quinta-feira, 12 de junho de 2025

Hair - Piece (1970)

 

A transição das décadas de 1960 e 1970 para o rock n’ roll foi extremamente importante, porque tínhamos, lá pelo ano de 1967, 1968 e 1969, o ápice do rock psicodélico e o surgimento de algumas bandas que tinham o desejo de trazer uma música mais crua, pesada e agressiva, fugindo do experimentalismo e do “beat” da psicodelia.

E quando os anos 1970 foram descortinados o hard rock estava florescendo, juntamente com a versão, digamos, mais sofisticada do psicodelismo, que era o prog rock. Eram períodos embrionários, de tendências sonoras e fim de outras cenas e muitas bandas flertavam com muitas sonoridades. Estereótipos à parte muitos álbuns que surgiram no final da década de 1960 e início dos anos 1970, mesclavam o rock psych com o hard e o prog.

Eram épocas que não se podia pontuar um álbum como majoritariamente de hard, prog ou psych, as bandas estavam delineando seu som, definindo sua sonoridade, aparando as suas arestas sonoras e se permitiam, apenas, à liberdade criativa, sem se preocupar tanto com os rótulos.

Caro leitor, avaliem, percebam ao ouvir álbuns inaugurais de grandes e famosas bandas, por exemplo, principalmente aquelas que gravaram seus primeiros álbuns nessa transição das décadas e verão que são trabalhos distintos uns dos outros ou verão ainda que essas vertentes sonoras estavam presentes em um só álbum!

E a banda que eu falarei hoje, com o seu único álbum lançado, exatamente no fim de uma década, a de 1960 e o início da outra, a década de 1970, no ano de 1970, trouxe, em seu trabalho, nuances bem definidas de hard rock, de peso, de lisergia, de psicodelia e de rock progressivo. Falo da dinamarquesa HAIR.

A banda foi formada na cidade de Copenhague, capital da Dinamarca, no auge do rock psicodélico, 1967, mas sob o nome de “Second Review”. Naquela época era um “power trio”, inspirando-se na mais famosa banda de power trio” de todos os tempos, o Cream, e tinha, em sua formação Benny Dyhr, na guitarra e vocal, Allan Sorensen, no baixo e vocal e Peter Valentin Rolnes, na bateria e vocal. Esses músicos, todos muito jovens, na faixa dos 20 anos de idade, fizeram vários shows por Copenhague e na Nova Zelândia. Foi nessa época também que eles se juntariam ao crítico musical e letrista Torben Bille.

O Second Review tocava primordialmente uma espécie de “beat progressivo”, aquela música dançante e chapante com viagens psicodélicas e progressivas, com muito experimentalismo. Era basicamente o que se ouvia à época. A banda, por mesmo sendo dinamarquesa, se inspirava na cena psicodélica norte-americana, com nuances britânicas.

Porém mudaria a sua sonoridade quando Paddy Gythfeldt, vocalista, tecladista e vocalista, entrou para a banda, tornando-se um quarteto. Mudaria também o nome da banda, passando a se chamar “Hair”. Como o “antigo” Second Review a cena vigente na Dinamarca sofreram influências do rock psicodélico dos Estados Unidos e da Inglaterra, mas com a nova concepção sonora do agora Hair, a banda passou a destoar da cena local praticando um som mais calcado no hard rock e na sofisticação do rock progressivo que nascia para o mundo lá pelo ano de 1970, aproximadamente.

Hair em 1969

E com uma nova formação, um novo nome e uma nova sonoridade, a banda partiu para o estúdio (não demorou muito) para gravar seu debut. Este foi concebido, foi gravado no “Wifos Studio”, entre abril e junho de 1970, com o nome de “Piece”. A produção de “Piece” teve, a contrário da época do Second Review, um trabalho mais ostensivo de marketing, com muitos shows e uma cobertura grande da imprensa musical e foi lançado, como disse, em 1970, pelo selo Parlophone Records.


