Você costuma se incomodar com
aquelas bandas que não costumam classificar? E diante desse cenário costuma
rejeitá-las categoricamente? Me parece que essas perguntas, embora sejam
desafiadoras estruturar uma resposta, creio ser relevante para entender, mesmo
que de forma parcial, a indústria fonográfica e a sua política antiga e
conservadora que, sem dúvida, reflete o comportamento do mercado.
Parece ser cômodo e seguro da
nossa parte ter uma espécie de compreensão profunda da vertente sonora de
determinadas bandas para, a partir daí, criar um vínculo, uma identificação
partindo da premissa de suas predileções. Muitas bandas pereceram, ao longo dos
anos, por deixar apenas a sua criatividade ser a sua força motriz, o principal
condutor de suas músicas.
Os anos 1970 nos “brindou” com
uma infinidade de bandas que fracassaram por não ter sequência em sua história
na cena musical rock, porque nunca se permitiu estereotipar, se rotular, mesmo
lutando contra um mercado consumidor conservador e uma indústria com uma
política tão ortodoxa quanto.
Na Alemanha, por exemplo, não
faltaram bandas que precocemente saíram de cena, pagando um preço alto por
deixar que a criatividade seja a dona de seus caminhos sonoros e, sob o aspecto
comercial, fracassaram. Muitas sofreram por serem adicionadas no “saco” do
krautrock para atender às demandas mercadológicas e facilitarem os negócios das
gravadoras e muitas delas não praticaram o estilo em suas músicas.
E isso acabou construindo uma
ideia equivocada de que a Alemanha, sobretudo nos anos 1970, reduziu-se a
apenas o experimentalismo do kraut das transições da década de 1960 para os
anos 1970 e isso, convenhamos, não é verdade! A Alemanha muito ofereceu, em
termos de diversidade de som, nos anos 1970, principalmente.
E eu gostaria de apresentar
uma banda que lamentavelmente não teve muita chance de apresentar a sua música
e, como tantas outras, mesmo com persistência, não vingaram e pairaram no mais
soturno e sombrio campo do esquecimento do rock, tendo ainda a desconfiança e a
rejeição de tantos questionando as suas qualidades pelo simples fato de terem
seus propósitos fracassados. Mas como neste blog as bandas fracassadas e esquecidas
ganham protagonismo, essa é digna de apresentações: MINOTAURUS.
A banda foi formada na cidade
de Oberhausen, na área do Ruhr Ocidental, na Alemanha, começando sua trajetória
em meados dos anos de 1970. Como muitas bandas, a banda foi concebida por seis
jovens, quando decidiram se juntar para fazer música juntos. Era a Alemanha que
proliferava em bandas de rock nos mais diversos estilos e vertentes, então os
impetuosos jovens da época tinham como desejo ganhar fama e sucesso fazendo
shows e tocando sua música. Eles tinham dois guitarristas, Michael Helsberg
(nascido em 07/02/1957 em Oberhausen) e Ludger "Lucky" Hofstetter,
este último treinado em violão clássico e violoncelo. Ulli Poetschulat tocou
bateria, Dietmar Barzen os teclados. Também havia Bernd Maciej no baixo e Peter
Scheu nos vocais.
A maioria desses jovens
músicos foram autodidatas, não tinham grana para contratar professores de
música ou coisa que o valha e a base de muitos ensaios e persistência,
conseguiram fazer os seus primeiros shows. Nos primórdios o Minotaurus,
começaram a construir seu nome fornecendo acompanhamento ao vivo para o filme
do famoso diretor de cinema, Stanley Kubrick, em seu filme chamado “7117” no
Festival de Curtas-Metragens de Oberhausen (Filmothek).
E com isso os caras do
Minotaurus estavam, de forma gradual, ganhando fama local e, com isso
escrevendo, compondo cada vez mais músicas autorais. Material eles já tinham
agora faltava um contrato assinado para oficializar um lançamento de suas
músicas e mais uma etapa havia sido superada, pois entrou no circuito Hans-Werner
"Roller" Suedbrack, Uwe "Jacke" Ziemert e o falecido
Wolfgang "Jagger" Jäger, se tornando responsáveis pelo sistema de PA.
Bem agora o lançamento de um
álbum estava mais maduro, um novo trabalho estava por nascer e isso excitou os
jovens e promissores músicos. E em 1977 eles decidiram lançar esse álbum! A
gravação de seu primeiro trabalho ocorreu de 13 a 15 de janeiro de 1978, no
estúdio Langendreer Sound, de propriedade de Günter Henne, da banda Epidaurus,
e sob a direção do baterista da banda, Manfred Struck. O tecladista Dietmar
Barzen foi autorizado para usar o mellotron dos amigos do Epidaurus, porque os
meninos do Minotaurus não tinham dinheiro para ter um instrumento minimamente
bom para gravar as suas músicas. Os primeiros anos foram difíceis apesar de
gozarem de alguma fama.
