” retorna ao som arrastado e pesado capitaneado pela guitarra em uma textura ao estilo doom metal. Sonoridade introspectiva e soturna faz é o tema central da melodia dessa música.

“Noche” começa a um delicado som de pássaros cantando e teclado meio sinfônico. Talvez um prenúncio de uma música progressiva, afinal a faixa conta com nada menos do que longos doze minutos de duração. Mas não necessariamente. O estrondo pesado do hard rock se manifesta com bateria pesada, baixo pulsante e guitarras lisérgicas. Mas o progressivo, com a sua maior característica, se revela, com várias mudanças de andamento, de ritmo, são perceptíveis na música. A textura do teclado traz uma pegada mais leve que característica a veia progressiva da música.

"Noche"

Segue com “Rompesuenos” que traz um “duelo” entre teclados e guitarra, que promove uma interação interessante entre peso e suavidade. Uma música mais diversificada. “Tan Solo lo Hagamos” volta ao proto doom pesado e arrastado. Baixo pesado, pulsante, bateria marcada, riffs sujos de guitarra. O típico peso do proto doom metal. E fecha com “Tratando de Olvidar” começa lenta, ao som de violões dedilhados acusticamente. A guitarra aos poucos aparece, a sonoridade ganha corpo, a balada rock se configura, mas o som continua acessível aos ouvidos.

"Tan Solo lo Hagamos"

Desde 1972, quando surgiu para a cena rock n’ roll mexicana, a Medusa dividiu o palco com a maioria das grandes bandas mexicanas que fizeram sucesso à época, que tinham destaque, com exceção em um período de grande hiato, de inatividade da banda que aconteceu entre 1984 e 1994, sendo que dois anos antes, em 1982, a Medusa deixou de ser um “power trio” tendo a entrada de Jaime Garcia, que tocava guitarra e teclado. Era uma nítida demonstração de que a Medusa queria modificar um pouco a sua sonoridade, o que culminou com o seu sumiço, em 1984. A banda estava desgastada.

Mas esse período, entre 1972 e 1984, a banda foi tocada nas rádios, fez várias apresentações em pequenos e grandes palcos, naqueles mais conhecidos aos mais simplórios, tocou em programas de TV mexicanas como “El Rock en la Cultura” e “La Hora Cero”, pelo famoso canal Televisa, além de inúmeras entrevistas para rádios e revistas especializadas como Pop, México Canta, Notitas Musicales, Dimensíon, Conecte, Banda Rockera e jornais como Excélsior, el Heraldo, el Universal e até el Alarma.

Medusa com Armando Nava e a banda Enigma (1977)

Em 1994 a Medusa finalmente se reúne novamente, a formação original, o velho “power trio’ estava na ativa novamente! Jaime Garcia não estava disponível para essa reunião até 1996, ano este que decidiu também retornar à banda, fazendo dela um quarteto. Mas aquele assédio que a Medusa tinha nos primórdios já não era o mesmo e a banda passou fazer shows de forma esporádica em alguns locais como Andy Bridges de Naucalpan, La librería El Sótano de Coyoacán, La Plaza central de Coyoacán, El Monumento a la Revolución, La Alameda Central y Masivos en Tlalnepantla, Valle de Chalco entre outros locais.

Mas faltava gravar, de forma oficial, seu primeiro álbum, o tão sonhado primeiro álbum que há décadas estava hibernando. E a gravadora não surgia, o contrato não surgia de jeito nenhum. Então decidiram refugiar-se no estúdio britânico de Jaime Garcia onde gravou algumas demos entre 1998 e 2000.

Victor Moreno e Frankie Bareno (2000)

Depois disso a Medusa continuou se apresentando, de forma esparsa. Mas tiveram bons momentos como a gravação de mais algumas músicas no estúdio de Carlos “Bozzo” Vásquez. E isso reacendeu a chama da banda. Bozzo também os ajudou a se apresentar nos programas de televisão mexicana, o que não faziam também um bom tempo. Se apresentaram no “Mi Vida es um Rock and Roll” que foi transmitida pelo canal 4 da Televisa, em 2006.

Infelizmente a Medusa teve uma baixa em sua formação. Antonio Urquiza sairia da banda e fez com que ela se tornasse um trio novamente, embora um de seus fundadores tenha saído da banda. Os problemas pareciam não cessar! Então a Medusa teria Victor Moreno na bateria, Javier Plascencia no baixo e Jaime Garcia na guitarra e continuaram a fazer alguns shows.

Medusa em 2008

A ideia era lançar o que tinham produzido nos estúdios de Jaime e as demos que gravou nos estúdios de Bozzo, mas não deu certo. Tudo indica, reza a lenda, que Bozzo era um golpista e permitia que as bandas gravassem em seus estúdios e depois virava as costas para a maioria delas e a Medusa não teria sido diferente, não concretizando o sonho dos experientes músicos de lançar oficialmente um álbum. Diante desse difícil cenário, em junho de 2015, a Medusa fez seu último show saindo definitivamente da cena rock mexicana.

Em 2018 foi lançado o CD, por uma gravadora não identificada ou de forma irregular (pirata) o álbum da Medusa, com as músicas do EP, de 1974, e das músicas gravadas quando a banda retornou às atividades nos estúdios de Jaime e de Bozzo Vásquez. Não se tem informações de tiragens ou quem esteve à frente deste lançamento. No CD não consta o nome do selo, mas há apenas a informação de que a tiragem teria sido limitada. Provavelmente se trata de um lançamento pirata.

Alguns dos membros da Medusa se dedicaram a outros projetos. Jaime Garcia se envolveu com o rock progressivo, tocando com bandas como “El Retorno de los Brujos”, Victor Moreno tocou guitarra em colaborações com diversos músicos como o próprio Bozzo Vásquez, Miguel “El Gallo” Esparza (Dug Dug’s) e Miguel Morales (Tinta Blanca). Já Javier Plascencia dedicou-se a composição de músicos e montou seu próprio estúdio de gravação.

As agruras, os obstáculos, as dificuldades, as inexperiências e a difícil capacidade da convivência fizeram do futuro comercial da Medusa bem aquém do que se esperava, mas, ainda assim, deixaram uma marca indelével na história, não apenas do rock mexicana, mas de toda a América Latina, das Américas, servindo de referência para a música pesada dos anos 1970 e até hoje para aqueles jovens músicos que desejam enveredar para esse caminho. A Medusa pavimentou um caminho para que hoje muitas bandas construíssem uma sonoridade que até hoje segue forte, mesmo sem apoio.




A banda:

Victor Moreno na bateria

Javier Plascencia Amoróz nos vocais e baixo

Luis Antonio Urquiza Zanella na guitarra

 

E mais tarde:

Jaime Garcia na guitarra e sintetizador


 

Faixas:

1 – Autodestruccíon

2 – Caminando Rumbo al Cementerio

3 – Crepusculo

4 – Despues de la Tristeza

5 – Genes de Maldad

6 – La Sombra de Nietzsche

7 – Medita Sinceridad

8 – Momentos em la Vida

9 – Noche

10 – Rompesuenos

11 – Tan Solo lo Hagamos

12 – Tratando de Olvidar


Download do álbum aqui!


"Medusa" (1973 - 2018)