O álbum, com isso atingiria o status da produção de rock dinamarquesa mais cara até então. Estava ganhando visibilidade. Para se ter uma noção do tamanho que a banda estava atingindo, vieram, após o lançamento de “Piece”, mais quatro singles, um dos quais, “Happy Child”, chegaria ao sétimo lugar das paradas dinamarquesas!

"Happy Child"


E falando de “Piece”, traz um excelente heavy rock com pitadas generosas de rock psych, típico da virada da década de 1960 e 1970, com toques perceptíveis de rock progressivo em algumas faixas de seu álbum, com viradas de andamento rítmico de tirar o folego, com peso na bateria, com batidas marcadas e pesadas, riffs pesados e grudentos de guitarra, em alguns momentos bem lisérgicos e em uma salutar disputa com o órgão Hammond, com destaque também para os vocais de Paddy Gythfeldt e tudo cantando na língua inglesa. Não sou um entusiasta de comparações, mas remete ao Blue Cheer, ao Iron Butterfly, Cream, entre outras bandas que aspiravam à música pesada já no fim dos anos 1960.

O álbum é inaugurado pela faixa “Coming Through” e já se apresenta animada, com riffs de guitarra mais dançantes, ao estilo soul music, que logo dá lugar a um órgão mais austero e bateria com batida cadenciada. Porém o hard rock, na metade da faixa, ganha destaque com a bateria em outra levada, mais pesada, agressiva, com os teclados ainda ditando o ritmo.

"Coming Through"

“Supermouth” entrega a pegada hard logo no início. Batida forte da bateria, riffs pesados e pegajosos de guitarra. Baixo pulsante. Não podemos negligenciar o trabalho da cozinha, da seção rítmica desta faixa excepcional. Os teclados são animados, cheios de energia.

"Supermouth"

“Dream Song” começa com dedilhados de violão, uma atmosfera acústica, diria pastoral, mas logo irrompe em riffs pesados de guitarra e retorna com a sonoridade mais suave e viajante, agora com solos, embora curtos, mas bonitos de guitarra. Nessa faixa as mudanças de andamento rítmicos ditam as regras. A pegada hard e prog se fazem presentes, além de pitadas psicodélicas. É um som encorpado, orgânico e sofisticado. Sem dúvida uma das melhores músicas do álbum.

"Dream Song"

“Everything's Under Control” começa como um trovão, uma hecatombe de riffs pesados e lisérgicos de guitarra, com bateria dura, pesada e marcada. O vocal no megafone me remete às músicas do rock dos anos 1960, porém com uma pegada mais incisiva e agressiva. Mas não deixa de ter uma pegada pop, um hard rock um pouco mais cadenciado.

"Everything's Under Control"

“Pleasant Street” mostra vocais à capela e dedilhados doces de piano iniciam a música, mas por pouco tempo, porque ela logo explode com uma bateria pesada e rápida que a deixa rude e agressiva, corroborando com riffs de guitarra. Mas o destaque realmente centraliza na batida, quase que contínua, pesada da bateria.

"Pleasant Street"

E fecha, com chave de ouro, com “Piece (Of My Heart)”, que já entrega, na sua introdução um solo direto, mas bem elaborado de guitarra com uma camada de teclados que traz uma pegada psicodélica. A realidade é que eles rivalizam salutarmente entregando um hard psych na medida, na dosagem perfeita. Uma vibe ao estilo Jefferson Airplane. Solos de guitarra, ao longo da faixa, são ouvidos com mais destreza e emoção e, com isso, a música vai assumindo contornos de hard rock. Essa música foi popularizada por Janis Joplin.

"Piece (Of My Heart)"

A banda, após o lançamento de “Piece”, não teve uma longa vida. Chegou a gravar mais singles, cerca de quatro músicas, como disse, mas se desfez em 1971. O tempo de vida muito curto e precoce, lamentavelmente, levando-se em consideração o talento de seus músicos, com uma sonoridade muito espirituosa, bem executada. Eram promissores e ficaram apenas em um único álbum. Eles chegaram a se reunir novamente para gravar as seções do segundo álbum, mas se separariam, em seguida.