E assim foi lançado, em 1978,
“Fly Away”, lançado de forma independente, com uma prensagem pequena, com cerca
de apenas 1.000 cópias, fabicadas em Pallas, em Diepholz, originalmente sem
tampa. Os caras do Minotaurus optaram por distribuírem muitas cópias entre
amigos, antes de conceberem uma capa, uma arte da capa. Quando o projeto da
capa foi concluído, eles pensaram que encomendar 600 cópias seria o suficiente
para divulgar a música da banda seria o suficiente, mas ainda assim, um número
muito incipiente.
A capa escolhida mostrava um
Minotauro, o lendário se com cabeça de touro da antiga Creta Minóica. Essas 600
cópias foram todas vendidas e a banda descobriu que ainda tinha cerca de 200
LP’s sem capas guardadas! Era a chance de aproveitar as boas vendas de “Fly
Away” e vender essas cópias restantes. Então Ulli Poetschulat mandou imprimir
mais 200 capas, desta vez com uma nova obra de arte mostrando um avião
desenhado por Heike Zywitzki.
Já que eu comecei esse texto falando de diversidade sonora e bandas e álbuns que pouco se permitiram rotular, nada mais prudente do que fazer uma breve descrição da multiplicidade sonora de “Fly Away”, o debut do Minotaurus. Este álbum traz na sua base sonora um progressivo sinfônico calcado no peso do hard rock, pois entrega uma sonoridade solar, vívida e cheia de energia, revelando ainda texturas de space rock, algum experimentalismo, reminiscências do krautrock dos anos 1960, com uma pegada, em alguns momentos de blues e até jazz fusion.
A banda, que lançou um álbum
um tanto quanto descolado do seu tempo, em 1978, com o punk em evidência e a
música “disco”, bebeu das fontes sonoras do início dos anos 1970 quando o
progressivo e o hard rock fora prolífico. A variedade de tons sonoros faz com
que “Fly Away” se torne um álbum agradável, fazendo dele um álbum imprevisível
e extremamente versátil, mostrando que aqueles jovens músicos autodidatas
fizeram um bom trabalho graças a sua dedicação nos ensaios e nos trabalhos
composicionais.
Um álbum forte nos
instrumentais, com guitarras ricas em notas, teclados, órgãos e mellotrons
solares e enérgicos e vocais teatrais fez desse álbum, a meu ver, especial e
que muita gente considera como uma influência evidente do medalhão Genesis. Bem
se é eu não poderia dizer com tamanha propriedade, mas o fato é que um álbum
desse naipe sendo lançado em pleno 1978 é, no mínimo arrojado pelos audaciosos
músicos do Minotaurus.
O álbum é inaugurado pela
faixa “7117” que, como disse foi composta para acompanhar a exibição do filme
de Stanley Kubrick com o mesmo nome, por volta de 1976, se mostra muito
dinâmica e ao mesmo tempo apresenta algumas passagens bonitas e melódicas, destaque
para os solos de guitarra e de mellotron. Tudo isso envoltos em uma entrega
vocal ao estilo psicodélico espacial. Essas passagens mais explosivas são
compensadas com passagens mais pastorais e acústicas. Um trabalho inaugural
excelente!
Segue com “Your Dream” que
também é muito bem executada, com passagens suaves e até líricas, com destaques
das guitarras, com solos e riffs maravilhosos, teclados enérgicos, tudo isso
sobre uma cama de mellotron, embora a característica principal seja do teclado
e de linhas de guitarras mais bem trabalhadas.
“Lonely Seas” começa de
maneira sútil, percussão tilitante, violão levemente dedilhado, tocado de forma
acústica e vocais sombrios e quase frágeis ou melancólicos, que faz da faixa
mais dramática. Mas logo isso dá lugar a teclados triturantes e enérgicos e
guitarra cortante e distorcida que cria certa tensão que a impressão que nos
passa é de que vai explodir. E quando isso acontece tem solos mais melódicos e
notas complexas.
“Highway” surge com uma pegada
mais psicodélica, lembrando e muito um psych rock norte americano, algo como se
fosse lançado nos anos 1960, trazendo uma lisergia principalmente nos riffs de
guitarra fazendo da música até algo mais dançante. Mas a épica estava por vir,
a excelente faixa título, “Fly Away”, no auge dos seus quase treze minutos de
duração, trazendo um excelente progressivo sinfônico, com uma excepcional seção
rítmica que entrega muitas mudanças de andamento, mostrando os músicos muita
destreza em seus instrumentos. Não podemos negligenciar um mellotron enérgico
que proporciona um clima nostálgico e solar. A guitarra e gigante e poderosa.