Em 1972, o baixista Allan Sorensen e o baterista Peter Valentim se juntariam novamente para formar a banda RiverHorse. A título de curiosidade a origem e a inspiração para o nome da nova banda partiu de uma piada infantil dinamarquesa, que é: “O cavalo do rio tem algo ruim, então não entre”. Peter, que era baterista no Hair, queria mudar para o baixo no RiverHorse e Allan, que tocava baixo, migrou para a guitarra, como começou na sua carreira.

A banda foi muito ativa, entre 1972 e 1976, gravando cerca de 100 músicas, mas tiveram dificuldades para emplacar ofertas de gravadoras dinamarquesas, que optavam por bandas que cantassem no idioma local e em 1976 o RiverHorse sairia de cena. Mas voltaria em 1981 e desde então está na ativa até os dias atuais, produzindo álbuns, fazendo shows pela Dinamarca.

Riverhorse em 1990 e 2001

Em 2004 o selo Walhalla Records faria o primeiro relançamento, no formato CD, de “Piece”, trazendo os singles que foram lançados após o lançamento deste álbum. Teria também um relançamento, também em CD, pelo selo Frost Records, licenciado pela EMI-Medley Records. Há um livreto de 16 páginas escrito pelo crítico de rock dinamarquês Torben Bille, contando a história da banda e da época. Há, porém, um relançamento mais recente, de 2019, pela gravadora Mayfair, que vem com um LP bônus de 25 minutos de seus singles.




A banda:

Paddy Gythfeldt no Órgão, Guitarra, Vocal Principal

Benny Dyhr na Guitarra, vocal

Allan Sorensen no Baixo, vocal

Peter Valentin Rolnes na Bateria, Percussão, vocal

 

Faixas:

1 - Coming Through

2 - Supermouth

3 - Dream Song

4 - Everything's Under Control

5 - Pleasant Street

6 - Piece (Of My Heart) 




"Piece" (1970)













 






























sexta-feira, 30 de maio de 2025

Eugene Carnan - Eugene Carnan (1972 - 2011)

 

Setembro de 1971, Reino Unido. A famosa revista britânica “Melody Maker” decidiu realizar uma competição de bandas novas e que contemplava todo o Reino Unido. Uma chance em tanto para jovens músicos e suas bandas que queriam um lugar ao sol no mercado da música. O nome da competição: “Best New Band” que, em tradução literal para o português significa “Melhor Nova Banda”.

A busca foi corrida e concorrida para as diversas novas bandas de todo o Reino Unido. A competição aconteceu em locais regionais e a disputa no País de Gales foi realizado em um clube em Caerphilly, uma cidade famosa por seu antigo castelo medieval, seu queijo e mais tarde seria o lar dos Maniac Street Preachers.

Mas não é do Maniac Street Preachers que eu gostaria de falar, mas sim de uma banda obscura, rara, que participou da competição e que representaria o País de Gales. Falo do EUGENE CARNAN. Será que a Eugene Carnan iria ganhar o festival? Será que ele seria determinante para a história da banda que estava apenas começando? Veremos!

Cada banda convidada tocou três músicas na competição. O Eugene Carnan decidiu, de forma ousada, executar suas próprias composições! Que coragem dos jovens músicos, afinal, para festivais desse tipo, que eram comuns na Europa, muita banda, para não correr riscos e ganhar a aceitação do público e dos julgadores, decidiam tocas covers, de preferência de bandas famosas.

Tocaram “I Found Out”, “Blues Thing” e Mountain”. Eles já tinham algum material composto, embora não tenha lançado, de forma oficial, nenhum álbum antes da competição. Quem sabe com a vitória na competição eles conseguissem audiência o suficiente para fechar um contrato com alguma gravadora.

Quando optaram por essas músicas tinham a intenção de equilibrar o ritmo e a sensação para tentar capturar a essência de um show ao vivo da banda em um intervalo curto de 12 minutos que tinham para se apresentar. Um desafio e tanto mostrar todo o vigor e a verdade da banda em um curto tempo de apresentação. Eles inclusive escreveram “Blues Thing” especialmente para a competição, pois queriam apresentar uma música mais lenta e mostrar ao público e aos julgadores que a banda poderia mostrar um set diversificado, com músicas pesadas e mais lentas.

Quando os resultados foram anunciados o Eugene Carnan não conseguiu a vitória. Evidentemente os jovens músicos, cheios de entusiasmo e confiança, ficaram completamente desapontados, frustrados, o que é natural, mas estavam muito confiantes com um desfecho diferente e muito mais animador no futuro.

Quando a banda estava se preparando para ir embora do local do triste anúncio de sua derrota, já estava fazendo as malas repletas de desilusão, foram abordados por um cara que se apresentou como Wayne Williams que disse que tinha um pequeno estúdio de gravação e que estava interessado em gravar as músicas do Eugene Carnan.

A oferta de Wayne era gravar uma “demo” da banda de graça, sem custos para a banda, dizendo ainda que tentaria fazer com que algumas gravadoras se interessassem em gravar o tão desejado debut da banda. E se ele conseguisse poderiam discutir termos contratuais e talvez até empresariá-los.

A oferta gerou certo ceticismo e cautela por parte do Eugene Carnan, porque o cenário é sempre desfavorável quando há essas promessas de apoio a bandas novas. Os músicos temiam que pudessem ser roubados, ter a sua arte, a sua música ser roubada por algum empresário ou dono de estúdio desonesto. Mesmo jovens tinham a percepção dessa possibilidade e decidiram agir com o máximo de cautela.

O que fez a banda mudar de ideia foi que Wayne mencionou que era apoiado por um cara chamado Major Arthur Kenny. Para a maioria da banda esse nome não significava absolutamente nada, mas para o baterista do Eugene Carnan, Mike Evans, significava e muito. O Major Kenny era o diretor musical da “The Cory Band”, uma das principais bandas de metais do Reino Unido, com sede em Rhondda.

Seu pai havia tocado corneta na “Cory Band” por muitos anos e até mesmo Mike Evans tocou várias sessões com a banda que seu pai fazia parte, sendo, inclusive, membro da banda júnior de Cory. Por causa dessa conexão, o Eugene Carnan decidiu seguir com a proposta de Wayne. No entanto, meses depois Wayne entrou em contato coma banda e eles foram para seu estúdio em Risca, Monmouth, para iniciar os trabalhos de gravação de suas músicas.

O mês de março de 1972 foi um dos mais movimentados de todos os tempos da jovem banda, porque, além das poucas semanas, dos poucos dias, na realidade, que tinham para gravar teve de ser conciliada com alguns shows que estavam agendados. Tiveram apresentações em Teorchy e em Crumlin e o estúdio de Wayne ficava em uma garagem autônoma convertidas em um canto e o resto do espaço era a área de gravação. E o estúdio improvisado ficava distante de todos os lugares em que a banda estava fazendo shows. Imaginem a dificuldade de conciliar tudo isso!

As paredes do estúdio eram cobertas com caixas de ovos de papelão, uma forma popular e mais barata de isolamento acústico, do tipo “faça você mesmo”. Tudo era improvisado, tudo era difícil, tudo era barato, mas a expectativa de que veriam uma luz no fim do túnel com o sucesso era grande. Estavam entusiasmados, o resultado do esforço seria recompensado. O equipamento de gravação de Wayne consistia em um simples gravador Sony Stereo de duas pistas e um pequeno “mixer”.

A banda era formada por Mike Evans, na bateria, Adrian Llewellyn na guitarra e vocais e Michael Williams no baixo. Um “power trio”, como tantos outros, famosos, que já existiam no início dos anos 1970 e que esses jovens músicos queriam seguir como referência para os seus propósitos de sucesso, de um lugar ao sol no tão concorrido universo do rock naqueles longínquos anos 1970.

Mas voltando a realidade atual, a banda montou seus instrumentos no simplório estúdio de Wayne e tinham dois microfones para gravar as guitarras, um para cada amplificador e havia 3 microfones para a bateria, para o bumbo, caixa e um microfone suspenso. Simples desse jeito! E dessa simplicidade que o Eugene Carnan tocou as suas faixas ao vivo, exatamente como faziam nos shows.