"The Day The Earth Will
Die" fecha o álbum de uma forma muito cativante e dinâmica, estando mais
próximas de um blues rock típico dos meados dos anos 1960 com uma textura mais
psicodélica, com explosões de guitarras abrasadoras e distorcidas que se
alternam com vocais mais potentes e virtuosos fazendo dessa faixa solar e
otimista. São os anos 1960 mesclados ao som mais pesado e direto dos anos 1970.
A faixa fecha com um número mais experimental trazendo um pouco à tona o kraut
sessentista.
A faixa bônus é "Sunflower", que é uma música cintilante, robusta e de uma veia funky que foge um pouco a proposta do álbum, mas ele é diverso, então está tudo dentro da normalidade. Goza de uma guitarra jazzy blues solando belamente, tudo capitaneado por uma batida funky.
No mesmo ano do lançamento de
“Fly Away” já surgiu um problema para o Minotaurus. O guitarrista Micky
Helsberg foi o primeiro a deixar a banda e no ano seguinte, em 1979, de forma
precoce, o Minotaurus finalizaria as suas atividades com cerca de 100 shows em
seu currículo. De fato, um final lamentável e melancólico. Reza a lenda também
que um dos motivos para o fim da banda foram as questões de negócios mau
geridos.
No passar dos anos as pessoas
perceberam o quão bom “Fly Away” era, até porque as suas poucas prensagens
foram todas vendidas, fazendo deste trabalho muito requisitado, tanto que são
pagos cerca de três dígitos pelo vinil original. Então teve uma reedição, no
formato CD, em 1992, por um selo de nome Lost Pipedreams.
A realidade era que Jürgen
Reinke havia vendido a essa gravadora os direitos dessas músicas sem realmente possuí-los
e sem consultar os músicos do Minotaurus e como as faixas usadas para gravar
esse álbum não eram oriundas das fitas master a qualidade da gravação estava
aquém do que se esperava de um álbum tão grandioso.
Mas em 2002 o valoroso selo
alemão Garden of Delights conseguiu localizar o baterista Ulli Poetschulat, que
colocou suas fitas master à disposição do selo para que estes fizessem o
lançamento. Este CD contou também com uma faixa bônus de nome “Sunflowers” que
fora gravada em estúdio e que, na versão original, não entrou no vinil.
Há a informação de que o
baterista do Minotaurus estaria de posse de algumas fitas para um segundo
lançamento, com músicas inéditas, porém até os dias de hoje esse novo segundo
álbum não foi lançado oficialmente. O que nos resta é aguardar que esse trabalho
ganhe a luz do dia.
Em 1997 Micky Helsberg e sua
banda M.I.D. (Manner in Dosen) onde lançaram um CD, também produzido e lançado
de forma independente, chamado "Kopfschmerzen" ("Dor de
cabeça"). Ele ainda mora em Oberhausen, assim como Hans-Werner Suedbrack. Ulli
Poetschulat mudou-se para a antiga Alemanha Oriental e por lá trabalhou, por
muito tempo, como organizador de shows, já os demais integrantes do Minotaurus
nunca foram localizados e pouco se sabe dos seus paradeiros.
“Fly Away” trouxe, no final
dos anos 1970, todas as marcas registradas de toda uma década, com as bases
fundadas no rock progressivo sinfônico com o viés mais pesado, do hard rock.
Guitarras pesadas, distorcidas, lisérgicas, melódicas e intricadas, com linhas
de moog e sintetizadores de tirar o fôlego. Assim foi o único trabalho do
Minotaurus que, lançados de forma praticamente artesanal, merecia um futuro
mais justo, do tamanho da qualidade de seu excelente álbum. Um clássico
obscuro!
A banda:
Peter Scheu nos vocais
Dietmar Barzen no órgão, mellotron,
sintetizadores e clavinete
Ludger "Lucky"
Hofstetter nas guitarras
Michael "Micky"
Helsberg nas guitarras
Bernd Maciej no baixo
Ulli Poetschulat na bateria
Com:
Uwe "Jacke" Ziemert
Hans-Werner "Roller"
Suedbrack
Wolfgang "Jagger"
Jager
Faixas:
1 - 7117 (Musik Zum
Gleichnamigen Film)
2 - Your Dream
3 - Lonely Seas
4 - Highway
5 - Fly Away
6 - The Day The Earth Will Die
Bonus:
7 - Sunflowers