E com esse aparato, essa estrutura não poderia haver edição de pós-produção ou efeitos adicionados posteriormente. Então o que você, estimado leitor, ouvirá no primeiro trabalho do Eugene Carnan, de 1972, é o que realmente tocaram e soaram naquele estúdio e nos shows que realizaram naquela época. É o que há de mais genuíno que a banda, mesmo com os entraves estruturais, poderia produzir. Então seria, digamos, o “charme” dessa produção.

Todos os erros, todos os defeitos, para os ouvidos mais exigentes e apaixonados pela música, podem ser percebidos na gravação das faixas: ecos nos vocais, ruídos, tudo está lá! Mas o que importa, quando se tem um álbum pesado, calcado no hard rock e blues, que o primeiro e único trabalho do Eugene Carnan pode proporcionar?

A banda gravou oito faixas durante dois dias, porém foram incluídas no álbum sete músicas. A faixa que faltava se chamava “Camburoo”, uma música com uma batida de bateria do tipo africano inspirada no Osibisa, uma banda que eles gostavam na época. O nome era uma piada inventada, soando para a banda, parte galês (Cambriano) e parte África (Uroo veio do tenente Uhura em Star Trek).

Depois que eles fizeram as gravações, muita coisa aconteceu ao mesmo tempo. Wayne teve uma briga séria com o Major Kenny e disse que estava fazendo as malas no estúdio, estavam indo embora. A banda ficou temerosa, afinal o que seriam deles depois dessa briga? Mas Wayne se ofereceu a dar para os músicos as fitas com as gravações das músicas. E ainda teve o problema com o baixista Mickey Williams que estava desiludido e desestimulados e decidiu sair da banda.

Em junho de 1972 o baterista Evans se encontrou com Wayne e este último deu o rolo de fita que ele disse que tinha todas as faixas, as oito faixas. Infelizmente a faixa “Camburoo” não estava entre as demais. Quando Stevens entrou em contato com Wayne ele disse que estava em outro rolo de fita, mas ele pensou que tinha gravado sobre ela, então a banda nunca chegou a ouvir “Camburoo”.

O álbum é inaugurado pela faixa “Confusion” que já começa suja e perigosas, com riffs sujos e potentes de guitarra e uma curiosa pegada jazzística levada na bateria, mas que logo irrompe em um volumoso e potente hard rock tipicamente dos anos 1970, mas sempre com aquele tempero improvável do jazz, que me remete ao Black Sabbath em seus primórdios. E assim se segue, depois entram solos de guitarra, baixo pulsante, bateria pesada, tudo envolto em uma massa densa e pesada.

"Confusion"

Segue com “I Found Out” que me remete, logo em seu início, com o psicodelismo dos anos sessenta, com aquele “beat” dançante, marcado por riffs de guitarra e vocais mais animados. E assim é conduzida, trazendo “surtos” de rock com solos bem dedilhados, ao estilo Robby Krieger, do The Doors. “People In the City” traz de volta o petardo sonoro do hard rock. Riffs pesados e grudentos de guitarra são ouvidos e um vocal potente e gritado também, para dar o tempero a sonoridade suja e pesada que se segue até o final. Bateria pesada e marcada é ouvida e o baixo pulsa como um batimento cardíaco em êxtase. Poderosa!

"I Found Out"

“Black As Night” começa com um riff de guitarra instigante e que me remete a um heavy rock, a um heavy metal de vanguarda, um proto punk, mas mesmo com todo o peso perceptível, segue arrastada, suja, ameaçadora aos ouvidos mais delicados. Solos de guitarra trazem sofisticação, mas são curtos e, ainda assim corroboram o seu peso, o peso da música.

"Black As Night"

“Blues Thing” é o contraponto, o que traz a antítese do que, até então se ouvia no álbum. Bem tocada, o momento em que os músicos se revelam extremamente competentes. Uma balada calcada no choro da guitarra, no blues rock, com intervalos mais rápidos de peso, para não perder o costume. Mas é aqui que uma das referências do Eugene Carnan aparece: Cream. Um blues rock mergulhado em lisergia.

"Blues Thing"

“On Your Mind” retoma o trilho do trem louco do Eugene Carnan, um peso ao estilo Sabbath de ser. Um proto doom que traz peso e momento sonoro arrastado e sujo, com vocal rouco, gritado e pouco límpido, muito pelo contrário. Solos de guitarra e bateria pesada e marcada vem com a parte mais “técnica” da música, fazendo dela bem diversificada e atemporal.

"On Your Mind"

E fecha com “Mountain” que traz de volta, pelo menos no seu início, aquele clima meio “beat” na música. Puro engano! Ela explode em um hard rock e proto metal em uma bateria arrogante e pesada, com riffs grudentos e sujos, além de um vocal gritado a plenos pulmões. Aquele riff de baixo “a galope” é nítido e faz com que a música remeta aos primórdios do heavy rock e heavy metal. É ousada e fascinante!

"Mountain"

Quando a banda se desmantelou, logo após a briga entre Wayne e Major Kenny e a saída do baixista Williams, Mike Evans decidiu que a banda deveria pelo menos fazer algumas gravações para as suas próprias coleções e ter as músicas disponíveis para caso algum novo baixista aparecesse e ele aprender a tocar as referidas músicas. Eles ainda nutriam uma esperança de retomar a vida da banda, mesmo com todos esses golpes pesados.

E com isso em mente, em 28 de julho de 1972, Evans foi para Londres, sozinho no trem, e levou para as fitas para o J. Eden Studio, em Kingston-Upon-Thames, que ofereceu um “serviço de fita” para o disco. Mike os descobriu por intermédio de um anúncio nas últimas páginas da revista “Melody Maker”.

No estúdio, eles cortaram quatro cópias das sete faixas direto para o LP. O processo foi, obviamente, analógico e ao vivo, onde tocaram a fita e uma caneta cortou as ranhuras do plástico. Eles fizeram isso quatro vezes para obter os quatro discos parando para virar o disco na metade da duplicação, então acabaram com quatro faixas de um lado e três do outro. Convém uma curiosidade sobre a capa do álbum: o castelo foi para homenagear o famoso castelo da cidade natal dos músicos.

Então Mike Evans voltou para Rhondda com exatamente quatro cópias, gravados com o selo “Emidisc”, isso mesmo, caros leitores, quatro cópias. Deu um para cada um da banda e o outro para um de seus roadies. Mais tarde Evans conseguiu fazer algumas cópias para amigos mais próximas e, vários anos depois, emprestou a fita original para Colin Benjamin, seu cunhado à época.

E assim foi divulgado o trabalho de Eugene Carnan! Esses muitos anos depois demoraram quarenta longos anos até o único álbum, gravado em 1972, do Eugene Carnan, ter uma discreta repercussão. Atualmente o som da banda ganhou alguma visibilidade graças aos abnegados espalhados pelas redes sociais e internet que difundem o som obscuro desses músicos promissores que não viram a luz no fim do túnel e não obtiveram o tão esperado sucesso, mas a ousadia e vanguardismo de sua sonoridade explodem aos nossos ouvidos. Em 2011, quase quarenta anos depois, como disse, o álbum foi relançado pelo selo Shadoks Music, no formato LP e CD.





A banda:

Adrian Llewellyn na guitarra e vocal

Michael Williams no baixo

Mike Evans na bateria

 

Faixas:

1 - Confusion

2 - I Found Out

3 - People In the City

4 - Black As Night

5 - Blues Thing

6 - On Your Mind

7 - Mountain 



"Eugene Carnan" (1972 - 2011)



 

















 








sexta-feira, 23 de maio de 2025

Hellmet - Judgement Day (1970 - 2021)

 

Os escombros entregam destruição, medo e temor, mas dele pode emergir algo surpreendente e não falo apenas no sentido literal da palavra, mas carregado de alguns simbolismos cheio de vida, latente como o rock n’ roll. Não entendam, caros e estimados leitores, que o que está, desolado, entre o caos seja algo descartável. Não!

O que é fracasso no passado, pode ser redenção ou revelação no futuro e o presente tem corroborado tudo isso, principalmente para aqueles que se predispõe a ver ou melhor, a ouvir.

O fenômeno das redes sociais e da internet trazem, com sua incomum velocidade, à tona certos petardos que, quando ouvimos, costumamos nos inquirir: Como que isso não fez sucesso? Como isso não atingiu o ápice comercial? Sonoridades rebuscadas, arrojadas, poderosas, despretensiosas...Independente dos adjetivos, nos suscita o arrebatamento.

O frenesi, o sentimento de que faltava isso em nossos arquivos mentais e sentimentais, nos coloca em um patamar de total extasse, a atingir orgasmos sonoros a ponto de criarmos, dentro de nossa alma, uma revolução!

E esse reles e simplório blog tem trazido isso ao meu coração, primeira e primordialmente. É um sentimento, embora aterrador, é arrebatador. Aterrador porque sabemos que não teremos vida para ouvir tantas obscuridades que precisam ser descobertas, mas arrebatador, pelo simples fato de que sempre terá algo que irá positivamente nos surpreender. Pode parecer dúbio, mas é isso que sinto.

E creio que, por menos que seja, o blog desperta isso em quem o lê, pelos menos aos interessados e abnegados pelo caminho revelador da descoberta das sombras que pairam cantos mais distantes e inexplorados do universo do rock. A sorte é que o universo está em expansão.

E o “big bang” de hoje veio como uma explosão. Falo da banda HELLMET. A banda, oriunda da Inglaterra, mais precisamente de uma cidade chamada Brighton, East Sussex, como tantas outras, não gozam de muita informação disponível para discorrer um longo e vasto texto, mas que tem o suficiente para contar essa história, difundindo seu som para o máximo de ouvidos e corações ávidos por ‘velhas novidades”.

O Hellmet nasceu em algum momento entre os anos de 1969 e 1970 e os seus membros vieram da fusão de bandas como Leviathan, The Motion, Samuel Prodi, Elegy etc. É composto pelos seguintes músicos: Terry Aitken, ex- Elegy, no vocal, Stephen Day, ex Samuel Prodi, na guitarra, Ray Mellors, no baixo e Gary Murphy na bateria.

A banda gravaria, em 1970, seu primeiro álbum, chamado “Judgement Day”, porém não foi oficialmente lançado naquele ano, outro caso notório entre tantas bandas daquela época que trafegaram na obscuridade, no underground londrino. Porém o Hellmet, ao gravar este álbum e até mesmo um pouco antes de gravara suas primeiras músicas teve, embora curta, uma lucrativa existência, onde chegou a tocar em um cenário louvável à época, graças ao jornalista John Tobler, em casas de shows conhecidas, como o “Marquee Club”.

Inclusive tudo isso levou a banda a uma série crescente de gravações, com os próprios músicos do Hellmet financiando a produção de “Judgement Day” no “Orange Studios”. E assim nasceu “Judgement Day”!  O único trabalho da banda é calcado, primordialmente, no hard rock, em uma sonoridade pesada, crua, dura, despretensiosa, mas traz também texturas de blues rock e até mesmo temperos progressivos, em alguns momentos.

A guitarra é explosiva e tem um tom duro e pesado, com um efeito fuzz que entrega uma lisergia psicodélica, ácida, com baixo e bateria pesados, uma seção rítmica bem azeitada, entrosada, mostrando força e peso, corroborando a lisergia pesada dos riffs e solos de guitarra. Os vocais são nítidos e bons que vai da limpidez até o estilo gritado. No geral o som, como um todo, se mostra áspero, intenso, pesado, mas também traz reminiscências do rock psicodélico.

O álbum é inaugurado com a faixa “Hazy Shady Lady” que mostra, de imediato, o peso, o riff de guitarra sujo e pesado, arrastado, mas tudo envolto em uma camada de blues rock, com a dureza do hard rock. A seção rítmica precisa ser enaltecida: baixo pulsante e cheio de melodia, bateria marcada, pesada. Os solos de guitarra me remetem ao Cream e Blue Cheer, mas não podemos esquecer de que se trata de uma gravação de 1970, pouco depois do que tais bandas produziram. Seria uma inspiração ou seria uma referência como o Cream e Blue Cheer?

"Hazy Shady Lady"

Segue com “Trust” que começa com uma bateria meio jazzística, diria, mas com um “tempero” psicodélico, com solos e riffs de guitarra bem lisérgicos. Mas na sequência se percebe um hard rock de vanguarda e que se percebe um proto doom sujo e pesado que traz à lembrança o Black Sabbath em “Master of Reality”. Ouso dizer ainda que, apesar da aspereza do som, percebe-se mudanças de ritmo, algo progressivo encarna nessa faixa.

"Trust"

“Judgement Day (Honest Religion)” começa sombria, estranha. A bateria, com um eco entrega toda essa aura perigosa e beligerante. Os solos de guitarra me trazem à mente um occult rock e isso se corrobora no vocal melancólico, que chega a ser abafado. Para a metade, segunda metade, diria, da faixa, o som vai encorpando, ganhando uma textura mais calcada para o hard rock psicodélico.

"Judgement Day (Honest Religion)"

“Sweet Bitch” vem arrebentando a porta e passando por cima como um rolo compressor. É pesada, é intensa, é agressiva, mas muito bem executada. Um hard rock com riffs pesados e grudentos de guitarra, com uma cama de teclados que faz da música mais dançante. Mas não se enganem, é uma música para “bater cabeça” de tão pesada. Um heavy rock com temperos de proto metal.

"Sweet Bitch"

E fecha com “What Is The Point (Of It All?)” que mantém, mais ou menos, a mesma proposta da faixa anterior, porém, essa é ainda muito mais dançante, com uma cadência animada, solar. A bateria é espetacular nessa música e rege as atenções e a essência dessa faixa de forma magistral. Os riffs de guitarra são pesados, mas entrega um hard psych muito interessante.

"What is the Point (Of it All?)"

“Judgement Day” não foi lançado, oficialmente, no ano em que foi gravado, em 1970, mas foi descoberto, depois de cinquenta e um anos que foi concebido no Orange Studios. Em 2021 o único rebento do Hellmet finalmente ganhou luz e foi lançado pelo selo Seelie Court. Mas o caráter “artesanal” do lançamento foi percebido pelo número limitadíssimo de cópias disponíveis, com exatamente 300 cópias, no formato CD! E não precisa dizer que os valores praticados eram inacreditavelmente altos, em torno de £ 10.000! Acreditem se quiserem!

Hoje está esgotado, não há mais para a venda deste lançamento e acredito que os contemplados por essa cópia não iria se desfazer de relíquia sonora e se tiver algum vendedor o fará por cifras astronômicas! É o valor que se, literalmente, paga por ter álbuns como esse que, no passado foram vilipendiados, e que hoje assume o caráter de “cult”. Coisas do tempo!

E em meio a todo esse turbilhão de lançamentos descobertos, graças ao advento das redes sociais e da internet, somados aos abnegados trabalhos de garimpo dos selos underground, o Hellmet, com seu “Judgement Day” se torna um verdadeiro item de colecionador para os aficionados pelo rock obscuro e raro e pelo amante do bom e velho rock n’ rool.

O Hellmet é uma das várias bandas que nos estimula a entender e a exercitar as razões da dureza do protometal e dos primórdios do hard rock, além da percepção de uma gama de ramificações que vieram ao longo das décadas. Arrisco dizer que o Hellmet foi uma referência esquecida nos escombros do rock.




A banda:

Terry Aitken no vocal

Stephen Day na guitarra

Ray Mellors no baixo

Gary Murphy na bateria

 

 

Faixas:

1 - Hazy Shady Lady

2 - Trust

3 - Judgement Day (Honest Religion)

4 - Sweet Bitch

5 - What Is The Point (Of It All?)




"Judgement Day (1970 - 2021)